Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
Sumário:I - O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excepcional. Daí que apenas seja admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou.
II – Destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III - Não assume aquela relevância fundamental nem se apresenta como clara a necessidade de admissão deste recurso, no quadro factual fixado pelas instâncias, a reapreciação da questão da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/ganhos sujeitos a imposto a que se refere o convocado, aplicável e aplicado art.º 23º do CIRC, questão que tem conhecido tratamento jurídico e opinião esclarecedora dos conceitos subjacentes na jurisprudência e doutrina tal como, aliás, bem proficientemente se evidencia na sindicada decisão jurisdicional.
Nº Convencional:JSTA00067907
Nº do Documento:SA2201211070768
Data de Entrada:07/06/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:NÃO ADMITIR RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC REVISTA EXCEPC.
Legislação Nacional:CPTA02 ART150.
CIRC ART23.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0182/12 DE 2012/05/30; AC STA PROC0232/11 DE 2011/03/31
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de revista – cfr. art.º 150º do CPTA -.
Apreciação preliminar sumária de admissibilidade – cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -.

Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso de revista da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção Tributária) que, revogando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, julgou antes procedente a impugnação judicial que o A………, SA, deduzira contra liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2007, e, em consequência, decretou a anulação dos actos tributários impugnados e condenou a AT ao pagamento dos juros indemnizatórios legais a favor do ali Recorrente e ora Requerido.

Sustenta em síntese e fundamentalmente que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do presente recurso de revista para eventual reapreciação da questão “… de determinar se as despesas incorridas pelas instituições financeiras e bancárias com o extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques, sendo certo que as mesmas constituem um risco segurável, se devem considerar como indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, nos termos do então art. 23º do CIRC ...”

Para intentar demonstrar a admissibilidade do presente recurso de revista, alega

Que “… tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, ... dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.”

E que “… tal questão assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito ... que interessa a todos os sujeitos passivos dentro daquele ramo de actividade, mas também, no facto de estar em causa a interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos numa perspectiva económica-empresarial versus fiscal, ...”.

O Impugnante e ora Recorrido contra-alegou oportunamente sustentando a não verificação dos pressupostos de admissão do presente recurso excepcional de revista, desde logo porque “... a questão que se pretende ver apreciada não constitui qualquer questão controvertida nos autos impugnatórios susceptível de ser apreciada. Com efeito, não resulta da factualidade dada como provada no Acórdão recorrido que os custos desconsiderados pela administração tributária consubstanciam custos com indemnizações cujo risco é segurável ...”,

Pois, contrariamente ao invocado pela Requerente, a questão da “... apreciação da dedutibilidade de tais custos com base no facto de consubstanciarem indemnizações cujo risco de ocorrência é segurável, para efeitos do disposto nas, à altura, alínea j) do número 1 do artigo 23º e alínea e) do número 1 do artigo 42º, ambos do Código de IRC ...”,

Não só não integrou o acervo dos factos fixados, como “... não consubstanciaram o fundamento do ato tributário.”.

Aditando ainda, para a final concluir pela inadmissibilidade do presente recurso excepcional de revista, que “... a questão que pretende a Ilustre Representante da Fazenda Pública ver apreciada excede o objecto do presente recurso, conforme decorre do disposto no artigo 676º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º do CPPT, pelo que dela não pode esse Venerando Tribunal conhecer ...”.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo teve depois vista nos autos emitindo pronúncia apenas quanto à questão da competência desta Secção de Contencioso Tributário, opinando antes, com apoio doutrinário que convoca, a saber, Casalta Nabais e Jorge Lopes de Sousa, respectivamente em Considerações sobre o Anteprojecto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário e Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, pela exclusividade deste meio processual – recurso excepcional de revista previsto pelo artigo 150º do CPTA – para a jurisdição administrativa e pela sua não aplicabilidade ao contencioso tributário.

Notificadas as partes para, querendo, no prazo legal, sobre ele se pronunciarem – cfr. despacho do relator de fls. 250 - apenas a Requerente AT veio aos autos sustentar a aplicabilidade do questionado instrumento processual também ao contencioso tributário tal como, aliás, vem decidindo a mais recente e concordante jurisprudência desta formação da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que convenientemente identifica.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Em primeiro lugar e prejudicialmente da questão prévia suscitada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, isto é, da questão da competência desta Secção para, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 150º do CPTA, admitir, apreciar e decidir recurso excepcional de revista consagrado no referido preceito da citada lei adjectiva.

Embora não isenta de dúvidas e de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a suscitada questão prévia vem conhecendo agora decisão reiterada uniforme e pacífica no sentido da admissibilidade deste recurso extraordinário também em sede de contencioso tributário – cfr., entre outros, por mais recentes, os acórdãos proferidos nos processos n.º 1075/11 e n.º 899/11, em 12.01.2012, e processos n.º 1140/11, 237/12 e 284/12, em 26.04 de 2012, e ainda no processo ….. de …. .

Em termos de se poder afirmar que este entendimento vem logrando consolidação jurisprudencial que, à luz do disposto no art.º 8º n.º 3 do CCivil, não pode deixar de merecer aqui consagração decisória, já perante o disposto no artigo 8º n.º 3 do Código Civil que, no domínio das leis, sua interpretação e aplicação, e a fim de obter interpretação e aplicação uniformes do direito, ao julgador recomenda considere os casos que mereçam tratamento análogo.

Porque assim, acorda-se em indeferir a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e, em consequência, julgar competente para o recurso excepcional de revista (artigo 150º do CPTA) também a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Vejamos agora, como cumpre - cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -, se, in casu, se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade.

