Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0978/19.0BELSB
Data do Acordão:04/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
RECURSO PER SALTUM
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
ORDEM DOS ADVOGADOS
INCOMPATIBILIDADE
LIBERDADE DE ESCOLHA DE PROFISSÃO
Sumário:I - Por forças militarizadas se deve entender todas as forças de segurança que tenham natureza militar, ainda que não pertençam organicamente às Forças Armadas.
II - A Guarda Nacional Republicana é uma força de segurança militarizada, pelo que os seus membros não podem exercer a advocacia, por força da incompatibilidade estabelecida pela alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA.
III - Aquela norma não restringe, nem desproporcionalmente, nem desigualmente, a liberdade de escolha de profissão garantida pelo n.º 1 do artigo 47.º da CRP, não violando, respetivamente, o n.º 2 do artigo 18.º e o artigo 13.º da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P25714
Nº do Documento:SA1202004020978/19
Data de Entrada:12/23/2019
Recorrente:A.....................
Recorrido 1:ORDEM DOS ADVOGADOS
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. A……………. - identificado nos autos – recorreu «per saltum» para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 151.º do CPTA, da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 29.10.2019, que julgou improcedente o seu pedido de INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS requerido contra a ORDEM DOS ADVOGADOS, através do qual pretende que a requerida seja condenada a aceitar a sua inscrição como Advogado Estagiário.
Nas suas alegações – cfr. fls. 383 ss. – formulou as seguintes conclusões:
«1. A douta Sentença recorrida enferma de manifesta nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, por não se ter pronunciado sobre todas questões a que se impunha pronúncia: totalmente omissa quanto à questão da proibição de analogia/interpretação extensiva relativamente a normas restritivas de direitos fundamentais, in casu o artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA, que, por ser restritiva é uma norma excecional, e sendo excecional não comporta aplicação analógica, nos termos do artigo 11.º do CC, artigo 18.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio geral de Direito in dubio pro libertate.
2. Se se entender que a douta Sentença recorrida não fez aplicação analógica/interpretação extensiva da norma restritiva (artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA), mas sim aplicação direta, então estamos perante erro grosseiro e clamoroso de julgamento, profundamente injusto e violador da dignidade humana do recorrente, na medida em que lhe elimina qualquer pretensão (direito fundamental) ao desenvolvimento da sua personalidade (artigo 26.º, n.º 1, CRP), para além se também ser eliminado o seu direito fundamental à livre escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, CRP).
3. Nesse caso, haverá erro grosseiro e clamoroso de julgamento, porque,
4. Os militares da GNR não são, desde 1983, membros das Forças Armadas (estas apenas são constituídas por três ramos: Exército, Marinha e Força Aérea).
5. Os militares da GNR, sendo militares, não são militarizados [forças militarizadas são estruturas (de funcionários civis/carreiras especiais) que se encontram acopladas às Forças Armadas e funcionam, tal como estas, sob o “chapéu” do Ministério da Defesa Nacional, servindo interesses complementares aos das Forças Armadas], pois,
6. Por definição não se pode ser militar e militarizado ao mesmo tempo.
7. Os militares da GNR não estão – em estado de normalidade constitucional – sujeitos há forte hierarquia militar, hierarquia militar a que estão sujeitos os militares das Forças Armadas derivada da vigência do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), logo, 8. Cai por terra o argumento substantivo que motiva a OA, e, por aderência, a douta Sentença recorrida (por suposição nossa, admitindo que raciocinou por analogia, pois esta é omissa quanto à essência, quanto ao fundo material justificador da interpretação e aplicação que faz da lei),
a. De quererem reconduzir contra legis a situação de militar da GNR, dizendo que é a mesma coisa, à situação de “Membro das Forças Armadas” (artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA), e
b. De que a forte hierarquia militar existente na GNR põe em causa a independência e isenção necessárias ao exercício da advocacia.
9. Apenas em caso de estado de anormalidade constitucional poderão (não é obrigatório) – estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência – os militares da GNR ficar sujeitos ao RDM, logo à forte hierarquia militar.
10. Destarte, em regra (normalidade constitucional), e desde 1999, os militares da GNR estão sujeitos a um regulamente disciplinar próprio, o Regulamento de Disciplina da GNR (RDGNR), que é um regulamento do «cariz civilístico», baseado no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, adotando, inclusive algumas soluções menos gravosas, muito semelhante ao atual Estatuto Disciplinar da PSP.
11. Assim, se comparado o RDGNR com o atual Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos (outrossim os seus antecedentes), bem como com o Estatuto Disciplinar da PSP, facilmente verificamos que todos eles estão muito longe do RDM (onde estão previstas penas privativas da liberdade, de onde sobressai, de facto uma forte hierarquia militar a que estão sujeitos, a todo o tempo, os militares das Forças Armadas.
12. Os membros da PSP, a desempenhar funções exclusivas de apoio jurídico têm realizado o estágio na OA, bem como exercido – e exercem – a advocacia em regime de exclusividade e subordinação ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do EOA, uma vez que não estão sujeitos a uma forte hierarquia militar que coloque em causa a independência e isenção necessárias ao exercício da profissão de advogado, ora,
13. Verifica-se que, atualmente (desde 1999, ou seja, desde há 20 anos), também os militares da GNR não estão sujeitos à forte hierarquia militar, derivada do RDM, logo,
14. Não existe qualquer fundamento material para não permitir que os militares da GNR exerçam a advocacia ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do EOA (ainda que interpretando esta norma extensivamente, tal como referido na Sentença de 1.ª instância no âmbito do processo n.º 977/19.2BELSB), contudo,
15. Em caso de guerra, estado de sítio ou de emergência, com sujeição dos militares da GNR ao RDM, então neste caso e só neste caso, estaremos perante uma incompatibilidade superveniente – a declarar nos termos do artigo 91.º, alínea d), do EOA.
16. Da mesma forma que se um cidadão advogado for chamado a prestar serviço militar, v.g., em caso de guerra, à luz da Lei 174/99 de 21 de setembro (Lei do Serviço Militar), automaticamente estará perante uma incompatibilidade superveniente.
17. De outra banda, a interpretação das leis é, nos dias de hoje, atualista e objetivista, ademais, na interpretação de leis restritivas de direitos fundamentais (caso das normas onde se preveem incompatibilidades, por restringirem o direito à livre escolha de profissão, bem como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, artigo 47.º, n.º 1, e artigo 26.º, n.º 1, ambos da CRP) são proibidas a analogia e a interpretação extensiva, valendo o princípio in dubio pro libertate.
18. Seja como for, como acima já concluímos, mesmo que a analogia fosse possível, não existe qualquer lacuna legal a carecer de integração analógica.
19. A disposição legal restritiva do direito fundamental – ao livre acesso a profissão, bem como ao desenvolvimento da personalidade –, constante do EOA, no segmento em crise fala em “Membro das Forças Armadas ou militarizadas”.
20. Logo, forçosamente se conclui, como concluiu a douta Sentença de 1.ª instância no âmbito do processo 977/19.2BELSB, que a disposição em causa não é aplicável aos militares da GNR, que, tal como o recorrente, se encontrem a desempenhar exclusivamente funções de apoio jurídico e se pretendam inscrever como Advogados Estagiários ou Advogados tendo em vista o exercício da advocacia ao abrigo do artigo 83.º, n.º 3, do EOA, tal como não é aplicável aos membros da PSP (que a OA aceita pacificamente).
21. Destarte, a interpretação artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA, no sentido de abranger (o que só se concebe por aplicação analógica ou interpretação extensiva/extensão teleológica) os militares na GNR que se encontrem a desempenhar exclusivamente funções de apoio jurídico e se pretendam inscrever como Advogados Estagiários ou Advogados tendo em vista o exercício da advocacia ao abrigo do artigo 83.º, n.º 3, do EOA, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 47.º, n.º 1, artigo 26.º, n.º 1, e artigo 18.º, n.º 2 e 3, todos da CRP, não obstante,
22. Existir ainda uma dimensão interpretativa desconforme à CRP, violadora do seu artigo 13.º, na medida em que trata – interpreta e aplica o direito – as duas situações materialmente idênticas (intensidade da hierarquia na GNR e PSP) de forma desigual.
23. Logo, mal andou a Sentença de 1ª instância ao não intimar a OA a que procedesse à inscrição do ora recorrente como advogado estagiário.
