Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:047693/01.8BALSB-A
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RECLAMAÇÃO
ARGUIÇÃO
NULIDADE DECISÓRIA
REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:I - Decidido o pedido de retificação de erros materiais de certa decisão judicial, não se reabre a possibilidade de voltar a reclamar contra essa mesma decisão judicial, ainda que, sob invocação de fundamento diferente, desde logo, por inadmissibilidade do meio processual, mas também por intempestividade e preclusão processual.
II - Deve ser indeferido o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa da justiça no âmbito do presente processo, por o Tribunal já ter decidido sobre tal questão.
Nº Convencional:JSTA000P32041
Nº do Documento:SAP20240321047693/01
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO (E OUTROS)
Recorrido 1:SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Espécie: Recursos Jurisdicionais

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O Co-Executado MUNICÍPIO DO PORTO, devidamente identificado nos autos, notificado do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), datado de 25/01/2024, que decidiu o pedido de retificação de erros materiais e o pedido de reforma quanto a custas, veio, ao abrigo da al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigos 666.º e 685.º do CPC, apresentar Reclamação de arguição de nulidade decisória, invocando a “nulidade do Acórdão (do Pleno) de 26 de outubro de 20233 e, consequentemente, do Acórdão de 25 de janeiro de 2024, sendo ambos substituídos por decisão na qual se fixe, como remanescente da indemnização devida ao Exequente, o valor de € 6.488.493,91.”, invocando a nulidade do acórdão do Pleno do STA, de 26/10/2023, por, segundo a sua alegação, tal decisão modificar o cálculo para atualização do valor da indemnização remanescente, incorrendo em excesso de pronúncia, por não estar em causa que o valor a atualizar fosse o valor do bem (€ 5.992.796,60), por apenas estar em causa o valor da diferença entre o valor do bem e o valor já pago (€ 4.245.071,12) fosse atualizado até à data da decisão final, e não reportada à data de 2006, como havia sido decidido.

2. O Exequente AA veio pronunciar-se, negando razão ao Executado, invocando que a reclamação é inadmissível, estando em causa uma reclamação de uma reclamação, com o intuito de evitar que a decisão transite em julgado, mais defendendo que o poder jurisdicional do Tribunal se esgotou, mais pedindo a condenação do Co-Executado como litigante de má-fé e no pagamento de multa não inferior a € 812,29 por cada dia de atraso que provocou pela apresentação da injustificada reclamação até efetivo trânsito em julgado.

3. O Exequente, AA, em requerimento autónomo, veio ainda requerer a dispensa do pagamento do remanescente de custas na totalidade ou, pelo menos, em parte, de acordo com o n.º 7, do artigo 6.º do RCP, sendo a decisão reformada quanto a custas, mais invocando a tempestividade deste pedido, por o acórdão de 26/10/2023 não condenar o Exequente em custas.

Importa decidir.

A. Reclamação de arguição de nulidade decisória, nos termos da al. d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, do acórdão de 26/10/2023, por excesso de pronúncia e consequente, nulidade do acórdão de 25/01/2024 no tocante ao pedido de retificação de erros materiais, apresentado pelo Co-Executado, Município do Porto

Vem o Município do Porto, notificado do acórdão datado de 25/01/2024, e na sequência do indeferimento do pedido de retificação de erros materiais, apresentar reclamação, em que dirige a nulidade decisória, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ao acórdão proferido em 26/10/2023.

O que manifestamente não tem sustento legal, sendo inadmissível.

Notificado do acórdão do Pleno, datado de 26/10/2023, embora do mesmo não fosse possível interpor recurso jurisdicional, as partes dispunham de meios processais de reação, como seja, a reclamação para a arguição de nulidades, decisórias ou processuais, assim como pedidos de reforma.

O Co-Executado, Município do Porto, não vislumbrou motivo para arguir qualquer nulidade contra o acórdão datado de 26/10/2023, vindo antes dirigir o pedido de retificação de erros materiais, o que foi decidido no sentido do seu indeferimento, pelo acórdão de 25/01/2024, por, efetivamente, nenhum erro existir que importasse corrigir.

