Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00385/13.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/16/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECURSOS JURISDICIONAIS
QUESTÃO NOVA
IMPOSTO DE SELO
APLICAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI Nº 55-A/2012, DE 29 DE OUTUBRO
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, DA IGUALDADE E DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I) Os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida - regra que só pode ser quebrada quando lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
II) A medida fiscal em análise não afectou para o passado os direitos dos respectivos sujeitos passivos; apenas determinou, atento o seu carácter periódico e a continuidade das relações jurídicas sobre que incide, um encargo adicional a pagar futuramente em virtude da titularidade de certos direitos reais, independentemente do momento em que tal titularidade se tenha iniciado.
III) A alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”.
IV) As verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir, sendo que, enquanto medida fiscal dirigida a afectar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:W..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“W…, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02-09-2016, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação oficiosa de Imposto de Selo por aplicação do disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, no montante de € 5.646,70.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 77-84), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1ª - Do artigo 6.º do Código do IMI resulta uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podendo estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
2ª – Consequentemente, carece de fundamento legal a tributação em sede de Imposto de Selo, no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, relativamente ao ano de 2012, para os prédios urbanos qualificados como «terrenos para construção», como sucede com o prédio em causa nestes autos.
3ª - Devendo, por conseguinte, ser anulada a liquidação impugnada. Contudo e sem prescindir, ainda que assim se não entendesse,
4ª - Relativamente ao ano de 2012, o IS criado pela Verba 28.1 da TGIS foi liquidado e colocado a pagamento no mês de Dezembro de 2012, tal qual sucedeu com o prédio da Recorrente, porém, no decurso do ano de 2013, a AT fixou uma nova obrigação de pagamento do IS referente Verba 28.1 da TGIS relativamente ao ano de 2012, criando, deste modo, uma duplicação do imposto sobre o mesmo facto tributário, na medida em que apesar de ter já liquidado o IS relativo ao ano de 2012, com prazo de pagamento até 20/12/2012, veio ainda a liquidar nova obrigação de pagamento relativa ao ano de 2012, desta feita em prestações a pagar no decurso de 2013.
5ª - A aplicação do IS referente Verba 28.1 da TGIS alterada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não reflecte uma aplicação do imposto de forma justa, nem apresenta um pressuposto económico capaz de reflectir uma capacidade contributiva real, ou seja, não trata de forma igual o que é igual, nem desigual o que é diferente, acabando mesmo por contradizer o espírito do Art.º 104º/ n.º 3 da CRP conjugado com o Art.º 16º da LGT, pois este sistema tributa o prédio e não contribuinte, sem tomar sequer em consideração o rendimento proporcionado pelo próprio prédio e, mais grave, tributa uma “realidade potencial”, a expectativa de vir a ser edificado e traduzir rendimento, mas nem sequer distingue o tratamento fiscal a dar a prédios destinados a construção e que nunca chegaram a ser edificados ou até daqueles que viram modificada a sua afectação, ou seja, viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade, o que torna tal diploma inconstitucional.
6ª - Em face do exposto, a decisão recorrida efectuou uma errada interpretação e aplicação da lei, em particular o disposto pelo art.º 6º do CIMI; artigos 608º e 5º, n.º 3 do CPC, assim como os artigos 12º e 16º da LGT e ainda dos artigos 13º e 104º, n.º 3 da CRP.
7ª - Porque assim sucedeu, o Mmº Juiz “ad quo” decidiu erradamente, decisão que causa agravo à Recorrente.
Termos em que, e nos demais de direito com o douto suprimento de Vas.
Exas., deve:
a) Ser o presente recurso recebido e julgado procedente;
Consequentemente,
b) Ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue procedente a impugnação da liquidação do tributo, com todas as demais e legais consequências.
Com o que se fará inteira JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso – cfr. fls. 95-96 dos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em apreciar a bondade da liquidação oficiosa de Imposto de Selo por aplicação do disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, tendo presente a natureza do imóvel descrito nos autos, a relevância da apontada duplicação da colecta, sem olvidar a matéria da inconstitucionalidade do tributo por violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
a) Em 17/11/2012, foi emitida em nome da impugnante a nota de cobrança nº 2012 0018873899 (liquidação nº 20119000003608), no montante de €5.646,70, por referência ao ano de 2011, relativo a Imposto de Selo inerente ao prédio U-…da freguesia de Cedofeita, ao abrigo da Lei nº 55-A/2012, art. 6º, nº 1 alíneas f) e i), com data limite de pagamento de 20/12/2012 (cf. fls. 12 dos autos e informação de fls. 20 do processo administrativo apenso aos autos, doravante, apenas, PA).
b) A liquidação teve em vista o prédio urbano descrito em a), ao qual foi determinado o valor patrimonial tributário de €1.129.339,75 que, anteriormente, na primeira avaliação efectuada em 03.07.2007, tinha o valor patrimonial tributário de €1.112.650,00 (cf. fls. 13 e 14 dos autos e 13 a 15 do PA).
c) O prédio em causa é descrito como “terreno para construção” (cf. fls. 16 do PA).
d) A impugnação foi apresentada em 07/02/2013 (cf. fls. 25 do PA).
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
*** ***
O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos que não foram alvo de contestação.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a bondade da liquidação oficiosa de Imposto de Selo por aplicação do disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, no montante de € 5.646,70.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que do artigo 6.º do Código do IMI resulta uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podendo estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o que significa que carece de fundamento legal a tributação em sede de Imposto de Selo, no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, relativamente ao ano de 2012, para os prédios urbanos qualificados como «terrenos para construção», como sucede com o prédio em causa nestes autos, devendo, por conseguinte, ser anulada a liquidação impugnada.
Por outro lado, aponta ainda que relativamente ao ano de 2012, o IS criado pela Verba 28.1 da TGIS foi liquidado e colocado a pagamento no mês de Dezembro de 2012, tal qual sucedeu com o prédio da Recorrente, porém, no decurso do ano de 2013, a AT fixou uma nova obrigação de pagamento do IS referente Verba 28.1 da TGIS relativamente ao ano de 2012, criando, deste modo, uma duplicação do imposto sobre o mesmo facto tributário, na medida em que apesar de ter já liquidado o IS relativo ao ano de 2012, com prazo de pagamento até 20/12/2012, veio ainda a liquidar nova obrigação de pagamento relativa ao ano de 2012, desta feita em prestações a pagar no decurso de 2013.

