Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/19.3BEFUN
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO
TARIFA
GESTÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS
MUNICÍPIO
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Sumário:I - A obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre o município Utilizador de um sistema multimunicipal de águas e de resíduos da Região Autónoma da Madeira e a empresa concessionária daquele não tem natureza tributária;
II- Na execução fiscal da obrigação pecuniária emergente de um contrato, que não foi liquidada no prazo contratualmente previsto, e relativamente à qual foi extraída, nos termos legais, certidão com valor de título executivo, os seus requisitos de validade são os que constam das regras legais e contratuais para a validade do título, bem como aqueles que resultam do disposto no artigo 163.º do CPPT, e não os constantes das normas dos artigos 36.º e 39.º, n.º 12, do CPPT;
III - A oposição à execução fiscal não é a via adequada para discutir a legalidade das dívidas emergentes de contratos, mesmo quando essas dívidas sejam, por lei, equiparadas a dívidas ao Estado ou a uma Região Autónoma.
Nº Convencional:JSTA000P27096
Nº do Documento:SA2202102030209/19
Data de Entrada:10/20/2020
Recorrente:MUNICÍPIO DO FUNCHAL
Recorrido 1:ARM - ÁGUAS E RESÍDUOS DA MADEIRA, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. O Município do Funchal, pessoa coletiva de direito público n.º 511 217 315, com sede ao Largo do Município, 9004-512 Funchal, recorreu da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou totalmente improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2810201901053272 que no Serviço de Finanças do Funchal corre termos para cobrança coerciva de dívida proveniente de «parte da fatura C10 21400486», emitida em 07 de novembro de 2014, dívida esta titulada pela certidão n.º 20190403/21, emitida por ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., titular do número de identificação fiscal n.º 509 574 513, com sede na Rua dos Ferreiros, n.º 148-150, 9000-082 Funchal, no montante que, acrescido dos juros de mora, ascende ao total de € 97.005,37.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões [que renumeramos]: «(...):

1ª - A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, fez uma incorreta aplicação do direito aos factos que se encontram documentalmente provados ao considerar a oposição em causa nos autos improcedente, e ao determinar que a ARM, SA. não procedeu à cobrança coerciva de um tributo, mas de um preço contratualmente assumido.

2ª - Ora os supostos créditos da recorrida relativos à prestação destes serviços em “alta” apesar de serem titulados por faturas não deixam de possuir a natureza coactiva, característica de todos os tributos públicos.

3ª - Dado que a ARM é a sociedade concessionária do sistema multimunicipal de águas e de resíduos da Região Autónoma e não se encontra no mercado prestações sucedâneas daquelas e a fixação destas contraprestações pela utilização desses serviços está subtraída à lógica ou às regras do mercado uma vez que é fixada autoritariamente, através de Resoluções, da Presidência do Governo Regional e posteriormente através do contrato de concessão celebrado entre a Região Autónoma da Madeira e a ARM.

4ª - A contraprestação em causa nos autos é uma taxa uma vez que estamos perante uma prestação coativa, com vista à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos.

5ª - Apesar da natureza sui generis deste processo de execução fiscal e dos créditos que procura cobrar também se aplicam aqui as regras e formalismos próprios das notificações estabelecidas nos artigos 35.º e seguintes do CPPT e os fundamentos de oposição que se encontram consagrados no artº. 204, nº.1, do C.P.P.T..

6ª - A sentença recorrida considerou que se aplicava no caso dos autos as situações previstas no art.º 44.º do CPPT, pelo que, na sucessão de atos dirigida à declaração destes créditos incluem-se as regras estabelecidas nos artigos 36.º e 39°, n.º 12 do CPPT.

7ª - A sentença recorrida concluiu que os formalismos e critérios na fixação/determinação do preço constam do clausulado a que as partes se vincularam, bem como do regime legal, em especial do documento “Bases da Concessão da Exploração e Gestão do Sistema Multimunicipal de Águas e de Resíduos da Região Autónoma da Madeira” anexo ao Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M.

8ª - Como tal diploma é omisso sobre qual é a sucessão de atos dirigidos à declaração deste crédito, mesmo através desse raciocínio teria de se concluir que se aplicam os artigos 36.º e 39°, n.º 12 do CPPT.

9ª - Por outro lado, ao aplicar-se a esta execução fiscal as normas referentes à cobrança coerciva de dívidas exigíveis em processo de execução fiscal, sempre se terão de aplicar os fundamentos de oposição previstos no artº. 204, nº.1, do C.P.P.Tributário.

10ª - A sentença recorrida violou os valores constitucionais, ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, ao fazer uma interpretação da alínea g), do n.º 1 do art.º. 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto, manifestamente violadora do princípio da tutela judicial efetiva

11ª - Dado que os regimes adjetivos devem conformar-se com o princípio da proporcionalidade e não criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

12ª - A interpretação que a decisão recorrida fez da alínea g), do n.º 1 do art.º. 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto desprotege gravemente os direitos do recorrente, assim ofendendo os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.

13ª - O recorrente na sua oposição invocou a inexigibilidade da dívida, nos termos do art.º 204, nº.1, al.) i), do C.P.P.T., uma vez que a suposta dívida em causa nos autos apesar de não ser exigível está a ser cobrada em processo de execução fiscal.

14ª - Uma vez que a factura que está na base da presente execução fiscal, não contém os elementos previstos no artigo 36.º do CPPT pelo que é ineficaz, em relação ao recorrente conforme resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 36.º do CPPT.

15ª - Este acto de notificação/fatura é ainda nulo, nos termos do artigo 161.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo e do artigo 39°, n.º 12 do CPPT, por não permitir descortinar quem é o órgão autor do ato, dado que apenas tem aposto no topo superior esquerdo o timbre da ARM, sem qualquer assinatura.

16ª - Por outro lado, a notificação em causa nos autos foi efetuada para além do termo do prazo da caducidade do direito à liquidação, o que é fundamento de oposição à execução fiscal subsumível nas alíneas e) e i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.

17ª - Se assim se não entender, sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a Lei que permite à ARM cobrar as taxas e tarifas e demais importâncias devidas pela utilização do sistema de águas e de resíduos através do processo de execução fiscal não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação que emite.

18ª - Motivo pelo qual neste caso, sempre será fundamento de oposição à execução fiscal a discussão da ilegalidade do acto tributário (liquidação) e da ilegalidade da dívida exequenda, ao abrigo da al) h), do n.º 1, do artº. 204, do C.P.P.Tributário.

19ª - O ato de liquidação desta taxa não teve por base quaisquer elementos fornecidos para o efeito pelo Município do Funchal, pelo que deve entender-se que este deveria ter sido chamado a exercer o seu direito à audição prévia.

20ª - Não o tendo feito, a ARM incorreu num vício de procedimento na liquidação desta taxa, pelo que é anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 286.º, n.º 3 da CRP e no artigo 77.º da LGT.

21ª - Por outro lado, verifica-se também, que este ato de liquidação é anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 286.º, n.º 3 da CRP e no artigo 77.º da LGT.

22ª - Por fim sempre se dirá que o direito de liquidar quaisquer taxas caduca, por efeito da lei, se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contados a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

23ª - Resulta, assim, evidente que a ARM não pode, no dia 18 de Abril de 2018, data da citação, pretender vir a cobrar coercivamente, através de um processo de execução fiscal, uma taxa relativa a serviços prestados no mês de setembro de 2013.

24ª - A sentença recorrida violou os artigos n.ºs 36.º, 39°, n.º 12, 44º, 204, nº.1, do C.P.P.T., artigo 163.º, n.º 1 do CPA, artigos, 45º, n.º 1, 60.º, n.º 1, alínea a) e 77.º da LGT e ainda os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, ao fazer uma interpretação da alínea g) do n.º 1 do art.º 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16º-A do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto, manifestamente violadora do princípio da tutela judicial efetiva.».

Pediu fosse dado provimento ao presente recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse elaborada nova decisão que declarasse extinto o processo de execução fiscal.

A Recorrida apresentou contra-alegações e também formulou as suas conclusões, que a seguir se transcrevem: «(...)

A. As decisões contidas na sentença que foram impugnadas pelo Recorrente cingem-se na redação do próprio Recorrente, à:

i) Inexigibilidade da dívida exequenda – falta de notificação dos elementos essenciais previstos nos artigos 36.º e seguintes do CPPT e nulidade “da notificação do ato tributário (liquidação),” por não identificação do autor do ato, nos termos do n.º 1 do artigo 161.º do CPA e n.º 12 do artigo 39.º do CPPT;

ii) Ilegalidade do ato tributário – liquidação – por preterição do direito de audiência prévia e por violação do dever de fundamentação;

iii) Caducidade do direito de liquidar os tributos

B. Sem razão, porém, uma vez que a sentença recorrida fez uma correta aplicação do Direito aos factos, devendo julgar-se o recurso improcedente, como passamos a demonstrar.

C. No que toca à inexigibilidade, verifica-se que o Recorrente lança mão de um concreto argumento que, anteriormente, jamais havia invocado, a saber a pretensa violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva por suposta impossibilidade de reação, administrativa ou judicial, contra a fatura que titula as suas dívidas perante a ARM em execução nos autos.

D. Ora, tais apontadas violações dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP nunca antes haviam sido invocadas, o que levou a que o Tribunal a quo não se tenha, sobre as mesmas pronunciado.

E. Assim, os vícios de inconstitucionalidades apenas suscitados pelo Recorrente em sede de recurso não podem ser apreciados, devendo dar-se como não escritos, sob pena de violação do disposto nos artigos 268.º do CPC e 108.º, n.º 1, do CPPT.

F. Sem prejuízo, certo é que, conforme resulta dos factos dados como provados, o Recorrente instaurou uma ação administrativa especial de impugnação, que ainda corre termos, através da qual peticionou a desaplicação das resoluções que fixaram os valores das tarifas a aplicar aos serviços de tratamento de resíduos em alta a prestar pela ARM.

G. O que demonstra que existem meios judiciais ao seu alcance – de que o mesmo fez uso – para reagir contra os preços/tarifas definidos e que não está o mesmo limitado no seu direito de acesso aos Tribunais e à Justiça.

H. Se aquilo de que o Recorrente discorda são as tarifas, então reagiu em sede própria e a Justiça não deixará de analisar a sua pretensão.

I. Já sendo a discordância do Recorrente contra a concreta medição e pesagem dos resíduos tratados em alta pela ARM, que depois legitima a realização dos cálculos aritméticos por aplicação das tarifas em vigor, então cumpre frisar que o Recorrente tem acesso, prévio à emissão das faturas, aos documentos onde se contempla a pesagem/contagem das toneladas de resíduos tratados pois o contrato celebrado prevê a forma da sua contabilização.

J. Ora, ao longo de todos estes anos de prestação de serviços pela ARM, jamais o Recorrente pôs em causa, em algum momento, a concreta quantidade de toneladas de resíduos tratadas, a efetiva prestação dos serviços ou a correção do mesmo. Na verdade, sempre optou por nada contestar quanto a tal.

K. Estando-se perante preços de serviços contratualizados, assistiam ao Recorrente os meios judiciais ou outros que entendesse para reagir contra a exigência de pagamento dos mesmos, fosse devolvendo as faturas, fosse impugnando a sua validade, comunicando o não reconhecimento do crédito, ou o não conhecimento da entidade emissora, tudo aquando da respetiva notificação, o que mesmo nunca fez.

L. Mais, defendendo estarmos perante tributos, o Recorrente não poderia ignorar que teria meios próprios de reação contra os mesmos, fosse por via de reclamação fosse por via de impugnação, meios que optou por nunca utilizar.

M. Acresce que, é inegável que o Tribunal a quo conheceu dos argumentos invocados pelo Recorrente no seu recurso, o que consubstancia a prova de que o mesmo teve ao seu alcance meios de reação contra as faturas, apenas não tendo merecido provimento os seus argumentos.

N. É, assim, forçoso concluir que o Recorrente não foi cerceado nos seus direitos de defesa perante a cobrança das dívidas que contraiu, sendo este processo, também, prova da falsidade desse argumento.

O. Chegados ao âmago da argumentação do Recorrente – que se centra na natureza da dívida exequenda – diremos que o recurso não pode proceder, uma vez que a tese da Recorrente assenta em conclusões que pressupõem factos que não foram dados como provados na sentença recorrida (em rigor, nunca foram alegados pelo Recorrente).

P. De facto, o Recorrente alega que “não se encontram no mercado prestações sucedâneas daquelas que a ARM realiza, pelo que o recorrente se vê por isso verdadeiramente coagido a recorrer aos seus serviços, uma vez que não existe concorrência para que possa optar por outro fornecedor” e que “a fixação destas contraprestações pela utilização desses serviços está subtraída à lógica ou às regras do mercado uma vez que é fixada autoritariamente”.

Q. Salvo melhor opinião, parece-nos que é impossível a este Supremo Tribunal ajuizar e decidir se as conclusões do Recorrente são procedentes, dado que a sentença não deu como provados factos capazes de sustentar essas conclusões, nem o Recorrente impugnou a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que diz respeito à matéria de facto.

R. Sem prejuízo, sempre se dirá que à luz do disposto no artigo 4.º, n.º 2, da LGT, o pagamento da taxa corresponde ao cumprimento da obrigação pecuniária de um dos sujeitos (o devedor) desta relação bilateral ou sinalagmática, recaindo em contrapartida sobre o credor da taxa uma obrigação que pode revestir uma das seguintes formas: i) prestação concreta de um serviço público, ii) utilização de um bem do domínio público ou iii) remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

S. Sucede que no caso dos presentes autos, não estamos perante uma relação jurídica entre um particular e um Município, que nasce de uma imposição legal dirigida à prestação de um serviço público mediante uma contrapartida unilateralmente fixada pela Administração.

T. Trata-se, antes, de uma relação jurídica constituída através de um contrato negociado entre um Município e uma empresa de capitais públicos criada pela Região Autónoma da Madeira e vários Municípios, por via do qual se convencionou que, em contrapartida do serviço prestado, o Município pagará à Exequente ARM um preço fixado de acordo com a trajetória tarifária prevista no contrato de concessão, previamente conhecida de todos os Municípios, incluindo o Recorrente.

U. Além disso, ao contrário do que sucede nessa típica relação de serviço público, no caso dos presentes autos são os próprios Municípios que figuram como acionistas da ARM, aos quais são reservados poderes de controlo e fiscalização da atuação da sociedade.

V. Acresce que as tarifas são diferenciadas e variam de Município para Município, tendo por base as necessidades de cada um deles.

W. O que significa que o sistema multimunicipal de águas e resíduos da RAM e o sistema tarifário respetivo, não foi criado à margem dos Municípios e não lhes foi coativamente imposto.

X. Verifica-se, igualmente, que o Município Recorrente não é o beneficiário direto do serviço público concedido à Exequente ARM (esses são os cidadãos e empresas do Funchal), mas antes a entidade que contratou a concessionária ARM para, em sua substituição, prestar esse serviço aos cidadãos e empresas do Funchal.

Y. Não é, portanto, concebível que o preço cobrado pela Exequente ARM através da fatura sub judice possa qualificar-se como uma taxa, que, segundo a noção do n.º 2 do artigo 4.º da LGT, assenta na prestação concreta de um serviço público (prestado aos cidadãos e empresas e não propriamente ao Município).

Z. A forma como o Recorrente coloca a questão ignora, nomeadamente, o próprio conteúdo do DLR 17/2014/M, no âmbito de cuja elaboração o Recorrente foi ouvido (como decorre do preâmbulo desse diploma), assim como pretende branquear o facto central de que a adesão dos Municípios ao sistema multimunicipal de gestão de águas e resíduos da RAM é feito por adesão voluntária,

AA. Ademais, é falso que a sentença diga que considera aplicável aos autos o disposto no artigo 44.º do CPPT, como refere o Recorrente para sustentar a sua argumentação de que estamos perante actos tributários, a que seriam aplicáveis as normas do CPPT.

BB. A sentença diz, sempre, precisamente o inverso (que não é de aplicar à situação em análise as regras do procedimento tributário).

CC. Também é falsa a construção do Recorrente segundo a qual o que legitimaria a desnecessidade de recurso às normas do CPPT – segundo a sentença – seria o regime do DLR 17/2014/M, nomeadamente as Bases da Concessão a ele anexas. A tónica da sentença é sempre colocada na existência do contrato celebrado entre Recorrente e a Recorrida, que aquele pretende manter oculto apesar de saber bem que é o motivo central da improcedência da sua oposição.

DD. Ora, existindo esse contrato, e decorrendo do mesmo os procedimentos a seguir para cobrança dos preços por parte da ARM, nomeadamente mediante a emissão de faturas, não cabe recorrer a outro mecanismo ou procedimento que não esse mesmo, a que as partes se vincularam, não havendo motivo que legitime: a) a aplicação analógica ou direta das regras do CPPT quanto a tributos ou b) os formalismos de notificação próprios dos atos tributários, nomeadamente os previstos nos artigos 35.º e 36.º do CPPT.

EE. Devem, por tudo quanto acima se deixou expresso, improceder os argumentos do Recorrente que pretende atribuir à dívida exequenda a natureza de tributos, não merecendo a sentença qualquer reparo a tal respeito, estando corretamente sustentada, de facto e de Direito e em conformidade com a jurisprudência e doutrina dominantes.

FF. Este Venerado Supremo Tribunal já se pronunciou em mais de quarenta acórdãos em processos com as mesmas partes e sobre a mesma questão, no sentido unânime de que a dívida exequenda tem a natureza de preço e não de tributo – cita-se entre eles o acórdão proferido no processo n.º 218/18.0BEFUN, com data de 22 de janeiro de 2020

GG. Já quanto à ilegalidade do alegado ato tributário na tese do Recorrente, e aos demais vícios que lhe são assacados neste recurso, a verdade é que o Recorrente se limitou a repetir toda a argumentação anteriormente expendida em sede de oposição, nada de novo acrescentando.

HH. Por esse motivo e com esse fundamento, deve o recurso, também nesta parte, ser julgado improcedente, dado que não são atribuídos erros ou vícios à sentença neste particular.

II. Sem prejuízo, a verdade é que nenhum dos vícios invocados pelo Recorrente neste recurso se verifica.

JJ. Desde logo porque qualquer dos vícios invocados, poderiam quando muito consubstanciar meras irregularidades, não passíveis de afetar a fatura, além de que a assumida postura de recusa de reação ou resposta à fatura sempre seria de considerar contrária ao princípio da colaboração a que alude o artigo 59.º do CPPT (se, como entende o Recorrente, estivermos perante atos tributários) e que impende sobre o mesmo.

KK. Mais, o Recorrente reconhecimento recebeu a fatura e nada fez, por opção, não tendo recorrido ao mecanismo do artigo 37.º do CPPT quaisquer dos vícios se devem hoje considerar sanados.

LL. Quanto à falta de fundamentação, quer do acto de notificação quer da própria factura, importa realçar que em nenhum caso o mesmo configura fundamento de oposição à execução porquanto a norma do artigo 204.º do CPPT é taxativa e não prevê este vício. Ora, se a Lei não prevê especificamente, não seria nunca por via da alínea residual [i) do n.º 1 de tal preceito] que se poderia abrir a porta ao seu conhecimento, sob pena de desvirtuação completa do preceito.

