Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:066/18
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ARBITRAGEM
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO JURISDICIONAL
Sumário:Face ao regime decorrente do nº 4 do art. 39º da Lei nº 63/2011 (actual Lei da Arbitragem Voluntária) exige-se, como condição da recorribilidade da decisão arbitral para o tribunal estadual competente, a existência da expressa manifestação de vontade das partes quanto à possibilidade ou à admissibilidade de existência de recurso jurisdicional, a qual deve consubstanciar-se na convenção de arbitragem celebrada ou, então, ser manifestada nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos intervenientes.
Nº Convencional:JSTA000P23368
Nº do Documento:SA120180530066
Data de Entrada:03/08/2018
Recorrente:ASSOC SINDICAL DOS FUNCIONÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DA POLÍCIA JUDICIÁRIA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

Associação Sindical dos Funcionários de Investigação da Polícia Judiciária intentou no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) acção administrativa comum contra o Ministério da Justiça, na qual formulou os seguintes pedidos:
“a) Reconhecido o direito dos associados da Autora a beneficiarem do limite de 7 horas de trabalho por dia e de 35 horas de trabalho por semana a título normal de trabalho diário e semanal, nos termos do disposto nos art.ºs 7.º n.º 1 e 8.º n.º 1 do DL n.º 259/98, de 18 de agosto, na versão em vigor a 31 de dezembro de 2008, aplicáveis por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014;
b) O Réu condenado a abster-se de exigir que os associados da Autora prestem mais do que 7 horas de trabalho diário e 35 horas de trabalho semanais a título de período normal de trabalho diário e semanal;
c) Reconhecido o direito dos associados da Autora a gozarem um período de férias mínimo de 25 dias úteis, acrescido dos dias de férias a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço nos termos do art.º 2.º do DL n.º 100/99, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2001, de 11 de maio, aplicável por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014;
d) O Réu condenado a não obstar ao gozo pelos associados da Autora do período mínimo de 25 dias de férias por ano, acrescido dos dias de férias a que tenham direito em função da idade e do tempo de serviço nos termos do art.º 2.º do DL n.º 100/99, de 31 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2001, de 11 de maio, aplicável por força do art.º 41.º n.º 1 b) subalínea i) da Lei n.º 35/2014”.

O CAAD, por decisão de 05.06.2015, veio a julgar improcedentes os pedidos de reconhecimento de direitos, não condenando o demandado à abstenção de comportamentos, improcedendo, consequentemente, a acção intentada.

A Associação Sindical dos Funcionários de Investigação da Polícia Judiciária, inconformada, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por acórdão de 04.10.2017, decidiu: «Não admitir, por irrecorribilidade da sentença impugnada, o requerimento de interposição de recurso jurisdicional”.

Inconformada com este acórdão dele vem a mesma Autora interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, formulando em alegações, as seguintes conclusões:
1. Considerou o acórdão recorrido que sentença arbitral proferida em 5.6.2015 não admite recurso jurisdicional, por inexistir uma expressa manifestação da vontade das partes quanto à possibilidade de existência de tal recurso.
2. A questão da recorribilidade, ou não, de sentenças arbitrais proferidas pelo CAAD em matéria administrativa, reveste-se de relevância jurídica fundamental pela repercussão que tem, justificando-se ainda a admissão de revista, in casu, por a intervenção do STA se afigurar claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, verificando-se assim os pressupostos de que o art. 150.º do CPTA faz depender a admissão do recurso excepcional de revista.
3. Ao não colocar a par das convenções de arbitragem e de eventual posterior acordo das partes, o que se estabeleça em regulamento de arbitragem do centro de arbitragem institucionalizado, o acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 39.º n.º 4 da LAV, violando tal norma legal.
4. É que regulamentos dos centros de arbitragem institucionalizada desempenham uma função conformadora equiparada à da convenção de arbitragem e dos posteriores acordos das partes, decorrendo expressamente do artigo 6.º da LAV que os preceitos dispositivos da lei da arbitragem, só se aplicarão supletivamente se nada se estipular na convenção de arbitragem, em acordo das partes ou em regulamento de arbitragem.
5. Com efeito, a adopção de regulamentos de arbitragem por parte de centros de arbitragem institucionalizada a que as partes voluntariamente aderem ao submeter a tais centros um determinado litígio é a regra, sendo a partir do conhecimento prévio de tais regulamentos que os interessados optam por recorrer à arbitragem como meio de alternativo de resolução de litígios e estabelecem a sua estratégia processual.
6. Uma correcta interpretação do disposto no art. 39.º n.º 4 da LAV, em conjugação com o disposto no art. 6.º da LAV e nos artigos 8.º n.º 5, 29.º e 26.º n.º 2, todos do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, imporia que o acórdão recorrido tivesse concluído que as partes (o Ministério da Justiça ao vincular-se à jurisdição do CAAD) aceitaram expressamente a recorribilidade das decisões arbitrais, através da submissão do litígio ao CAAD e adesão ao Regulamento de Arbitragem daquele Centro.
7. Não obstante, na interpretação normativa do art. 39.º n.º 4 da LAV adoptada pelo acórdão recorrido, a adesão ao Regulamento de Arbitragem do CAAD por via da submissão de um litígio a tal centro de arbitragem institucionalizada que prevê como regra a recorribilidade das decisões arbitrais (art. 26.º n.º 2), não corresponde a uma previsão expressa das partes no sentido da possibilidade de recurso para o tribunal estadual.
8. Ora, para além de manifestamente violadora da autonomia da vontade das partes (que para alguns autores tem assento constitucional), tal interpretação normativa viola as normas do n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º, conjugadas com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), padecendo de inconstitucionalidade na medida em que impede o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, vedando o direito ao reexame, pelo Tribunal Central Administrativo, em sede de recurso jurisdicional, da decisão de mérito proferida por Tribunal Arbitral.
9. Face ao exposto, não existindo renúncia ao recurso, designadamente por via da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, estabelecendo o Regulamento de Arbitragem aplicável às arbitragens em matéria administrativa que decorram sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa que integra a convenção de arbitragem a regra expressa da recorribilidade das decisões arbitrais, impunha-se que o acórdão recorrido tivesse julgado admissível o recurso interposto.

O Réu contra-alegou concluindo dever ser rejeitada a admissão do recurso de revista.

A Formação a que alude o art. 150º, nº 5 do CPTA proferiu acórdão, datado de 08.02.2018, admitindo a revista.

O Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser de conceder provimento ao recurso e de revogar o acórdão recorrido, baixando os autos ao TCAS a fim de ser conhecido o objecto do recurso da decisão arbitral.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1) A ora recorrente intentou, em 2.10.2014, no CAAD a presente acção administrativa comum contra o Ministério da Justiça, na qual formulou pedidos de reconhecimento e condenatórios, através da petição inicial constante do processo arbitral que se encontra apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) O Ministério da Justiça apresentou a contestação que consta do processo arbitral que se encontra apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) O CAAD por sentença de 5 de Junho de 2015, e para além de ter julgado improcedente a excepção de ilegitimidade activa invocada pelo Ministério da Justiça, julgou improcedentes os pedidos formulados (cfr. fls. não numeradas destes autos de recurso.

3. O Direito
O acórdão recorrido não admitiu, por irrecorribilidade da sentença, o recurso interposto, fundamentando esta decisão nos acórdãos deste Supremo Tribunal, ambos de 20.06.2017, proferidos nos processos nºs 181/17 e 112/17.
A recorrente sustenta que «uma correcta interpretação do disposto no art. 39.º n.º 4 da LAV, em conjugação com o disposto no art. 6.º da LAV e nos artigos 8.º n.º 5, 29.º e 26.º n.º 2, todos do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, imporia que o acórdão recorrido tivesse concluído que as partes (o Ministério da Justiça ao vincular-se à jurisdição do CAAD) aceitaram expressamente a recorribilidade das decisões arbitrais, através da submissão do litígio ao CAAD e adesão ao Regulamento de Arbitragem daquele Centro».
Mais alega que tal interpretação viola as normas do n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º, conjugadas com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, padecendo de inconstitucionalidade na medida em que impede o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, vedando o direito ao reexame, pelo Tribunal Central Administrativo, em sede de recurso jurisdicional, da decisão de mérito proferida por Tribunal Arbitral.
São, pois estas as questões a decidir no presente recurso de revista, estando a apreciação da segunda dependente da posição que se vier a tomar sobre a admissibilidade do recurso jurisdicional, para o TCA, da decisão arbitral.

Vejamos então, sendo certo que este Supremo Tribunal já apreciou a questão da recorribilidade da decisão arbitral em dois recentes acórdãos, proferidos em 20.06.2017, conforme acima já referido.
Tais acórdãos foram proferidos em situações em tudo idênticas à dos presentes autos, neles estando em causa o regime normativo decorrente da LAV aprovada pela Lei nº 63/2011 (cfr. arts. 1º, 4º, nº 1 e 5, nº 1, deste diploma), conjuntamente com a Portaria nº 1120/2009, o Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD – designado “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa” -, vigente desde 01.09.2015 (cfr. art. 30º, nºs 1 e 2)], e o CPTA (na redacção que lhe foi dada pela referida lei – cfr. art. 15º do DL nº 214-G/2015. Este regime normativo é igualmente o aplicável no presente caso, tendo em atenção a data da dedução da acção arbitral nos presentes autos – 02.10.2014.

Por concordarmos com a posição assumida em tais acórdãos sobre a matéria da recorribilidade das decisões arbitrais, não vendo motivo para nos afastarmos da mesma, passamos a transcrever o que se escreveu no acórdão proferido no processo nº 112/17:
«III. Cotejando e convocando o quadro normativo alegado e o demais tido por pertinente previa-se, desde logo, no art. 180.º do CPTA que "[s]em prejuízo do disposto em lei especial, pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de: (...) a) Questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de atos administrativos relativos a respetiva execução; (...) b) Questões de responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso; (...) c) Questões relativas a atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, nos termos da lei substantiva; (...) d) Litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional [n.º 1], sendo que se excecionava “do disposto no número anterior os casos em que existam contrainteressados, salvo se estes aceitarem o compromisso arbitral” [n.º 2], resultando dos termos do n.º 1 do art. 181.º que "[o] tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem voluntária, com as devidas adaptações” e, do art. 187.º sob a epígrafe de “centros de arbitragem", que “[o] Estado pode, nos termos da lei, autorizar a instalação de centros de arbitragem permanente destinados a composição de litígios no âmbito das seguintes matérias: (...) a) Contratos; (...) b) Responsabilidade civil da Administração; (...) c) Relações jurídicas de emprego público; (...) d) Sistemas públicos de proteção social; (...) e) Urbanismo” [n.º 1], e que “[a] vinculação de cada ministério à jurisdição de centros de arbitragem depende de portaria conjunta do Ministro da Justiça e do ministro da tutela, que estabelece o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígios” [n.º2], sendo que pela citada Lei n.º 63/2011 foi revogado, nomeadamente, o art. 186.º [cfr. seu art. 05.º, n.º 2], preceito onde se dispunha que “[a]s decisões proferidas por tribunal arbitral podem ser anuladas pelo Tribunal Central Administrativo com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros” [n.º 1] e que “[a]s decisões proferidas por tribunal arbitral também podem ser objeto de recurso para o Tribunal Central Administrativo, nos moldes em que a lei sobre arbitragem voluntária prevê o recurso para o Tribunal da Relação, quando o tribunal arbitral não tenha decidido segundo a equidade” [n.º 2].
IV. Resulta, por sua vez, do art. 01.º da Portaria n.º 1120/2009, vigente desde 01.10.2009 [cfr. seu art. 02.º], que “[p]ela presente portaria vinculam-se à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD os seguintes serviços centrais, pessoas coletivas públicas e entidades que funcionam no âmbito do Ministério da Justiça: (..,) d) A Polícia Judiciária; (.,.)” [n.º 1], que “[o]s serviços centrais, pessoas coletivas públicas e entidades referidos no número anterior vinculam-se à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD para a composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros e que tenham por objeto: (…) a) Questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional; (...) b) Questões relativas a contratos por si celebrados” [n.º 2], sendo que “[t]endo em conta a natureza do vínculo de nomeação da relação jurídica de emprego público e as funções em causa, o disposto no número anterior é aplicável aos litígios relativos às carreiras (...) de investigação criminal da Polícia Judiciária (...) exceto no que respeita a: (...) a) Avaliação do desempenho profissional; (...) b) lngresso, acesso e progressão nas carreiras; (...) c) Remunerações e suplementos; (...) d) Questões de âmbito disciplinar” [n.º 3].