Pois bem, quanto aos elementos agora enunciados, estamos perante matéria que envolve duas novas questões que não foram apreciadas pelo Tribunal Recorrido, por lá não terem sido suscitadas, pois que percorrida a petição inicial subjacente à presente impugnação, não se encontra rasto da matéria que agora se pretende ver apreciada nos autos quanto ao primeiro segmento, sendo que em relação à questão da duplicação de colecta, a mesma foi alegada por referência ao pagamento do imposto de selo devido pela transmissão do imóvel e não em relação ao procedimento da AT no decurso do ano de 2013 nos termos agora descritos, sendo ainda de salientar que, nesta situação, a situação de duplicação de colecta mencionada, a existir, terá reflexo não sobre a liquidação impugnada mas no que concerne à tal liquidação de que fala agora a Recorrente.
Tal significa que se está perante uma questão totalmente nova e uma questão com uma nova configuração, integradas no processo através das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, realidades até aí, em absoluto ausentes do processo, não tendo sido suscitadas em qualquer peça processual nos termos agora apontados e não tendo, por isso, sido apreciadas na sentença.
Assim, tal como se afirma no recente Ac. do S.T.A. de 13-03-2013, Proc. nº 0836/12, www.dgsi.pt, “… como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.).
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”.
Deste modo, tratando-se, como se trata, de matéria nunca antes suscitada nos autos, no segundo caso com a actual configuração, e que naturalmente não foram apreciadas na decisão recorrida, forçoso é concluir que nesta parte o presente recurso está condenado ao insucesso.

A Recorrente insiste ainda que a aplicação do IS referente Verba 28.1 da TGIS alterada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não reflecte uma aplicação do imposto de forma justa, nem apresenta um pressuposto económico capaz de reflectir uma capacidade contributiva real, ou seja, não trata de forma igual o que é igual, nem desigual o que é diferente, acabando mesmo por contradizer o espírito do Art.º 104º/ n.º 3 da CRP conjugado com o Art.º 16º da LGT, pois este sistema tributa o prédio e não contribuinte, sem tomar sequer em consideração o rendimento proporcionado pelo próprio prédio e, mais grave, tributa uma “realidade potencial”, a expectativa de vir a ser edificado e traduzir rendimento, mas nem sequer distingue o tratamento fiscal a dar a prédios destinados a construção e que nunca chegaram a ser edificados ou até daqueles que viram modificada a sua afectação, ou seja, viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade, o que torna tal diploma inconstitucional, verificando-se que a decisão recorrida efectuou uma errada interpretação e aplicação da lei, em particular o disposto pelo art.º 6º do CIMI; artigos 608º e 5º, n.º 3 do CPC, assim como os artigos 12º e 16º da LGT e ainda dos artigos 13º e 104º, n.º 3 da CRP.
Sobre esta matéria, cumpre ter presente o exposto no Ac. do Tribunal Constitucional nº 590/2015, de 11-11-2015, www.dgsi.pt, onde se aponta, além do mais, que:
“…

Princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva

12. Passemos, então, a apreciar o parâmetro de constitucionalidade a que a recorrente dedicou a maior parte da sua argumentação, fundada nos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva (artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição).

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.

13. A argumentação da recorrente coloca-se neste último plano, respondendo negativamente à interrogação sobre a razão de ser da tributação sindicada, fundamentalmente por assumir, na sua ótica, caráter assistemático e arbitrário, a partir da consideração de que a tributação do património imobiliário deveria ser feita em sede de IMT e IMI, e por discriminar sem fundamento racional contribuintes com a mesma capacidade contributiva. Sem razão, adiante-se.

14. Desde logo, da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013).

Note-se, ainda assim, que a incidência do Imposto do Selo, marcado pela heterogeneidade, remete aqui, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que o reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.

15. Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”.

A recorrente afirma que a norma em apreço é “iníqua” e avança com dois casos hipotéticos que, na sua ótica, tornam patente a violação dos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva.

15.1. O primeiro caso compara dois contribuintes, em que um possui “um património no valor de cerca de um milhão e 250 mil euros” e suporta Imposto do Selo por via da norma de incidência da verba nº 28, e outro que, por possui[r] património no valor de 20 milhões de euros mas não tem, nesse acervo, qualquer imóvel com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão” não suporta qualquer tributação. Daí decorre, sustenta, “desigualdade vertical” entre contribuintes sem razão justificativa.

Porém, a comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertium comparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

15.2. Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104º, nº 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar. Pode, como aponta CASALTA NABAIS, em prossecução de tal objetivo constitucional, “proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas” (ob. cit., pág. 436). E, mesmo que se possa extrair do princípio da capacidade contributiva um modelo de imposto geral sobre o património com uma base tributável alargada a todas as manifestações de riqueza, os obstáculos de praticabilidade que se lhe opõem são suscetíveis de conduzir na realidade à criação de desigualdades entre os contribuintes. Como refere SÉRGIO VASQUES (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, in Fiscalidade, 2005a, nº 23, pág. 44):

«[A]í onde se instituíram impostos desta natureza – e não são muitos os casos – a sua aplicação tem sido viciada pela fraude mais grosseira, produzindo-se com isso uma desigualdade entre os contribuintes que se não pode tolerar. A igualdade de um imposto mede-se pelos resultados da sua aplicação e quando o legislador saiba de antemão que não pode tributar uma qualquer manifestação de riqueza com igualdade efetiva, deve então abster-se de a sujeitar a imposto.

Podemos por isso concluir dizendo que o princípio da capacidade contributiva possui um conteúdo útil e preciso na conformação dos impostos sobre o património mas que o modelo para o qual aponta, o do imposto sobre o património líquido global, produz na prática quebras de igualdade maiores do que os ganhos que traz. Quando se afirma que não há espaço nos sistemas fiscais modernos para um imposto sobre o património global ao lado do IVA e do imposto sobre os rendimentos pessoais isso será bem verdade – não por força do princípio da capacidade contributiva, que o reivindica, mas por razões de praticabilidade que lhe são estranhas.»
15.3. Assim sendo, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto à habitação, o que importa a conclusão de que no primeiro caso não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00.

Como, ainda, persiste uma efetiva conexão entre a prestação tributaria e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, sem infringir o princípio da capacidade contributiva, cujo alcance, não sendo excluído, diminui no âmbito da tributação do património, face ao que acontece na tributação sobre o rendimento (assim, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2011, pág. 254). Com efeito, a recorrente não disputa que o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa.

15.4. O segundo caso, segundo a recorrente demonstrativo de desigualdade no plano horizontal, compara a tributação que lhe foi imposta, como proprietária de prédio cujo valor patrimonial tributário ultrapassa “por pouco” o montante de €1.000.000,00, com a não tributação de um contribuinte hipotético que fosse proprietário de 10 imóveis, cujo valor patrimonial tributário se situasse em €990.000,00.

Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão.

Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.

Princípio da proporcionalidade

16. No que se refere à violação do princípio da proporcionalidade, apontada pela recorrente na parte final do requerimento transcrito no ponto 2 como corolário da violação dos princípios atrás apreciados, mostra-se patente a falta de razão da recorrente.

Com efeito, a recorrente sustenta em alegações, ainda que a propósito de outro parâmetro, que não se encontra, na espécie, uma adequada relação meio-fim, porquanto a receita arrecadada com este imposto não tem “qualquer significado relevante”, sendo o valor cobrado em 2012 “necessariamente uma receita escassa” (cfr. fls. 16 e 17 das alegações, a fls. 301 e 302 dos autos).

O raciocínio toma, porém, como premissa algo que não corresponde à finalidade da norma: o legislador não visou atingir apenas por este meio o objetivo de reequilíbrio das contas públicas, reconhecidamente difícil. Pretendeu, como se viu, alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e, numa perspetiva de promoção da consolidação orçamental, como instrumento de obtenção de mais receita e, correspondentemente, de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas de défice público, não sofre dúvida que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir. Como, enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade. …”.
Para cabal enquadramento da realidade em apreço, e por mais recente, crê-se pertinente ter ainda presente o exposto no Ac. do Tribunal Constitucional nº 568/2016 de 19-10-2016, www.dgsi.pt, onde se refere que: “… Desde logo, porque inexiste qualquer retroatividade: o facto sujeito a Imposto do Selo nos termos da verba em análise é a titularidade de certos direitos reais sobre imóveis com valor patrimonial igual ou superior a 1 milhão de euros. Trata-se de um imposto assente sobre uma relação jurídica duradoura liquidado anualmente – em 31 de dezembro de cada ano. No caso vertente, a liquidação reporta-se ao ano de 2014 – o ano subsequente ao da publicação da alteração legislativa que incluiu os terrenos para construção em determinadas condições no plano de incidência do imposto.

Decerto que o Estado de direito é, também, um Estado de segurança jurídica (cfr. os Acórdãos n.ºs 108/2012, 575/2014 e 241/2015). E, como este Tribunal tem afirmado, à garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjetiva, a ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Com efeito, a proteção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da Constituição (cfr. o Acórdão n.º 862/2013). Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes. Mas o mesmo Estado de direito também é democrático e pluralista, uma vez que a ordem jurídico-constitucional se funda, desde logo, nos procedimentos próprios de uma democracia plural. Daí o reconhecimento do poder de autorrevisibilidade das leis, que, não sendo ilimitado, postula que os limites sejam traçados a partir da concordância entre o princípio do pluralismo democrático e outros princípios constitucionais, como, por exemplo, os da segurança, da igualdade e da proporcionalidade.

A tutela constitucional da segurança jurídica e da confiança emanam, assim, do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição (cfr. a jurisprudência constante deste Tribunal expressa, por exemplo, nos Acórdãos n.os 287/90, 128/2009, 3/2010, 154/2010, 862/2013 ou 294/2014). Essa tutela é evidente nos casos de leis retroativas – de resto, hoje proibidas no domínio fiscal (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição) –, mas não está ausente em todos os outros casos em que a lei nova projeta os seus efeitos sobre situações constituídas no passado:

« [A] segurança exige que os cidadãos saibam com o que podem contar, sobretudo nas suas relações com os poderes públicos. Saber com o que se pode contar em relação aos atos da função legislativa do Estado é coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que é conatural a essa função é a possibilidade, que detém o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as diferentes exigências históricas, opções outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alteração dessas opções, se é irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejam aplicáveis) quando as novas soluções legislativas são pensadas para valer apenas para o futuro, não pode deixar de ter limites sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa repercussão sobre o passado. […]

É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a definição de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.

Dito isto, resta concluir que o facto de não haver uma proibição constitucional explícita de, noutros casos, se recorrer às formas graduais e muito variáveis de «retroatividade própria» ou «imprópria» não significa que o recurso a qualquer uma destas formas esteja sempre e em qualquer circunstância à disposição do legislador ordinário. O princípio segundo o qual o poder legislativo está genericamente habilitado pela Constituição a atribuir às suas decisões, por diferentes formas e em diferentes graus, eficácia para o passado, conhece limites. E estes decorrem da necessária convivência entre este princípio e o princípio do Estado de direito, na sua dimensão de «segurança jurídica» (v. o Acórdão n.º 575/2014).

No Acórdão n.º 287/90, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospetiva». De acordo com essa jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade.

E, como se disse no Acórdão n.º 128/2009, os dois critérios enunciados são finalmente reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”, que são de verificação sucessiva e cumulativa. Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança, é necessário, em primeiro lugar, que os poderes públicos (mormente aqueles que detêm competências normativas) tenham encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade dos comportamentos geradores de expectativas; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do ou dos comportamentos que geraram a situação de expectativa (sobre este modelo de «testes», v., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 188/2009, 187/2013, 862/2013, 575/2014 e 241/2015).

O princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação dos poderes públicos.

Segundo a prática do Tribunal sintetizada no Acórdão n.º 575/2014, a aplicação daquele método a um caso concreto pressupõe, antes do mais, que se determine, com precisão, se, nesse caso, a norma sob juízo fez protrair os seus efeitos sobre o passado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstância de ser positiva a resposta a esta questão, haverá ainda que valorar à luz da Constituição as “expectativas” dos particulares, que confiaram na inexistência da projeção sobre o passado dos efeitos das novas decisões legislativas. E essa valoração só pode incidir sobre a consistência das posições jurídicas subjetivas definidas à luz do Direito anterior, e que vêm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as “expectativas” dos particulares na continuidade, e na não disrupção, da ordem jurídica, não são realidades aferíveis ou avaliáveis no plano empírico dos factos. A sua densidade não advém de uma qualquer pré-disposição, anímica ou psicológica, para antecipar mentalmente a iminência ou o risco das alterações legislativas; a sua densidade advém do tipo de direitos de que são titulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituição os valora. O ponto é importante, uma vez que, como se disse no Acórdão n.º 862/2013, quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente deverá ser o controlo da proteção da confiança.

Assim, a metódica a seguir na aplicação deste critério implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas (cfr. Acórdão n.º 862/2013). Os particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas; mas a esse interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social. Caso os dois grupos de interesses e valores sejam reconhecidos na Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de cada um, qual o que deve prevalecer. O método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos. Mesmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa» (cfr. Acórdão n.º 287/90).

5.1. Ora, no caso concreto, verifica-se que a medida fiscal em análise não afetou para o passado os direitos dos respetivos sujeitos passivos; apenas determinou, atento o seu caráter periódico e a continuidade das relações jurídicas sobre que incide, um encargo adicional a pagar futuramente em virtude da titularidade de certos direitos reais, independentemente do momento em que tal titularidade se tenha iniciado. Na verdade, como a doutrina e a jurisprudência constitucional têm afirmado, «o exercício, por parte do Estado, do poder de tributar não pode ser concebido como uma afetação ou restrição de direitos fundamentais, face à qual seja legítimo invocar o regime dos requisitos ou exigências que valem, constitucionalmente, para as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Isto mesmo decorre, desde logo, da existência da (impropriamente) chamada «constituição fiscal», na qual se definem as garantias dos contribuintes, os princípios formais e materiais que conformam o conceito constitucional de imposto, e a configuração deste último não como afetação de um direito mas antes como obrigação pública de todos os cidadãos, quando constituída nos termos do artigo 103.º da CRP» (cfr. o Acórdão n.º 846/2014).

Por outro lado, ao adotar aquela medida fiscal, o legislador apenas agiu em conformidade com o disposto no artigo 104.º, n.º 4, da Constituição: a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos. Considerando que esta ideia de “contribuição” é, em si mesma, dinâmica – o valor relativo da contribuição para a igualdade é variável em função não apenas das conjunturas económicas, mas também dos modelos de redistribuição da riqueza ativamente prosseguida pelo poder político-legislativo –, não pode dizer-se que exista um qualquer “direito” (ou expectativa) a não ver aumentado o peso relativo ou absoluto da tributação do património no conjunto das receitas fiscais. Noutra perspetiva, dir-se-á inexistir uma valoração igual por parte da Constituição dos dois grupos de interesses e valores em presença: titularidade do património, maxime o direito de propriedade, e a promoção da igualdade entre os cidadãos por via da tributação do património. Como mencionado, segundo o programa constitucional, esta é justamente uma das vias para prosseguir este último desiderato, sem prejuízo, naturalmente, do respeito pelos demais princípios constitucionais aplicáveis neste domínio, como os já referidos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

Em suma, prima facie os titulares de património devem, segundo a Constituição, contar com a tributação do mesmo em vista da promoção da igualdade entre os cidadãos; inexiste, portanto, uma qualquer expectativa de que o património de que já se é titular não vir a ser mais tributado no futuro. Falha, por isso, o pressuposto de aplicação do princípio da proteção da confiança quanto ao reconhecimento constitucional em condições de igualdade dos grupos de interesse em presença.

5.2. De resto, mesmo historicamente – conforme se evidenciou na decisão recorrida, nomeadamente no trecho acima transcrito (cfr. supra o n.º 1) –, comprova-se que a evolução legislativa não fornece qualquer suporte para a formação de expectativas sobre a inalterabilidade – dir-se-á mesmo: sobre o não aumento – da tributação do património. Nessa medida, sempre falharia (também) o 1.º teste identificado na metódica de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima: a identificação de atuações dos poderes públicos(mormente aqueles que detêm competências normativas) capazes de gerarem nos privados expectativas de continuidade relativamente à manutenção do nível de tributação do património anterior à introdução da verba 28 na TGIS.

5.3. O mesmo se diga quanto ao 2.º e 4.º testes, atento o contexto em que o novo facto tributário foi instituído (legitimidade das expectativas e razões de interesse público prevalecentes sobre os interesses privados).

Para além do que é mencionado a propósito da justificação da instituição de tal facto na sentença recorrida (v., de novo supra o n.º 1) e, outrossim, no n.º 9 do Acórdão n.º 590/2015 quanto ao objetivo da equidade social, importa ter presente a seguinte consideração feita por JOSÉ FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 409) relativa ao contexto histórico em que foi criada a verba 28 da TGIS:

«O contexto marcadamente recessivo da atividade económica em que nasceu [–em 2012–] este novo facto sujeito a imposto e as dificuldades de obtenção de receitas fiscais necessárias à atividade do estado, ajudam-nos a explicar dois princípios fundamentais que lhe estão subjacentes:
a) Em primeiro lugar, a necessidade de aumentar as receitas do Estado, que explica por que motivo não se trata apenas de uma taxa adicional do IMI, que é um imposto municipal, mas de mais um facto sujeito a Imposto do Selo, que é um imposto estadual;
b) Em segundo lugar, a preocupação de equilíbrio relativo na distribuição da carga fiscal, fazendo incidir, também sobre aqueles que revelam maiores indicadores de riqueza, um esforço acrescido de contribuição para o saneamento das Finanças Públicas.»

Resulta do exposto, que, a existirem expectativas relevantes em sede de tutela da confiança – o que, como mencionado, não sucede –, as mesmas não seriam legítimas e, em qualquer caso, ponderadas com as razões de interesse público justificativas do novo facto tributário, seriam insuscetíveis de prevalecer sobre estas últimas. Nesse sentido, depõe, decisivamente, a comparação no âmbito do citado contexto histórico referida no acórdão recorrido «com o generalizado agravamento da tributação do trabalho e pensões». …”.

Perante o que fica exposto, e que representa uma leitura desenvolvida da matéria em apreço no que concerne à análise dos princípios descritos e sua aplicação com referência ao funcionamento no âmbito do tributo que interessa aos presentes autos, não se vislumbra na alegação da Recorrente matéria susceptível de permitir uma outra leitura da realidade em apreço, ou seja, não existe razão para que se decida de modo diferente, o que significa que se impõe manter a decisão recorrida, sem necessidade de extensa argumentação uma vez que nada foi aportado aos autos em termos de colocar em crise a descrita jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 16 de Fevereiro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova