Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01492/15
Data do Acordão:04/14/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
Sumário:I - Não tendo resultado demonstrado que existiu qualquer conduta intencional por parte da recorrente ao proceder ao acondicionamento da mercadoria exportada, para obter restituições de valor superior ao devido, é forçoso concluir que o acto impugnado errou nos pressupostos ao impor a sanção de reposição da importância paga, face à desproporcionalidade causada, ou seja, errou ao considerar errada a NC com base na qual foram pagas as restituições à exportação de “frangos com miúdos”, que foi o que efectivamente foi exportado.
II - Com efeito, a causa de tal erro de classificação resultou unicamente da forma como os frangos e os miúdos foram acondicionados, pois não existem dúvidas que estas duas mercadorias foram efectivamente exportadas e que a cada saco de miúdos correspondia a carcaça do frango respectiva. O certificado existe e corresponde à mercadoria efectivamente exportada, ainda que, a sua forma de acondicionamento devesse levar à sua reclassificação, pelo que é excessiva no, caso concreto, a conclusão de que apenas por causa deste erro de classificação, tal origina de imediato a inexistência de certificado e a restituição da importância paga.
Nº Convencional:JSTA00069655
Nº do Documento:SA12016041401492
Data de Entrada:11/16/2015
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAC LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPC13 ART607 N4.
DL 281/91 DE 1991/08/09 ART10.
Legislação Comunitária:REG COM CEE 3665/87.
REG COM CEE 3719/88.
REG CE 495/97 DE 1997/03/18.
REG CE 313/97.
REG COM CEE 2988/95 ART1 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0173/13 DE 2015/02/26.; AC STA PROC0173/13 DE 2014/04/09.
Jurisprudência Internacional:AC TJUE PROC C-59/14 DE 2015/10/06.
AC TJUE PROC C-52/14 DE 2015/06/11.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………….., SA, com sede em ……….., Torres Vedras, inconformada com a decisão proferida, em 23 de Abril de 2014, no TAC de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso de anulação interposto do acto do Presidente do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola [INGA], actualmente, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP, [IFADAP] consubstanciada na decisão final nº 010350 de 15/03/2001, que além do mais, ordenou à recorrente a reposição da quantia de €.147.748,18 [esc. 29.620.851,00] relativa à “Ajuda Comunitária – Restituição à Exportação de Carne de Aves”, interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

1. «A douta sentença não elencou um único facto invocado pela RTE, esvaziando de conteúdo a causa de pedir e,
2. Deste modo, negando a pronúncia sobre o cerne da questão, que é a correspondência da qualidade da mercadoria com a classificação expressa no certificado de exportação agrex.
3. A douta sentença omitiu a pronúncia sobre os factos essenciais para a correta dirimição do litígio.
4. Uma sentença devidamente construída discrimina os factos invocados pelas partes, dá-os como provados ou não provados e justifica a sua convicção (CPC – artº 607º).
5. A A. nunca foi notificada de que fora alterada a classificação das mercadorias pela DSRPF só tomando conhecimento deste facto pelo INGA.
6. O INGA recusou discutir a organização do processo técnico de contestação, previsto no art. 10º do DL 281/91 de 9/8, o que poderia ter feito através da remessa do processo à ex- DGAIEC donde provinha.
7. O INGA considerou que essa questão devia ter sido suscitada a montante, o que nunca aconteceu porque o processo foi desenrolado sem a intervenção da RTE e sem a sua notificação.
8. A douta sentença errou ao considerar que não houve preterição de uma formalidade essencial para a dirimição do litígio.
9. E considera que no processo judicial não pode ser abordada a classificação pautal das mercadorias, concluindo que os frangos foram erradamente classificados porque o INGA assim o decidiu.
10. A douta sentença, tal como já o fizera o INGA, suprime a tutela de direitos e interesses legítimos violados por actos administrativos arbitrários e veiculadores de erros hermenêuticos graves (CRP art 268º).
11. Nos termos do artº 607º, 4 do CPC (2013), «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
12. Ao suprimir os factos invocados pela RTE, a douta sentença viola o princípio processual da igualdade das partes.
13. As autoridades aduaneiras verificaram fisicamente todos os carregamentos da mercadoria, conferiram a classificação, autenticaram o certificado agrex e exararam os dizeres de conformidade na declaração de exportação. Estes factos e os seus efeitos foram ignorados pela douta sentença.
14. A mercadoria foi classificada com a observância rigorosa das regras de gerais para a interpretação da Nomenclatura Combinada e nos termos da NC, (Reg (CEE) nº 2658/87 do Conselho, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum).
15. O código pautal exarado, tanto no DAU (declaração aduaneira) como no certificado Agrex, identificam a mercadoria como frangos 70% ou como frangos com miúdos.
16. Encontra-se inserido no Processo Administrativo, junto aos autos, cópia da declaração das mercadorias à sua chegada a Luanda. Perante as autoridades aduaneiras angolanas, o importador angolano atribuiu à mercadoria o seguinte dizer pautal: «aves de capoeira, mortas e suas miudezas comestíveis….»
17. A douta sentença não considerou que o «Reg (CEE) nº 2658/87 do Conselho, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, têm uma regulação jurídica comum e sujeita às mesmas regras de hermenêutica pautal.
18. Na distribuição de competências na Administração Pública Portuguesa as questões relativas à Nomenclatura Pautal e da Pauta Aduaneira Comum sempre couberam na esfera de competências da DG Alfândegas (hoje AT). Porém a especialidades destas normas não pode impedir a sua aplicação pelo INGA e, muito menos, pelos tribunais (CRP, 268º).