MM. Mesmo que assim não se entendesse, não nos podemos esquecer que a intervenção prévia do Recorrente – quer quando foi ouvido no âmbito da criação do DLR 17/2014/M, quer quanto aderiu ao sistema multimunicipal por contrato – exclui toda e qualquer necessidade de fundamentação dos atos para lá do mínimo exigível, sendo que as faturas e atos de notificação contém informação mais que suficiente para que o Recorrente possa percecionar a origem da dívida, a entidade credora e tudo o mais que carece de saber para se orientar.

NN. Também a alegação de não indicação do autor do órgão não faz qualquer sentido, porquanto a ARM, S.A., como bem sabe o Recorrente não tem órgãos porquanto é uma sociedade comercial de direito privado, pelo que as faturas são emitidas como qualquer outra, com obediência ao disposto no CIVA e nada mais, através de programa de faturação certificado.

OO. Aliás, o Recorrente pagou dezenas de faturas iguais sem nunca as questionar no que toca aos referidos aspetos, tendo inclusivamente pago parte da fatura dos presentes autos.

PP. Quanto à suposta preterição do direito de participação/audição prévia, os mesmos argumentos já acima expendidos são igualmente válidos a este propósito. Todo o regime legal e contratual vigente e que vincula as partes contém em si a participação do Recorrente que seria exigível, sendo as faturas emitidas apenas por realização de cálculos aritméticos (ou por aplicação de juros a montantes em dívida a partir de certa data previamente acordada como data de pagamento ou por aplicação e uma tarifa fixa que estava definida contratualmente e cujo montante se encontra igualmente definido em tal regime).

QQ. Conforme é jurisprudência dominante, sendo a audiência prévia um direito não absoluto, ela é dispensável sempre que redunde na prática de um ato inútil porque não seria passível de alterar a decisão final, ou quando em causa esteja a prática de atos em massa ou que consistam na mera realização de operações aritméticas, como é manifestamente o caso dos autos. Não ocorre, pois, o vício apontado.

RR. Quanto à alegada caducidade do direito à liquidação do tributo, a verdade é que o Recorrente não imputa à sentença qualquer vício à decisão proferida pelo Tribunal a quo nesta matéria, limitando-se novamente a repetir toda a argumentação que usou na petição inicial para sustentar essa caducidade, nada de novo acrescentando.

SS. Sem prejuízo, sempre se dirá que a sentença neste segmento é isenta de censura, uma vez que se provou que i) o Recorrente recebeu a fatura dos autos, ii) pagou parte dela, iii) e reconheceu no Acordo de Pagamento de 28 de outubro de 2016, a regularização das faturas emitidas entre fevereiro de 2013 e abril de 2016.

TT. O recurso deve, por isso, ser julgado improcedente também nesta parte.».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer cujo teor a seguir se transcreve parcialmente:

«(…) 2.1.DA INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA. (…)

Como sustentam e sentença e entidade recorridas, cujo discurso fundamentador se subscreve, no essencial, a dívida exequenda diz respeito a um preço e não a um tributo, na modalidade de taxa.

De facto, como sustenta SÉRGIO VASQUES, citado na sentença recorrida (Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 208-210) “ […] os tributos públicos consubstanciam obrigações ex lege ao passo que os preços consubstanciam obrigações ex voluntate. Vale isto dizer que as taxas constituem obrigações que nascem por mero preenchimento de um pressuposto legal, sendo a vontade do sujeito ativo e passivo irrelevante ao respetivo conteúdo e validade, ao passo que os preços constituem obrigações que se geram pelo acordo das partes, através de um mecanismo de tipo negocial”.

Ora, a contrapartida a que, contratualmente, se vinculou o recorrente/oponente perante a concessionária/recorrida pela prestação do serviço público de recolha e tratamento de resíduos sólidos decorre, essencialmente de um contrato de fornecimento/prestação, que assenta num contrato de concessão de serviço público, pelo que tem a natureza de um preço, e não de um tributo, na modalidade de taxa.

Assim sendo, ressalvado melhor juízo, não faz sentido convocar as formalidades relativas às notificações previstas nos artigos 35.º e seguintes do CPPT.

Dado que está provado que o recorrente foi devidamente notificado para proceder ao pagamento da fatura exequenda a dívida é exigível.

Mas, mesmo que se sustente a natureza de taxa da dívida exequenda, a verdade é que, também, por essa via, não está demostrada a inexigibilidade da dívida.

Na verdade, a eventual insuficiência da notificação mostra-se suprida pela não utilização por parte do recorrente do procedimento regulado no artigo 37.º do CPPT.

No que concerne à alegada falta de indicação do autor do ato, como bem sustenta a recorrida, parece não fazer qualquer sentido, pois que, sendo esta uma sociedade anónima de direito privado, embora de capitais públicos, não tem órgãos, pelo que as faturas são emitidas com obediência ao disposto no CIVA, via programa de faturação certificado, sendo indiscutível que a fatura foi emitida pela ARM recorrida.

2.2.DA ILEGALIDADE CONCRETA DA FATURA EXEQUENDA.

A ilegalidade concreta da dívida exequenda só constitui fundamento de execução quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação (artigo 204.º/1/i) do CPPT), o que, em nosso entendimento e ressalvado melhor juízo, não acontece no caso em análise.

Como resulta dos autos o recorrente instaurou AAE, por via das quais peticionou a desaplicação da Resolução 131/2014 da Presidência do Governo Regional da Madeira, que aprovou o novo tarifário a aplicar ao Sistema de Gestão e Abastecimento de Água da RAM.

Se o que o recorrente pretende sindicar é a concreta medição e pesagem da água em alta pela ARM, que depois legitima a realização de cálculos aritméticos por aplicação das tarifas em vigor, estando-se perante preços contratualizados, como nos parece ser o caso, o recorrente tinha ao seu dispor os meios judiciais ou outros que entendesse adequados para reagir contra a exigência de pagamento, designadamente, como refere a recorrida, a devolução da fatura, a impugnação da sua validade, comunicando o não reconhecimento do crédito ou o não conhecimento da entidade emissora, aquando da notificação da fatura, o que não está demonstrado que tenha feito.

Mas, mesmo entendendo o Município recorrente que se trata de uma taxa, não é aceitável que desconhecesse os meios de reação que tinha para reagir contra tal alegado ato de liquidação, ou seja a reclamação graciosa/impugnação judicial, meios esses que não utilizou, podendo fazê-lo no prazo legal.

Em conclusão a alegada ilegalidade concreta da fatura, no caso em apreciação, não constitui fundamento de oposição judicial.

2.3. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO DO TRIBUTO.

Sustenta o recorrente que se mostra caducado o direito de liquidação da alegada taxa em causa nos autos, relativa a Outubro de 2014, uma vez que só foi citado para a ação executiva em 05/05/2019.

Como todo o respeito [por] opinião contrária, esta posição do recorrente não tem qualquer apoio legal.

De facto, como já se tentou demonstrar não está em causa qualquer tributo, na modalidade de taxa, mas antes um preço, pelo que não faz sentido vir invocar a caducidade do direito de liquidar o alegado tributo.

Por outro lado, como reculta do probatório, o recorrente foi notificado da fatura em causa logo em 11/11/2014, tendo procedido ao pagamento parcial da mesma, portanto muito antes do decurso do prazo de caducidade dos tributos (artigo 45.º da LGT).

2.4. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA (ARTIGOS 20.º e 268.º/4 CRP). (…)

Como já se referiu o recorrente sindicou, em tempo, a aplicação da Resolução da PGM, que aprovou o novo tarifário.

Por outro lado, o recorrente não estava impedido de sindicar as faturas exequendas, designadamente, assacando vícios ao procedimento que esteve na sua génese, a preterição da formalidade de audição prévia, a eventual falta de fundamentação da mesma ou questionando a qualificação e quantificação da obrigação pecuniária liquidada, a partir da receção das mesmas.

Portanto, não tendo o recorrente sindicado as faturas exequendas, aquando da sua receção, nos prazos legais, não pode vir agora, depois de ultrapassada a oportunidade legal para o efeito, discutir a legalidade da dívida em sede de oposição judicial, meio processual inidóneo para o efeito.

Os referidos normativos, na interpretação que dos mesmos fez o tribunal recorrido, em nossa opinião e ressalvado melhor juízo, não violam o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.

2.5. DA POSIÇÃO DO STA SOBRE AS QUESTÕES EM ANÁLISE.

O STA de forma reiterada e uniforme tem vindo a julgar improcedentes os recursos jurisdicionais interpostos pelo Município recorrente (entre muitos outros acórdão de 14/10/2020 – P. 0207/19.7BEFUN, disponível em www.dgsi.pt).

3.CONCLUSÃO.

Deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «(...)

1. Em 05 de janeiro de 2000, foi celebrado entre a Região Autónoma da Madeira e a IGA – Investimentos e Gestão da Água, S.A. “Contrato de Concessão do Sistema Regional de Gestão e Abastecimento de Água da Madeira”, tendo por conteúdo “a concepção, construção, exploração e gestão do Sistema Regional de Gestão e Abastecimento de Água da Madeira” e por objeto de concessão “o acesso aos bens e o desenvolvimento de todas as áreas e actividades adequadas a um eficaz e correcto cumprimento das necessárias competências e poderes públicos de autoridade delegado pela Região”, pelo prazo de vinte e cinco anos – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. O contrato de concessão mencionado no ponto antecedente foi objeto de adenda em 13 de setembro de 2010 – cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. No dia 09 de setembro de 2014, o Oponente Município do Funchal, conjuntamente com o Município de Santa Cruz, apresentou ação administrativa especial contra a Região Autónoma da Madeira e a IGA - Investimentos e Gestão da Água, S.A (na qualidade de contrainteressada), a qual se encontra a correr termos neste Tribunal sob o n.º 235/14.9BEFUN, na qual é pedido, para além do mais, que “seja desaplicada aos AA. por ilegal a Resolução n.º 131/2014, da Presidência do Governo Regional da Madeira”, que aprovou o novo tarifário a aplicar ao Sistema de Gestão e Abastecimento de Água da Região Autónoma da Madeira – cfr. consulta SITAF.

4. Em 07 de novembro de 2014, foi emitida pela IGA - Investimentos e Gestão da Água, S.A., em nome do Município do Funchal, a fatura n.º C10 21400486, que apresenta a seguinte forma:


– cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. A fatura mencionada no ponto antecedente foi rececionada pelo Oponente Município do Funchal em 11 de novembro de 2014, a que correspondeu a entrada n.º 2014/44026 – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial.

6. Em 30 de dezembro de 2014, foi celebrado “Contrato de Concessão da Exploração e Gestão do Sistema Multimunicipal de Águas e de Resíduos da Região Autónoma da Madeira em Regime de Serviço Público e de Exclusividade entre a Região Autónoma da Madeira e a ARM - Águas e Resíduos da Madeira, S.A.” – cfr. doc. n.º 5 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. A 28 de outubro de 2016, a ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A. e o Oponente Município do Funchal celebraram um Acordo de Pagamento (denominado “Acordo de Regularização de Dívida”), tendo por objeto a regularização de parte da dívida não contestada por este último, que compreendeu faturas emitidas entre 11 de fevereiro de 2013 e 07 de abril de 2016, por serviços de adução de água tratada em alta – facto não controvertido.

8. No dia 24 de abril de 2019, foi emitida pela ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., em nome do Município do Funchal, a certidão de dívida n.º 20190403/21, “proveniente de parte da fatura C10 21400486”, no valor de € 74.180,06, acrescidos de juros de mora, “sendo o valor total em dívida de 97.005,37 €” – cfr. fls. 02 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Em 26 de abril de 2019, foi instaurado no Serviço de Finanças do Funchal - 1, o processo de execução fiscal n.º 2810201901053272 contra o Oponente, com base na certidão de dívida mencionada no ponto antecedente, com vista à cobrança coerciva de dívida proveniente da ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A., no montante global de € 97.005,37 – cfr. fls. 01 e 02 do PEF apenso.

10. O Oponente foi citado para a execução fiscal n.º 2810201901053272, por ofício datado de 05 de maio de 2019 – cfr. fls. 03 do PEF apenso e fls. 106 e 107 dos autos (suporte digital).

11. A presente oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1, no dia 23 de maio de 2019 – cfr. fls. 04 dos autos (suporte digital).».



3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na parte em que julgou totalmente improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2810201901053272, instaurada no Serviço de Finanças do Funchal para cobrança coerciva de dívida proveniente de quantia relativa a «Água Alta Tratada».

O entendimento firmado na douta sentença recorrida pode, neste segmento, ser resumido do seguinte modo:

i. Não está em causa a cobrança coerciva de um tributo, pelo que não são de aplicar-lhe as regras do procedimento tributário;

ii. Ainda que assim não fosse entendido, a oposição não seria o meio processual adequado para invocar a ilegalidade concreta da dívida exequenda;

iii. No que concerne à invocada caducidade do direito à liquidação, não são aplicáveis ao caso as regras da caducidade dos tributos;

iv. Os municípios não são utentes de serviços públicos essenciais, pelo que não podem invocar a prescrição a curto prazo prevista no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.

A posição do Recorrente pode, por sua vez, ser resumida do seguinte modo:

i. A contraprestação em causa nos autos é uma taxa, pelo que lhe são aplicáveis as regras e os formalismos próprios da notificação dos tributos, razão porque a dívida é inexigível, sendo que entendimento contrário será manifestamente violador do princípio da tutela judicial efetiva [conclusões “1.ª” a “16.ª”];

ii. Se assim não se entender, a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação, pelo que o meio é o adequado para a discussão da ilegalidade da dívida exequenda com fundamento na preterição do direito de audição prévia, da violação do direito à fundamentação e da caducidade do direito à liquidação [conclusões “17.ª” a “21.ª”];

iii. O direito a liquidar quaisquer taxas caduca, por efeito da lei, se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contados a partir da data em que o facto tributário ocorreu [conclusão “22.ª”];

Decorre, desde já, do exposto que não faz parte do âmbito do presente recurso a parte da decisão que conheceu da prescrição da dívida exequenda.

O que faz parte do âmbito do presente recurso é a questão de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na resolução da questão da inexigibilidade da dívida exequenda.

Bem como a questão de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que a oposição não seria meio adequado para apreciar os vícios que são imputados ao ato que lhe deu origem.

E a questão de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que não são aplicáveis as regras da caducidade dos tributos.

Quanto à primeira questão, o tribunal a quo tinha entendido que «a contrapartida a que se vinculou o Oponente perante a concessionária ARM – Águas e Resíduos da Madeira, S.A. pela prestação do serviço público de adução de água tratada em alta tem a natureza de um preço, não se subsumindo, assim, no elenco dos tributos».