O que, em rigor, o ora Reclamante, nem ora vem pôr em causa.

Decidido o pedido de retificação de erros materiais de certa decisão judicial, não se reabre a possibilidade de voltar a reclamar contra essa mesma decisão judicial, ainda que, sob invocação de fundamento diferente, desde logo, por inadmissibilidade do meio processual, mas também por intempestividade e preclusão processual.

Assim, em relação ao acórdão proferido em 26/10/2023, do qual a parte foi oportunamente notificada e até apresentou pedido de retificação de erros materiais, não cabe a possibilidade de reclamar, ocorrendo a perda do direito processual de reclamar, não apenas por intempestividade, por o reclamante ter sido notificado em outubro do acórdão ora reclamado, como por preclusão processual, em consequência de ter optado por apresentar pedido de retificação de erros materiais.

As partes são auto responsáveis pelos meios de ação e pelos meios de defesa, assim como, pelos mecanismos de reação processual contra as decisões judiciais, não se admitindo a apresentação de uma reclamação contra um acórdão de pedido de retificação de erros materiais e, muito menos ainda, no caso de esta reclamação não ter como objeto reclamado a decisão judicial proferida, de que foi notificado, mas uma outra decisão judicial anterior, como ocorre no presente caso.

Notificado do acórdão datado de 26/10/2023, o Co-Executado, se assim o entendesse, poderia ter apresentado Reclamação de arguição de nulidade decisória, por excesso de pronúncia, mas assim não entendeu, tendo optado por apresentar pedido de retificação de erros materiais.

Além de que, querendo, poderia ter formulando as duas pretensões a título subsidiário, acautelando para o caso de uma não proceder, mas tal não ocorreu, impedindo que o Tribunal possa agora pronunciar-se ou decidir sobre a pretensão oportunamente não formulada.

De modo, que a lei processual não só não consente a apresentação da Reclamação que ora foi apresentada, por não caber reclamação de um anterior pedido de retificação, como, é absolutamente inadmissível que venha a ser apresentada uma reclamação cujo objeto não é o último acórdão notificado, mas uma anterior decisão judicial que, por falta de dedução oportuna da respetiva reação processual, esbarra com o esgotamento do poder jurisdicional quanto ao objeto julgado, impedindo qualquer reapreciação sobre o mérito do decidido.

Pelo que, por ser legalmente inadmissível apresentar reclamação que tem como objeto, não o acórdão que conhece do pedido de retificação de erros materiais, mas o acórdão que decide sobre o mérito do pedido, além de esta reclamação de arguição de nulidade decisória do acórdão de 26/10/2023 ser intempestiva e, ainda, se encontrar esgotado o poder jurisdicional, será de indeferir a Reclamação apresentada.

B. Pedido de dispensa do pagamento do remanescente de custas na totalidade ou, pelo menos, em parte, de acordo com o n.º 7 do artigo 6.º do RCP, formulado pelo Exequente

Vem o Exequente invocar que, por só agora com o acórdão proferido em 25/01/2024 ter sido condenado ao pagamento de custas, é tempestiva a apresentação do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa da justiça.

Alega que estamos perante um incidente de liquidação e que se trata de um processo de fácil solução, que passou “pela realização duma ou duas perícias e por uma decisão”, em que a “perícia envolveu o PDM do Porto e uma opinião dos peritos” e em que “as partes pediram uma segunda perícia, também colegial”, mais invocando a facilidade do litígio, além de ser diferente o comportamento das partes.

Em relação ao requerido pelo Exequente, nenhuma das partes se pronunciou.