V. Por outro lado, extrai-se do art. 01.º da «LAV», no que releva, que “[d]esde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, a decisão de árbitros” [n.º 1], que “[é] também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transação sobre o direito controvertido” [n.º 2] e que "[o] Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de direito privado” [n.º 5], estipulando-se no artigo seguinte que “convenção de arbitragem deve adotar forma escrita” [nº 1], e considerando-se que a exigência de forma escrita da convenção de arbitragem está satisfeita “quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios eletrónicos de comunicação” [n.°2], ou “quando esta conste de suporte eletrónico, magnético, ótico, ou de outro tipo, que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação” [n.º 3] ou, ainda, "quando exista troca de uma petição e uma contestação em processo arbitral, em que a existência de tal convenção seja alegada por uma parte e não seja negada pela outra” [n.º 5], sendo que “[o] compromisso arbitral deve determinar o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem” [n.º 6].
VI. Ainda no quadro da mesma Lei estipula-se no seu art. 06.º que “[t]odas as referências feitas na presente lei ao estipulado na convenção de arbitragem ou ao acordo entre as partes abrangem não apenas o que as partes aí regulem diretamente, mas também o disposto em regulamentos de arbitragem para os quais as partes hajam remetido”, e no art. 39.°, respeitante a «direito aplicável, recurso à equidade; irrecorribilidade da decisão», disciplina-se que “[o]s árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade” [n.º 1], sendo que “[a]sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável” [n.º 4]
VII. Dispõe-se, ainda, no n.º 1 do art. 46.º, sob a epígrafe de «pedido de anulação», que “[s]alvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo”, e do art. 59.º extrai-se, no que para os autos releva, que “ [r]elativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem ou, no caso da decisão referida na alínea h) do n.º 1 do presente artigo, o domicílio da pessoa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, é competente para decidir sobre: (...) e) O recurso da sentença arbitral, quando este tenha sido convencionado ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º (.,,)” [n.º 1], sendo que “[r]elativamente a litígios que, segundo o direito português, estejam compreendidos na esfera da jurisdição dos tribunais administrativos, a competência para decidir sobre matérias referidas nalguma das alíneas do n.º 1 do presente artigo, pertence ao Tribunal Central Administrativo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem ou, no caso da decisão referida na alínea h) do n.º 1, o domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença[n.° 2]
VIII. Atente-se que na anterior «LAV» [Lei n.º 31/86, de 29.8] estipulava-se no seu art. 29.º que “[s]e as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca” [n.º 1] sendo que “[a] autorização dada aos Árbitros para julgarem segundo a equidade envolve a renúncia aos recursos” [n.º 2],
IX. Por último, deriva do aludido Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» e no que releva para o objeto de discussão que “[a] submissão do litígio a tribunal constituído no CAAD pressupõe a aceitação do presente Regulamento, bem como das demais normas que regulam a sua atividade” [cfr. n.º 1 do seu art. 02.º], que “[q]uando, por portaria, (...) os ministérios (...) se encontrem vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, o interessado que manifeste vontade em resolver o litígio por via arbitral deve apenas identificar o instrumento de vinculação” [cfr. art. 08.º, n.º 2], e que “[o] tribunal decide a causa segundo o direito constituído” [cfr. art. 26.º, nº 1], sendo que, nos termos do seu art. 27.º, “[a]s decisões proferidas pelo tribunal podem ser anuladas pelos tribunais competentes com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros" [n.º 1] e “[s]e as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância” [n.º2].
X. Munidos do quadro legal antecedente importa, então, passar a apreciação da questão que se mostra colocada.
XI. Dúvidas não parecem existir que com a «LAV/2011» e por força da própria revogação operada, mormente, do art. 186.º do CPTA, inverteu-se o regime supletivo decorrente da «LAV/1986» [cfr. o citado art. 29.º] e acolheu-se ou consagrou-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral [de mérito ou de forma] [cfr. articulação conjugada, dos seus arts. 39.º, n.º 4, 46º, n.º 1, e 59.º, n.ºs. 1, al. e), 2 e 8], já que aquela decisão é suscetível de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente [o TCA em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem] apenas no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem, mostrando-se proibido tal recurso, em qualquer caso, quando a causa haja sido decidida pelo tribunal arbitral segundo a equidade ou mediante composição amigável.
XII. Tal desiderato resultava, aliás, logo enunciado na exposição de motivos da proposta de lei n.º 22/XII [XII Legislatura -1.ª Sessão Legislativa] [consultável in:
<<www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/Detalhelniciativa»], iniciativa essa que veio a culminar na aprovação daquela «LAV», quando ali se afirmou que “inverte-se da regra supletiva relativa a recorribilidade da sentença final proferida no processo arbitral. De acordo com o presente diploma, salvo se as partes tiverem expressamente estipulado na convenção de arbitragem que da sentença final cabe recurso nos termos previstos na lei processual aplicável, tal sentença é irrecorrível, sem prejuízo de a mesma poder ser impugnada mediante pedido de anulação, e a que as partes não podem renunciar antecipadamente”.
XIII. Trata-se da afirmação dum propósito de clara autonomia das decisões arbitrais face a justiça estadual no que se reporta ao mérito substancial daquelas decisões, introduzindo-se este novo regime regra em matéria de impugnabilidade e recorribilidade.
XIV. Exige-se ou impõe-se inequivocamente hoje uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes [demandantes e demandados, incluindo contrainteressados] quando à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento.
XV. Temos, por outro lado, que o regime da arbitragem no direito administrativo e seu contencioso comporta certas especialidades que, sendo admitidas pela própria «LAV» [cfr., por exemplo, os seus arts. 01.º, n.º 5, 58.º e 59.º], mostram-se reconhecidas e acauteladas no próprio CPTA, tal como decorre das regras nele inscritas em termos da remissão para o regime da «LAV» quanto a constituição e funcionamento do tribunal arbitral [cfr. art. 181.º, nº 1], ou em matéria do regime de outorga do compromisso arbitral por parte do Estado e demais pessoas coletivas de direito público quanto a exigência do mesmo dever ser objeto de ato de aprovação [cfr. art. 184.º - da competência do ministro da tutela, do presidente do respetivo órgão dirigente, do governo regional ou do órgão autárquico que desempenhe funções executivas], ou ainda do que e suscetível de ser ou não objeto de compromisso arbitral [cfr. art. 185.º], para além das regras de instalação de centros de arbitragem permanente institucionalizados destinados a composição de litígios de natureza administrativa [cfr. art. 187.º - preceito a ser articulado com o disposto, nomeadamente, nos arts. 06.º e 62.º da «LAV» e no DL n.º 425/86, de 27/12].
XVI. Ora, no caso vertente estamos perante arbitragem permanente institucionalizada do «CAAD» a que o aqui recorrente «MJ» se vinculou tal como resulta do proémio e do disposto no art. 01.º da citada Portaria n.º 1120/2009.
XVII. Da análise conjugada e devidamente articulada/adaptada do que se mostra disposto nos arts. 01.º, n.º 5, 02.º, n.ºs 1 e 5, 06.º e 62.º, todos da «LAV» e, ainda, do previsto nos arts, 184.º e 187.º do CPTA, na Portaria n.º 1120/2009 e nos arts. 02.º, n.º 1, e 08.º, n.º 2, ambos do referido Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD», extrai-se que as partes, por força da propositura da ação/processo arbitral no «CAAD» e da dedução da contestação nos termos do respetivo regulamento, aderem ao regime respetivo nele definido, passando o mesmo regulamento e o nele definido a ter ou a valer como convenção de arbitragem entre as partes, cumprindo-se, assim, a forma escrita legalmente exigida para esse efeito.
XVIII. Na situação sob apreciação constata-se que a ação foi intentada ao abrigo deste quadro normativo e a mesma mostra-se sujeita, nomeadamente, ao aludido Regulamento de Arbitragem, conforme decorre também do n.º 2 do art. 08.º do mesmo regulamento.
XIX. Assente este pressuposto e, bem assim, o de que no contexto da propositura da ação/processo arbitral no «CAAD» o citado Regulamento deste e o nele definido tem ou vale como convenção de arbitragem entre as partes importa, então, determinar da observância ou cumprimento in casu daquilo que e o regime legal vigente, aqui plenamente aplicável, em matéria de exigência da expressa manifestação de vontade das partes quanto a admissão de recurso jurisdicional da decisão arbitral a proferir naquela ação/processo.
XX. É certo que no n.º 2 do art. 27.º daquele Regulamento se prevê que inexistindo renúncia por parte das partes quanto a possibilidade de dedução de recurso jurisdicional da decisão arbitral esta é, então, suscetível dos mesmos recursos jurisdicionais que no caso caberiam das decisões proferidas pelos tribunais estaduais de 1.ª instância, sendo também um dado adquirido o facto de que nas decisões proferidas no âmbito do «CAAD» o tribunal decide não segundo a “equidade ou mediante composição amigável”, mas segundo o “direito constituído” [cfr. art. 26.º, n.º 1, do mesmo regulamento].
XXI. E também mostra-se claro e adquirido nos autos o facto de que, em momento algum do processo arbitral, desde logo nos articulados como sede própria e devida para esse efeito, as partes vieram de modo expresso, tomar posição quanto a admissão ou a suscetibilidade da decisão arbitral ser passível de recurso jurisdicional nos mesmos moldes em que são admitidos para as decisões dos tribunais estaduais de 1.ª instância.
XXII. De facto, inexiste a demonstração in casu de qualquer pronúncia expressa das partes quanto ao reconhecimento da admissibilidade ou da suscetibilidade da decisão arbitral ser passível de recurso jurisdicional tal como se mostra previsto e exigido, em termos inequívocos, pela atual «LAV» [cfr. nomeadamente, seus arts. 39.º,n.º 4, 46.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1, al. e), 2 e 8], na certeza de que essa exigência legal não se basta ou pode ter-se como cumprida ou satisfeita, a ponto de ter-se como preenchida ou verificada, através duma inferência ou extrapolação feita ou extraída do silêncio, ou do mero comportamento ou atitude de dedução ou prática de atos em processo arbitral e duma decorrente adesão ou aceitação implícita do determinado e previsto no regulamento.
XXIII. O legislador, quanto a exigência em causa, não se bastou com uma mera atitude silente ou implícita a extrair ou inferir de determinados atos ou comportamentos havidos ou desenvolvidos, mormente, em decorrência de eventuais previsões normativas existentes em determinados regulamentos, mas que não hajam sido materializados e verbalizados, sob forma expressa, numa afirmação clara e inequívoca que explicite de forma direta a existência no caso de recurso jurisdicional da decisão que seja tomada pelo tribunal arbitral.
XXIV. Não pode assim ter-se como preenchido na situação vertente o requisito legal definido ou exigido como condição da recorribilidade da decisão arbitral pela simples inferência ou juízo implícito decorrente do simples facto de as partes haverem submetido o litígio ao tribunal arbitral funcionando no âmbito do «CAAD» e do respetivo processo ser tramitado e julgado segundo o previsto no regulamento em referência daquela associação e, bem assim, do facto de nos termos do previsto nesse regulamento no silêncio das partes ou de uma ausência de renúncia destas haver lugar sempre a recurso jurisdicional.
XXV. Independentemente do que, em função do teor de determinada norma regulamentar, se possa inferir, tácita ou implicitamente, da ausência de comportamento, de atuação ou de manifestação de vontade das partes, impunha-se e impõe-se, hoje, na «LAV» a existência de expressa manifestação da vontade das mesmas quanto a possibilidade ou a admissibilidade de existência de recurso jurisdicional duma decisão arbitral a realizar-se ou materializar-se na convenção de arbitragem celebrada ou, então, nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes, constituindo a existência duma tal manifestação expressa das partes condição de verificação necessária para o assegurar da recorribilidade de tal decisão.
XXVI. Sendo essa hoje uma exigência e um requisito legalmente imposto pela «LAV», esta, enquanto ato legislativo e pela posição hierárquica, força e função que daí decorrem, reclama a conformação com a mesma daquilo que e o quadro legal produzido a sua sombra e em sua execução [cfr. nomeadamente, os arts. 112.º, n.ºs 1,5 e 7, da CRP.135.º,136.º e 143.º do CPA/2015], dado a emissão de regulamentos e o poder ao abrigo do qual os mesmos são produzidos não podem deixar nunca de postular a vinculação e obediência à lei.
XXVII. Daí que, sob pena de verificação de eventual ilegalidade do regulamento, impõe-se, numa interpretação conforme do quadro normativo em confronto [mormente, dos arts. 08.º, n.º 2, e 27.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» com o art. 39.º, n.º 4, da «LAV»], concluir, em consonância com exposto, no sentido de que se exige a existência na ação/processo arbitral junto do «CAAD» duma expressa e concordante manifestação de vontade das partes plasmada, desde logo, nos articulados, quanto a admissão da suscetibilidade de haver recurso jurisdicional da decisão arbitral que venha a ser proferida naquela ação/processo, declaração expressa essa cuja ausência, gerando a irrecorribilidade daquela decisão, não pode ser suprida por quaisquer inferências ou juízos implícitos ou tácitos a extrair ou assentar em atos ou comportamentos ainda que decorrentes ou estribados em previsões regulamentares genéricas e abstratas.
XXVIII. Assim, não obstante a verificação do requisito cumulativo previsto na segunda parte do art. 39.º, n.º 4, da «LAV» [litígio arbitral não haver sido decidido segundo a equidade ou mediante composição amigável] temos que, na ausência de demonstração no âmbito do processo/ação arbitral sob análise da existência duma declaração ou manifestação de vontade expressa das partes quanto à admissão da possibilidade de interposição de recurso jurisdicional da decisão arbitral que nele veio a ser proferida, tal como é exigido e imposto pela primeira parte do referido preceito, soçobra o presente recurso jurisdicional, impondo-se, em consequência, a manutenção do julgado no acórdão recorrido com todas as legais consequências.»
Assim, e em face de todo o exposto no acórdão citado, entendemos que no caso dos autos não era admissível recurso da sentença arbitral para o TCA.

Alega a recorrente que tal interpretação viola as normas do n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 4 do artigo 268.º, conjugadas com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, padecendo de inconstitucionalidade na medida em que impede o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, vedando o direito ao reexame, pelo Tribunal Central Administrativo, em sede de recurso jurisdicional, da decisão de mérito proferida por Tribunal Arbitral.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, conforme claramente resulta da actual LAV (arts. 39º, nº 4, 46º, nº 1, 59º, nºs 1, al. e), 2 e 8), continua a ser admissível recurso jurisdicional da decisão arbitral, só que essa possibilidade depende da satisfação da exigência legal de as partes expressamente manifestarem essa intenção de não prescindirem de interpor recurso jurisdicional.
Ou seja, como se refere no acórdão citado, “essa exigência legal não se basta ou pode ter-se como cumprida ou satisfeita, a ponto de ter-se como preenchida ou verificada, através duma inferência ou extrapolação feita ou extraída do silêncio, ou do mero comportamento ou atitude de dedução ou prática de atos em processo arbitral e duma decorrente adesão ou aceitação implícita do determinado e previsto no regulamento”. No que não se contende com a previsão do art. 26º, nº 2 do Regulamento de Arbitragem que deve ser interpretado em conformidade com a LAV (que regula), no sentido de que as partes devem, nomeadamente, nos articulados expressar a sua não renúncia ao recurso jurisdicional, afirmando que dele não prescindem.
Nestes termos, a interpretação normativa efectuada não viola o disposto nos arts. 20º, nº 1, 268º, nº 4, conjugados com o art. 18º, todos da CRP, não sendo, a nosso ver, inconstitucional, já que está assegurado o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva de recurso jurisdicional da decisão arbitral para o tribunal estadual competente, nos termos que o legislador considerou os mais adequados.
Improcede, consequentemente, o recurso, sendo de manter o acórdão recorrido.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo, consequentemente, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Maio de 2018. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.