Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0992/09.4BEPRT 01511/13
Data do Acordão:11/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
AVALIAÇÃO
DATA
Sumário:A avaliação de um prédio para efeitos da sua inscrição ou atualização matricial deve reportar-se à data em que a avaliação é pedida ou oficiosamente determinada.
Nº Convencional:JSTA00071607
Nº do Documento:SAP202211230992/09
Data de Entrada:10/21/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA Pública, tendo sido notificada do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de novembro de 2014, que deu provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, por sua vez, tinha julgado improcedente a impugnação do resultado da segunda avaliação do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Matosinhos, sob o artigo ………, fracção “……..”, e que se traduziu na fixação do valor patrimonial tributário desse prédio em € 290.350,00, dele vem interpor o presente recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro).

Invocou contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/02/2012, tirando no processo n.º 05214/11.

Tendo sido notificada da admissão do recurso, apresentou alegações de primeiro grau, tendentes a demonstrar a existência de oposição com o acórdão fundamento.

A Ex.ma Sr.ª Juíza Desembargadora Relatora concluiu pela verificação da oposição de acórdãos e ordenou a notificação de Recorrentes e Recorrida para alegarem nos termos do disposto nos artigos 282.º, n.º 3 e 284.º, n.º 5, ambos daquele Código.

A Recorrente apresentou, então, alegações de segundo grau e concluiu do seguinte modo: «(…)

a) Tendo, o acórdão recorrido (datado de 13 de novembro de 2014, no processo n.° 992/09.4BEPRT) e o acórdão fundamento (de 28 de fevereiro de 2012, proferido pelo TCAS no processo n.º 05214/11), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base em situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adotada no acórdão fundamento,


porquanto,

b) se verifica a identidade de situações de facto, nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), foi analisado que valor base, i.e., quais as fórmulas de cálculo que se devem aplicar a um imóvel objeto de avaliação determinada oficiosamente; se o valor base em vigor no ano da transmissão do imóvel ou o valor base em vigor no ano em que oficiosamente o imóvel foi inscrito/avaliado pelo chefe do serviço de finanças após a declaração modelo 1.

c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito, uma vez que, em ambos os acórdãos, foi, em concreto, decidida a mesma questão de direito.

d) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a oposição de acórdãos aqui invocada.

e) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha - perante igual entendimento fáctico e jurídico - entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer.

f) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Norte no processo n.º 992/09.4BEPRT.

g) Desta forma, deve ser proferido acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.».

Pediu fosse dado provimento ao presente recurso e fosse proferido acórdão no sentido preconizado no acórdão fundamento.

A recorrida apresentou contra alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

I. Verifica-se a existência de oposição de acórdãos, nos termos do disposto nos artigos 282.° e ss do CPPT (na sua anterior versão),

II. Na medida em que existe identidade da situação de facto e identidade da questão de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

III. Porém, a solução jurídica presente em cada um daqueles acórdãos é distinta, pelo que se impõe a intervenção deste douto Supremo Tribunal Administrativo para suprir a oposição em apreço.

IV. Ora, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento levanta-se a questão de saber qual o valor e as regras a aplicar ao imóvel objeto de avaliação patrimonial: se aquele que vigorava à data da transmissão do imóvel (acórdão recorrido) ou o valor que vigorava à data da inscrição oficiosa do imóvel pelo serviço de finanças (acórdão fundamento).

V. De facto, o acórdão Recorrido datado de 13.11.2014 e proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, veio julgar procedente a Impugnação Judicial da ora Recorrida e considerar que o facto tributário relevante para efeitos de avaliação do valor patrimonial tributário é a transmissão do imóvel, ocorrida em 2005, pelo que as fórmulas de cálculo utilizadas terão que ser as constantes da legislação vigente nessa data - e não por referência à data em que foi emitida oficiosamente a Declaração Modelo 1 (in casu, em 2008).

VI. Por sua vez, o acórdão Fundamento, datado de 28.02.2012 e proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, veio considerar que a avaliação de um imóvel deve reportar-se à data do pedido de inscrição do prédio na matriz através da estruturação da declaração modelo 1 oficiosamente emitida pelo Chefe do Serviço de Finanças em 21/1/2008, devendo, assim, reportar-se ao ano de 2008 - e não ao ano da sua transmissão (in casu, em 2004).

VII. Ora, sempre consideraremos que o entendimento sufragado no acórdão fundamento não pode prevalecer,

VIII. Devendo ser mantida a decisão propalada no acórdão recorrido, por se afigurar congruente com a legislação aplicável e mais justa para o sujeito tributário.

IX. Assim, nunca aceitaremos que o facto tributário relevante para atribuição do Valor Patrimonial Tributário e do Coeficiente de qualidade seja a data de apresentação do modelo 1 no serviço de finanças.

X. Na verdade, é aquando da transmissão do imóvel que se verificam os pressupostos- relevantes para determinação das regras e valores de avaliação do prédio urbano.

XI. Aliás, não pode ser imputável ao sujeito tributário que a inscrição oficiosa do imóvel e emissão da declaração modelo 1 pelo serviço de finanças responsável seja realizada posteriormente àquela transmissão, impondo-lhe regras e coeficientes que não se verificavam à data do facto tributário originário - a transmissão.

XII. Assim, a posição jurídica propalada no acórdão fundamento mais não faz do que impor ao sujeito tributário uma avaliação posterior ao facto tributário relevante (a transmissão) que, maioritariamente, é de natureza superior;

XIII. Originando, invariavelmente, que os valores posteriormente apurados sejam superiores aos valores apurados aquando da transmissão, quer em virtude da natural inflação, quer em virtude da existência de coeficientes que não se verificavam aquando da transmissão - como aconteceu in casu com o coeficiente de qualidade e conforto.

XIV. Como tal, estando o prédio alienado já inscrito na matriz e de acordo com o disposto no artigo 37.º, n.º 4 do C.I.M.I em vigor à data dos factos, a avaliação do imóvel deve ocorrer aquando da primeira transmissão

XV. Ou seja, o facto tributário relevante para efeitos avaliação do valor patrimonial tributário é a transmissão do imóvel, pelo que as fórmulas de cálculo utilizadas terão que ser as constantes da legislação vigente nessa data.

XVI. Assim, a aplicação no tempo do Valor Patrimonial Tributário dá-se com a ocorrência do facto tributário, o qual ocorre na data da transmissão,

XVII. E, não na data da emissão oficiosa da declaração.

XVIII. Em suma, não devem ser atendidos os argumentos expostos no acórdão fundamento, mas antes serem perfilhados os fundamentos do acórdão recorrido,

XIX. Mantendo-se a decisão proferida no âmbito do acórdão proferido pelo TCA Norte no processo n.º 992/09.4BEPRT.

Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista à Ex.ma Sra. Procuradora-Geral Adjunta, a qual lavrou douto parecer, concluindo no «sentido de se verificarem os requisitos do Recurso por Oposição de Acórdãos e deste dever ser decidido de acordo com o entendimento preconizado no douto Acórdão recorrido».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. O acórdão recorrido relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

1. Em 21 de Outubro de 2002 a Impugnante procedeu à entrega de declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, relativamente a prédio urbano composto de cave e sub-cave para garagens e arrumos, rés-do-chão para estabelecimentos comerciais e cinco pisos destinados a habitação - cfr. fls. 16 do processo administrativo (pa) junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 27 de Janeiro de 2005 foi outorgada escritura pública denominada “Permuta“ entre a aqui Impugnante (primeira outorgante) e B……… e mulher (segundos outorgantes), em que a Impugnante transmitiu aos segundos outorgantes o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Matosinhos, sob o artigo …….., fracção “…..” - cfr. fls. 14 a 20 dos autos.

3. Em 21 de Maio de 2008 foi emitida declaração oficiosa Modelo 1 de IMI com o n.º 1811227, decorrente da 1ª transmissão na vigência do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) do imóvel descrito em 2. - cfr. fls. 12 a 15 do pa junto aos autos.

4. Em 15.07.2008 foi efectuada a 1ª avaliação do imóvel descrito em 2., tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de €290.350,00, de onde constam os seguintes elementos:

[IMAGEM]

5. Pelo ofício n.º 4794147 de 22.07.2008, foi notificado à aqui Impugnante o resultado da 1ª avaliação efectuada ao imóvel descrito em 2. - cfr. fls. 21 dos autos.

6. Em 31 de Julho de 2008 a Impugnante solicitou junto do Serviço de Finanças de Braga 1 segunda avaliação do imóvel descrito em 2. - cfr. fls. 21 e 22 do pa junto aos autos.

7. Pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi lavrado em 15 de Dezembro de 2008 termo de avaliação, mantendo o valor patrimonial atribuído na 1ª avaliação e descrito em 4., dele resultando dentre outras informações o seguinte:

“(...) A comissão, por maioria dos peritos regionais, entendeu manter os valores atribuídos em sede de primeira avaliação, tendo em conta que não há base legal para alteração de dados.

O louvado da parte não concorda, mantendo os argumentos apresentados na reclamação.

(...) ” - cfr. fls. 27 a 32 do pa junto aos autos.

8. Através do ofício n.º 5285400 de 18.12.2008 foi notificado à Impugnante o resultado da 2ª avaliação requerida relativamente ao imóvel descrito em 2. - cfr. fls. 25 dos autos.».

2.2. O acórdão fundamento reproduziu a seguinte matéria de facto, dada como assente na sentença recorrida: «(...)

1. Em 3/4/2003, foi pedida pela impugnante a inscrição na matriz do lote de terreno para construção sito na freguesia de Aldeia de Paio Pires, lugar de …………, lote ………., sendo indicada a área de 170,45 m2, sem individualização da área coberta e descoberta, que provém dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos …….., ………e ……… da Secção …….., indicando-se que o lote resulta do Alvará n.º 24/2002, de 13 de Setembro (cfr. documento junto a fls.9 e 10, frente e verso, do processo instrutor apenso aos presentes autos);

2. Do Alvará de loteamento consta que o lote … possui 170,45 m2, tem uma área de construção de 156 m2 (cfr. documento junto a fls. 11 a 15 do processo instrutor apenso aos presentes autos);

3. O referido lote ………. passou a corresponder ao artigo matricial n.º ….., da freguesia de Aldeia de Paio Pires (cfr. documento junto a fls.16 do processo instrutor apenso aos presentes autos);

4. Em 16/6/2004, foi celebrada uma escritura de compra e venda do lote ……… da freguesia de Aldeia de Paio Pires, através da qual a impugnante vende o referido lote pelo valor de € 40.000,00 (cfr. documento junto a fls.17 a 19 do processo instrutor apenso aos presentes autos);

5. Não foi entregue nenhuma declaração modelo 1 por parte dos adquirentes do imóvel (cfr. informação exarada a fls.46 e 47 do processo instrutor apenso);

6. O imóvel foi oficiosamente inscrito pelo Chefe do 1°. Serviço de Finanças de Seixal em 21/1/2008 (cfr. informação exarada a fls.46 e 47 do processo instrutor apenso; documento junto a fls. 32 e 33 do processo instrutor apenso);

7. Por ofício de 26/2/2008, foi a impugnante notificada da avaliação efectuada ao lote ………, melhor identificado no n.º 1, ao qual foi atribuído o valor patrimonial de € 50.670,00 (cfr. documento junto a fls.18 dos presentes autos);

8. Em 11/4/2008, foi pedida uma segunda avaliação do lote de terreno para construção melhor identificado no n°.1 (cfr. documento junto a fls.20 a 22 do processo instrutor apenso);

9. Em 26/5/2008, foi estruturado o Termo de Avaliação referente à segunda avaliação do prédio inscrito na matriz sob o artigo …….. do qual resulta que foi mantido o valor apurado na primeira avaliação, tendo o louvado da parte votado contra o valor apurado na mesma em virtude do valor de mercado do mesmo ser inferior, bem como que o coeficiente de zonamento é muito elevado, bem como que o valor base dos prédios edificados corresponde ao custo médio de construção por metro quadrado adicionado do valor do terreno (corresponde a 25% daquele custo), corresponde actualmente a € 615,00, mas à data da transmissão do prédio (2004) o valor era de € 600,00 pelo que o valor a considerar deveria ser este último (cfr. documento junto a fls.34 do processo instrutor apenso);

10. Da ficha de avaliação do lote de terreno identificado no n.º 1 que foi elaborada em resultado do Termo de Avaliação identificado no ponto anterior consta o seguinte:

[IMAGEM]

(cfr. documento junto a folhas 35 e 35 do processo instrutor em apenso);»


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3. Dos fundamentos de Direito

3.1. O presente recurso tem por fundamento a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 28 de Fevereiro de 2012, tirado no processo n.º 5214/11 (e que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada com o n.º 830/08.5BEALM).

O processo judicial em que foi proferido o acórdão recorrido foi instaurado em 2009, e o acórdão recorrido foi proferido em 2014, pelo que lhe é aplicável o regime do recurso por oposição de acórdãos que deriva dos artigos 27.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 2002 e 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, este na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.

Assim, a admissibilidade deste recurso depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

a) Identidade substancial de situações jurídicas;

b) Decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito;

c) Que a decisão recorrida não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recente, consolidada, do tribunal ad quem.

Por outro lado, para haver identidade substancial de situações jurídicas é necessário que ocorra:

a) A identidade substancial de situações fácticas (que os factos sejam subsumíveis às mesmas normas jurídicas);

b) A identidade substancial da regulamentação jurídica (que as eventuais modificações legislativas não possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para a determinação de diferentes soluções jurídicas).

Finalmente, para haver decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, é necessário:

a) Que a oposição resulte das próprias decisões (não bastando a oposição entre argumentos ou entre os argumentos de um e a decisão do outro);

b) Que as decisões opostas sejam expressas (não podendo ser invocada a partir de decisões implícitas)

Podemos adiantar desde já que as situações jurídicas analisadas nos dois arestos eram substancialmente idênticas, na parte a considerar.

Assim, ambos os prédios (urbanos) foram inscritos na matriz pelos alienantes ainda antes da reforma da tributação do património. E ambos foram alienados já na vigência da lei nova (escritura pública outorgada em 27 de janeiro de 2005 no caso do acórdão recorrido, e em 16 de junho de 2004, no caso do acórdão fundamento).

E nenhum dos respetivos adquirentes declarou a mudança de proprietário às finanças para efeitos de atualização da inscrição desses prédios nas matrizes.

Razão porque, em ambos os casos, foi emitida oficiosamente a declaração modelo 1 e foi promovida a respetiva avaliação, tendo em conta o disposto no artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.

Avaliação essa que, em ambos os casos, foi efetuada em 2008. E foi efetuada, em ambos os casos, tomando como valor base o custo médio de construção em vigor em 2008 (aplicando a Portaria n.º 16-A/2008 de 9 de janeiro) e não o que existiu ao tempo da transmissão.

Avaliação com que nenhum dos respetivos adquirentes se conformou, e pela mesma razão fundamental, na parte a considerar. Isto é, por entenderem que se deveria ter levado em conta o valor do metro quadrado em vigor no ano da transmissão.

Razão porque ambos os adquirentes colocaram ao tribunal a mesma questão fundamental de direito: a de saber se, em casos de inscrição oficiosa da matriz em ano posterior ao da transmissão, o artigo 37.º, n.º 4, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis deve ser interpretado no sentido de que a avaliação se reporta ao ano da inscrição oficiosa ou ao ano da transmissão.

Por outro lado, é manifesto que o acórdão fundamento e o acórdão recorrido deram uma resposta a essa questão diametralmente oposta.

Assim, o acórdão fundamento considerou que a avaliação se deve reportar ao ano de 2008, mais exatamente à data em que foi emitida a declaração oficiosa modelo 1.

E o acórdão recorrido considerou que as fórmulas de cálculo a utilizar para efeitos da avaliação do imóvel se devem reportar à data em que ocorreu a sua transmissão.

Sendo que as respostas dadas em cada um dos acórdãos a esta questão constituiu uma das razões fundamentais para se ter decidido num caso, negar provimento à pretensão da ali Recorrente e, no outro, conceder provimento à pretensão da ali Recorrente.

A tudo acresce que não existe ainda jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal sobre esta questão.

Deve, por isso, concluir-se que estão reunidos todos os requisitos substantivos de admissibilidade do presente recurso por oposição de acórdãos.

Razão porque os autos devem prosseguir para a apreciação do seu mérito.

3.2. A questão a decidir é a de saber se a avaliação de um prédio para efeitos da sua inscrição ou atualização matricial deve reportar-se à data em que é efetuada a inscrição ou à data dos factos que a determinaram.

O acórdão recorrido entendeu que a avaliação se deve reportar à data da transmissão. Sendo que a transmissão do bem imóvel (ou seja, a mudança de proprietário) era, no caso o facto cuja ocorrência tinha determinado a avaliação.

Para assim entender, o acórdão recorrido levou em conta que o artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro – aplicável ao caso – manda que a avaliação seja efetuada «aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor».

Em rigor, porém, este dispositivo responde à questão de saber quando é que um prédio é avaliado para os efeitos da aplicação do regime transitório e não como é que ele é avaliado. Mais especificamente, este dispositivo não responde à questão de saber se, nestes casos, a avaliação se deve reportar à data da transmissão.

Poderia contrapor-se que, ao determinar que a avaliação se faça aquando da primeira transmissão, o legislador também está a prescrever que a avaliação se faça de acordo com a situação do prédio à data da primeira transmissão.

Mas não cremos que se possa fazer tal dedução, porque o legislador também diz ali que a avaliação se deve fazer «nos termos do CIMI». E não há qualquer disposição no CIMI que prescreva que a avaliação, nestes casos, se deva reportar à data da transmissão.

Por outro lado, o regime que vinha da lei anterior também não era esse. Como resultava do artigo 94.º, § 2.º, do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, quando um prédio fosse avaliado simultaneamente para efeitos de Sisa e para inscrição do valor matricial, a avaliação deveria levar em conta as condições em que se encontrava à data da transmissão mas também, para este último efeito, as condições em que o prédio fosse encontrado.

Assim, parece-nos seguro que, se o legislador que reformou a tributação do património pretendesse realmente romper com o regime anterior não deixaria de o assinalar expressamente. Sobretudo se estivesse em causa – como era o caso – a definição do regime transitório.

Cremos que a resposta a esta questão deve partir das regras gerais das avaliações, considerando sua natureza e indagando a sua finalidade.

A avaliação de bens é um procedimento genericamente regulado nos artigos 81.º e seguintes da Lei Geral Tributária.

Deles deriva que a avaliação direta de bens visa a determinação do seu valor real, sujeito a tributação.

Sendo o valor dos bens variável no tempo, a determinação do valor real dos bens implica o seu enquadramento temporal.

Em regra, o enquadramento temporal da avaliação faz-se levando em conta os critérios próprios de cada tributo. Assim, quando a avaliação constitua uma diligência instrutória de um procedimento de liquidação, deve reportar-se à data do facto tributário respetivo.

Pelo que, apesar de a lei nova nada esclarecer a este propósito, decorre das regras gerais que, quando um bem é avaliado para efeitos de IMT, a avaliação deve atender à situação desse bem à data da transmissão.

No entanto, a avaliação de prédios nos termos do CIMI não é efetuada apenas para este efeito. Na verdade, a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios é aproveitada para diversos fins e considerada no regime de vários impostos.

Assim, a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não está ou não tem que estar inserida em nenhum procedimento de liquidação.

Por outro lado, resulta dos artigos 12.º, n.º 4, e 138.º, ambos do Código do IMI, que os valores patrimoniais tributários a inserir nas matrizes são, em princípio, valores atualizados.

Pelo que a avaliação dos prédios, quando tenha como finalidade a conservação e atualização dos dados das matrizes deve ser também uma avaliação atualizada, isto é, deve considerar a situação dos prédios na data em que se procedeu à atualização.

É aqui que entra, a nosso ver, o artigo 37.º, n.º 4, do Código do IMI. A atualização deve fazer-se por referência à data em que foi tomada a iniciativa da avaliação. Embora a lei só se refira, a este propósito, ao pedido, deve entender-se que o legislador disse menos do que queria dizer e que o mesmo regime deve ser aplicado em caso de iniciativa oficiosa.

No caso dos autos, o prédio foi inscrito na matriz no âmbito da lei antiga (2002) e foi permutado no âmbito da lei nova (2005).

Assim, ele deveria ter sido avaliado nos termos do Código do IMI aquando desta transmissão (em 2005) e tendo em vista, designadamente, a atualização do seu valor patrimonial tributário – n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.

Não o tendo sido, foi determinada a sua avaliação oficiosa em 2008. Se bem vemos, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º do Código do IMI.

Ou seja, esta avaliação não está relacionada com nenhum procedimento de liquidação em particular, tendo sido realizada apenas porque ocorreu, entretanto, um facto que, impõe a atualização dos registos.

Assim, o prédio foi avaliado de acordo com as condições em que se encontrava em 2008 porque a finalidade da avaliação era a de atualizar os dados constantes da matriz e a atualização deve fazer-se considerando a situação do prédio na data em que é promovida.

Não foi, assim, praticada nenhuma ilegalidade no ato de avaliação.

Contrapõe a Recorrida que os valores apurados são superiores aos que teriam sido se o bem tivesse sido avaliado aquando da transmissão, quer em virtude da natural inflação quer em virtude da existência de coeficientes que não se verificavam aquando da transmissão.

Temos como certo que o resultado da avaliação do prédio em 2008 (tendo em conta os termos em que esta foi efetuada) não pode ser aproveitado para correções de valores de liquidações de tributos de anos anteriores e, designadamente, da liquidação de IMT devido pela transmissão efetuada em 2005.

O que daí não se retira é que a avaliação seja ilegal em si mesma e apenas por não ter indagado o valor patrimonial do prédio à data da transmissão. Tal só sucederia se o legislador tivesse estabelecido especialmente que a avaliação é sempre reportada à data dos factos que determinaram a atualização da matriz. O que, como vimos, não sucede.

Sendo este o nosso entendimento, a decisão recorrida não pode manter-se e a pretensão da ali Impugnante, ora Recorrida, não pode ser acolhida.


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4. Conclusão

Em face de todo o exposto, uniformiza-se jurisprudência nos seguintes termos:

A avaliação de um prédio para efeitos da sua inscrição ou atualização matricial deve reportar-se à data em que a avaliação é pedida ou oficiosamente determinada.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:

a) tomar conhecimento do recurso;

b) uniformizar jurisprudência nos termos consignados no ponto 4.º supra;

c) conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.

Custas pela RECORRIDA.

D.n.

Lisboa, 23 de novembro de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.