Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:089/17
Data do Acordão:10/04/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:A inutilidade superveniente da lide (al. e) do art. 277º do CPC) ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância, pois que a pretensão do autor não poderá, então, manter-se, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por se encontrar fora do esquema da providência pretendida.
Nº Convencional:JSTA000P22336
Nº do Documento:SA220171004089
Data de Entrada:01/27/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida em 30/06/2016 no TAF de Aveiro na impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2007 no valor de € 47.980,31 julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, na consideração de que ocorreu um acto anulatório praticado pela AT em 03/02/2010, o qual gerou a perda do objecto dos presentes autos e, nessa medida, implicou que tenha ficado prejudicada a apreciação da presente acção quanto ao respectivo mérito.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1 - O presente recurso foi interposto contra a Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou extinta a instância, por impossibilidade da lide, ao abrigo do disposto no artigo 277° alínea e) do CPC, ex vi, art. 2°, alínea e) do CPPT.
2 - A referida sentença considerou que a instância não poderia manter-se por força do desaparecimento do objecto do processo, ou seja, do acto administrativo respeitante à liquidação do IRS do ano de 2007, no valor de 47.980,31 €, uma vez que o acto anulatório praticado pela Administração Fiscal em 03/02/2010, acabou por gerar a perda do objecto dos presentes autos, o que conduziu à extinção dos mesmos por impossibilidade da lide (artigo 277°, alínea e) do CPC, ex vi, artigo 2°, alínea e) do CPPT) e, nessa medida, ficou prejudicado o conhecimento da presente acção quanto ao seu fundo ou mérito.
3 - Ora, salvo o devido respeito o recorrente não pode concordar com tal decisão, senão vejamos:
4 - O recorrente foi notificado de um primeiro acto de liquidação de IRS, referente ao ano aqui em causa (2007), no montante de 47.980,31 € - acto de liquidação número 2010.500004451, datado de 30/01/2010, que constitui o objecto dos presentes autos.
5 - O recorrente apresentou um processo de reclamação graciosa contra o referido acto de liquidação, que veio a ser deferido parcialmente.
6 - Entretanto, o recorrente apresentou um recurso hierárquico contra a referida decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa.
7 - Tal recurso hierárquico foi indeferido e contra a referida decisão de indeferimento foi apresentado o presente processo de impugnação judicial.
8 - Contudo, entretanto e na sequência do deferimento parcial de reclamação graciosa apresentada pelo recorrente contra o primeiro acto de liquidação, o recorrente foi notificado de um novo acto de liquidação de IRS do ano de 2007 - acto de liquidação número 2010.5004885206, datado de 9/08/2010, no valor de 40.448,28 €.
9 - Por o recorrente entender que este novo acto de liquidação teria substituído o anterior acto de liquidação referente ao IRS do ano de 2007, em 19/12/2010 apresentou um processo de reclamação graciosa contra o segundo acto de liquidação.
10 - Aquele processo de reclamação graciosa foi entretanto arquivado por alegada inutilidade da lide, e contra a referida decisão de arquivamento, o impugnante apresentou uma acção administrativa especial.
11 - Tal acção veio a ser julgada improcedente, por se julgar verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto.
12 - Com efeito, conforme jurisprudência pacífica e actual do Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo o Acórdão proferido em 25/06/2015, no âmbito do processo número 01483/14, e o Acórdão proferido em 14/10/2015, proferido no âmbito do processo número 01104/13, ambos in base de dados em suporte informático — www.dgsi.pt o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro considerou que o segundo acto de liquidação praticado pela Administração Tributária é um acto meramente correctivo do acto anterior que substituiu, não podendo ser objecto de impugnação judicial.
13 - Tratou-se de um mero acto de execução, que deu integral e correcta execução ao que havia sido decidido, em sede de reclamação graciosa, pelo que não se pode impugnar o segundo acto de liquidação, por não existir uma “nova liquidação, autónoma e distinta da anterior”.
14 - O recorrente só poderia impugnar este segundo acto de liquidação se houvesse alegado que este acto de liquidação era um acto de liquidação diverso daquele que deu execução à decisão que indeferiu a reclamação graciosa que apresentou contra o primeiro acto de liquidação.
15 - Mas não foi o caso, pois o segundo acto de liquidação foi um acto de mera execução da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o primeiro acto de liquidação, e está conforme com a decisão proferida na reclamação graciosa (cfr. cópia da sentença, proferida pelo TAF de Aveiro em 21/03/2016, no âmbito do processo n° 302/11.0BEAVR, que se junta como documento número 1 e cujo respectivo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos as efeitos legais).
16 - Com efeito, o segundo acto de liquidação não constitui um novo acto de liquidação tributária, mas apenas uma denominada liquidação correctiva, ou seja, o acto que dá expressão quantitativa à decisão que, deferindo parcialmente a reclamação apresentada pelo recorrente, corrigiu o erro ocorrido na mesma, em resultado da consideração do estado civil do contribuinte.
17 - Assim, o acto praticado em execução da decisão administrativa de anulação não é impugnável autonomamente senão com base em vícios próprios.
18 - O invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, a verificar- se, não se reporta à segunda demonstração de liquidação, que também não constitui acto lesivo, na medida em que resulta de decisão que atendeu a pretensão do contribuinte (artigo 95°, número 2, alínea e) da LGT).
19 - Assim, o único acto lesivo é o acto de liquidação aqui em causa e que foi primeiramente praticado, sendo este o único acto de liquidação referente ao IRS de 2007 impugnável.
20 - Pelo que tal acto de liquidação não deveria ter sido anulado pela Administração Tributária.
21 - Por outro lado, ao manter-se na ordem jurídica a sentença de que ora se recorre, que impossibilita a apreciação do mérito da impugnação judicial apresentada pelo recorrente contra o primeiro acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2007, o recorrente fica impossibilitado de recorrer aos meios judiciais competentes no sentido de atacar a legalidade do referido acto de liquidação, sendo que conforme jurisprudência pacífica e actual dos Tribunais Superiores Portugueses, o segundo acto de liquidação praticado pela AT em resultado do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelo mesmo recorrente é um acto meramente correctivo e nessa medida inimpugnável, porque não lesivo dos interesses do contribuinte.
22 - Desta forma, estamos perante uma ofensa grave do princípio constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais - artigos 20° e 288°, número 4 da Constituição da República Portuguesa.
23 - Deste modo, estamos perante uma violação clara do princípio do acesso à justiça tributária, plasmado no artigo 9°, números 1 e 2 da Lei Geral Tributária e do direito de impugnação ou recurso contido no artigo 95° do mesmo diploma legal.
24 - Em face do exposto, o presente processo de impugnação judicial terá de ser apreciado, uma vez que o primeiro acto de liquidação referente ao IRS do ano de 2007, e aqui em causa, é o único impugnável, porque verdadeiramente lesivo dos direitos e interesses do contribuinte.
25 - Pelo que a sentença de que ora se recorre deverá ser revogada, porque ilegal e inconstitucional, e em consequência substituída por uma decisão que admita o processo de impugnação judicial apresentado pelo ora recorrente contra o acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2007, e aqui em causa, apreciando o mérito da causa.
Termina pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra que admita a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de IRS número 2010.5000040451, no valor de 47.980,31 €, apreciando o mérito da causa e seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes, além do mais:
«Constando dos autos que a AT considerou a segunda liquidação como meramente corretiva - decisão da reclamação graciosa interposta à cautela pelo contribuinte contra o segundo ato tributário -, natureza essa confirmada judicialmente em decisão proferida em ação administrativa especial, sempre o tribunal “a quo” devia ter em consideração que qualquer outra decisão que não seja a de conhecer do objeto da ação inutiliza o direito do contribuinte a uma tutela jurisdicional efetiva, tal como é invocado pelo Recorrente.
Entendemos assim que, independentemente da terminologia que se utilize para qualificar a segunda liquidação — corretiva, adicional ou reformadora -, o que se mostra relevante é saber que efeitos se pretenderam repercutir no primitivo ato tributário, ou seja, se se pretendeu revogar todos os seus efeitos, por estar afetado de vício que inquina a sua validade, ou mantê-lo, ainda que com correção de algum elemento que não ponha em causa a sua validade.
Em face do exposto entendemos que a decisão recorrida padece do vício de erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e se determine a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que seja apreciado o pedido do impugnante e aqui recorrente.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. A decisão recorrida é a seguinte:
«A…………, com o nif ……… e melhor identificado nestes autos, vem deduzir a presente impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2007 no valor de € 47.980,31.
No decorrer dos presentes autos e em seguimento ao solicitado por este Tribunal, o Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Águeda veio informar que a liquidação de IRS do ano de 2007 no valor de € 47.980,31 se encontra anulada desde 02.11.2010.
Notificado o impugnante da informação prestada pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças e para querendo se pronunciar quanto à eventual inutilidade da lide, veio o mesmo pugnar pelo prosseguimento dos presentes autos, alegando que o ato de liquidação em causa é o único ato impugnável porque verdadeiramente lesivo dos direitos e interesses do contribuinte, porquanto o segundo ato de liquidação apenas foi uma mera execução da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e como tal, inimpugnável conforme decisão proferida na ação administrativa especial que correu seus termos sob o n° 302/11.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido, atenta a informação fornecida pelo respectivo Serviço de Finanças que de forma inequívoca refere que a liquidação ora em discussão se encontra anulada.
Apreciando:
Dos documentos juntos a estes autos, conclui-se que o impugnante pretende discutir a ilegalidade da liquidação adicional do IRS do ano de 2007 no valor de € 47.980,31 decorrente de uma liquidação oficiosa efectuada nos termos do art. 76° do CIRS, na medida em que o impugnante não havia apresentado dentro do prazo legal a declaração de rendimentos modelo 3 daquele ano.
A liquidação ora impugnada foi emitida em 30 de Janeiro de 2010 conforme fls. 14 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
Da informação prestada pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Águeda através do ofício datado de 13.04.2016 e constante destes autos a fls. 189 e da consulta efectuada aos prints demonstrativos da liquidação do IRS do ano de 2007, conclui-se claramente que a liquidação ora impugnada foi anulada em 03.02.2010, cfr. fls. 190 e 191 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
O impugnante na sua petição inicial conclui com o pedido de anulação total do ato de liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios e restituição da importância paga indevidamente acrescida dos respectivos juros indemnizatórios.
Ora, como resulta do acima descrito, o ato de liquidação que o impugnante pretende ver apreciado e anulado por este Tribunal, já se encontra anulado desde 03.02.2010.
O que significa, que o ato administrativo em causa já não existe na ordem jurídica e como tal os seus efeitos jurídicos há muito que se encontram extintos.
E assim sendo, resta concluir, que a presente instância não poderá manter-se por força do desaparecimento do objeto do processo, ou seja, do ato administrativo respeitante à liquidação do IRS do ano de 2007 no valor de € 47.980,31.
Nestes termos, o ato anulatório praticado pela Administração Fiscal em 03.02.2010, acabou por gerar a perda do objeto dos presentes autos o que conduz à extinção dos mesmos por impossibilidade da lide (cfr. art. 277° alínea e) do CPC, ex vi, art. 2° alínea e) do CPPT) e, nessa medida, fica prejudicado o conhecimento da presente ação quanto ao seu fundo ou mérito.
Consequentemente, julgo extinta a presente instância, por impossibilidade da lide: art. 277° alínea e) do CPC, ex vi art. 2° alínea e) do CPPT.»

3.1. Como se vê da transcrição supra, o Tribunal recorrido fundamentou a decisão de absolvição da instância por impossibilidade superveniente da lide, na consulta de prints demonstrativos da liquidação juntos aos autos, bem como em informação prestada pelo Serviço de Finanças de Águeda, da qual consta que a liquidação impugnada foi anulada em 03/02/2010 (a sentença entendeu que estando tal liquidação anulada, o acto que a impugnante pretendia anular já não existe na ordem jurídica, pelo que perdendo a acção o seu objecto, a lide se tornou impossível).
Ora, conforme na sentença se exara e resulta dos próprios termos e ocorrências processuais dos autos, a impugnação judicial foi deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação oficiosa de IRS n° 2010.5000040451, referente ao ano de 2007, no valor de 47.980,31 Euros.
Na impugnação o contribuinte pede a revogação da decisão do «recurso hierárquico apresentado contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS aqui em causa, por vício de violação de lei, nos termos do disposto no artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo, e por inconstitucionalidade, devendo o referido recurso hierárquico ser julgado totalmente procedente, e em consequência ser ordenada a anulação total do acto de liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios ora impugnado por ilegalidade», com a consequente restituição do montante pago e respectivos juros indemnizatórios.
E sendo certo que na sequência do deferimento parcial da reclamação, a AT emitiu em 9/08/2010, uma nova liquidação [com o n° 2010.6004885206, na qual foi considerado o estado civil de “casado” em vez de “solteiro”] no montante de 40.448,28 Euros, a questão que se coloca é, então, a de saber se a lide se tornou impossível pelo facto de o acto de liquidação impugnado ter sido substituído por outro na sequência do aventado “deferimento” parcial da reclamação graciosa.
Vejamos.

3.2. Como é sabido, a impossibilidade ou a inutilidade superveniente da lide (al. e) do art. 277º do CPC verificam-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a resolução do litígio se torna impossível ou deixa de ter interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância, pois que a pretensão do autor não poderá, então, manter-se, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por se encontrar fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.(José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. 1, Coimbra Editora, 1999, anotação 3 ao art. 287.º, p. 512.)
Ora, no caso, na decisão recorrida não se ponderam ou questionam os motivos e circunstâncias subjacentes à alegada “anulação” do acto tributário por parte da AT (decorrente do aludido “deferimento parcial” da reclamação graciosa e da consequente emissão de uma nova liquidação), sendo que só mediante aquela ponderação se poderia qualificar correctamente a natureza desse pretenso acto “anulatório” e alcançar os respectivos efeitos. Tanto mais que o impugnante juntou aos autos os elementos que entendeu relevantes para que o Tribunal pudesse ajuizar da natureza desse acto de substituição de liquidação por parte da AT, designadamente para apreciar e ajuizar se o mesmo tivera a virtualidade de fazer cessar todos os efeitos do anterior acto tributário originário.
E, contudo, como sublinha o MP, da circunstância de ter sido emitida a apontada nova liquidação, não resulta que tenha sido “anulada” a liquidação anterior. Ao invés, parece evidenciar-se que o segundo acto de liquidação apenas tem natureza de acto correctivo do primeiro: a AT não anulou o primeiro acto tributário, antes se limitando a corrigi-lo no que diz respeito ao estado civil do sujeito passivo (cfr. decisão da reclamação graciosa).
Em consonância, aliás, com o entendimento versado no acórdão desta Secção do STA, de 25/6/2015, proc. nº 01483/14, (Em que, igualmente, estavam em causa dois actos de liquidação em que os elementos nucleares absolutamente coincidiam, com excepção do estado civil do contribuinte.) nos termos seguintes: «[a] liquidação subsequente à reclamação parcialmente procedente, no caso concreto, tem natureza executiva da decisão proferida, não tendo autonomia para efeitos de nova impugnação judicial na medida em que não constitui uma “nova liquidação, autónoma e distinta da anterior”, ou seja, no caso concreto não estamos perante uma liquidação que nada tem a ver com a que a tenha precedido, além da circunstância de o seu aparecimento ter sido motivado pela anulação/revogação da originária. Analisados os elementos nucleares dos dois actos de liquidação tributária verifica-se a absoluta coincidência dos dois actos de liquidação, com excepção do estado civil do contribuinte evidenciando que o segundo acto de liquidação apenas tem a natureza de correctivo do primeiro».
E, no caso, a esta conclusão de que este segundo acto de liquidação se reconduziria a um acto correctivo do primeiro, já anteriormente teriam chegado, aliás, a AT e o Tribunal, visto que a reclamação graciosa que o contribuinte deduzira, cautelarmente, contra o segundo acto tributário de liquidação (por entender que se tratava de um novo acto de liquidação que teria substituído a anterior liquidação operada em 19/12/2010), acabou por ser arquivada, por alegada inutilidade da lide e reagindo contra esta decisão de arquivamento, o impugnante apresentou acção administrativa especial, a qual veio a ser julgada improcedente, por procedência da excepção de inimpugnabilidade do acto: o TAF de Aveiro considerou que este segundo acto de liquidação é um acto meramente correctivo do acto anterior que substituiu, não podendo ser objecto de impugnação judicial.
Assim sendo, como alegam o recorrente e o MP, sempre o tribunal “a quo” devia ter em consideração que qualquer outra decisão que não seja a de conhecer do objecto da acção, inutilizará o direito do contribuinte a uma tutela jurisdicional efectiva.
Na verdade, no caso, tendo sido impugnadas as decisões proferidas no âmbito do procedimento gracioso (reclamação graciosa da liquidação adicional e recurso hierárquico da decisão que indeferiu parcialmente essa reclamação), sempre haverá que conhecer dos vícios que são imputados ao referido acto tributário, independentemente daquela correcção, pois que os seus efeitos permanecem e aquelas decisões administrativas não constituem caso decidido ou definitivo: e qualquer que seja a terminologia que se utilize para qualificar a segunda liquidação (adicional, correctiva ou reformadora), importa saber que efeitos se repercutiram (ou se pretendeu repercutir) na primitiva liquidação, rectius, se se pretendeu revogar todos os efeitos da primeira liquidação, por estar afectada de vício que inquina a sua validade, ou se pretendeu mantê-la, ainda que com correcção de algum elemento que não ponha em causa tal validade.
Assim ficando afastada, claramente, a conclusão de que, em face da prática deste segundo acto de liquidação, desde logo ocorre extinção da presente instância por impossibilidade superveniente da lide.
Impondo-se, portanto, a revogação da decisão recorrida e a consequente baixa dos autos à instância para que seja apreciado o pedido do impugnante.



DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para que, se a tanto nada mais obstar, sejam apreciadas, nos preditos termos, as questões atinentes às invocadas ilegalidades da liquidação de IRS, conforme pedido na impugnação.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 4 de Outubro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.