Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01865/14.4BEBRG |
Data do Acordão: | 04/10/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | SENTENÇA EXCESSO DE PRONÚNCIA QUESTÃO |
Sumário: | I - Verifica-se a nulidade por excesso de pronúncia da sentença se nesta se conhece de questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.º, n.º 1, do CPPT). II - Para que se possa considerar que na impugnação judicial foi suscitada uma questão não basta uma qualquer referência na petição inicial, antes se exigindo que nesta o impugnante individualize e concretize, de forma inequívoca, uma situação de divergência factual ou jurídica relativamente à qual formule um pedido de decisão. |
Nº Convencional: | JSTA000P24456 |
Nº do Documento: | SA22019041001865/14 |
Data de Entrada: | 03/08/2019 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1865/14.4BEBRG
1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente) junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida naquele tribunal (Apesar de a impugnação judicial ter sido instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, este Tribunal declarou-se incompetente em razão do território e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que considerou ser aquele a quem cabia a competência territorial para conhecer da acção.) no segmento em que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela acima identificada recorrida, anulou a liquidação de Imposto de Selo (IS) que a AT lhe efectuou com referência ao ano de 2012 e a um prédio de que é proprietária, no entendimento de que houve erro quanto à taxa aplicada. 1.2 O recurso foi admitido e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. Julgou a Sentença recorrida parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto de Selo (verba 28 da TGIS) do ano de 2012 no montante de € 11.922,50 e de 2013 no valor de € 7.948,34. B. Invocou a Impugnante a ilegalidade da tributação de Imposto de Selo prevista na inovadora verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 designadamente na verba 28.1, incidente sobre prédios com o valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, a violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal e da protecção da confiança, a violação dos princípios da Justiça e da igualdade Fiscal, requerendo ainda o pagamento de juros indemnizatórios. C. A sentença da qual se recorre, decidiu pela não verificação da violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal e da protecção da confiança, nem da violação dos princípios da Justiça e da igualdade Fiscal. D. No segmento em que a Fazenda Pública decaiu, e do qual ora se recorre, veio a sentença decidir, concedendo parcial provimento à impugnação, pelo erro (não alegado) da aplicação da taxa de imposto de 1% quanto ao ano de 2012. E. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia. F. Com efeito, a impugnante alegou vários vícios, supra citados, todos considerados improcedentes, G. não tendo no entanto, controvertido a taxa de 1% aplicável ao ano de 2012, conforme se retira do art. 27.º (e seg) da PI, onde esta expressamente refere “apesar de à primeira vista, parecer de aplicar ao caso que ora nos ocupa, a taxa de 0,5%, na realidade a taxa a aplicar é de 1% ao VPT considerado”. H. Não sendo tal questão de conhecimento oficioso, excedeu o douto Tribunal a quo os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, em violação da regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, e nesta medida a sentença recorrida só pode ser considerara nula. Subsidiariamente, se doutamente assim não se considerar, I. Em 31/12/2011 o valor patrimonial do prédio em questão era apenas de € 210.791,21, não estando sujeito por isso à tributação da verba 28.1 da TGIS prevista na norma transitória constante do art. 6.º da Lei 55-A/2012 de 29/10, J. pelo que não foi a impugnante notificada para proceder ao pagamento atinente ao facto tributário que se verificou em 31/10/2012 (ao contrário de outros contribuintes). K. O imóvel em causa nos autos, após a avaliação no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos, foi objecto de segunda avaliação, requerida pela impugnante, tendo sido fixado o valor patrimonial de € 1.192.250,00, com efeitos a 31/12/2012. L. A impugnante somente foi notificada para proceder ao pagamento de imposto de selo referente à verba 28.1, atinente ao facto tributário que se verificou em 31/12/2012. M. A liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral devia incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano. N. Na liquidação em crise foi aplicada a taxa de 1% ao valor patrimonial tributário (VPT). O. Não cabe pois aqui, nos presentes autos (por não ter acontecido), dirimir eventual duplicação de colecta face ao facto tributário previsto na norma transitória, al. a) e c) do referido art. 6.º (regime transitório para 2012), que menciona que o facto tributário se deve ter como verificado em 31 de Outubro de 2012, porquanto a AT apenas efectuou uma liquidação de imposto de selo referente à verba 28.1 para 2012, P. aquela em que o facto tributário ocorreu em 31/12/2012 (a liquidação em causa foi efectuada pela AT em 2013 e reporta-se ao ano de 2012). Q. A liquidação do imposto do selo a efectuar no ano de 2013, deveria incidir sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de Liquidação de IMI, ou seja, o valor patrimonial tributário reportado a 31.12.2012 (art. 113.