Apreciando a pretensão formulada pelo Exequente, é igualmente manifesta a sua falta de razão, o que se prende com a circunstância de o Tribunal já ter decidido sobre o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa da justiça no âmbito do presente processo e, inclusivamente, tal integrar o dispositivo do acórdão proferido em 26/10/2023, tendo, efetivamente, sido decidido por este Supremo Tribunal, em Pleno, no âmbito deste processo, não dispensar qualquer das partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Ao contrário do que alega o Exequente, o Tribunal pronunciou-se especificamente sobre tal questão no ponto (iv) do acórdão proferido em 26/10/2023, referente ao pedido de “Reforma quanto a custas” apresentado pelo Município do Porto, mas cujos fundamentos apresentados não incidiram apenas sobre o Co-Executado, mas sobre as partes do processo, como consta no ponto 72 do acórdão, ao constar que “72. O Recorrente veio, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3, do artigo 616.º do CPC e da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), pedir a reforma do acórdão recorrido, no sentido de dispensar as partes do pagamento do montante das custas que excede o valor da taxa de justiça inicial (…)”.

O que levou a que o Tribunal, de acordo com os fundamentos e o pedido formulado, tivesse decidido no ponto 79 do acórdão no mesmo sentido, ou seja, apreciando a pretensão formulada não estritamente considerando a posição processual do Co-Executado, Município do Porto, mas do litígio globalmente considerado e, por isso, também à luz do comportamento de ambas as partes no processo.

Em correspondência, o dispositivo em matéria de custas é aquele que consta do acórdão proferido em 26/10/2023, vinculando todos os sujeitos processuais e não apenas o Co-Executado, Município do Porto.

Sem prejuízo, ainda que assim não se entendesse, mantém-se rigorosamente os termos do anteriormente decidido, por, conforme decidido no ponto 79 do acórdão proferido em 26/10/2023, “os presentes autos revelarem grande complexidade no julgamento da matéria de facto, exigindo ampla e intensa atividade instrutória, com a realização de diversos meios de prova, incluindo diversas perícias colegiais, além da prova testemunhal, a que acresce não se afigurar simples a questão de direito, como decorre do próprio teor dos fundamentos do recurso, para além de todas as vicissitudes processuais dos autos, que a sua própria tramitação revela.”, não estando, em consequência, verificados os pressupostos legais previstos no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, para que possa ser deferida a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

O que deverá conduzir ao indeferimento do pedido de reforma quanto a custas.

C. Do pedido de condenação do Co-Executado, Município como litigante de má-fé e no pagamento de indemnização

Vem o Exequente, invocar a litigância de má-fé do Co-Executado, nos termos da al. b), do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, em consequência do pedido de reclamação que apresentou, impedindo o trânsito em julgado do acórdão proferido em 26/10/2023, pedindo também a sua condenação ao pagamento de uma indemnização, que quantifica no valor de € 812,29, por cada dia de atraso que provocou pela apresentação injustificada da reclamação.

O Co-Executado nada disse sobre o requerido.

Impondo-se às partes uma conduta processual que não contribua para o entorpecimento dos autos, nem para protelar, sem fundamento, o trânsito em julgado, não obstante a falta de fundamento da reclamação de arguição de nulidade decisória apresentada pelo Município do Porto, é de configurar a reclamação apresentada como uma última e derradeira tentativa de reverter o decidido e de enquadrar essa iniciativa no uso de meios de defesa, pelo que, atenta a realidade concreta e particular dos presentes autos, por ora, não se condena o Co-Executado em litigância de má-fé e no pagamento da indemnização que vem formulada, sem prejuízo da apreciação da conduta processual que, oportunamente, venha a ocorrer.

Donde, ser de indeferir o requerido.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em relação aos requerimentos apresentados pelo Co-Executado, Município do Porto e pelo Exequente:

1. Indeferir o pedido de Reclamação de arguição de nulidade decisória, formulado pelo Co-Executado, Município do Porto, nos termos da al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, contra o acórdão proferido em 26/10/2023, por inadmissibilidade legal, intempestividade e esgotado o poder jurisdicional;

2. Indeferir o pedido de Reforma quanto a custas, apresentada pelo Exequente, por inadmissibilidade legal e esgotado o poder jurisdicional;

3. Indeferir o pedido de litigância de má-fé do Co-Executado, Município do Porto, formulado pelo Exequente, por falta de fundamento.

4. Custas de cada um dos incidentes a cargo de cada um dos Requerentes, por ficarem vencidos, nos termos do n.º 1, do artigo 539.º do CPC.

Lisboa, 21 de março de 2024. - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada - Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete.