Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0968/14.0BELLE 01411/15
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
RENDIMENTO
PRÉDIO
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
Sumário:A dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no art. 55º, nº 2 CIRS (na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), não depende de opção pelo englobamento a que alude o 72º, nº 8 do mesmo diploma legal.
Nº Convencional:JSTA00070928
Nº do Documento:SA2201903200968/14
Data de Entrada:11/04/2015
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IRS
Área Temática 2:RENDIMENTOS CATEGORIA F
Legislação Nacional:ARTIGOS 55º, nº 2 CIRS (na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), E 72º, nº 8 do mesmo diploma legal.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Publica interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial apresentada A………… e B…………, melhor identificados nos autos, contra o indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto a liquidação de IRS do ano de 2013.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) A questão decidenda prende-se à interpretação do artigo 55.º n.º 1 e artigo 72.º n.º 7 do CIRS, na medida em que a Lei n.º 66-B/2012, alterou significativamente a tributação dos rendimentos prediais (categoria F), uma vez que até 2012, tais rendimentos eram sujeitos a englobamento obrigatório.
b) Com a citada Lei tais rendimentos passaram a ser tributados autonomamente à taxa de 28%.
c) Assim, somente por opção dos respectivos titulares residentes em território português, estes rendimentos continuam a ser englobados, cf. Art.º 72.º n.º 7 e 8 do CIRS.
d) O princípio da tipicidade da lei tributária, refere que só são dedutíveis os gastos ou outros valores, que expressamente estejam previstos na lei, não permitindo este princípio a integral dedutibilidade de todos os encargos suportados pelos contribuintes. Com este fim o artigo 41.º n.º 1 do CIRS, refere expressamente as despesas que devem ser consideradas para efeitos de dedução na categoria F.
e) Com fundamento na previsão do artigo 41.º do CIRS, quer tenha ou não havido opção pelo englobamento, há lugar à dedução das despesas previstas no normativo.
f) Situação diversa é a do artigo 55.º do CIRS.
g) Com a tributação autónoma os rendimentos prediais (categoria F) auferidos, deixam de pertencer ao conjunto de rendimentos a que alude o artigo 55º n.º 1 do CIRS, ficando neste caso impedida a dedução das perdas.
h) É de considerar o reporte das perdas somente para efeitos de apuramento do rendimento global líquido ou rendimento líquido total, que resulta do englobamento dos rendimentos das diversas categorias.
i) A redacção do referido artigo 55.º n.º 1 do CIRS, refere-se ao “conjunto dos seus rendimentos líquidos”, logo a dedução das perdas ao conjunto de rendimentos líquidos, só será possível quando o tipo de rendimentos a que as perdas respeitam seja tributado em conjunto com os restantes rendimentos.
j) Assim, o titular dos rendimentos terá de manifestar a opção pelo englobamento dos rendimentos prediais caso pretenda beneficiar do reporte conforme dispõe o artigo 72.º n.º 8 do CIRS.
k) Salientamos que o n.º 1, o artigo 55.º, começa por estabelecer o princípio geral da dedutibilidade do rendimento líquido negativo (o prejuízo) apurado em qualquer categoria de rendimentos ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação.
l) Saldanha Sanches afirma a este respeito que o n.º 1 consagra o Princípio da intercomunicabilidade das categorias (sendo certo que os números seguintes do artigo inviabilizam tal princípio, numa solução de difícil articulação com a tributação pelo rendimento real e a unicidade do imposto).
m) Não obstante o saldo negativo apurado, o reporte nos anos seguintes aos rendimentos líquidos da mesma categoria só será possível quando o sujeito passivo opte pelo englobamento, pois só pelo regime da comunicabilidade das perdas e pelo seu englobamento, é possível obter o rendimento global líquido (objectivo) neste sentido crf. José Casalta Nabais, in” Direito Fiscal”, Almedina, 2015, 8.ª Edição, pág. 486.
n) Daqui ser forçoso concluir que, não tendo os impugnantes optado por sujeitar os rendimentos prediais à mesma forma de tributação dos restantes rendimentos, mas sim por via da tributação autónoma, os mesmos deixaram de fazer parte do conjunto de rendimentos a que se refere o artigo 55º n.º 1 do CIRS, não podendo as perdas dessa categoria vir a influenciar o resultado da tributação dos rendimentos englobados.
o) Assim sendo, a liquidação ora impugnada não padece de vício de violação de lei, pelo que ao decidir como decidiu, a douta sentença padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 55.º e 77º n.º 7 e n.º 8, todos do CIRS.
p) Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 168, no sentido de que “é de entender não se encontrar (….) limitado o reporte de gastos a anos posteriores” concluindo pelo não provimento do recurso.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé considerou como provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1.
No ano de 2010, A………… e B………… reportaram perdas na categoria F no valor de €17.037,88 — facto admitido por acordo.
2.
No ano de 2011, A………… e B………… recuperaram perdas no valor de € 5.692,60 — facto admitido por acordo.
3.
No ano de 2012, A………… e B………… recuperaram perdas no valor de € 8.238.33 — facto admitido por acordo.
4.
Na declaração de IRS relativa ao ano de 2013, A………… e B………… assinalaram o campo 9 («Não» opta pelo englobamento dos rendimentos) do quadro 5B («Opção pela tributação dos rendimentos» de «imóveis arrendados») do anexo F («rendimentos prediais») — cfr. fls. 7 dos autos.
5.
Em 6 de Junho de 2014, foi emitida a liquidação de IRS nº 02014.5003661193, relativa ao ano de 2013 — acto impugnado -, no valor de €3.567,83 - cfr. fls. 10 dos autos.
6.
No dia 20 de Outubro de 2014, A………… e B………… deduziram Reclamação Graciosa contra aquela liquidação — cfr. fls. 12 dos autos.
7.
Em 11 de Novembro de 2014, naquele procedimento foi elaborada a seguinte Informação:
“(…)
6 — No caso concreto, o Reclamante no ano de 2010 obteve perdas a reportar na categoria E no valor de 17.037,88€, as quais de acordo com o n.º 2 do art. 55.º do CIRS poderão ser deduzidas nos cinco anos seguintes.
No 1.º ano recuperou perdas no valor de 5.692,60€, no 2.º ano em 2012 no valor de 8.238,83€, ficando o remanescente de 3.106,45€ de perdas a reportar no 3.º ano.
Em 2013 não optou pelo englobamento dos rendimentos obtidos da categoria F e estes depois de deduzidas as despesas previstas no art. 41.º do CIRS foram sujeitos a tributação autónoma nos termos do n.º 7 do art. 72.º do CIRS, não sendo considerado o valor de 3.106,45€ das perdas a reportar por não ter optado pelo seu englobamento, uma vez que de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 55.º do CIRS as perdas são dedutíveis ao conjunto dos rendimentos líquidos e, assim sendo, a tributação autónoma não é rendimento englobado pelo que as perdas não podem ser deduzidas.”
8.
No dia 21 de Novembro de 2014, a substituta da chefe de Finanças de Faro indeferiu — acto impugnado — a Reclamação, dispensando “o direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT, de harmonia com o determinado no n.º 3 da Circular n.º 13, de 08/07/1999 da DSJT”.

6. Do objecto do recurso

No caso vertente a Administração recusou, na liquidação relativa ao ano de 2013, o reporte de perdas no montante de € 3.106,45, decorrentes de um resultado líquido negativo apurado pelos Impugnantes na categoria F no ano de 2010 - cfr. pontos 1-3 e 7 do probatório.
Tal recusa teve como fundamento o facto de os Impugnantes, no ano de 2013, terem optado por ver os seus rendimentos da categoria F tributados autonomamente, que não através de englobamento - cfr. pontos 4 e 7 do probatório.

A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, depois de eleger como questão decidenda a de saber se, em sede de IRS, as perdas apuradas em anos anteriores na categoria F podem, ou não, ser reportadas se o rendimento desta categoria não for englobado com os rendimentos das restantes categorias, entendeu que o reporte das perdas ocorridas na categoria F previsto no nº 2 do artº 55º do CIRS é uma excepção, que não um corolário, em relação à norma do artigo 55º, n.º 1, do CIRS.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu a sentença que para o legislador, o reporte depende apenas da existência de um resultado líquido negativo nos cinco anos anteriores, sendo-lhe totalmente indiferente como será taxada tal matéria colectável: se através de tributação autónoma, se através de englobamento.

Não conformada com o assim decidido argumenta a Fazenda Pública que a Lei n.º 66-B/2012, alterou significativamente a tributação dos rendimentos prediais (categoria F), uma vez que até 2012, tais rendimentos eram sujeitos a englobamento obrigatório. E que com a citada Lei tais rendimentos passaram a ser tributados autonomamente à taxa de 28%.
E conclui que com a tributação autónoma os rendimentos prediais (categoria F) auferidos, deixam de pertencer ao conjunto de rendimentos a que alude o artigo 55º n.º 1 do CIRS, ficando neste caso impedida a dedução das perdas.

A questão a decidir é pois a de saber, se não tendo os recorrentes optado pelo englobamento, poderão ou não beneficiar do reporte das perdas transitadas de anos anteriores, tal como previsto no artigo 55º nº 2 do CIRS.

Desde já se adiantará que, a nosso ver, não assiste razão à recorrente, pois que o reporte das perdas revisto no artº 55º, nº 2 do CIRS não depende da opção pelo englobamento.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 7, do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, aditada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, os rendimentos prediais passaram a ser tributados autonomamente à taxa de 28%.
Por sua vez dispõe o n.º 1, do art.º 41.º do CIRS que «Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.»
E os números 1 e 2 do art.º 55.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), estabeleciam o seguinte:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.
2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria.”

O princípio da comunicabilidade das perdas é, assim, afirmado pelo nº 1 do artº 55º do CIRS, decorrendo do mesmo que o rendimento negativo (prejuízo) apurado numa dada categoria deve somar-se ao rendimento positivo das demais.
Porém, a excepções são muitas (A este propósito sublinha Rui Morais (Sobre o IRS, 3ª edição, Almedina, pag. 155) que as excepções são tantas que, se pode afirmar que, em termos práticos, nenhum caso existirá.) sendo que o nº 2 do artº 55º constitui precisamente uma excepção ao englobamento. O regime previsto neste normativo é de reporte de perdas por cinco anos deduzindo-se nos rendimentos da mesma categoria, ou seja, às rendas futuras líquidas nesses cinco anos auferidas. Trata-se de uma solução anómala num imposto de carácter sintético como o IRS, sendo justificada, na perspectiva do legislador, pela necessidade de prever alguma incomunicabilidade de perdas, atendendo às possibilidades de arbitragem ou planeamento fiscal de uma comunicabilidade ilimitada de perdas (Neste sentido José Guilherme Xavier de Basto, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pag. 354 e Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 191, Lisboa, Pag. 497.).
Ora, como muito bem se assinala na sentença recorrida, a ratio do nº 2 do artº 55º não é assim o englobamento e o reporte das perdas ocorridas na categoria F não depende da taxa a que tais rendimentos líquidos serão tributados: se à taxa autónoma de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 7, do CIRS, se à taxa que resultar da opção do contribuinte pelo englobamento destes rendimentos nos restantes, ao abrigo da norma do n.º 8 do mesmo artigo.
Aliás a argumentação da recorrente, ao sustentar que, com a tributação autónoma (72.º, n.º 7), os rendimentos prediais (categoria F) auferidos deixam de pertencer ao conjunto de rendimentos a que alude o artigo 55º n.º 1 do CIRS, ficando neste caso impedida a dedução das perdas, parte de um erro de base e de um pressuposto que não se extrai, nem da letra da lei nem da respectiva ratio legis.
É que a norma do artº 72º, nº 7 do CIRS, como expressamente se refere na epígrafe do preceito, não estabelece uma taxa liberatória mas sim uma taxa especial.
E, como sublinha o Prof. Rui Morais (Ob. citada, pag. 115/116, nota 258.), estando em causa uma taxa especial (e não uma taxa liberatória), esta aplica-se a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo é admitido a fazer as deduções específicas a que a lei prevê, como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.
Em suma a interpretação propugnada pela Fazenda Pública não tem apoio no texto e no espírito da lei, já que nada na mesma aponta para que o reporte de prejuízos seja uma operação que pressupõe a adopção a montante da opção do englobamento.
E, além do mais, ao assumir que a tributação autónoma possa incidir sobre rendimentos brutos, vai contra o princípio base do imposto, o princípio da tributação do rendimento líquido – artº 1º do CIRS.

A sentença recorrida, que decidiu neste pendor, não merece censura, pelo que improcede o recurso.

7. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública

Lisboa, 20 de Março de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.