19. O procedimento de reembolso foi iniciado pelo INGA 5 anos, 5 meses e 11 dias depois da aceitação da declaração de exportação e da emissão do certificado de exportação, que foi o acto gerador do direito à restituição à exportação.

20. O art 3º deste Reg (CE, Euratom) nº 2988/95 estabelece um prazo de 4 anos para o procedimento da recuperação de fundos recebidos ilegalmente com prejuízo dos interesses financeiros comunitários.

21. Posteriormente, o REG (CE) nº 800/1999 DA COMISSÃO, de 15 de Abril de 1999 veio estabelecer «regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas», com notórias inovações não constantes daqueloutro Reg (CE, Euratom) nº 2988/95.
22. O art 52º do REG (CE) nº 800/1999 reitera a consagração do prazo de prescrição (ou caducidade?) de 4 anos, mas subordina-o à boa fé do devedor, contrariamente ao que estava previsto na legislação anterior.
23. Só o prazo de 4 anos consagrado neste artigo 52º associa claramente a extinção do procedimento de reembolso à boa fé.
24. Pelo que esta disposição assume clara natureza especial, em relação ao prazo ordinário prescrição de 20 anos previsto no art 309º do Código Civil, onde não se distingue a boa fé do dolo do indevido beneficiário da restituição.
25. No caso, nunca foi instaurado qualquer procedimento contra-ordenacional ou penal contra a RTE.
26. Pelo que não há lugar à aplicação do prazo previsto no art 309º do CC.
27. A prova da boa fé do RTE resulta ainda do facto de a restituição à exportação de frangos com miúdos ou frangos 70% ser inferior em 20$00/kg à que era paga pelos frangos sem miúdos ou frangos 65%».

*

O recorrido, notificado para o efeito, apresentou contra alegações que concluiu do modo, que aqui se reproduz, na íntegra:

A. «Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso de anulação, através do qual a recorrente pretendeu obter a anulação do “ato de liquidação” e da subsequente ordem de reposição das restituições de que beneficiou, designadamente, a anulação da decisão final constante de ofício 010350, de 15/03/2001, que entende ser o “acto de liquidação”.
B. Invoca a recorrente que a sentença não elencou um único facto por si indicado, que existe de erro de classificação pautal, de erro de pronúncia sobre a prescrição, de não aplicabilidade da obrigação de reembolso prevista no nº 1, requerendo ainda o renvio prejudicial.
C. Salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente, pois só deve ser anulada sentença, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que esta nulidade está em correspondência com a disposição legal que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso).
D. Na situação em apreço, o Tribunal a quo dá como provado que, por decisão final nº 010350, notificada à recorrente em 21/03/2002, a entidade recorrida ordenou à recorrente a reposição da quantia de € 147.748,18.
E. Este facto assume a maior relevância, para a boa decisão da causa, pois ao contrário do que sempre defendeu a recorrente, na presente demanda, não estamos perante um ato tributário aduaneiro, mas sim perante um puro e simples ato administrativo, praticado no âmbito do Reg. (CEE) nº 3665/87, que visa a reposição de quantias indevidamente recebidas e que, nos termos da legislação comunitária está o Estado Português, através do IFAP, I.P., enquanto sucessor do ex-INGA, obrigado a recuperar, porquanto se trata de um ato vinculado.
F. Razão pela qual, o facto de ter sido dado como provado a existência de um ato administrativo, prejudica todas as questões suscitadas pelo ora recorrente.
G. Relativamente ao erro de classificação pautal, a ocorrer, este teria que ter sido suscitado pela Recorrente no procedimento próprio e perante a entidade própria, nomeadamente, perante os serviços das alfândegas.
H. Alega ainda a recorrente que decorreram 5 anos, 5 meses e 11 dias sobre a aceitação da declaração de exportação e da emissão do certificado de exportação (que em seu entender foi o ato gerador do direito à restituição), até à prolação da decisão final.
I. Importa salientar que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão à luz de jurisprudência que, na altura da prolação da sentença recorrida, era totalmente pacífica, designadamente, que o prazo de prescrição do reembolso é, no caso português, o prazo geral de 20 anos, estabelecido no artigo 309º do Código Civil, mas a verdade é que à luz da mais recente jurisprudência, constante de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8/10/2014, proferido no âmbito do Processo nº 0398/12, após pronúncia do TJUE através de acórdão de 17/09/2014 no âmbito do Processo nº C-341/13, esse entendimento encontra-se ultrapassado.
J. No entanto, em abono da verdade material há que salientar que é entendimento da mais recente jurisprudência que, nos termos do artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM, nº 2988/95), regra geral, os atos de concessão de ajudas financeiras ilegais só podem ser revogados no prazo de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade.
K. Na situação em apreço nos autos, mesmo aplicando as regras de prescrição previstas no artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM, nº 2988/95), o procedimento não se encontra prescrito.
L. Ao contrário do entendimento perfilhado pela recorrente, a irregularidade não começa a contar a partir do momento em que houve aceitação da declaração de exportação e da emissão do certificado de exportação, mas sim a partir do momento em que se encontram preenchidos dois requisitos cumulativos previstos no artº 1º do Regulamento (CE, EURATOM, nº 2988/95), designadamente, a prática de um ato pelo beneficiário da ajuda que constitua uma violação do direito da União e o momento em que ocorre de uma lesão ao orçamento da União Europeia. (Neste sentido vide acórdão de 6/10/2015, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do Proc, C-59/14).
M. Ou seja, na situação em apreço a irregularidade ocorreu em momento posterior ao pagamento da ajuda, mais concretamente no momento em que a entidade administrativa apreciou e validou os requisitos de natureza material, da exportação efetuada.
1. Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, tem de se entender que existiu lesão para o orçamento da União Europeia, no momento em que a ajuda foi colocada, a título de adiantamento, à disposição da beneficiária.
N. Na situação em apreço, não ocorreu prescrição do procedimento, pois foram praticados atos que visaram instruir e atos que visaram instaurar o procedimento por irregularidade e que nos termos do terceiro parágrafo, do nº 1 do Artº 3°, do Regulamento nº 2988/95, interromperam o prazo de prescrição do procedimento. (relativamente a atos praticados na fase de instrução e de instauração do procedimento, vide acórdão de 11/6/2015, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do processo C-52/14)
O. Ora, na situação em apreço:
- Em 15/01/1997, a recorrente A…………, S.A., apresentou ao ex-INGA (atual IFAP, I.P.) um pedido de pagamento adiantado de restituição de carne de aves relativo à exportação efetuada ao abrigo do DU nº 532120, de 5/12/96, da estância aduaneira de Alcântara Norte.
- Em 17/2/1997, foi pago ao recorrente a título de ajuda o montante de Esc. 29.620.851$00 (€ 147.748,18)
- Pela Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (adiante designada por DGAIEC), foi realizada uma ação controlo, tendo sido detetadas irregularidades.
- Em 09/07/1999 pela DGAIEC através de ofício nº 721 foi remetido ao então INGA cópia de relatório de controlo, no qual concluía aquela entidade, que as mercadorias declaradas no DU, designadas como frango congelado com miúdos - “frango 70%” - e classificadas pelo código 02071210900, foram incorretamente classificadas nesse código, o que deu origem a um recebimento indevido por parte da recorrente A………….., S.A., da restituição.
- Em 27/12/2000, atentas as irregularidades detetadas, foi a recorrente notificada, através do ofício nº 052344, nos termos e para os efeitos dos artºs 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, da intenção do recorrido em recuperar o valor indevidamente pago, acrescido dos valores exigidos pela regulamentação comunitária aplicável, à ajuda Restituições à Exportação de Carne de Aves, no montante total de Esc. 29.620.851$00 (€147.748,18).
- Em 12/2/2001, a recorrente apresentou a sua resposta à notificação para audiência prévia.
- Em 15/3/2002, pelo recorrido, foi proferida Decisão Final, comunicada à recorrente, através do ofício refª 010350, determinando do valor total de €147.748,18 (29.620.851$00).
P. De harmonia com o disposto nos 3º e 4º parágrafos do nº 1 do artº 3° do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, “A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção. Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º” (Negrito e sublinhado nossos)
Q. Ou seja, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo 4 anos igual ao dobro do prazo de prescrição (8 anos) sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artº 6°.
R. Ora, no caso concreto, entre a prática da irregularidade, que ocorreu em momento posterior ao adiantamento/pagamento da ajuda à beneficiária, ainda que se considere o momento em que ocorreu pagamento (17/2/1997) e o início da fase de instauração do procedimento, nomeadamente através de notificação de ofício de audiência prévia (12/2/2001), não decorreram 4 anos.
S. O prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se em 12/2/2001 e começou novamente a correr nesta data, não tendo decorrido 4 anos até que fosse proferida decisão final em 15/3/2002.
T. Face ao exposto, verifica-se que à luz da mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, não existe qualquer prescrição do procedimento como pretendido pela recorrente, revelando-se desnecessário o pedido de reenvio prejudicial, até porque existem decisões muito recentes do Tribunal de Justiça da União Europeia, sobre a matéria em apreço»

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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer que consta de fls. 574 a 577 no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos, que aqui se reproduzem:

A) «1) Pela decisão final nº 010350, de 15.03.2002, o Presidente do INGA ordenou à Recorrente a reposição da quantia de €147.748,18 (Esc. 29.620.851$00) relativa à “Ajuda Comunitária – Restituições à Exportação de Carne de Aves”, com a seguinte fundamentação:
“ASSUNTO: MEDIDA: RESTITUIÇÕES À EXPORTAÇÃO DE CARNE DE AVES

Proc. nº 97/TAO/003- D.U. nº 532120 de 96/12/05

REQUERENTE: A……………, S.A. (NINGA …..)