Motivo porque não seriam aplicáveis à situação em análise as regras das notificações inseridas nos artigos 36.º, n.º 2 e 39.º, n.º 12, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A Recorrente não se conforma com o assim decidido, fundamentalmente, porque a contraprestação nos autos é uma taxa [conclusão “4.ª”], porque são aplicáveis as regras das notificações inseridas nos artigos 36.º, n.º 2 e 39.º, n.º 12, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário [conclusão “5.ª”] e porque, mesmo que fosse um preço, lhe seriam aplicáveis aquelas regras, dado que o Decreto-Legislativo Regional é omisso sobre qual a sucessão de atos dirigidos à declaração desse crédito [conclusão “8.ª”].

A questão que a Recorrente coloca nos autos tem por base uma dívida emergente de serviço público de captação, tratamento, armazenamento e distribuição de água para o consumo público, prestado em alta.

A mesma questão já foi colocada ao Supremo Tribunal Administrativo, nestes mesmíssimos termos, no âmbito de dívidas emergentes serviços públicos de recolha e tratamento de águas residuais urbanas e de recolha, tratamento e valorização dos resíduos (vd. acórdão de 22 de janeiro de 2020, tirado num recurso que correu termos entre as mesmas partes, no Processo n.º 218/18.0BEFUN, de resto, expressamente citado na douta sentença recorrida).

Também ali estava em causa a relação jurídica que, por via de contrato, se estabelece entre a concessionária regional do serviço em alta e o Município do Funchal, na qualidade de utilizador do sistema de gestão dos setores das águas e dos resíduos, que foi objeto de uma reorganização a partir de 1999, mediante a criação de sistemas públicos de abrangência regional geridos por entidades de natureza empresarial com capitais sociais exclusivamente públicos.

E também ali estava em causa a interpretação do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2014/M, de 16 de dezembro, que reestruturou o setor público empresarial regional na área da gestão das águas e dos resíduos, mediante a fusão das empresas concessionárias e a criação de um único sistema multimunicipal da Região Autónoma da Madeira.

Pelo que os considerandos ali expendidos são integralmente transponíveis para os presentes autos.

Nesse acórdão foi decidido, na essência, que a dívida subjacente à fatura respetiva não se reconduz a nenhuma espécie tributária, consubstanciando uma obrigação pecuniária emergente de um contrato, que não foi liquidada no prazo contratualmente previsto, sendo os seus requisitos de validade os que constam das regras legais e contratuais para a validade do título, não lhe sendo aplicáveis as normas dos artigos 36.º e 39.º, n.º 12, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O entendimento ali firmado foi, entretanto, reiterado em múltiplos e sucessivos acórdãos do mesmo Tribunal, que nos dispensamos aqui de nomear, até porque se trata também de recursos interpostos pelo mesmo Recorrente e de cujo teor, por isso, tomou conhecimento em primeira mão.

Sendo que na argumentação agora desenvolvida a Recorrente também não apresenta nenhum argumento novo que justifique a sua revisão.

Na resposta à segunda questão, o Tribunal a quo tinha entendido que «a discussão da legalidade da dívida exequenda depende se se verificar um condicionalismo adicional: a lei não assegurar outro meio judicial de impugnação ou recurso contra o respetivo ato definidor». O que, no caso, entendeu não se verificar.

A Recorrente também não se conforma com o assim decidido, fundamentalmente, por entender que não existe outro meio de defesa e porque, assim sendo, a interpretação contrária é manifestamente violadora do princípio da tutela judicial efetiva.

Mas o Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou quanto a essa questão. Desde logo, no próprio acórdão a que acima já fizemos referência, onde ficou consignado que existem diversas vias de impugnação, seja a via arbitral, seja a via do contencioso administrativo.

Importa, assim, no uso da faculdade concedida no n.º 5 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, remeter para a fundamentação do supra identificado acórdão, ficando dispensada a sua junção, por se encontrar disponível em redação integral in www.dgsi.pt e ter sido notificado à própria Recorrente no âmbito do processo respetivo.

Quanto ao erro de julgamento na parte em que conheceu do vício da falta de notificação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos, reitera-se o entendimento adotado da douta sentença. Que, de resto, remete também para entendimento firmado em acórdãos deste tribunal.

Razão porque ao recurso será negado provimento na totalidade.



4. Conclusões

4.1. A obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre o município Utilizador de um sistema multimunicipal de águas e de resíduos da Região Autónoma da Madeira e a empresa concessionária daquele não tem natureza tributária;


4.2. Na execução fiscal da obrigação pecuniária emergente de um contrato, que não foi liquidada no prazo contratualmente previsto, e relativamente à qual foi extraída, nos termos legais, certidão com valor de título executivo, os seus requisitos de validade são os que constam das regras legais e contratuais para a validade do título, bem como aqueles que resultam do disposto no artigo 163.º do CPPT, e não os constantes das normas dos artigos 36.º e 39.º, n.º 12, do CPPT;


4.3. A oposição à execução fiscal não é a via adequada para discutir a legalidade das dívidas emergentes de contratos, mesmo quando essas dívidas sejam, por lei, equiparadas a dívidas ao Estado ou a uma Região Autónoma.




5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

D.n.

Lisboa, 3 de fevereiro de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.