A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excepcional deste recurso jurisdicional de revista,

Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

Já no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios… .

(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).

Acresce ainda, tal como emerge, aqui de forma clara, determinada e objectiva, do disposto nos números 2, 3 e 4 do referido art.º 150º do CPTA, que esta especial revista só pode ter como fundamento a violação da lei substantiva ou processual, o que aliás é sempre apanágio do recurso de revista, e que, nela, o tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, uma vez que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, a questão suscitada nos presentes autos, “… de determinar se as despesas incorridas pelas instituições financeiras e bancárias com o extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques, sendo certo que as mesmas constituem um risco segurável, se devem considerar como indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, nos termos do então art. 23º do CIRC ...”

Conheceu decisão diversa das instâncias chamadas a decidir – o TT de 1ª Instância e o TCASul, já em sede de recurso jurisdicional ordinário, é certo.

Porém, o tribunal ora recorrido – o TCASul – fixou incontestada e definitivamente os factos materiais da causa – cfr. fls. 178 in fine a 181, que aqui se dá por integralmente reproduzida – e, com o apoio jurisprudencial e doutrinário que expressamente convoca, em extensa e bem esclarecedora transcrição de aresto anterior onde, além do mais, se faz conveniente apelo à doutrina atinente à questão da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto a que se refere o art.º 23º do CIRC,

Já perante aquela factualidade e aduzindo ainda que “… não se questionando nem a existência dos custos em causa, nem que os mesmos se inserem, ou no dizer da AF, têm “ conexão “ com a actividade societária do impugnante – a actividade bancária - … a AF não pode deixar de os considerar fiscalmente relevantes … o que acarreta a ilegalidade dos actos impugnados. “,

Concluiu e decidiu, por unanimidade dos seus Juízes Desembargadores, pelo provimento do recurso que apreciava, pela revogação da sindicada sentença do TT de 1ª Instância e pela procedência da impugnação judicial, com a consequente anulação dos actos tributários impugnados e condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios devidos.

E esta decisão jurisdicional, para o efeito jurídico-processual que cumpre – apreciação preliminar sumária de admissibilidade do presente recurso de revista excepcional – não é ostensivamente errada nem juridicamente insustentável,

Nem pode qualificar-se como susceptível de integrar “ erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada …”.

Daí que, por este ponto, não seja manifestamente caso de lançar mão da “válvula de segurança do sistema” que o legislador cuidou de apontar na Exposição dos Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII e que precederam a consagração deste recurso excepcional de revista.

E não se vê também que a matéria subjacente se tenha revelado e seja “de elevada relevância e complexidade” jurídicas susceptíveis de “suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.”, nem que a questão apreciada e decidida pelas instâncias “seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis “.

Com efeito, a questão da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/ganhos sujeitos a imposto a que se refere o convocado art.º 23º do CIRC, tem conhecido tratamento jurídico e opinião esclarecedora dos respectivos conceitos subjacentes na jurisprudência e doutrina tal como, aliás, bem proficientemente se evidencia também na sindicada decisão jurisdicional.

E a solução encontrada nesta decisão consubstancia irrepreensível aplicação desses ensinamentos à factualidade apurada no caso sub judicibus,

Não recomendando, assim, necessidade de qualquer outra intervenção, designadamente da requerida revista excepcional prevista no invocado art.º 150º do CPTA, quer em sede da melhor aplicação do direito, quer mesmo para a uniformização de jurisprudência, pois que se não invoca nem conhece jurisprudência acentuadamente divergente.

A Requerente, é certo, adita à questão que colocou e que a sindicada decisão jurisdicional apreciou e decidiu, porventura para viabilizar a requerida subsunção ao invocado art.º 150º do CPTA, o segmento discursivo “… sendo certo que as mesmas (perdas) constituem um risco segurável …”.

Tal, porém e como bem proficientemente se evidencia no sindicado aresto, não só não constituiu discurso fundamentador para as correcções em questão, já que a situação ali prevista o é a título meramente hipotético, como não foi visto ou tido pela AF como fundamentador da questionada decisão administrativa de desconsiderar aqueles custos/perdas – 167.765,16 €, referentes a extravio, roubo e utilização indevida de cheques – e não foi natural e igualmente considerado pela questionada decisão jurisdicional, quer em sede da factualidade apurada e subjacente, quer em sede decisória.

Factualidade apurada e subjacente que não cabe nos poderes deste Tribunal de revista, pois que se não mostra nem vem invocada sequer qualquer excepção viabilizante emergente de ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – cfr. n.º 4 do art.º 150º do CPTA -.

A controvérsia proposta não se revela, assim, susceptível de expansão para além dos limites da situação singular em que se verificou.

Daí que, aquela precisa questão, já pela sua especificidade e particularidade, também não seja susceptível de qualificar-se, designadamente para o efeito que cumpre, de elevada relevância jurídica ou social, nem se configurou, na apreciação e decisão que conheceu das instâncias, como de elevada complexidade, complexidade capaz de suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.

Não pode pois acolher-se entendimento que permita qualificar as operações exegéticas a que houve de proceder de complexidade superior, tanto mais que nem requereram ou envolveram necessidade de compatibilização de diferentes regimes legais potencialmente aplicáveis.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em considerar não verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso (artigo 150º do CPTA) e, em consequência, acordam em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente Administração Tributária.

Lisboa, 7 de Novembro de 2012. - Alfredo Madureira (relator) - Dulce Neto - Valente Torrão.