Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0277/15.7BEMDL
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
DEVOLUÇÃO
VERBA
INTERRUPÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – De acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º, 1, do Código Civil, o artigo 323.º, n.º 1 do CPC, conjugado com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, deve ser interpretado no sentido de que o conhecimento por parte do destinatário de qualquer acto da Administração que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de obter a reposição de quantias indevidamente recebidas, interrompe a prescrição da obrigação.
II – Do princípio geral da autotutela executiva da Administração, previsto no artigo 149.º, n.º 2 do CPA de 1991, vigente à data dos factos, resulta que «o cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração, sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no [referido] Código ou admitidos por lei».
Nº Convencional:JSTA00071729
Nº do Documento:SA1202305110277/15
Data de Entrada:06/17/2022
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTIGO 323.º CPC
ARTIGO 40.º, N.º 1, DO DECRETO-LEI N.º 155/92 DE 28 DE JULHO
ARTIGO 149.º, N.º 2 DO CPA/1991
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO Do CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

A..., Ldª., com sede no Largo ..., ..., Chaves, devidamente identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF), acção administrativa, contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com sede na Avenida 5 de Outubro, 67 a 107, 1069-018 Lisboa, peticionando a anulação/declaração de nulidade:
(…) do acto da autoria do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 21 de Janeiro de 2015, que lhe determinou a reposição aos cofres do Estado da quantia de 108.167,89€ (cento e oito mil, cento e sessenta e sete euros, oitenta e nove cêntimos) e a consequente devolução, acrescida de juros de mora.”
*
Por sentença do TAF de Mirandela, proferida em 21 de Dezembro de 2018, foi julgada a acção totalmente procedente, e, em consequência, declarado nulo o acto em crise e condenado o Réu a devolver à Autora a quantia de 108.167,89€ (cento e oito mil, cento e sessenta e sete euros, oitenta e nove cêntimos), por esta entretanto liquidada.
*
O Réu apelou para o TCA Norte e este, por acórdão proferido a 28 de Janeiro de 2022, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando a acção improcedente.
*
A Autora/recorrente A..., LDA, inconformada veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
A. O recurso de revista ora interposto pela Recorrente tem por objeto o Acórdão proferido pelo TCAN, em 28.01.2022, que, concedendo provimento ao recurso de apelação anteriormente interposto pelo então Recorrente Ministério da Educação, ora Recorrido, revogou a decisão proferida pelo TAF de Mirandela, substituindo-a por outra que julgou a ação improcedente.
B. É que, ao decidir que, no âmbito da execução do contrato de associação celebrado entre as partes relacionado com o Colégio ..., o Recorrido podia ter determinado, como e quando determinou, que a Recorrente estava obrigada à reposição nos cofres do Estado da quantia de €108.167,89, o Acórdão recorrido incorreu em vícios formais e materiais que o ferem de ilegalidade.
C. Ora, está em causa saber se o artigo 323º, nº 1, do CC, no âmbito do prazo de prescrição previsto no artigo 40º, nº 1, do DL 155/92, comporta a interpretação de que as entidades públicas estão dispensadas de recorrer aos meios judiciais para produzirem a interrupção da prescrição, podendo operar tal efeito através de atos extrajudiciais (como, por exemplo, a notificação de um interessado para audiência prévia).
D. É notório que o presente caso se reveste de relevância social fundamental, pois, como bem se sabe, o instituto da prescrição tem um enorme impacto no tráfego jurídico atendendo ao potencial extintivo das obrigações constituídas que carrega, sendo, por isso, uma figura que pretende conferir segurança e certeza a esse tráfego.
E. Além de que a admissão deste recurso de revista é também necessária para uma melhor aplicação do direito, pois que existe e é provável (ou, arrisque-se, certa) a “possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros”, além de que esta questão da prescrição tem vindo a ser tratada de forma contraditória pela jurisprudência – e, em parte dela, de modo errado!
F. Acresce que, o douto Tribunal recorrido incorreu em manifesta violação dos artigos 3º, 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigos 1º e 140º, nº 3, do CPTA, quando considerou que poderia, ao arrepio do alegado pelas partes considerar, sem mais, como provados factos simplesmente por eles constarem do relatório da instrução do processo disciplinar que constitui o processo instrutor.
G. O que configura uma situação que exige a intervenção deste Venerando Tribunal, não só para assegurar uma melhor e necessária aplicação do direito, mas também porque se trata de uma questão com relevância social, por ser suscetível de se repetir noutros processos judiciais.
Ora,
H. Em primeiro lugar, a decisão recorrida padece de um evidente vício de excesso de pronúncia, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, aplicável por força dos artigos 1º e 143º do CPTA.
I. É que, conforme se sabe, a competência dos tribunais está sempre sujeita à extensão dos pedidos que as partes lhes dirigem, cuja atuação se rege pelo princípio do dispositivo, conforme explicita o artigo 608º, nº 2, do CPC.
J. Mais especificamente, em sede de recurso, esses limites são gizados pelos recorrentes, nas suas alegações de recurso e, sobretudo, nas suas conclusões, conforme determina também o artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC.
K. Em concreto, o TCAN debruçou-se sobre a questão de saber se a ora Recorrente cumpriu ou não o disposto na Portaria nº 1310/2005, de 21 de dezembro, relativa à conservação arquivística de documentos (ponto II.2.3., que se inicia na página 23 do acórdão recorrido) – dúvida esta, que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, uma vez que a Recorrente sempre cumpriu as disposições legais e regulamentares aplicáveis à sua actividade.
L. Referindo, a esse propósito o seguinte (páginas 25 e 26 da decisão recorrida):
O Recorrente tem inteira razão.
A inspecção realizada constatou, relativamente à biblioteca, designadamente, que “Não há registo de frequência nem número médio de utentes”, tendo alcançado a conclusão de que “não estava assegurado um horário de funcionamento para a biblioteca e que só muito esporadicamente esta abria” e, decisivamente, exarou-se: “Assim, não foi atribuída qualquer pontuação aos parâmetros C.4 e C.5 por não haver registo de frequência, nem estar assegurado um horário de funcionamento da Biblioteca (fls. 30)”.
O que não se mostra contrariado pela matéria de facto assente, por provada, e pacífica, por não impugnada, sendo que inexistem factos não provados.
M. Determinar se houve cumprimento de uma determinada obrigação é uma questão puramente de facto, implicando apenas verificar se uma determinada realidade ou sucessão de acontecimentos ocorreu ou não; enquadramento esse, que o que o próprio TCAN reconhece:
O que não se mostra contrariado pela matéria de facto assente, por provada, e pacífica, por não impugnada, sendo que inexistem factos não provados” (página 25, quarto parágrafo, do acórdão recorrido, com destaque nosso).