24. Pese embora não tenha sido trazido à colação no presente processo, pois apenas se tem discutido, em síntese, se os militares da GNR cabem ou não na previsão alínea k), do n.º 1, artigo 82.º, do EOA – com esquecimento, repita-se, da questão substantiva acima sumariada –, estando nós perante um recurso de revista per saltum onde vigora o sistema de substituição (artigo 150.º, n.º 3, CPTA, ex vi do artigo 151.º, n.º 3, do CPTA), pensamos ser conveniente apontar ainda as seguintes conclusões:
25. As incompatibilidades previstas no artigo 82.º, n.º 1, do EOA – que para além de normas excecionais, são, para além disso, normas restritivas de direitos fundamentais, o que justifica que para além da proibição de analogia seja ainda proibida a interpretação extensiva, por força do artigo 18, n.º 2 e 3, da CRP, bem como do princípio in dubio pro libertate – são taxativas, devendo o artigo na parte onde se lê “designadamente” ser alvo de interpretação restritiva, pois só assim será respeitada a CRP e o princípio referido, princípio esse que deriva da teleologia da própria CRP, para além de ser um princípio geral de Direito.
26. Mas mesmo que se entenda que as incompatibilidades são exemplificativas, pode colocar-se a questão de saber se a situação de militar da GNR é reconduzível à clausula geral de incompatibilidade prevista no artigo 81.º n.º 2, do EOA.
27. Ora, como já acima concluímos, também não se justifica a recondução da situação do militar da GNR que pretenda exercer a advocacia, ao abrigo do regime de exceção do artigo 82.º, n.º 3, do EOA, à cláusula geral de incompatibilidade do artigo 81.º, n.º 2, do EOA, uma vez que não há qualquer fundamento substantivo (não há forte hierarquia militar). Neste sentido, ou muito próximo, também lavrou a douta Sentença de 1.ª instância no âmbito do processo n.º 977/19.2BELSB.
28. Por último, pode ainda suscitar-se a questão de saber se as incompatibilidades previstas para o exercício pleno da advocacia são – desde o EOA de 2005 – também aplicáveis aos Advogados Estagiários.
29. Antes da entrada em vigor do EOA de 2005 os Advogados Estagiários tinham algumas competências próprias plenas, podiam, v.g., ser nomeados oficiosamente para processo penais, nos quais tinham total autonomia.
30. Depois da entrada em vigor do EOA de 2005, acentuando-se ainda mais com o EOA de 2015, todas as chamadas competências próprias dos estagiários ficaram sujeitas a tutela e orientação do patrono, o que é o mesmo que dizer, que, atualmente, os estagiários não têm autonomia plena, estando todos os seus atos, sujeitos a “carimbo” do patrono, nas palavras da lei “sempre sob orientação do patrono” (artigo 196.º, n.º 1, do EOA).
31. Logo, não faz qualquer sentido falar em incompatibilidades relativamente a Advogados Estagiários.
32. Tal é apenas fruto de uma interpretação acrítica e literal do artigo 188.º, n.º 1, alínea d), do EOA.
33. Nem artigo 188.º, n.º 1, alínea d), do EOA, diz, na sua letra, que as incompatibilidades do seu artigo 82.º se aplicam aos estagiários, embora seja essa a leitura mais óbvia numa primeira aproximação à busca do sentido real que a disposição encerra.
34. Com efeito, o artigo 188.º, n.º 1, alínea d), do EOA, deve ser alvo de interpretação restritiva (a razão de ser da lei perde sentido quando se fala em estagiários – elemento teleológico), ou noutra perspetiva metodológica da interpretação da lei, deve ser alvo de redução teleológica.
35. Qualquer outra interpretação do artigo 188.º do EOA, que leve à ablação do direito fundamental de realização daquele estágio (necessário ao exercício de profissão, logo, por maioria de razão, tem a mesma tutela que o próprio exercício de profissão), é materialmente inconstitucional por violação, pelo menos, do artigo 47.º/1, da CRP, bem como o artigo 18.º, n.º 2 e n.º 3, da CRP, rectius o princípio da proporcionalidade.
36. Em suma, por tudo o que acima concluímos (densificado nas alegações), outra não pode ser a conclusão de que a douta Sentença recorrida, ao não intimar a OA a inscrever o recorrente como Advogado Estagiário, para além de omissão de pronúncia, incorreu, salvo o devido respeito, em erro clamoroso de julgamento.»

2. A ORDEM DOS ADVOGADOS contra-alegou – cfr. fls. 460 ss. – concluindo que:
« I – O presente recurso jurisdicional deve ser considerado improcedente, por não provado, uma vez que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece reparo.
II – Face à consolidação da jurisprudência em torno da matéria trazida a apreciação nos presentes autos – qualificação estatutária das funções de militar da Guarda Nacional Republicana - e sendo certo que a mesma já foi, designadamente, objeto de análise por parte do Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Central Administrativo Sul, dúvidas inexistem sobre o acerto do arresto ora posto em crise pelo Recorrente, encontrando-se tal decisão devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.
III – Efetivamente, e face à legislação vigente, mormente pelo artigo 1º da LOGNR e pela jurisprudência que, ao longo dos anos, sobre a “qualificação estatutária dos membros da GNR” se foi, entretanto, consolidando, dúvidas inexistem que as funções desempenhadas por aqueles se subsumem ao impedimento previsto no disposto do artigo 82º, nº1, k) do Estatuto da Ordem dos Advogados – “membros das Forças Armadas ou militarizadas” - não podendo o ora Recorrente, em consequência, ser inscrito como advogado.
IV – Destarte, e sendo certo que a Guarda Nacional Republicana se assume, na sua natureza, como força de segurança, não é menos seguro que, ao contrário, por exemplo, da Polícia de Segurança Pública, se caracteriza como força de segurança com uma matriz militar.
V - Encontrando-se o ora Recorrente a exercer funções que caem na alçada do impedimento versado na alínea k) do nº 1 do artigo 82º do EOA, e não prevendo o nº3 de tal disposição legal os impedimentos que decorrem daquela alínea, afastando-a, expressamente, o legislador, bem andou a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
VI – Por outro lado, resulta, de forma clarividente, do EOA, que a inscrição de advogado estagiário depende da verificação da inexistência de qualquer impedimento que comprometa o exercício de tais funções, designadamente do disposto no artigo 6º, nº2, i) do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários - Regulamento n.º 913-C/2015 de 28 de Dezembro, preceito legal a que, de resto, a douta decisão recorrida alude.
VII - Daí que não mereçam reparo as conclusões vertidas na douta sentença proferida, quando, ao aderir à jurisprudência ali mencionada, conclui pela incompatibilidade decorrente do disposto no artigo 82º, nº1, k) do EOA ao caso concreto dos presentes autos, ou seja, quando em causa estejam “membros das Forças Armadas ou militarizadas”.
VIII – Bem andou, pois, a douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, quando, ancorada na jurisprudência já referenciada, conclui que: “(…) Com efeito, o Requerente é militar da GNR e enquanto tal é um “membro das Forças Armadas ou militarizadas” estando, assim, em situação de incompatibilidade que impede a sua inscrição como advogado ou advogado estagiário, nos termos previstos no artigo 188º, nº1, al.d) do Estatuto da Ordem dos Advogados. Na verdade, como vimos, segundo o regime legal aplicável e os ensinamentos jurisprudenciais enunciados, a natureza militar da GNR é inabalável, quer por via da “condição militar” aos militares da GNR, quer pela prossecução de atribuições mediante um esquema organizatório que é decalcado totalmente do que se verifica em relação aos militares das Forças Armadas(…)” (sublinhado nosso).
IX – Nestes termos, e não merecendo reparo o entendimento sufragado na douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, deve, em consequência, o presente recurso jurisdicional ser considerado improcedente, com as devidas consequências legais.»

3. O recurso foi admitido por despacho de 28 de janeiro de 2020 – cfr. fl. 477.

4. Notificada nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso – cfr. fls. 489 ss.

5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 36.º do CPTA.


II. Matéria de facto

6. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«A. O Requerente é militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), com a categoria de guarda, no posto de guarda-principal, a desempenhar funções de apoio jurídico na ……… do Comando-Geral da GNR.
B. Por requerimento apresentado no Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados em 03.10.2018, o Requerente solicitou a sua inscrição como advogado-estagiário.
C. No requerimento supra referido o Requerente apresenta-se como sendo funcionário público e, para efeitos do disposto no artigo 82º, nº3 do EOA, apresentou declaração do Comandante-Geral da GNR onde, entre o mais, se refere que o Requerente é guarda-principal, desempenhando funções de apoio jurídico na ………. do Comando-Geral da GNR e que “o exercício da advocacia a cuja inscrição se candidata será prestado em regime de subordinação e exclusividade ao serviço do Ministério da Administração Interna/Guarda Nacional Republicana – em especial por reporte ao disposto no artigo 11.º, n.º 1, do CPTA –, ao abrigo do artigo 82.º, nº1, alínea i), e nº 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados”.
D. Por despacho de 21.12.2018, o Vogal com o Pelouro da Secção de Inscrições do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados decidiu não propor ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados a inscrição do Requerente como Advogado Estagiário por, em síntese, considerá-lo abrangido pela incompatibilidade prevista no artigo 82º, nº1, alínea k) do EOA.
E. Em 06.02.2019, por despacho do Vogal do Conselho Geral, por delegação de competência desse Conselho, decidiu-se, com base na proposta referida em D., notificar o Requerente para, no prazo de 10 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre a intenção de não proceder à confirmação do Requerente como advogado-estagiário.
F. Em 26.02.2019, o Requerente apresentou, em sede de audiência prévia, uma exposição onde solicitou, a título principal, que o Conselho Geral da OA confirme a sua inscrição como advogado-estagiário e, a título subsidiário, que se proceda a tal confirmação, sob condição de, caso conclua com sucesso o estágio e queira exercer advocacia, fazer cessar a relação jurídica e emprego público a que se encontra adstrito.
G. Em 22.03.2019, por despacho do Vogal do Conselho Geral, por delegação de competência desse Conselho, foi decidido, por se manterem inalterados os pressupostos do despacho de 21.12.2018, não confirmar a inscrição do Requerente como advogado-estagiário.
H. Por requerimento datado de 08.04.2019 dirigido ao Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, o Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão proferida em 22.03.2019 e referida no ponto G.
I. Em 08.05.2019 por despacho do Vogal do Conselho Geral, por delegação de competência desse Conselho, foi admitido o recurso apresentado pelo Requerente e este informado de que a frequência do Curso de Estágio e a possibilidade de transição à 2ª fase se encontra dependente da decisão que vier a ser proferida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados para onde os autos foram remetidos (cfr. alínea a) do art.60º do Regulamento 913-C/2015 de 28 de Dezembro).
J. Em 31.05.2019, deu entrada a presente intimação, via SITAF.
K. Até à presente data não foi proferida decisão sobre o recurso hierárquico referido em H.»


III. Matéria de Direito

7. Antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, importa conhecer da alegada nulidade da sentença recorrida, que de acordo com o Recorrente é «totalmente omissa quanto à questão da proibição de analogia/interpretação extensiva relativamente a normas restritivas de direitos fundamentais, in casu o artigo 82.º, n.º 1, alínea k), do EOA, que, por ser restritiva é uma norma excecional, e sendo excecional não comporta aplicação analógica, nos termos do artigo 11.º do CC, artigo 18.º, n.º 3, da CRP, bem como do princípio geral de Direito in dubio pro libertate.»
Nos termos do n.º 1 do artigo 95.º do CPTA, que nessa matéria não difere substancialmente do que se dispõe no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, «a sentença deve decidir sobre todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.»
Assim, para avaliar se, no caso dos autos, se verifica ou não uma omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é necessário determinar se a proibição de aplicação analógica, ou de interpretação extensiva, de normas relativas a direitos fundamentais é ou não uma “questão” que o tribunal a quo devesse conhecer, pois apenas o incumprimento desse eventual dever de conhecimento conduziria à nulidade da sentença recorrida.
E a este Tribunal parece evidente que não é. A questão de direito que o recorrente submeteu à apreciação do tribunal a quo é a de saber se a alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA pode ser interpretada no sentido de que a condição de militar da Guarda Nacional Republicana (GNR) é incompatível com o exercício da advocacia, constituindo assim fundamento legal bastante para a recusa de inscrição do Recorrente na Ordem dos Advogados (OA), questão a que aquele tribunal respondeu positivamente. Coisa diversa é a argumentação utlizada pelo Recorrente para sustentar a sua oposição a essa interpretação, o que não releva para a definição do thema decidendum, mas apenas para a fundamentação da decisão.
Como se decidiu no Acórdão desta Secção, de 30 de Maio de 2019, proferido no Processo n.º 1409/11, «(…) questões para este efeito são, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais debatidos nos autos, sendo que, não podem confundir-se aquilo que são questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objecto de litígio.
Assim, o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que decidir as questões que por aquelas lhe tenham sido postas ou que sejam de conhecimento oficioso. Ou seja, o que se impõe é que o julgador conheça de todas as questões de fundo que lhe foram colocadas, excepto aquelas cujas decisões tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras, desde que, não sejam de conhecimento oficioso».
Acresce que na sentença recorrida não se fez aplicação analógica ou interpretação extensiva da citada alínea k) do n.º 1 do artigo 82º do EOA, pois nela se concluiu perentoriamente que «o Requerente é militar da GNR e enquanto tal é um “membro das Forças Armadas ou militarizadas”». Não lhe era, por isso, exigível que conhecesse de uma “questão” hipotética, que só existiria se tivesse sido outra a sua ratio decidendi.
Pelo que, não tendo o tribunal a quo deixado de conhecer nenhuma questão que devesse conhecer, não se verifica a alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

8. A questão de fundo que se discute neste recurso e sobre a qual este Tribunal tem de se pronunciar é, como vimos, a de saber se um militar da GNR é ou não um «membro das Forças Armadas ou militarizadas», para efeitos do disposto na alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA, e se, em consequência, a Requerida está ou não obrigada a inscrever o Requerente como Advogado-Estagiário, como vem por este peticionado.
No caso de se concluir positivamente pela subsunção da situação de facto descrita nos autos à referida previsão normativa, coloca-se também a este Tribunal a questão de saber se aquela disposição legal é conforme com a Constituição, à luz da liberdade de escolha de profissão garantida pelo n.º 1 do seu artigo 47º, não apenas porque essa questão foi expressamente suscitada pelo recorrente, mas também porque, atenta a sua natureza, a presente ação não pode deixar de implicar para o julgador um dever de diligência acrescido na indagação da conformidade do quadro legal aplicável com as normas constitucionais relativas aos correspondentes direitos fundamentais.

9. É ponto assente na presente ação que a GNR é uma força de natureza militar, apesar de não fazer parte das Forças Armadas.
Que a GNR é uma força de natureza militar resulta evidente, desde logo, do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 63/2007, de 23 de novembro, que aprovou a sua orgânica, e que a define como «(…) uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa». E que não faz parte das Forças Armadas é, do mesmo modo, evidente, pois além de ser apenas uma força de segurança, é uma força organicamente autónoma, que não integra nenhum dos três ramos, nem nenhum dos serviços que compõem as Forças Armadas, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho, e alterada pela Lei Orgânica n.º 6/2014, de 1 de setembro.
A questão verdadeiramente controvertida na presente ação é, pois, a questão de saber se a GNR é uma força militarizada, para o efeito do disposto na alínea k), in fine, do n.º 1 do artigo 82.º do EOA.
Defende o ora Recorrente, em síntese, que «os militares da GNR, sendo militares, não são militarizados», conceito que em sua opinião está reservado a forças que se encontram «acopladas» às Forças Armadas, desempenhando funções complementares destas e inseridas no quadro orgânico do Ministério da Defesa Nacional. Conceito que, nessa perspetiva, apenas parece aplicar-se aos agentes militarizados da Polícia Marítima, criada pelo Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de setembro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 235/12, de 12 de outubro, e ao designado Quadro de Pessoal Militarizado do Exército (QPME), criado pelo Decreto-Lei n.º 550-R/76, de 12 de julho.
O entendimento defendido pelo recorrente não tem, contudo, apoio legal.
Desde logo, porque como o próprio reconhece, não existe um conceito legal de forças militarizadas, e os exemplos que dá dizem respeito ao estatuto funcional de determinados agentes daquelas forças, e não à organização das forças em si mesmas. Ora, a previsão normativa da alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA obedece a um critério orgânico, pelo que está construída por referência à natureza das instituições em que os advogados ou candidatos a advogados se inserem – forças militares ou militarizadas – independentemente do seu estatuto funcional dentro dessas instituições.
Por outro lado, aquele entendimento não tem a mínima correspondência no espírito da lei, assentando num exercício hermenêutico formal – que o recorrente designa como lógica aristotélica - segundo o qual a GNR não pode ser qualificada como uma força militarizada porque é militar, apesar de não ser suficientemente militar para se integrar organicamente nas Forças Armadas. Ou seja, apesar de a sua organização ser ainda mais militarizada do que a de outras forças de segurança, ficaria de fora do âmbito de aplicação da norma. Manda, no entanto, a mais elementar lógica jurídica que um regime que não permite o menos também não permita o mais, e que uma restrição imposta aos membros de forças de segurança de natureza não tão marcadamente militar – ou militarizada - como a GNR, também se lhes aplique.
Na verdade, por forças militarizadas se deve entender todas as forças de segurança que tenham natureza militar, ainda que não pertençam organicamente às Forças Armadas. E é precisamente isso que define a GNR, como está expresso no já citado n.º 1 do artigo 1º da respetiva Lei Orgânica, que a qualifica como «(…) uma força de segurança de natureza militar».
Atente-se na forma como a própria instituição se define no seu sítio na Internet:
«Pela sua natureza e polivalência, a GNR encontra o seu posicionamento institucional no conjunto das forças militares e das forças e serviços de segurança, sendo a única força de segurança com natureza e organização militares, caracterizando-se como uma Força Militar de Segurança.
A Guarda constitui-se assim como uma Instituição charneira, entre as Forças Militares e as Forças Policiais e Serviços de Segurança» - cfr. https://www.gnr.pt/missao.aspx.
É, aliás, essa sua posição de “charneira” que justifica que a GNR tenha «por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei» - cfr. art. 1.º/2 da Lei n.º 63/2007. O facto de ela se inserir na estrutura orgânica do Ministério da Administração Interna, e não na do Ministério da Defesa Nacional, resulta da prevalência estatutária dada à sua missão de segurança interna em relação à de defesa nacional, que é meramente complementar, mas não altera, por si só, a sua natureza militar. Pode até dizer-se que é precisamente este posicionamento externo da GNR em relação à estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional, e às Forças Armadas, que a qualificam como uma força militarizada, e não como uma força militar, entendendo agora a expressão no seu sentido orgânico mais estrito. E não foi por acaso que o legislador a qualificou como «uma força de segurança de natureza militar» e não como uma força de segurança militar.
A natureza militar da GNR resulta inequivocamente da sua forma de organização, pois a mesma é, recorde-se, «constituída por militares organizados num corpo especial de tropas» - cfr. art. 1.º/1 da Lei n.º 63/2007. De resto, essa natureza e organização militares, assim como o estatuto militar dos respetivos agentes, foram abundantemente evidenciados na sentença recorrida, pelo que nos dispensamos aqui de reproduzir todos os elementos do seu regime que concorrem para a sua qualificação como uma força de segurança militarizada.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, podemos concluir que a sentença recorrida não merece qualquer censura quando afirma que «o Requerente é militar da GNR e enquanto tal é um “membro das Forças Armadas ou militarizadas”», recusando-se, em consequência, a intimar a Requerida a inscrever o Requerente como Advogado-Estagiário com o fundamento de que o mesmo não está impedido de exercer advocacia.

10. Em face da conclusão que antecede, resta apreciar a questão de saber se, ao estabelecer uma incompatibilidade para o exercício da advocacia aos militares da GNR, a alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA é conforme com a Constituição, à luz da liberdade de escolha de profissão garantida pelo n.º 1 do seu artigo 47º.
Que essa norma condiciona o exercício da profissão de advogado e, nessa medida, é restritiva da liberdade de escolha de profissão do Recorrente, não há qualquer dúvida. Isso mesmo já foi afirmado relativamente a outra norma de incompatibilidade do mesmo Estatuto pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 28 de fevereiro de 2002, proferido no Processo n.º 48.332, e mais recentemente, numa dimensão análoga, no Acórdão de 18 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 283/17 – cfr. www.dgsi.pt. A própria jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a atribuir natureza restritiva de direitos, liberdades e garantias a quaisquer normas que condicionem o exercício desta profissão, como resulta, entre outros, dos Acórdãos n.ºs 169/90, 3/2011 e 89/2012, todos proferidos pelo Plenário daquele Tribunal em sede de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade – cfr. www.tribunalconstitucional.pt.
A jurisprudência citada é, no entanto, unânime ao reconhecer que o legislador está habilitado a estabelecer restrições àquela liberdade, como aliás decorre do próprio texto constitucional, que ressalva expressamente «as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade» - cfr. art. 47.º/1 da CRP.
No citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de fevereiro de 2002, afirmou-se, a este propósito, que:
«Assim, é que o estatuto legal da advocacia consagra certo tipo de regras destinadas, precisamente, a acautelar determinados interesses que o Legislador teve por merecedores de tutela, designadamente, os inerentes aos valores de independência e da dignidade da profissão de advogado.
É por isso que, a este nível, a liberdade de escolha de profissão não significa liberdade do seu exercício em concreto, podendo, naturalmente, estar sujeito a limites (neles se inserindo, por exemplo, os relacionados com as incompatibilidades do exercício da advocacia com o desempenho de funções públicas), sendo estes legítimos desde que se possam justificar, designadamente, pela necessidade de preservar os mencionados valores de independência e dignidade da profissão de advogado, bem exemplificativos da função ético-social da advocacia».
No caso concreto dos autos, o Recorrente argumenta que a condição militar dos membros da GNR não condiciona a sua capacidade para exercer a profissão de advogado com independência, nomeadamente por os mesmos não se encontrarem sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar (RDM) a que estão sujeitos os membros das Forças Armadas, concluindo que aquela restrição, por um lado, é desproporcional, violando o n.º 2 do artigo 18.º da CRP e, por outro, é desigual, violando o respetivo artigo 13.º, na medida em que não se aplica aos membros da Polícia de Segurança Pública (PSP), que em sua opinião se encontram em situação materialmente idêntica à sua.
Não tem, contudo, razão.
Mesmo sem entrar em linha de conta com outros valores constitucionais, nomeadamente os impostos pela própria condição militar dos membros da GNR, é perfeitamente legítimo, e mesmo razoável, restringir-lhes o acesso ao exercício da advocacia, dada a perda objetiva de independência para o exercício da profissão que resulta dos regimes de hierarquia, de subordinação e de disciplina próprios de uma instituição de natureza militar. E a tanto não obsta o facto de não se lhes aplicar diretamente o RDM, mas um regulamento disciplinar privativo da própria força, como é o Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de setembro, entretanto alterado pela Lei n.º 66/2014, de 28 de agosto. As diferenças de regime entre ambos, ainda que se reflitam na intensidade das restrições por eles impostas aos membros das duas forças, não são suficientes para alterar a natureza e a lógica militar da organização da GNR, e não afastam por isso a sua qualificação como uma força militarizada. Não foi, aliás, por acaso que o legislador estendeu a incompatibilidade aos agentes das forças militarizadas, pois o que visou com essa extensão foi, precisamente, abranger todos aqueles que, independentemente de pertencerem ou não nas Forças Armadas, se integram em forças de natureza militar.
Não procede, por isso, também, a objeção de que, ao restringir a incompatibilidade às forças militares ou militarizadas, não a estendendo às demais forças e serviços de segurança civis, a lei trata desigualmente situações que são materialmente idênticas. Como já se disse atrás, a previsão normativa da alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA obedece a um critério orgânico, pelo que está construída por referência à natureza das instituições em que os advogados ou candidatos a advogados se inserem – forças militares ou militarizadas – independentemente do seu estatuto funcional dentro dessas instituições. E é precisamente na contraposição entre forças militares ou militarizadas e forças e serviços civis que aquela diferenciação encontra a sua justificação material, tanto mais que aos agentes da PSP também se aplica a incompatibilidade estabelecida pela alínea i) do n.º 1 do mesmo artigo 82.º do EOA.
Não se ignora que o estatuto dos agentes da GNR e da PSP não são radicalmente distintos, e que a evolução do quadro legal aplicável àquelas duas forças apresentam vários pontos de contacto, mas atendendo às suas diferentes missões, às suas formas de organização atual, e à sua natureza, a fronteira traçada pelo legislador não é arbitrária, e encontra apoio suficiente nos interesses coletivos inerentes ao exercício da função que a Constituição atribui aos advogados no quadro do funcionamento do sistema de justiça, nos termos do artigo 208.º da CRP.
Pelo que, se conclui que a alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA não restringe, nem desproporcionalmente, nem desigualmente, a liberdade de escolha de profissão garantida pelo n.º 1 do artigo 47.º da CRP, não violando, assim, respetivamente, o n.º 2 do artigo 18.º e o artigo 13.º da mesma Constituição.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Sem custas, nos termos do número 2 do artigo 4º do RCP. Notifique-se


Lisboa, 2 de abril de 2020. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.