DECISÃO FINAL.

Finda a fase de instrução do procedimento administrativo relativo ao assunto supra epigrafado, cumpre tomar a decisão final, o que se faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. Através do ofício nº 052344 de 27 de Dezembro de 2000, para cujo conteúdo remetemos e que se junta em anexo, foi essa Sociedade notificada, nos termos e para os efeitos dos artºs 100º e ss. do Código do Procedimento Administrativo, da intenção deste Instituto de recuperar o valor indevidamente pago, acrescido dos valores exigidos pela Regulamentação Comunitária aplicável, relativo à Ajuda Comunitária - Restituições à Exportação de Carne de Aves, no montante total de Esc. 29.620.851$00 (€ 147 748, 18).

2. Tal intenção encontra fundamento nas conclusões do controlo documental e contabilístico a posteriori realizado no âmbito do Reg. (CEE) nº 4045/89 a essa sociedade, pela Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão da Fraude da DGAIEC, Lisboa, e que incluiu a operação de exportação aqui em causa, D.U. nº 532120 de 05/12/96 da Estância Aduaneira de Alcântara Norte, o qual permitiu apurar uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Ajuda Comunitária - Restituições à Exportação de Carne de Aves.

3. De facto, as conclusões do controlo revelam que, não obstante terem sido declarados para exportação 649.773 Kg de mercadoria designada por "frango congelado com miúdos" classificada pelo código nomenclatura combinada (NC) 0207 12 10 900, verifica-se, considerando a forma como foram acondicionados os miúdos de frango e o disposto nas Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada, que as mercadorias exportadas deviam ter sido classificadas pelo código da nomenclatura combinada (NC) 0207 12 90 190 - "frango congelado sem miúdos", devendo os miúdos do frango ter sido classificados pela sua posição pautal específica.

Nos termos das Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada designam-se por frangos 70%, os frangos “…Carnes e miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas, das aves de posição 0105. Aves não cortadas em pedaços, congeladas, galos e galinhas. Depenadas, evisceradas, sem cabeça nem patas mas com pescoço, coração, fígado e moela, denominado frango 70%”

Ora, a operação de controlo permitiu constatar através da análise dos documentos internos da empresa, nomeadamente, do Mapa Resumo do Controlo de Carga, que os miúdos foram embalados e acondicionados à parte. Resulta da análise do Mapa que saíram do armazém para embarque 567 paletes com 44.695 caixas com 593.754 Kg (peso líquido) de frango e 49 paletes acondicionando 3.530 caixas a que correspondem 56.019 Kg (peso líquido) de miúdos.

Por outro lado, o contrato nº 03/ IMP-02/96 celebrado com a B…………., que integra as operações atinentes a esta operação, bem como a relativa ao processo 97/TAO/0040 (operações 3 e 4), refere que sejam fornecidos "Frangos congelados com miúdos, sendo estes introduzidos na cavidade abdominal do frango" mas, no entanto, no controlo físico efectuado à operação 4, constatou-se que os miúdos foram embalados e acondicionados separadamente dos frangos, o que implicou uma classificação pautal diferente da declarada, o que originou a perda do direito à restituição.

O Mapa Resumo do Controlo de Carga é semelhante nas operações 3 e 4.

Deste modo, dado que essa empresa apresentou ao INGA um pedido de pagamento adiantado de restituição à exportação de "frango congelado com miúdos", do código de restituição NC 0207 12 10 900, tendo este Instituto procedido, em consequência, ao pagamento da respectiva restituição relativamente às mercadorias declaradas no OU em 17.02.97, e à liberação da correspondente Garantia Bancária, verifica-se que estas foram incorrectamente classificadas neste código, pois os miúdos foram embalados separadamente dos frangos, devendo, por este facto, ter sido classificadas com o código 0207 12 90 190 "frango congelado sem miúdos".

4. A classificação errónea do código da restituição e designação do produto, de acordo com a nomenclatura das restituições, respeitante a "frango congelado com miúdos", originou o recebimento indevido da restituição, pelo seguinte:

V. Exas. não apresentaram certificado de exportação para o produto: código de restituição 0207 12 90 190 "frango congelado sem miúdos", contrariando os termos do art. 2º A do Reg. (CEE) nº 3665/87, alterado pelo Reg. (CE) nº 1384/95 da Comissão, de 19 de Junho de 1995, que dita que o direito à restituição está subordinado à apresentação de um certificado de exportação válido para a mercadoria exportada (à excepção dos casos aí previstos).

5. Da análise da resposta apresentada por V. Exas., através de mandatário, por articulado que deu entrada neste Instituto a 12 de Fevereiro de 2001, verifica-se que não foram alegadas por V.Exªs. quaisquer razões de facto ou de direito que possam legitimar ou justificar a situação de - incumprimento em que incorreram, como passamos a explicar:

a) Quanto à dúvida manifestada por V. Exas. acerca de saber se as exportações em causa, em que os miúdos foram embalados em separado, dizem respeito a frango com miúdos ou frango sem miúdos:

- Em relação a este aspecto, é entendimento das autoridades nacionais, nomeadamente, da Direcção de Serviços de Tributação Aduaneira da DGAIEC, que «os frangos, não apresentando as miudezas no interior, no momento da exportação, não podem ser denominados "frangos 70%" e, por conseguinte, em vez de serem classificados no código 0207 12 10 devem ser classificados no código 0207 12 90 como "frangos 65%". As miudezas, que se apresentam à parte, devem seguir o seu regime próprio».

- Como já é do V/conhecimento, no âmbito de outros processos com o mesmo tipo de irregularidade em que são parte, este Instituto efectuou um pedido de esclarecimento sobre a matéria à Direcção Geral da Agricultura da Comissão Europeia, a qual vem confirmar que a mercadoria exportada, frangos e miúdos embalados em separado, não corresponde ao código de restituição e designação estabelecidos no D.U.

b) Em relação ao alegado por V.Exªs. no terceiro item do ponto 6, no qual abordam uma questão que não tinha sido suscitada nos outros processos:

Alegam V.Exªs que houve casos em que os sacos com os miúdos foram em caixas à parte, mas expedidas sempre com as carcaças e correspondendo o número de carcaças ao número de saquinhos com os miúdos, porque não havia garantias de congelação e conservação perfeitas, nomeadamente por causa das características do navio, necessitando os miúdos de serem sujeitos a temperaturas mais baixas do que as carcaças, sendo nestas introduzidos antes da sua comercialização. Quanto a esta situação, é entendimento da DGAIEC, entidade responsável pelo controlo, que:

«O facto de o meio de transporte apresentar condições de congelação específicas que obrigavam, segundo a A…………., a que os miúdos fossem acondicionados à parte, não se nos afigura justificação plausível para que tivesse sido declarado um código de restituição incorrecto. O operador deveria ter procedido ao enquadramento da mercadoria no código de restituição adequado, apresentando certificado válido para esse código, e beneficiando da restituição correspondente.

Faz-se notar que V.Exas. não juntam quaisquer provas do alegado, nem tão pouco identificam qual foi a situação que ocorreu com esta operação de exportação em concreto.

c) Quanto ao alegado nos pontos 9 a 15

Neste âmbito, cabe-nos esclarecer que uma coisa são as formalidades aduaneiras de exportação para os produtos passíveis de beneficiar de restituições, e outra o preenchimento dos requisitos materiais previstos na legislação comunitária para a concessão de Ajudas, neste caso, nomeadamente, as normas aplicáveis, no âmbito do regime das restituições, ao produto exportado (cfr. o Reg. (CEE) nº 3665/87 atrás citado), e as normas específicas em matéria de controlos dos documentos comerciais das empresas, previstas no Reg. 4045/89 do Conselho, de 21 de Dezembro.

d) Em relação às questões abordadas nos pontos 19 a 23, cabe informar que tais considerações não são pertinentes, pelo seguinte:

O facto de se considerar que se trata de frangos sem miúdos leva ao não recebimento da restituição em virtude de não existir certificado de exportação para o produto efectivamente exportado.

Esta situação resulta do facto do produto declarado (NC 0207 12 10 900) e efectivamente exportado (NC 0207 12 90 190) não pertencerem à mesma categoria, nos termos do art. 13º do Reg. (CEE) nº 3719/88, nem ao mesmo grupo (não existem grupos criados neste sector). De acordo com uma informação da Comissão Europeia, não está previsto, para o sector das aves, o recurso à possibilidade facultada no art. 2ºA, nº 2 al. b.) do referido Regulamento.

Por este facto, não há lugar à aplicação do disposto no art. 2ºA do Reg. (CEE) nº 3665/87, alterado pelo Reg. (CE) nº 495197, da Comissão, de 18 de Março.

e) Quanto ao ponto "24" (o ponto 23 aparece em duplicado)

Os 14% de miúdos referidos no V/ articulado não se aplicam ao presente processo, em que se considerou para o cálculo as quantidades referidas no relatório da DGAIEC, que se traduzem numa percentagem inferior a 14%, e que leva, inclusivamente à não aplicação do art.11º do Reg. (CEE) nº 3665/87.

Por este facto, o peso dos miúdos torna-se irrelevante, e a recuperação baseia-se na inexistência de certificado de exportação para o produto efetivamente exportado.

6. A situação de incumprimento da legislação comunitária aplicável à Ajuda Comunitária Restituições à Exportação, nomeadamente, do disposto no Reg. (CEE) nº 3665/87 da Comissão de 27 Novembro, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação pai os produtos agrícolas, implica, para além de não haver direito a restituição por não estarem preenchidos os pressupostos do art. 2ºA do já mencionado Regulamento, alterado pelo Reg. (CE) nº 1384/95 da Comissão, de 19 de Junho de 1995, a aplicação do art.º 23º nº 1 da versão original daquele Regulamento, que dita:

"Quando o montante pago antecipadamente for superior ao montante efectivamente devido para exportação em causa ou para uma exportação equivalente, o exportador reembolsará a diferença entre estes dois montantes, acrescida de 15%".

7. Atento o acima exposto, considera-se a resposta apresentada por V.Exªs. totalmente improcedente e, em consequência disso, e tendo em consideração ainda o artigo 8º nº 1 do Regulamento (CEE) nº 729/70, do Conselho, de 21 de Abril, aplicável à data da ocorrência dos factos em análise, e nos termos do primeiro travessão do artigo 4º, nº 1, do Regulamento (CE EURATOM) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, determina-se a reposição do valor de €147 748, 18 (cento e quarenta e sete mil setecentos e quarenta e oito euros e dezoito cêntimos), Esc. 29.620.851$0, relativamente à Ajuda Comunitária - Restituições à Exportação de Carne de Aves, calculado da forma a seguir indicada:

Restituição solicitada e paga … € 128.476, 68 (Esc.25. 757.262$00) (1)

Restituição devida … 00$00 (2)

Saldo … €128.476, 68 (Esc. 25.757.262$00) (3)

Aplicação do art. 23º … €19.271,50 (Esc. 3.863.589$00) (4)

Montante total a repôr … €147. 748, 18 (Esc. 29.620.851$00) (5)

(1) NC (0207 12 10 900) = 20 Ecus * 198$202 * 649 773 Kg/100

(2) NC (0207 12 90 190) não tem direito a restituição por não ter certificado para este produto

(3) = (1) – (2)

(4) = (1) * 15%

(5) = (3) + (4)

8. Pelo exposto, e para efeitos de reposição voluntária da verba em questão, ficam V. Exªs. notificados que a mesma poderá ser efectuada por meio de cheque a enviar para a Tesouraria deste Instituto, fazendo referência ao número de processo indicado neste ofício, no prazo de trinta dias a contar da data da recepção do mesmo.

9. Findo o prazo referido no parágrafo anterior e caso não se verifique a reposição voluntária da quantia indevidamente recebida, será o montante em dívida compensado nos termos legais, com créditos que venham a ser atribuídos a essa sociedade, seguindo-se, na falta ou insuficiência destes, a instauração do processo de execução fiscal relativamente ao montante em dívida” (doc. fls. 12 e s. dos autos, também constante do processo instrutor).

B) A referida decisão final nº 010350 foi notificada à recorrente por ofício datado de 21.03.2002 (doc. fls. 11/12 dos autos)»

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2.2. O DIREITO

A autora, ora recorrente, intentou o presente recurso contencioso de anulação do acto do Presidente do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), actualmente IFADAP, consubstanciado na decisão final nº 010350 de 15/03/2001, que entre o mais lhe ordenou a reposição da quantia de €.147.748,18 relativa à “Ajuda Comunitária – restituições à exportação de Carne de Aves”.

Suscitou a caducidade do direito à liquidação e imputou ao acto vício de forma, por existir divergência em matéria de classificação pautal e não ter sido organizado o correspondente “processo técnico de contestação” e vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

A decisão recorrida julgou improcedentes todos os vícios alegados e é dessa decisão que vem interposto o presente recurso, de que cumpre conhecer, começando pela violação do disposto no nº 4, do artº 607 do CPC/2013, alegando, a recorrente, no que a este aspecto concerne, que a sentença não elencou um único facto dos por si invocados na PI.

Dispõe-se no nº 4 do artº 607º do CPC: Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência»

Ora, os “factos” que a recorrente pretende sejam inseridos no probatório [artºs 4º, 6º, 9º, 13º a 19º, 22º, 24º, 25º, 27º a 37º, 41º, e 42º da PI] mais não são do que simples alegações, ou considerandos, desenraizados do concreto processo administrativo em causa, tudo em amparo da tese que a recorrente defende na impugnação do acto, mas não constituindo factos concretos, pelo que, não se mostra violado o disposto no nº 4 do artº 607º do CPC; no entanto, verifica-se que a referida alegação foi tida em consideração na sentença recorrida aquando da aplicação do direito, tendo-se concluindo pela improcedência da alegação.

Igualmente não se mostra violado o princípio da igualdade, relativamente ao qual, diga-se, inclusive, a recorrente nem sequer alegou factos susceptíveis de proceder a esta indagação, nem se suprimiram quaisquer outros direitos e interesses legítimos da recorrente.


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Quanto à prescrição do procedimento:

Temos por assente que a recorrente pediu o pagamento adiantado da restituição à exportação efectuada ao abrigo do DU 532120 de 05/12/96, em 15/01/97, tendo-lhe o mesmo sido pago em 17/02/97. E no âmbito do procedimento de controlo por irregularidades, mais tarde instaurado, foi a recorrente notificada em 27/12/2000, em sede de audiência prévia, para se pronunciar, tendo o acto ora impugnado sido proferido em 15/03/2002.

Ora, quanto a este prazo prescricional e sua contagem, este Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão do Pleno proferido em 26/02/2015, in proc. nº 0173/13 fixou jurisprudência no seguinte sentido de «Na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art. 3, nº 1, do Reg. (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável», referindo-se no corpo do Acórdão «(…) deve considerar-se aplicável, no caso dos autos, o prazo de prescrição previsto no nº 1 do art. 3º do Regulamento nº 2988/95, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna - art. 288º, parágrafo 2º CE (face às alterações operadas pelo Tratado de Lisboa) e art. 8º, nºs 3 e 4 da CRP - e porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior (cfr. acórdãos, desta Secção de 30.10.2014, proc. 092/14 e da 2ª Secção de 08.10.2014, proc. 398/12)».

Temos, pois, por assente que nos termos do nº 1 do artº 1º do Regulamento (CEE) 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos, e não existindo no direito interno, um prazo especialmente previsto para tal finalidade, deve ser aplicado o referido prazo, em detrimento do prazo geral da prescrição ou do prazo de dez anos previsto para o comerciante conservar a sua escrituração mercantil – cfr. sumário do Acórdão proferido em 09/04/2014, in proc. nº 0173/13.

Deste modo [cfr. ainda o Ac. do TJUE de 06/10/2015, proc. C-59/14] o referido prazo deve contar-se da data em que a recorrente recebeu a restituição, por ser a data em que se consumou a lesão dos interesses comunitários, interrompendo-se com a notificação para o procedimento [cfr. Ac. do TJUE de 11/06/2015, proc. C 52/14]; e efectuada a contagem desta forma [sem necessidade de chamar à colação, como feito na decisão recorrida o artº 309º do Código Civil] é forçoso concluir que não se verificou a prescrição do procedimento à data da prática do acto ora impugnado, assim improcedendo este segmento recursivo.

E atendendo a esta jurisprudência recentemente tomada por este STA, na sequência de jurisprudência firmada pelo TJUE, fica prejudicada a eventual necessidade avançada pela recorrente de se desencadear in casu o processo de reenvio prejudicial.


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Alega ainda a recorrente que a classificação por si referida para a mercadoria exportada “frango congelado com miúdos”, código 0207 12 10 900, respeita a Nomenclatura Combinada (NC), a qual foi sem objecções aceite pelas autoridades aduaneiras que procederam ao controle físico da mercadoria, sendo errada a classificação 0207 12 90 190 assumida pelo acto impugnado que considerou, através de controlo documental e contabilístico tratar-se de “frango congelado sem miúdos”, o que foi feito sem intervenção do Conselho Técnico-Aduaneiro, nos termos do disposto no DL nº 281/91 de 09/08; ou seja, alega a recorrente que os serviços das Alfândegas (a DSPR - DGAIEC) alteraram a classificação da mercadoria, sem nada lhe comunicar, nem ao seu despachante ou funcionários intervenientes, assim preterindo o direito da recorrente à “organização de processo técnico de contestação” para aí dirimir as divergências quanto à classificação pautal, como previsto no artº 10º do DL nº 281/91 de 09/08.

Este diploma legal [entretanto revogado] teve em vista reformular o Contencioso Aduaneiro, na parte relativa ao Contencioso Técnico, criando assim na Direcção Geral das Alfândegas o Conselho Técnico-Aduaneiro e estabelecendo o regime que regula a sua constituição e funcionamento, bem como a tramitação dos processos de contestação sobre a classificação pautal, origem e valor das mercadorias.

Dispunha o artº 10º, sob a epígrafe: “Momentos em que surge a contestação”:

1. Quando, no momento da verificação das mercadorias, os serviços das alfândegas discordem dos elementos da declaração relativos à classificação pautal, origem ou valor das mesmas e o declarante com tal atitude se não conforme, será organizado, por despacho do chefe da estância aduaneira, processo técnico de contestação.

2. A contestação pode ser igualmente suscitada após o desalfandegamento das mercadorias, na sequência de controlo ou fiscalização realizados nos termos da legislação em vigor.

Ora, basta a leitura desta norma, para facilmente se perceber que o referido “processo técnico de contestação” constitui uma formalidade de um procedimento administrativo completamente divergente daquele onde foi praticado o acto impugnado, correndo igualmente perante entidade administrativa diversa da que aqui é referenciada.

Daí que, mesmo a ter existido a preterição do “processo técnico de contestação”, nos termos alegados pela recorrente, tal omissão teria que ter sido suscitada em sede própria, perante os serviços alfandegários, que não este processo; ou seja, os eventuais vícios ocorridos nesse procedimento de classificação pautal não podem neste momento ser invocados nem conhecidos, porque deveriam ter sido suscitados num procedimento distinto do presente.

Acresce, como bem referido na decisão recorrida, que o elemento essencial em que se fundamenta o acto ora impugnado não é directamente (ou não é apenas) a referida classificação pautal, mas as discrepâncias encontradas a posteriori no âmbito do controlo documental e contabilístico realizado pela Divisão de Apoio à Prevenção e Repressão da Fraude da DGAIEC, entre aquela classificação (constante da declaração de exportação) e a forma como a mercadoria em causa foi acondicionada (revelada pela documentação em causa) que devia ter dado origem a diferente classificação.

Impõe-se pois manter o assim decidido, improcedendo a omissão da invocada formalidade essencial.


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Por último, atentemos na violação de lei, por erro sobre os pressupostos.

Sobre esta matéria, a decisão recorrida julgou o vício improcedente por considerar que a própria recorrente admite que o acondicionamento dos frangos foi efectuada nos termos que constam descritos no acto impugnado.

No entanto, cremos, como referido no parecer emitido pelo Ministério Público, que a questão não foi devidamente enquadrada na decisão recorrida, pois, a questão que verdadeiramente a recorrente coloca é a de saber se esse acondicionamento feito como descrito pelo recorrido e assumido pela própria recorrente gera necessariamente a reclassificação pautal que foi efectuada e que determinou o acto sob recurso.

Ora, temos antes de mais que o acondicionamento em separado das miudezas dos frangos é admitida e por isso não impede a sua classificação pautal unitária como “frangos com miúdos”.

É verdade que em termos de nomenclatura, se mostra prevista uma NC para “frangos com miúdos” e outra para “frangos sem miúdos” e outra ainda para “as miudezas dos frangos”, como aliás resulta bem explícito do acto impugnado.

Porém, mostra-se alegado pela recorrente que o acondicionamento das miudezas em embalagens separadas das carcaças se efectivou por motivos de conservação no transporte, pelo facto de, sendo carne diferente, precisar de níveis de temperatura diferentes; por outro lado, tudo aponta para que a cada saquinho de miúdos correspondesse uma carcaça.

Ou seja, apesar de se tratar de uma mercadoria unificada sob a mesma classificação “frangos com miúdos”, temos que, no caso presente, houve uma separação dos miúdos do frango das carcaças em virtude apenas de questões de conservação da carne.

Logo, o que em nosso entender deve conferir unidade à mercadoria para efeitos da sua NC não deverá ser tanto a sua forma de acondicionamento no transporte, mas sim a própria mercadoria que foi objecto de transacção comercial efectuada e efectivamente chegada ao local de destino.

Daí que o recorrido não devesse ter decidido exclusivamente com base na classificação pautal, mas antes atendendo à realidade dos factos e essa realidade demonstra que efectivamente a mercadoria foi transaccionada, independentemente da forma de acondicionamento.

E assim sendo, e não tendo resultado demonstrado que existiu qualquer conduta intencional por parte da recorrente no sentido de proceder a esta forma de acondicionamento para obter restituições de valor superior ao devido, caso a mercadoria fosse acondicionada de outra forma, cremos que, efectivamente, o acto impugnado errou nos pressupostos ao impor uma sanção tão gravosa como a que foi imposta [reposição da importância paga], face à desproporcionalidade causada, ou seja, errou ao considerar errada a NC com base na qual foram pagas as restituições à exportação de “frangos com miúdos”, que foi o que efectivamente foi exportado.

É que, na verdade, a causa de tal erro de classificação resultou unicamente da forma como os frangos e os miúdos foram acondicionados, pois não existem dúvidas que estas duas mercadorias foram efectivamente exportadas e que a cada saco de miúdos correspondia a carcaça do frango respectiva. E o certificado existe e corresponde à mercadoria efectivamente exportada ainda que a sua forma de acondicionamento devesse levar à sua reclassificação, pelo que cremos ser excessiva no, caso concreto, a conclusão de que apenas por causa deste erro de classificação, tal origina de imediato a inexistência de certificado e a restituição da importância paga.

Esta conclusão, encontra apoio no Regulamento (CE) 495/97 de 18 de Março que altera o Regulamento (CEE) nº 3665/87 que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas e o Regulamento (CEE) nº 3719/88 que estabelece normas comuns de execução do regime de certificados de importação, de exportação e de prefixação para os produtos agrícolas, ao estipular no respectivo preâmbulo: «Considerando que, nos termos do artigo 2ºA do Regulamento (CEE) nº 3665/87 da Comissão (3), com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) nº 313/97 (4), o direito a uma restituição está subordinado à apresentação de um certificado de exportação com prefixação da restituição; que, por razões de proporcionalidade, é conveniente, em certos sectores, estender a validade dos certificados de exportação aos grupos de produtos definidos para o efeito; que, a fim de evitar os abusos que consistem em seleccionar sistematicamente os produtos que são objecto das taxas de restituição mais elevadas, é necessário criar um sistema de reduções para mudar o produto previamente indicado sempre que a taxa real seja inferior à taxa para esse produto».

No caso, também razões ligadas ao princípio da proporcionalidade, conduzem à conclusão de que não tendo havido, no caso, qualquer conduta intencional por parte da recorrente, com vista à obtenção de restituição mais elevada do que a devida, é nosso entendimento que a simples errónea nomenclatura derivada unicamente da forma de acondicionamento da mercadoria, conduz ao erro nos pressupostos por parte do acto recorrido, assim procedendo, com esta fundamentação, o recurso interposto pela recorrente, com a consequente revogação da decisão recorrida.


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3. DECISÃO

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar o recurso contencioso de anulação procedente.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 14 de Abril de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Augusto Araújo Veloso.