N. Repare-se até que o TCAN não diz expressamente que pretende alterar ou aditar, na sequência deste seu raciocínio, os factos provados, embora a sua finalidade prática seja efetivamente essa; numa palavra: quer, mas não diz que quer, porque sabe que não pode.
O. Neste âmbito, cumpre ainda atender ao disposto no artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, relativo ao conteúdo da sentença (e aplicável, naturalmente, aos acórdãos), segundo o qual todos os factos relevantes para qualquer decisão têm de pertencer a um de dois elencos: aos dos factos provados ou ao dos factos não provados.
P. Assim, inexistindo um terceiro elenco de factos implícitos, tácitos ou inerentes, por não contrariarem o que já foi dado como pacificamente provado, não pode o TCAN pretender ficcionar esse terceiro elenco, tendo de se ater à apreciação de questões de direito (coisa que não fez).
Q. Além da questão do cumprimento da Portaria nº 1310/2005, de 21 de dezembro, o Tribunal recorrido debruçou-se também sobre o tema das tabelas salariais utilizadas pela Recorrente para processar os vencimentos de setembro de 2007, procurando determinar quais foram efetivamente utilizadas.
R. Ou seja, o Tribunal recorrido aferiu se determinados acontecimentos tiveram lugar ou não – o que também constitui, inequivocamente, matéria de facto.
S. É certo que, nos termos do artigo 662º, nº 1, do CPC, aplicável, por via dos artigos 1º e 140º, nº 3, ambos do CPTA, aos Tribunais Centrais Administrativos, é possível alterar a matéria de facto:
“A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
T. Aliás, mais do que uma possibilidade, é mesmo um poder-dever do Tribunal ad quem proceder a essa alteração, caso assim o imponham (i) os factos tidos como assentes (pelo tribunal de primeira instância, naturalmente), (ii) a prova produzida ou (iii) um documento superveniente.
U. Ora, sucede que nos dois casos acima apontados, em que o Tribunal recorrido apreciou indevidamente matéria de facto, o TCAN não o fez com base em nenhum destes três elementos!
V. Ao invés, socorreu-se (e até citou!) do processo administrativo instrutor para esse efeito, o que é manifestamente inadmissível!
W. Veja-se:
A inspecção realizada constatou, relativamente à biblioteca, designadamente, que “Não há registo de frequência nem número médio de utentes”, tendo alcançado a conclusão de que “não estava assegurado um horário de funcionamento para a biblioteca e que só muito esporadicamente esta abria” e, decisivamente, exarou-se: “Assim, não foi atribuída qualquer pontuação aos parâmetros C.4 e C.5 por não haver registo de frequência, nem estar assegurado um horário de funcionamento da Biblioteca (fls. 30)”” (página 25 do acórdão recorrido, com destaque nosso);
““a testemunha AA, funcionária administrativa, a trabalhar no Colégio ... há trinta anos, reconhece que "não foi feita a regularização aquando do conhecimento da nova tabela salarial", "por mero lapso" (fls. 498 do processo instrutor)” (página 30 do acórdão recorrido, com destaque nosso).
X. Como bem se sabe, o processo administrativo instrutor não constitui prova produzida e, muito menos, factos tidos como assentes em primeira instância (bem pelo contrário, como se verá) ou documentos supervenientes.
Y. Conforme explica o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão de 10.12.2019 (P. 185/07.5BEBJA12):
O processo administrativo instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa aos princípios da igualdade das partes, pelo que a circunstância de a Administração ter considerado um determinado comportamento ou um facto como praticado, não impede o A. de produzir prova destinada a contraditar os pressupostos factuais em que se baseou o acto impugnado, da mesma forma que em sede de gestão inicial do processo o juiz administrativo deve definir os temas de prova à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito” (destaques nossos).
Z. Portanto, não só o conteúdo do processo administrativo instrutor pode ser afastado mediante prova que demonstre a sua inveracidade, como foi precisamente isso que sucedeu no caso em análise, em sede de primeira instância (que correu os seus termos no TAF de Mirandela), onde a ora Recorrente (então Autora) logrou demonstrar que não assistia razão ao Recorrido (então Réu) relativamente às conclusões da inspeção que levou a cabo.
AA. Com efeito, o TAF de Mirandela, citado pelo TCAN na decisão recorrida (suas páginas 23 e 24), decidiu que:
De acordo com a fundamentação do acto impugnado, o Réu propõe-se retirar ao COLÉGIO a pontuação atribuída aos parâmetros C.4 e C.5 previstos no Despacho n.º 256-A/ME/96, atualizado pelo Despacho nº 19 411/2003, referentes ao item “Existência de Centro de Recursos Educativos/Mediateca.
No entanto, como bem salienta a Autora, não tem sentido fazer repercutir no cálculo das contrapartidas devidas ao COLÉGIO pelos CA’s dos anos letivos 2007/2008 e 2008/2009 conclusões acerca do funcionamento da biblioteca, que se baseiam, não em intervenções inspetivas efetuadas ao local durante os referidos anos letivos, mas em visitas promovidas no ano 2010, em data em que aqueles anos letivos se mostravam já concluídos e transcorridos. Pretende o Réu que não existem documentos comprovativos de quantos alunos são utilizadores da Biblioteca e a frequentam, e se servem da mesma e que durante a recolha do material para analise, "in loco'', várias vezes (mais de dez), foi constatado pelo instrutor e secretário que a porta da Biblioteca estava fechada e das poucas vezes que a mesma estava aberta não havia lá nenhum funcionário, nenhum docente e nenhum aluno. E nunca foi entregue, nem após a notificação, nenhum contra facto documental relativamente ao número médio de utentes.
No entanto, a título de exemplo, veja-se que o Réu não estriba com base em que instrumento legal ou contratual funda essa exigência de manutenção (decorridos os anos lectivos objecto do CA) desse registo actualizado, dos utentes da biblioteca.
Mais a mais, resulta dos autos que a inspecção em causa decorreu entre os dias 20 e 28 de Julho, ou seja, durante as férias de Verão, altura em que a biblioteca estava fechada e os alunos de férias, o que inevitavelmente terá contribuído para as conclusões que se fez constar do relatório que estribou o acto em crise.
Também aqui terá, pois, o Réu incorrido em erro nos pressupostos de facto, ao retirar à Autora a pontuação atribuída nos parâmetros c.4 e c.5. previstos no Despacho n.º 256-A/ME/96, que correspondem, respetivamente, ao número médio de utentes/mês e ao período de funcionamento da biblioteca”.
BB. E, isso sim, são factos provados, assente em prova produzida judicial e regularmente, não podendo o TCAN vir, posteriormente, alterar tal decisão com base no conteúdo próprio processo administrativo instrutor que se logrou afastar.
CC. Mesmo que assim não fosse (isto é, mesmo que o TCAN pudesse recorrer ao processo administrativo instrutor para alterar a matéria de facto em segunda instância – o que não se admite), “As competências que se atribuem no artigo 662.º [do CPC] apenas se podem exercer dentro do objeto recursório fixado pelo recorrente nas conclusões de recurso, nos termos do artigo 635.º e 640.º [do CPC] (…). Em suma: a Relação apenas pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se o recorrente a impugnou e na medida em que a impugnou. Efetivamente, está na disponibilidade do legitimado (cf. Artigo 631.º) recorrer ou não da decisão sobre a matéria de facto, segundo o princípio tantum devolutum quantum appelatum.
Se o recorrente apenas impugnou a matéria de direito, a Relação não pode alterar a decisão sobre a matéria de facto13 (destaque nosso).
DD. Portanto, mesmo este poder-dever não constitui um “cheque em branco”, donde a Relação (e o TCA) sempre terá de se ater ao objeto do recurso tal como definido pelo recorrente, em especial nas suas conclusões.
EE. Em suma: Se o âmbito do recurso que competia ao Tribunal recorrido julgar estava circunscrito à matéria de direito, o julgamento sobre matéria de facto que fez estava-lhe vedado; Muito mais, quando se baseia em elementos do processo administrativo instrutor, contrariado por prova produzida em sede de primeira instância.
FF. Portanto, desde já e sem mais, é forçoso concluir que o Tribunal recorrido incorreu num vício de excesso de pronúncia, gerador da sua nulidade, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, sem prejuízo de, caso assim não se entender, ser fundamento de revogação do Acórdão em apreço.
GG. Em segundo lugar, no que toca ao direito material, o Tribunal recorrido incorre num claro erro de interpretação do artigo 323.º do CC e do artigo 40.º do decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
HH. Atente-se nos factos provados com relevo para o presente recurso de revista:
a) Facto provado n. 3: Foi levada a cabo uma ação inspetiva ao estabelecimento de ensino da Recorrente entre 20 e 28 de julho de 2010, tendo a mesma sido concluída em outubro desse ano;
b) Factos provados nºs. 4 e 7: O Recorrido entendeu, nessa sequência, que a Recorrente deveria repor nos Cofres do Estado a referida quantia de € 108.167,89, que havia sido recebida a mais no âmbito da execução dos contratos de associação dos anos letivos 2007/2008 e 2008/2009;
c) Facto provado nº 5: A 09.11.2010, foi ordenada, por despacho, a instauração do correspondente procedimento administrativo para audiência do interessado;
d) Facto provado nº 6: A 24.03.2011, o Recorrido notificou a Recorrente para esta se pronunciar relativamente ao projeto de decisão de reposição;
e) Facto provado nº 9: A 21.01.2015, o Recorrido proferiu ato administrativo que ordenava a reposição dos € 108.167,89.
f) Facto provado nº 12: A notificação dirigida à Autora do ato impugnado data de 5 de fevereiro de 2015, tendo sido recebida a 9 de fevereiro.
II. Ora, o que o Tribunal recorrido diz é que a notificação da Recorrente, de 24.03.2011, interrompeu o prazo prescricional que se encontrava em curso, relativa ao direito do Recorrido de exigir a reposição nos cofres do Estado da quantia de € 108.167,89.
JJ. Sucede que assim não é, pois que tal conclusão se baseia numa interpretação errada do artigo 323º do CC!
Veja-se,
KK. No caso em análise, o prazo prescricional em causa é de 5 anos, conforme decorre do regime da administração financeira do Estado, aprovado pelo DL 155/92, que, no seu artigo 40º, nº 1, sob a epígrafe “Prescrição”, determina que “A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento” (destaque nosso),
LL. Acrescenta o nº 2 do referido artigo 40º que: “O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição”.
MM. Ou seja, o aludido prazo de cinco anos está expressamente sujeito às causas de interrupção e prescrição previstas no artigo 323.º do CC, nomeadamente no seu n.º 1, segundo o qual: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
NN. Portanto, este prazo de cinco anos começou a correr em setembro e agosto de 2007 e 2008, data em que a Recorrente recebeu as referidas quantias.
OO. E a verdade é que não ocorreu qualquer facto que operasse a sua suspensão ou interrupção.
PP. Pois que, contrariamente ao que diz o Tribunal a quo, também o Recorrido teria de ter recorrido a meios judiciais para interromper o prazo de prescrição que se encontrava em curso (e que se consumou), não tendo a notificação da Recorrente, a 24.03.2011, operado esse efeito, pois que tal ato é extrajudicial e não se subsume nem substitui a uma citação ou notificação judicial.
QQ. É que o artigo 323º do CC, enquanto norma jurídica, tem de ser interpretada à luz dos comandos do artigo 9º do CC.
RR. E é aqui o Tribunal recorrido falha redondamente: é inaceitável ler o artigo 323º do CC no sentido em que este só se aplica, em rigor, aos particulares e que, mesmo havendo uma remissão expressa para as causas gerais de suspensão e de interrupção da prescrição operada pelo artigo 40º, nº 2, do DL 155/92, as entidades públicas estão dispensadas de recorrer aos meios judiciais para fazerem interromper a prescrição, usufruindo, assim, de um regime mais benéfico.
SS. Desde logo, cumpre atender ao elemento literal da interpretação e à sua função negativa, explicitada no artigo 9º, nº 2, do CC: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
TT. Atenta a inexistência de quaisquer indícios, no texto da lei, nesse sentido, não se percebe como, nem através de que palavras ou ideias, é que o Acórdão recorrido retira do artigo 323º, nº 1, do CC, que o seu âmbito de aplicação não abrange as entidades públicas, mas tão-só os particulares!
UU. O que dele se retira, sem dúvidas, é o seguinte: toda e qualquer pessoa (singular ou coletiva, pública ou privada) tem de recorrer aos tribunais a fim de operar a interrupção do decurso de um prazo de prescrição. Nada mais nem nada menos.
VV. Acresce que nada adianta ao TCAN apoiar-se na sua própria jurisprudência, que vai no mesmo sentido da sua decisão, nomeadamente o seu acórdão de 14-12-2012, processo nº 178/06, pois que, como bem se sabe, a jurisprudência não é fonte de Direito – artigo 1º do CC a contrario.
WW. Cumpre ainda notar que foi o legislador que quis remeter, livre de qualquer obrigação, para o artigo 323.º do CC (tanto que remeteu, inequivocamente), ao aludir às “causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição” (artigo 40º, nº 2, do DL 155/92).
XX. Tão livre foi nesta escolha como na inversa, já que tanto no artigo 63º, nº 3, da Lei nº 17/2000, de 8 de agosto, que aprova as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social, como no artigo 49º, nº 1, da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de dezembro), o legislador optou por não remeter para as causas gerais de suspensão e interrupção da prescrição, fazendo operar o princípio jurídico de que a norma especial derroga a norma geral, o que não acontece no caso dos autos.
YY. Repare-se, pois, que também aqui o elemento sistemático, a que se reporta o artigo 9º, nº 1, do CC quando refere “a unidade do sistema jurídico” como elemento a ter em conta, é de suma importância.
ZZ. Só se pode concluir que, a bem da necessária “unidade do sistema jurídico”, é impossível arguir que o artigo 323º do Código Civil permite o recurso a meios não judicias – ainda para mais, só relativamente às entidades públicas!
AAA. Insista-se: se o legislador assim quisesse, tê-lo-ia dito – pois há casos em que o diz; se não disse, há que respeitar a regra geral.
BBB. Além do mais, a leitura de que o artigo 323º do CC só permite às entidades públicas a prática de atos não judiciais para operar a interrupção da prescrição, contendo, assim, dois regimes distintos sem aparente acolhimento na letra da lei ou justificação, viola o princípio da igualdade, vertido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
CCC. É certo que seria muito conveniente que assim fosse, por toda a agilidade, rapidez e simplicidade que tal solução confere, mas é ainda mais certo que não existe qualquer motivo jurídico para conferir um tratamento diferente às entidades públicas e privadas para este efeito.
DDD. Considerando que (i) o prazo de prescrição de 5 anos começou a decorrer em setembro e agosto de 2007 e 2008, datas em que a Recorrente recebeu os € 108.167, 89 em causa; que (ii) não ocorreu nenhum facto causador da suspensão ou interrupção de tal prazo; e que (iii) a Recorrida foi notificada, a 24.03.2011, para se pronunciar relativamente ao projeto de decisão que determinava a reposição das quantias, mas tal ato judicial não opera a interrupção do prazo.
EEE. Então, o prazo de cinco anos terminou em setembro e agosto de 2012 e 2013, donde, a 21.01.2015, data da ordem de reposição (facto provado nº 9), o direito de emitir tal ordem havia já prescrito há muito.
FFF. Assim sendo, simetricamente, tal ordem não pode produzir efeitos relativamente à Recorrente, a quem cabe o direito de reter na sua titularidade a quantia de € 108.167,89, recebida em setembro e agosto de 2007 e 2008, por referência aos contratos de associação dos anos letivos de 2007/2008 e 2008/2009.
Em suma:
GGG. Por um lado, fica demonstrado que o acórdão recorrido violou artigos 3º, 5º, 607º, nº 3, 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, 662.º, nº 1, todos CPC, aplicáveis ex vi artigos 1º e 140º, nº 3, quando considerou que poderia, ao arrepio do alegado pelas partes considerar, sem mais, como provados factos simplesmente por eles constarem do relatório da instrução do processo disciplinar que constitui o processo instrutor.
HHH. Já quanto à leitura que faz do artigo 323º do CC, o Tribunal recorrido viola flagrantemente, não só esse mesmo normativo e o artigo 40º, nº 2, do DL 155/92, como também o artigo 9º do CC, que estabelece as regras da interpretação das normas jurídicas,
III. Por outro lado, fica também assente que o artigo 323º do CC foi mal interpretado pela decisão recorrida, pois que desse normativo, em especial do seu nº 1, apenas decorre que toda e qualquer pessoa – pública ou privada - só logra interromper um prazo de prescrição se recorrer a meios judicias (à citação ou à notificação judicial).
JJJ. Era nesse sentido que o artigo 323º do CC devia ter sido lido, levando à conclusão inevitável de que o Recorrido, não tendo recorrido a nenhum desses meios, não fez interromper a prescrição do prazo de cinco anos com a notificação da Recorrente, no âmbito de um procedimento administrativo, para se pronunciar sobre o projeto de decisão.”
*
O recorrido contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
- O Acórdão recorrido não incorreu no vício de excesso de pronúncia como prevê o artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC; respeitou o âmbito das alegações de recurso apresentadas (artigos 635º, nº 4, e 639.º, ambos do CPC) tal como dispõe o princípio do dispositivo (artigo 608º, nº 2, do CPC);
- A Recorrente não respeitou a obrigação legal de conservação e manutenção em arquivo dos documentos relacionados com os utentes da biblioteca, como exige a Portaria nº 1310/2005, de 21 de dezembro, assim, de acordo com o previsto no Despacho nº 256-A/ME/96N, foi necessário retirar a pontuação dos parâmetros C.4 e C.5.;
- O processamento do vencimento da docente BB não foi corretamente efetuado, o Colégio imputou 10 meses ao Contrato quando devia imputar apenas 5 meses (cfr. Idem, fls. 369,370, 377 e 378, Volume II do P.A.), visto esta docente, para além de dois meses de baixa médica, esteve de licença de maternidade 150 dias (cfr. Idem, fls.187, volume I do P.A.);
- O Tribunal recorrido não cometeu qualquer ato de violação relativa à decisão da matéria de facto da 1ª instância, uma vez que não há razão bastante para que não proceda ao exame, no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1ª instância (artº 607º nº 5 e, 663º, nº 2 do CPC);
- o Tribunal de recurso pode, nos termos do artº 662º, nº 1, do CPC, aplicável aos Tribunais Centrais Administrativos por via dos artigos 1º e 140º, nº 3, ambos do CPTA, reapreciar o julgamento da matéria de facto da 1ª instância com base nos elementos examinados naquela instância – e consequentemente pode alterar, substituir e revogar a decisão correspondente.
- O artigo 323º, do Código Civil, que regula a interrupção da prescrição, é uma norma do Código Civil destinada a regular relações jurídicas entre privados e deve ser interpretada em termos adequados a uma relação jurídica administrativa em que uma das partes, a Autoridade Administrativa, aquela que determina a reposição de quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos tribunais para reposição de verbas indevidamente recebidas.
- Como dispõe o nº 1 do artigo 9º, do Código Civil, a norma do artigo 323º, do Código Civil, deve ser interpretada no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas o conhecimento por parte do destinatário de qualquer ato da Administração que exprima direta ou indiretamente a intenção de obter a reposição”;
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 26 de Maio de 2022.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 146º, nº 1 e 147º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
1. A Autora é uma sociedade comercial, que é proprietária do estabelecimento de ensino particular - Colégio ... - (doravante, COLÉGIO), sito em ..., concelho ..., sendo - desde a década de 80, aliás – co-contratante do Estado em Contratos de Associação (“CA”).
2. A Autora encarrega-se, por essa via, de assegurar o serviço educativo de vários níveis de ensino a alunos que residem na sua área de implantação, recebendo do Estado, em contrapartida, uma retribuição anual.
3. O Réu levou a cabo uma acção inspectiva ao estabelecimento de ensino, entre os dias 20 e 28 de Julho (cf. fls. 37 do P.A.), durante as férias de Verão, concluída em Outubro de 2010.
4. Na sequência dessa inspecção, o Réu concluiu pela existência de alegadas irregularidades que se revelariam susceptíveis de fundamentar uma decisão a ordenar a reposição de uma quantia de €108.167,89 (cento e oito mil, cento e sessenta e sete euros, oitenta e nove cêntimos).
5. Consequentemente, o Inspector-geral da Educação proferiu despacho em 9 de Novembro de 2010 em que ordena a instauração de “procedimento administrativo para audiência do interessado” com vista à reposição nos cofres do Estado da importância recebida a mais, num total de €108.167,89.
6. Por esse motivo, em 24.03.2011, notificou a Autora, nos termos e para os efeitos do artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo, convidando-a a pronunciar-se relativamente a esse projecto de decisão subscrito pelo Instrutor do processo – cfr. doc. nº ... junto aos autos com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Os factos deduzidos no projecto de decisão de mandar repor a referida quantia, respeitam aos contratos de associação dos anos lectivos 2007/2008 e 2008/2009.
8. Em resposta, a Autora apresentou a sua defesa, concluindo pelo pedido de arquivamento ou, caso assim não se entenda, requerendo que fosse o “valor apurado na notificação respondendo concretizado e explicitado” – cfr. doc. nº ... junto aos autos com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. O Réu proferiu uma ordem de reposição – acto impugnado - datada de 21 de Janeiro de 2015 e da autoria do Senhor Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, relativa aos contratos de associação dos anos lectivos 2007/2008 e 2008/2009 e que determina à Autora a reposição aos cofres do Estado da quantia de € 108.167,89 (cento e oito mil, cento e sessenta e sete euros, oitenta e nove cêntimos) – cfr. doc. nº ... junto aos autos com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. O acto é, desde logo, constituído por um despacho do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, nos termos do qual:
I) Concordo;
II) Aderindo aos fundamentos de facto e de Direito constantes da presente informação [NID: referência nº ...4, de 27 de Novembro de 2014, relativa ao processo n.º 10.14...], determino à DGESTE a emissão das competentes guias de reposição, seguida de processo de execução fiscal em caso de não pagamento voluntário, para recuperação e reposição nos cofres do Estado, da quantia de 108.167,89€, por parte da Sociedade “C., Lda.”, entidade titular do Colégio (…).
11. Sendo acompanhado, como documento anexo, da informação dos serviços da INSPECÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO E DA CIÊNCIA (IGEC) com a referência nº ...4 (doravante “Informação”), subscrita pelo “Inspector”.
12. A notificação dirigida à Autora do acto impugnado data de 5 de Fevereiro de 2015, tendo sido recebida a 9 de Fevereiro.
13. A Autora pagou a quantia de 108.167,89€ referida no despacho impugnado em 13 de Março de 2015, sob reserva, conforme consta da Guia de Pagamento e da carta remetida ao Réu onde se inscreveu o seguinte: “Dando cumprimento ao vosso ofício em referência, procedi ao pagamento da Guia nº 2 no valor de 108.167,89€, conforme comprovativo que junto anexo
(…) Não concordando com este pagamento, o mesmo deverá ser considerado sob reserva.”
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2.2. O DIREITO
O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28-01-2022, pelo qual foi julgado conceder total provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Mirandela, que havia julgado a acção procedente e declarado nulo o acto impugnado, da autoria do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 21-01-2015, que determinou a reposição aos cofres do Estado da quantia de 108.167,89€ e condenou o Réu a devolver à Autora essa quantia, por esta entretanto liquidada, e, concedido provimento ao recurso, como referido, veio a julgar a acção totalmente improcedente.
E ao fazê-lo, julgou improcedentes todos os vícios assacados ao acto impugnado, considerando quanto à prescrição invocada, que a mesma se não verificava, atenta a interrupção resultante da notificação efectuada à A para exercer o seu direito de audiência prévia, ocorrida em 24.03.2011.

(I) DA NULIDADE DO EXCESSO DE PRONÚNCIA
E antes de mais vejamos se o acórdão recorrido padece da nulidade que lhe é assacada, respeitante ao excesso de pronúncia, que ocorre quando o juiz se pronuncia sobre questões que não podia conhecer.
O artigo 615º, alínea d), (ex 668.º) do CPC, em obediência ao fixado nº 2, do artigo 608º (ex 660º) do CPC, preceitua que: “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Assim, verifica-se excesso de pronúncia quando o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado.
O excesso de pronúncia é corolário do princípio do dispositivo, segundo o qual, proíbe o juiz de ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou imponha por conhecimento oficioso.
Se o juiz conhece de questão, que o autor e réu não lhe submeteram, a sentença enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua actividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).
Em suma, da conjugação dos artigos 615º alínea d) e nº 2 do 608º, do CPC, ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal aprecia e decide uma questão, isto é, um problema concreto que não foi suscitado pelas partes, salvo se a lei lhe impuser o seu conhecimento oficioso.
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Posto isto, vejamos em concreto, a alegação do recorrente:
v o acórdão padece de nulidade por excesso de pronúncia - artigo 615°, n°1, alínea d), do CPC, ex vi artigo lº do CPTA - uma vez que conheceu de «questões», como a relativa «à conservação arquivística de documentos» - PT n°1310/2005, de 21.12 - e «às tabelas salariais por ela utilizadas para processar os vencimentos de Setembro de 2007», que não lhe foram colocadas nem eram de conhecimento oficioso. Além disso, aduz, fê-lo com base em factos que nem faziam parte do acervo provado - na 1ª instância - nem lhe tinham sido reclamados no âmbito da apelação – artº 662°, n°1, do CPC ex vi 140°, do CPTA. E assim, ao ter lançado mão de factos sem base no poder concedido ao «tribunal de apelação” mas apenas recorrendo ao que constava do processo administrativo instrutor, que não faz fé em juízo, o acórdão recorrido incorre na já referida nulidade ou, a não ser assim, erra no seu julgamento, por desrespeito dos artigos 3º, 5º, 608º n°2, 635º n°4, 639º n°1, e 640º, todos do CPC - aplicáveis ex vi artigos 1º e 140º, n° 3, do CPTA - e, ainda, do princípio da igualdade das partes.
Em sede de despacho de sustentação proferido pelo TCAN, consignou-se o seguinte:
«Independentemente do exercício de poderes decorrentes do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, cabe apenas dizer, quanto ao relevante cerne em apreço, que as questões foram apreciadas porque suscitadas pelo ali Recorrente, pelo que independentemente do teor da apreciação - questão outra, que não de nulidade por excesso de pronúncia — a verdade é que nada se apresenta para suprimento, por inexistir excesso de pronúncia no sentido de apreciação de questão que ao Tribunal não tivesse sido colocada».
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Vejamos o que, em concreto, sucedeu nos autos:
O aqui Recorrido, em alegações de recurso apresentadas em 29.10.2019, (pontos 29 a 30), alegou que não foi respeitada a obrigação legal de conservação e manutenção em arquivo dos documentos em causa (registo actualizado dos utentes da biblioteca), como exigido pela Portaria nº 1310/2005, de 21 de Dezembro, ficando, assim, impossibilitado de poder atribuir a exacta pontuação aos parâmetros C.4 e C.5. previstos no Despacho nº 256-A/ME/96, que correspondem, respectivamente, ao número médio de utentes/mês e ao período do funcionamento da biblioteca.
Por sua vez, nas suas contra-alegações, (pontos 75 e 76), a aqui recorrente respondeu que não estava vinculada ao cumprimento do disposto na Portaria nº 1310/200, porque o seu âmbito de aplicação se restringe serviços da administração directa e indirecta do Estado, nos quais, a recorrida não se inclui, e nesta medida seria insuscetível de sustentar a retirada da pontuação atribuída aos parâmetros C.4 e C.5 previstos no Despacho nº 256-A/ME/96.
E o acórdão recorrido ao decidir como decidiu – cfr. ponto II.2.3, que aqui se dão por reproduzidos – não incorreu em qualquer violação do princípio do dispositivo, nem conheceu de factos de que não pudesse conhecer; ao invés, sopesou os argumentos das partes e decidiu em conformidade com os factos provados e o direito alegado.
E o mesmo sucede relativamente à questão do processamento dos vencimentos do mês de Setembro de 2007, em que o aqui recorrido sustentou nas suas alegações (pontos 35 a 42), que o processamento do vencimento da docente BB não foi correctamente efectuado, o Colégio imputou 10 meses ao Contrato quando devia imputar apenas 5 meses (cfr. Idem, fls. 369, 370, 377 e 378, Volume II do P.A.), pois a docente para além de dois meses de baixa médica, esteve de licença de maternidade 150 dias (cfr. Idem, fls.187, volume I do P.A.).
Por sua vez, a ora recorrente em sede de contra-alegações, veio defender (pontos 87 a 99), que, no caso ser obrigada a repor ou devolver qualquer quantia por força do processamento do vencimento da docente BB, na contabilização desse montante deverá imputar-se os encargos com a contratação do docente, o Dr. CC, que substituiu tal docente, como aliás foi reconhecido pelo recorrente, no período compreendido entre 3 de janeiro e 15 de julho e que se cifram no seguinte:
— € 1.635,99, a título de encargos com a segurança social;
— € 5.361,69, a título de vencimento líquido. Ambos no total de € 6,997,68 (cf. fls. 190 e 367 do processo administrativo).
Face ao exposto – cfr. ponto II.2.4, que aqui se dá por reproduzido - não se mostra violado nem o princípio do dispositivo, nem o acórdão recorrido incorreu em qualquer nulidade por excesso de pronúncia, pois não lhe estava vedada a argumentação aduzida para decidir as questões de direito que lhe foram suscitadas por ambas as partes, não tendo havido novas questões de direito ou de facto que tenham sido conhecidas; acresce que o juiz, em sede de apelação, não está obrigado a conformar a mesma questão de direito, com base nos mesmos argumentos até aí invocados, nem tão pouco está impedido de se socorrer de factualidade que se mostra junta aos autos e não se mostra impugnada, para efeitos de fundamentação da mesma questão de facto e de direito.
Refira-se, ainda que, em sede de despacho saneador proferido nos autos, deixou-se consignado o seguinte:
«Requerimentos probatórios:
a. admitem-se os documentos juntos pelas partes com os articulados (artigos 79º e 83º do Código de Processo nos Tribunais administrativos e 552º do Código de Processo Civil)».
Deste modo, toda a documentação junta pelas partes intervenientes podiam e deviam (como o foram) tidas em consideração pelo julgador, em sede de apelação, o que sucedeu também em virtude das alegações recursivas a que havia de dar resposta.
Improcede, pois, este segmento recursivo.
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QUANTO AO MÉRITO
(i) DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO
(ii) DA USURPAÇÃO DE PODERES
Sustenta a Autora, que já estaria prescrito o direito de mandar repor a quantia em causa nos autos, aquando da prolação do ato impugnado (21.1.2015), visto ter percebido essa quantia nos anos lectivos de 2007/2008 e 2008/2009, concretamente, nos meses de Setembro de 2007 e 2008 e de Agosto de 2008 e 2009.
Mais sustenta que o acto em crise é, nulo, por usurpação de poderes, uma vez que, o Réu nos Contratos de Associação, como é o caso, não actua investido de quaisquer prerrogativas de autoridade e, portanto, não poderia, unilateralmente, concluir pelo incumprimento da autora e executar a sua própria decisão sem primeiro recorrer aos tribunais.
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Quanto à prescrição invocada, o acórdão recorrido considerou que a mesma não se verificava, atento o relevo que deu à interrupção do prazo, resultante da notificação efectuada à A. para exercer o seu direito de audiência prévia, que se verificou em 24.03.2011.
E, deste modo, considerou que o artº 323º, nº 1 do CPC, destinado a relações jurídicas entre privados, deve ser interpretado em termos adequados a uma relação jurídica administrativa em que uma das partes, a autoridade administrativa, aquela que determina a reposição de quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos tribunais, a reposição, e não em termos estritamente literais que seriam, no caso inadequados.
Isto, sendo certo, que a Administração não precisa de recorrer aos tribunais para obter a reposição de quantias que pagou; ao invés, o particular é que tem de ir a tribunal impugnar o acto que ordenou a reposição, quer estejamos no domínio de uma relação contratual ou não.
Daí que, face ao disposto no artº 9º, nº, 1, do Cód. o artº 323º, nº 1 deve ser interpretado no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas, o conhecimento por parte do destinatário de qualquer acto da Administração que exprima directa ou indirectamente a intenção de obter a reposição.
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Vejamos:
De acordo com o disposto no artº 40º, nº 1, do DL nº 155/92 de 28.07 [que estabelece o regime da administração financeira do Estado], sob a epígrafe “Prescrição”, resulta que:
“1 - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.”
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A este propósito e quanto à questão de saber se o Réu incorreu ou não no vício de usurpação de poderes, quando, em matéria “dos contratos de associação” determinou a reposição “unilateral” nos Cofres do Estado a quantia apurada de 108.167,89€, nos termos do disposto nº 1, do artº 40º do DL nº 155/92 de 28.07, consignou-se no Acórdão recorrido, a não verificação ao aludido vício de usurpação de poderes conducente à nulidade do acto impugnado, em situações como a presente, depois de afastar a jurisprudência aduzida na sentença de 1ª instância [Ac. do STA de 04.02.2004, in proc. nº 01912/02] e fazendo apelo a jurisprudência mais recente proferida por este mesmo STA [07.03.2006, in proc. nº 01496/03, Acs. do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo v.g., de 22-04-2002, processo no 2025/04 (com voto de vencido), de 11-05-2004, processo no 02054/02; de 17-11-2004, processo no 02014/02); de 12-01-2005, processo no 020/03; de 07-12-2004, processo no 01351/02; de 12-01-2005, processo no 020/03; de 11-05-2005, processo no 02004/02; de 29-06-2005, processo no 01954/02; de 04-10-2005, processo no 01985/02; de 14-03-2006, processo no 0300/03], e Acs. de 21.03.2006, in proc nº 020/03 (Pleno), de 04.05.2006, in proc. nº 02014/02 (Pleno), de 23.01.2007, in proc. nº 0300/03 (Pleno), de 29.03.2007, in proc. nº 02004/02 (Pleno), designadamente, o seguinte:
«Aderimos, assim, à outra tese sustentada neste Supremo Tribunal que não reconhece o vício de usurpação de poder. Julgamos, com efeito, que na modificação unilateral das prestações a que alude o art. 180º, al. a), do C.P.Adm se inclui a modificação das prestações quer da Administração, quer do contraente particular, devida à deficiente execução das prestações assumidas pela outra parte.
A lei não restringe a reserva de autonomia e, em nosso entender, se a Administração pode modificar o conteúdo das prestações, apenas por razões de interesse público, também o pode fazer por razões de incumprimento – desde que a lei lhe atribua o poder de fiscalizar o respectivo cumprimento Não faria sentido a fiscalização do cumprimento (atribuído por lei), se não pudesse impor a correcta execução do contrato. Admitindo – como, por exemplo, ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. cit. pág. 855 – que a administração possa decidir unilateralmente a existência de incumprimento de prestações em falta, julgamos que tal poder subsiste no caso de “mau cumprimento” ou cumprimento defeituoso de prestações já executadas.
E, finalmente, admitindo a definição de situações de incumprimento de prestações já executadas, na pendência do contrato, também por identidade de razões se deve admitir tal poder no caso do contrato já estar cumprido, ou dito de outro modo, quando ambas as partes já tenham efectuado as prestações a que se obrigaram.
Este aspecto é, a nosso ver, o mais complexo.
Na verdade poderíamos ser levados a admitir a reserva de autonomia administrativa (prática de actos administrativos) apenas quando a mesma fosse justificada, pela finalidade do objecto do contrato (conteúdo das prestações), isto é, satisfazer da melhor forma o interesse público. E, assim, os actos administrativos surgiam apenas na vigência do contrato e enquanto fosse possível modificar os deveres de cumprimento (alteração das prestações em dívida: v.g. não pagar a totalidade da última tranche, em virtude do incumprimento defeituoso). Por outro lado, depois de cumpridas as obrigações contratualmente assumidas, a fiscalização sobre o mau cumprimento ou incumprimento, são geradoras de responsabilidade contratual, e não faz sentido que o apuramento desta responsabilidade contratual possa ser unilateralmente fixada e executada: a Administração entende que houve incumprimento, adequa a sua prestação em função desse incumprimento e pede a repetição do indevido.
Julgamos, todavia, que mesmo estes dois argumentos ((i) limitação dos actos destacáveis aos casos em que pudessem influir na realização da prestação, afastando os casos em que houve cumprimento da mesma (ainda que imperfeito); (ii) impossibilidade de definir por actos administrativos a responsabilidade civil contratual) não são decisivos.
Quanto ao primeiro argumento, julgamos que do art. 179º e art. 185º, 3 do C.P.Adm. resulta que a Administração pode celebrar contratos administrativos no âmbito “na prossecução das suas atribuições”, com a maior das amplitudes: em matérias reguláveis por acto administrativo, do que em matérias reguláveis por contratos de direito privado.
Nos casos em que a Administração tenha por força da lei poderes de autoridade sobre determinada matéria e mesmo assim opte por celebrar um contrato, julgamos que o poder de praticar actos administrativos, nessa matéria, se mantém em tudo aquilo que não for regulado de modo diverso no contrato e na lei (art. 187º do C.P.A.). Daí que, o poder de praticar actos administrativos que subsiste apesar da celebração do contrato, tanto subsiste enquanto o contrato estiver a vigorar, como depois de cumprido. Estes poderes exorbitantes, atribuídos à Administração, não têm a sua fonte no contrato mas na lei: “são e continuam a ser actos extracontratuais, incidindo sobre o procedimento de execução a partir de uma posição de exterioridade, porque é exterior a sua origem”, como diz LUÍS SOUSA FÁBRICA, Dicionário Jurídico da Administração Pública, pág. 532.
No caso dos autos, a Administração tem o poder de fiscalizar a utilização dos montantes (subsídios) entregues à Administração, poder esse que subsiste na pendência do contrato e depois deste findo. A finalidade deste poder não é ajustar a melhor forma do contraente privado satisfazer o interesse público (que este redunda essencialmente em ensinar gratuitamente os alunos que estariam sob a alçada do ensino público), mas sim em certificar-se de que o dinheiro público foi efectivamente gasto nos termos legal e contratualmente definidos.
O segundo argumento apenas impede a Administração de impor unilateralmente o dever e indemnizar. Não impede a Administração de modificar o dever de prestar (designadamente o seu). Estes dois deveres não são idênticos, no sentido de podermos considerar que o dever de indemnizar é um prolongamento do dever de cumprir. Uma das diferenças relevantes é que o dever de indemnizar tem por pressuposto um dano, enquanto o dever de prestar tem a sua fonte no contrato: “O dever de indemnizar, não constituindo prolongamento ou modificação do dever de prestar, e tendo por objecto reparar os danos, só do facto de estes se produzirem pode resultar – Gomes da Silva, Dever de Prestar, dever de Indemnizar, pág. 229).
No caso dos autos não foi o dano ou qualquer prejuízo que esteve na base da ordem de reposição, mas apenas a utilização adequada de dinheiros públicos. Não estando em causa a existência do dever de indemnizar, mas apenas a modificação do dever de prestar, também por esta via se não afasta o poder de praticar actos administrativos.
É claro que haverá, neste último caso, de colocar a questão da prescrição ou caducidade de tal direito (de exigir a reposição) – mas esta questão já se prende com a validade dos actos administrativos nesse âmbito praticados e não com a reserva de autonomia para a prática desses actos administrativos. Julgamos que esta questão se resolve, tendo em conta o caso concreto através das regras da prescrição do procedimento disciplinar, dado que é para este regime procedimental que a lei remete – cfr. art. 12º da Portaria 207/98, de 28 de Março.
Estas razões tanto valem para a modificação das prestações devidas pela Administração, ao reduzir o montante da prestação de acordo com a execução do contrato (com a forma como foram gastos os dinheiros públicos) como para a prestação do contraente particular na parte em que exigiu pagamento aos encarregados de educação, quando se comprometeu contratualmente a prestar o serviço gratuitamente.
Por isso entendemos que no caso se não verifica o vício de usurpação de poder invocado pela recorrente, impondo-se a apreciação dos demais vícios.”
Este Tribunal adere na íntegra à fundamentação supra expendida, importando referir, na esteira da argumentação expendida no Acórdão supra parcialmente transcrito, que estão cometidos à Administração claros poderes de autoridade na fiscalização da execução dos contratos de desenvolvimento da educação pré-escolar, que é celebrado ao abrigo do disposto no D.L. nº 553/80, de 21 de Novembro, do D.L. nº 147/97, de 11 de Junho e do Despacho no 17472/2001, resultando do art. 12º, nº 5 do Dec. Lei 553/80, de 21 de Novembro, que, sob epígrafe “dos contratos”, dispõe que “as escolas particulares que celebrarem contratos com o Estado ficam sujeitas às inspecções administrativas e financeiras dos serviços competentes do Ministério da Educação e Ciência”, direito de fiscalizar o cumprimento dos contratos que tem o âmbito que, além do mais, decorre do art. 58º, nº 2 da Lei 46/86, que dispõe: “o Estado apoia financeiramente as iniciativas e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo quando, no desempenho efectivo de uma função de interesse público, se integrem no plano de desenvolvimento da educação, fiscalizando a aplicação das verbas concedidas”, pelo que, ao contrário do decidido pelo T.A.F. de Penafiel o acto posto em crise, praticado em 19 de Fevereiro pelo Director Regional Adjunto de Educação do Norte não padece do vício de usurpação de poderes.».
Acolhendo uma tal fundamentação, aqui aplicável «mutatis mutandis» e com arrimo na jurisprudência neste sentido acima transcrita, procedem, assim, os fundamentos do recurso nesta questão, devendo a sentença ser revogada nesta medida».

E o assim decidido não merece censura, mostrando-se conforme com a jurisprudência nos últimos tempos fixada neste STA – cfr. ainda o Ac. deste STA de 11.03.2021 e jurisprudência nele referida
Com efeito, e quanto à interpretação a dar ao artº 40º, nº 2 do DL nº 155/92 de 28.07, a mesma mostra-se conforme à lei, logo, a questão da prescrição não podia ser decidida de outra forma, uma vez que, efectivamente, a administração não necessita de recorrer aos Tribunais para obter a reposição de quantias que entende ter pago indevidamente e que depois pede a devolução.
Igualmente, o princípio geral da autotutela executiva da Administração previsto no artº 149º, nº 2 do CPA de 1991 [DL nº 442/91 de 15.11] – vigente à data dos factos, nos aponta no mesmo sentido, ou seja: «o cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei».
Assim sendo, tem de se entender, como o acórdão recorrido, que qualquer acto da Administração que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito com vista a obter a reposição, quando devidamente notificado o seu destinatário, constitui um facto interruptivo da prescrição para os efeitos previstos no nº 2 do artº 40º do citado DL.
Deste modo, não se pode concluir pela verificação da prescrição do Despacho de Janeiro de 2015, que determinou a reposição nos Cofres do Estado da quantia apurada no âmbito do Proc.º nº 10.14..., instaurado por despacho de 09.11.2010, do Inspector-geral da Educação, uma vez que, foi no âmbito da audição da A/Recorrida, que ocorreu em 24.3.2011, no mesmo processo, que o R./Recorrente manifestou, intencionalmente, nesta última data, a pretensão de exercer o direito de crédito de que era titular, e, tal como resulta do disposto no art.º 326º, 1 do CC, a “interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo”, o que significa, pelas razões aduzidas, que novo prazo de cinco anos se iniciou nesta data para a prescrição.

Esta é a única interpretação legalmente admissível por força do disposto no artº 9º do CC, e do disposto no nº 2 do artº 40º do DL nº 155/92 e do nº 1 do artº 323º do Código Civil, dado ter havido notificação, em sede de audiência prévia [artºs 66º e segs do CPA/91 e actual artº 110º e sgs do CPA/2015], mediante a qual se manifestou a intenção de reposição e obtenção das referidas quantias, através do Despacho proferido em 09.11.2020 pelo Inspector-geral da Educação e notificado em 24.03.2011 [respeitantes aos contratos de associação dos anos lectivos de 2007/2008 e 2008/2009], ocorrendo desta forma um facto interruptivo do prazo prescricional.
Concluindo, a notificação efectuada à A. em 24.03.2011 para se pronunciar sobre o projecto de decisão de reposição, nos termos do artº 101º do CPA, interrompeu [cfr. artº 326º, nº 1, do Código Civil] o prazo de prescrição, nos termos das normas supra citadas, e desta forma, o prazo prescricional de 5 anos, não se encontrava esgotado em 21.01.2015, quando foi em definitivo proferida a ordem de reposição.
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DECISÃO
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 11 de Maio de 2023. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro – José Francisco Fonseca da Paz.