º, n.º 1 in fine do Código do IMI). R. Como ficou provado, o VPT do imóvel em causa, em 31.12.2012, por força da avaliação efectuada (e do seu reporte a 31/12/2012) era superior a € 1.000.000,00, S. logo, bem andou a AT ao efectuar a liquidação controvertida, na estrita aplicação dos dispositivos legais, não padecendo a mesma da ilegalidade (errónea taxa) que lhe foi imputada na douta sentença recorrida, e nesta medida incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, aplicável inerentemente, à procedência de juros indemnizatórios. Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA». 1.3 A Recorrida não contra-alegou. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, anulada a sentença no segmento recorrido e julgada totalmente improcedente a impugnação judicial, com a seguinte fundamentação: «1. Sustenta a recorrente que a sentença recorrida conheceu para além do que a lei lhe permite, incorrendo em vício forma por excesso de pronúncia, uma vez que a impugnante recorrida não controverte a questão da taxa aplicável quanto ao Imposto do Selo de 2012. 1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos. 1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo que as questões a dirimir são as de saber se a sentença recorrida i) enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que apreciou o vício decorrente do erro na taxa aplicada na liquidação do ano de 2012; na negativa, ii) incorreu em erro de julgamento ao considerar que a taxa aplicável a essa liquidação era de 0,5%, ao invés da taxa de 1% que foi a aplicada pela AT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «1. O prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……….. sob o artigo 1427 é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente afecto à habitação – cfr. fls. 45 e 46 do processo administrativo (PA) junto aos dos autos. 2. Em 2012 e 2013, A………… era proprietária do prédio descrito em 1. – cfr. fls. 38 a 46 do processo físico. 3. O prédio descrito em 1. foi avaliado no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos, ao abrigo do artigo 15.º do DL n.º 287/2003 de 12/11, tendo sido fixado o valor patrimonial tributário em € 1.560.750,00 – cfr. fls. 18 do PA junto aos autos. 4. A………….. requereu a 2.ª avaliação do prédio descrito em 1., tendo sido fixado em 28.01.2014 o valor patrimonial de € 1.192.250,00, com efeitos reportados ao ano de 2012 – cfr. fls. 45 do processo físico e fls. 18 do PA junto aos autos. 5. Em 7.02.2014 foi emitida a liquidação de imposto de selo do ano de 2012 relativa ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……….. sob o artigo 1427 no montante de € 11.922,50, paga em 30.04.2014 – cfr. fls. 35 e 47 do processo físico. 6. Em 18.03.2014 foi emitida a liquidação de imposto de selo do ano de 2013 relativa ao prédio descrito em 1. e respectiva nota de cobrança n.º 2014 004223686 no montante de € 3.974,18 e n.º 2014 004223687 no montante de € 3.974,16 – cfr. fls. 36 e 37 do processo físico. 7. A nota de cobrança n.º 2014 004223686 foi paga em 30.04.2014 e a nota de cobrança n.º 2014 004223687 foi paga em 31.07.2014 – cfr. fls. 48 e 113 do processo físico. 8. As liquidações a que se alude em 3. e 4. foram emitidas ao abrigo da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, pela aplicação da taxa de 1% ao valor patrimonial tributário do imóvel descrito em 1. – cfr. fls. 3 e 4 do processo físico». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A ora Recorrida interpôs impugnação judicial contra as liquidações de Imposto de Selo, efectuadas relativamente aos anos de 2012 e 2013 e a um prédio de que é proprietária, com fundamento na inconstitucionalidade da norma de incidência ao abrigo da qual foram efectuadas – verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro –, por considerar que a mesma viola os princípios da não retroactividade da lei fiscal, da protecção da confiança, da justiça e da igualdade fiscal. 2.2.2 DO EXCESSO DE PRONÚNCIA A Fazenda Pública entende que a decisão recorrida incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer da legalidade da liquidação respeitante ao ano de 2012 com fundamento em violação de lei por erro quanto à taxa aplicada. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Verifica-se a nulidade por excesso de pronúncia se na sentença se conhece de questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.º, n.º 1, do CPPT). II - Para que se possa considerar que na impugnação judicial foi suscitada uma questão não basta uma qualquer referência na petição inicial, antes se exigindo que nesta o impugnante individualize e concretize, de forma inequívoca, uma situação de divergência factual ou jurídica relativamente à qual formule um pedido de decisão. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em conceder provimento ao recurso, anular a sentença na parte recorrida e, em consequência, julgar a impugnação judicial totalmente improcedente. Custas pela Recorrida (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC), que não suporta taxa de justiça neste Supremo Tribunal, uma vez que não contra-alegou. * |