Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/17
Data do Acordão:12/20/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO
PRODUÇÃO DE PROVA
FUMUS BONI JURIS
QUESTÃO DE FACTO
QUESTÃO DE DIREITO
JUÍZO DE VALOR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00070462
Nº do Documento:SAP20171220050
Data de Entrada:09/06/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:CSMP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA DE 2017/06/08
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO.
DIR ADM CONT - SUSPEFIC.
Legislação Nacional:ETAF2002-2004 ART12 N3.
CPC ART674 N2.
CPTA2015 ART118 N3.
ETAF2015 ART24 ART37 ART44.
CPP ART105.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC041291 DE 2003/11/12.; AC STAPLENO PROC01001/04 DE 2007/10/18.; AC STAPLENO PROC0359/06 DE 2007/03/06.; AC STAPLENO PROC0783/06 DE 2007/02/06.; AC STA PROC010/07 DE 2007/04/24.; AC STA PROC0608/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC0561/14 DE 2014/11/13.; AC STA PROC01132/12 DE 2015/02/26.; AC STA PROC0469/15 DE 2015/11/12.
Referência a Doutrina:MANUEL ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES PROCESSO CIVIL 1979 PÁG194.
ANTUNES VARELA - RLJ ANO 122 PÁG220.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………., Procurador - Adjunto, inconformado com o acórdão da Secção Administrativa proferido em 08 de Junho de 2017 que indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia e a declaração de ineficácia de actos de execução indevida, por si instaurada contra o acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, proferido a 20 de Dezembro de 2016 no âmbito do processo número 110/2015-RMP, que confirmou, em sede de reclamação, a avaliação com a nota de Medíocre e ordenou o afastamento do serviço, dele recorreu para o Pleno desta Secção, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido em Conferência, que decretou como totalmente improcedente o processo cautelar que correu os seus termos sob o número 50/2017, que visava a suspensão de eficácia do Acórdão do Conselho Superior do Ministério Público no âmbito do Processo número 110/2015 – RMP, que o avaliou com a nota de medíocre e ordenou o afastamento do serviço, com suspensão de funções, e que fosse dada ordem para o ora Recorrente poder trabalhar e exercer as suas funções de Procurador Adjunto no Tribunal da Comarca de …………, no juízo e secção a que se encontra adstrito.

B. Também o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida apresentado em sequência da resolução fundamentada teve o mesmo destino.

C. Por outro lado, também o requerimento de ampliação do pedido cautelar, em que se reiteraram os pedidos deduzidos na acção e se requereu que fosse decretada a suspensão dos efeitos do acto da Ordem de Serviço número 1/2017, de 10.01.2017, por violação e lei, desvio de poder e violação do contrato de vínculo de emprego publico, foi totalmente declarado improcedente.

D. O recorrente não se pode conformar com o que aí se encontra vertido, assim, começa o seu recurso pretendendo demonstrar uma distinção entre a decisão e a justificação.

E. Começando “pelo facto de que é possível haver casos que requeiram uma regulamentação jurídica, que não cabem sob nenhuma norma válida existente”.

F. Veja-se que no dia 16 de junho de 2017, o jornal ………. escreve o seguinte: “Governo quer punir procuradores que atrasem processos”, daí resultando que qualquer magistrado actual não é punido disciplinarmente.

G. O que não é verdade.

H. Temos como princípio fundamental num Estado de Direito, a possibilidade das pessoas (administrados aqui funcionário), produzirem prova para demonstrarem como os factos são, ou foram.

I. Por outro lado, “o princípio do inquisitório apresenta especial relevância, quando haja momentos objectivistas, em dado tipo de acção; neste sentido, pode o juiz, alargar a instrução a factos instrumentais e conhecer oficiosamente certas causas de invalidade de actos e normas.” Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.05.2004, processo 048397.

J. Do Acórdão recorrido resultam quatro questões:

a. Assentando a decisão predominantemente no facto da prognose do seu “chumbo” em sede de acção principal, como se pode prever um “chumbo”, quando não se deixou produzir prova nenhuma!?

b. Nada se disse quanto ao indeferimento da prova pericial, pela singela razão de que o art.º 118º, nº 3 do CPTA a proíbe, sendo que neste caso a mesma é essencial dir-se-ia quase a única, que pode explicar a matéria de facto.

c. Que existe um facto pré-concebido, que surge de um erro aritmético, o qual foi erigido a premissa dogmática, qual seja, que o requerente teve 780 processos atrasados durante o período de análise da notação.

d) O que é interesse público e onde o mesmo foi violado?

K. Devendo a presente situação ser tratada em sede de regime laboral.

L. Relativamente à matéria de facto dada como assente, refere-se que muitos dos factos dados como assentes são reprodução integral dos relatórios e decisões tomadas pelo órgão de recurso da entidade recorrida, trata-se de prova indefectível, que apenas se conseguirá fazer contraprova se existir a prova pericial adequada e forte sobre a movimentação efectiva do recorrente.

M. Veja-se como surgem os 781 processos, como estando mais atrasados há mais de 30 dias, constando de fls. 10 do relatório de inspecção extraordinária, a listagem dos processos, que se indicam como letra A, B e C, cuja soma perfaz os tais 781 processos.

N. Existe um erro evidente na apreciação da prova, pois há processos que estão incluídos nessas listagens duas vezes, pela razão de que se até 12.01.2012 estavam 36 processos e até 22.02.2012 eram 52, parece elementar que nestes 52 estarão processos que constarão dos 36.

O. Pelo que não pode ser dado como provado o que consta do ponto XV da matéria de facto, que transcreve o ponto 4 da resolução fundamentada.

P. Relativamente à matéria de direito, o Acórdão recorrido decide pela incompetência do mesmo para conhecer da ampliação do pedido – que visa abordar a análise da Ordem de Serviço nº 1/2017 do PRC…...

Q. Entende o recorrente que o Acórdão recorrido aborda a questão pelo prisma de quem emitiu o acto e não, pela qualificação da sua normal natureza, pois a Ordem de Serviço quanto ao seu conteúdo, não é mais do que um acto de execução do acto administrativo inicial.

R. Excluindo-se a aplicação do artigo 113.º, n.º 4 do CPTA, através de uma interpretação muito restritiva, a mesma norma acaba por não ter qualquer campo de aplicação.

S. Mais se entende que existe omissão de pronúncia por parte do Acórdão recorrido, uma vez que o ora recorrente pediu no requerimento de ampliação do pedido para “juntar prova superveniente e ampliar o pedido”, pois ainda que considerasse que o STA era incompetente, sempre teria que ter apreciado a ordem de serviço como documento superveniente para efeitos probatórios.

T. A Ordem de Serviço quanto ao seu conteúdo, acaba por esvaziar de sentido os efeitos da própria resolução fundamentada, quanto ao interesse público e suspensão de funções.

U. Os artigos 1º a 20º da resposta à oposição, devem ser admitidos, pois constituem apenas o enquadramento da peça de resposta, e os artigos 11º a 20º visam apenas algumas considerações sobre o requisito negativo da preponderância do interesse público.

V. Considera o Recorrente que é de cabal importância o que se encontra vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 28.10.2010, que se encontra transcrito a fls. 18 a 22, onde se lê o seguinte,

VII. A apreciação do requisito negativo enunciado no nº 2 do art. 120.º não se traduz num juízo de ponderação entre o interesse público e o interesse privado, visto que o que releva são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados. (sublinhado nosso).

VIII. Tratando-se de um requisito negativo e que constitui matéria de excepção temos que caberá ao requerido a alegação e a prova plena dos factos que corporizam e preencham o mesmo requisito. (sublinhado nosso).

W. Não se concordando assim, com a improcedência da admissão do que se encontra vertido nos artigos 1º a 20º da resposta à oposição.

X. Quanto à inutilidade superveniente da lide, o Recorrente entende, que a providência é útil quanto à “promoção por antiguidade, cfr. artigo 117.º, n.º do EMP” e enquanto factor atendível na colocação, cfr. artigo 136.º, n.º 4 do EMP, devendo assim ser apreciada.

Y. Relativamente à apreciação sobre o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida (cfr. artigo 128º do CPTA), foi a matéria enquadrada pelo que foi escrito no ponto XXX, considera-se importante o que consta no artigo XXXV, onde se lê que “toda a suspensão de eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que através da emissão do acto se visa prosseguir já que a paralisação provisória dos efeitos do mesmo afeta, inevitavelmente e ao menos “ratione temporis” os resultados e fins por ele promovidos”. No entanto isto será assim se o acto administrativo for legal, pois se for ilegal prejudicará ele mesmo o interesse público.

Z. O que é relevante é indagar da correcção da matéria fáctica, quer quanto à sustentação para a procedência da resolução fundamentada, quer para o pedido cautelar.

AA. Por outro lado, veja-se que se viesse a ser decretada a inconstitucionalidade do artigo 110.º do EMP, acabando o Acórdão recorrido por dizer que a mesma é arguível em sede de resolução fundamentada (ponto XLVII), parece que a resolução fundamentada seria ilegal, porque fundamentada também na suspensão imediata de funções.

BB. Conclui-se assim que a resolução fundamentada é um mecanismo de resposta estritamente processual ao efeito suspensivo decorrente da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto classificativo.

CC. Veja-se o que consta do acórdão nº 39/97 do TC, datado de 21.01.1997, que se encontra transcrito a fls. 30 e 31 do presente recurso, em que se refere que “(…) É certo que, depois de o magistrado do Ministério Publico ser suspenso do exercício de funções em consequência da obtenção da classificação de medíocre, pode concluir-se, em resultado do inquérito ou do processo disciplinar, pela não inaptidão do mesmo magistrado para o exercício das suas funções. Todavia, se isso acontecer – hipótese muito rara (…) terá de ser levado à conta do “risco” que vai implicado em todas as decisões administrativas, em especial nas decisões complexas, o qual, embora e, grau controlado não pode deixar de ser assumido em homenagem à realização do interesse público.

DD. Retirando-se daqui a clara conclusão de que o presente caso faz parte dos riscos que acompanham as decisões administrativas.

EE. Sendo por esse motivo que se entende que o processo administrativo carece de ser contraditado por uma prova pericial adequada, pois tudo gira à sua volta, sendo indiciário da existência de erros de análise, as listagens que constam do Apenso III.

FF. Ora, importa perceber a alegada origem dos alegados 781 processos, cuja prova pericial seria imprescindível, concluindo-se assim que não pode ser dado como assente o ponto XV da matéria dada como assente, que transcreve o ponto 4 da resolução fundamentada.

GG. Por outro lado, decide o Acórdão recorrido que não resulta demonstrada a probabilidade exigida de que venha a ser julgada procedente a pretensão formulada pelo ora recorrente na acção administrativa principal.

HH. Ora, entende-se que os pontos importantes são 4:

a) A preterição do procedimento inspectivo da realização de diligências probatórias nele requeridas, e que foram indeferidas pelo inspector;

b) A inexistência dos 781 processos em atraso, mesmo durante o período dos 4 anos;

c) A inexistência de norma dos 30 dias de atraso;

d) Conceptualização da procedência da acção principal.

II. Veja-se que a norma dos 30 dias de atraso é inexistente, e fazendo-se uso da norma prevista no artigo 105º do Código de Processo Penal, verifica-se que não estão ultrapassados os prazos previstos na lei, pelo menos em parte do período sobre o qual incidiu a inspecção.

JJ. Quanto à conceptualização da procedência da acção principal, veja-se o que consta do Acórdão do STA de 08.03.2017, enfatizando que cabe à requerente a demonstração da factualidade que leve a que, subsumida no direito, faça antever a probabilidade de sucesso do seu pedido na acção principal.

KK. Não tendo sido admitida prova pericial em sede de procedimento inspectivo, impediu-se o recorrente de cumprir essa injunção, que é um Direito que lhe assiste.

LL. Considera-se de extrema importância a análise das fls. 18 a 21 do processo administrativo 625/10.6TA…….

MM. Analisadas as listagens dos processos, conclui-se que contêm erros, cuja análise se encontra devidamente detalhada nas fls. 38 e seguintes do presente recurso.

NN. No que concerne ao ponto XV que não é mais do que a transcrição da resolução fundamentada, entende-se, salvo melhor opinião, que o seu conteúdo não pode ser dado como assente, uma vez que é aí feita referência à existência dos 781 processos com atrasos superiores a 30 dias, o que reitera-se, não pode ser admitido, por errado.

OO. Não podem ser relevadas como prova, listagens que nem sequer tem o tempo de atraso dos processos, impossibilitando assim o recorrente de exercer defesa, com a agravante de terem sido utilizadas para fundamentar factos da matéria assente, ex: listagem de processos de fls. 12, agravado pelo facto de não poderem ser 52 processos, mesmo tendo em linha de atenção as datas como de localização aí existentes.

PP. O ponto V da matéria assente, deveria ter sido dado como facto assente o seguinte: “Foi elaborado relatório de inspecção extraordinária sob o nº 3/2015-16-OP”! E apenas isto! Ora, fazer referência à proposta que consta no referido relatório, elencando inclusivamente os processos que serviram para fazer face a esse relatório, que não são mais do que uma mera amostragem e nada provam, não pode, salvo o devido respeito ser admitido.

QQ. Relativamente aos pontos VIII, X, XI, apresenta-se o mesmo argumento, não se vislumbra de que forma pode ser dado como assente o conteúdo dessas decisões. Pois o facto assente deveria ser a existência das mesmas a sua data de decisão, o sentido da sua decisão e nada mais do que isso.

RR. No que concerne ao ponto XV que não é mais do que a transcrição da resolução fundamentada, entende-se, salvo melhor opinião, que o seu conteúdo não pode ser dado como assente, uma vez que é aí feita referência à existência dos 781 processos com atrasos superiores a 30 dias, o que reitera-se, não pode ser admitido, por errado.

SS. Quanto ao ponto XVIII onde se refere que correm termos os autos de processo administrativo com os n.ºs 625/10.6TA…… e 823/15.6T9….., deverá constar que o processo 625/10.6TA…… foi arquivado.»


*

Notificado o recorrido, veio o recorrido CSMP apresentar contra-alegações, que conclui do seguinte modo:

«A. O douto acórdão recorrido, ao julgar a ação improcedente, decidiu com acerto todas as questões que o Tribunal devia apreciar, com correta interpretação e aplicação do Direito;

B. Estando em causa, como ato suspendendo, uma decisão de classificação do desempenho funcional do recorrente, sempre seria irrelevante que os atrasos nos despachos dos processos que foram tidos em conta nessa decisão fossem ou não disciplinarmente puníveis;

C. De qualquer modo, o recorrente não tem razão quando alega que no quadro legal vigente o atraso de processos pelos magistrados não é punido disciplinarmente por inexistência de norma jurídica, pois é inquestionável que tal conduta faz incorrer os magistrados em responsabilidade disciplinar, por via do incumprimento dos seus deveres profissionais;

D. Foi com todo o acerto que no douto acórdão recorrido se fixou a matéria de facto assente, pois todos os factos aí descritos estão devidamente documentados através dos elementos recolhidos no processo de inspecção, e são insuscetíveis de ser postos em causa designadamente pelas diligências de prova que, por inutilidade e/ou inadmissibilidade legal, foram indeferidas ao recorrente;

E. Nos termos do artigo 24º nº 1 do ETAF, a competência da Secção de Contencioso Administrativo do STA para o conhecimento em primeira instância dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões é circunscrita aos atos ou omissões do elenco taxativo de entidades que ali constam e nos quais se incluem, no que aqui releva, apenas o «PGR» e o «CSMP»;

F. Por isso, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente em razão da hierarquia, conforme se decidiu no douto acórdão recorrido, quanto ao segmento da pretensão cautelar de suspensão da eficácia da ordem de serviço nº 1/2017, de que foi autor o Procurador da República Coordenador da Comarca de …………;

G. O recorrente também não tem razão quando diz que existe omissão de pronúncia no douto acórdão recorrido, por não ter apreciado essa mesma ordem de serviço como junção de prova superveniente;

H. Em primeiro lugar porque a ordem de serviço foi tida em conta como junção de prova superveniente, tendo sido efetivamente levada à matéria de facto provada;

I. E em segundo lugar porque também nunca estaríamos perante uma situação de omissão de pronúncia, por não se tratar de uma situação de não conhecimento de uma questão a resolver, conforme previsto no artigo 615º nº 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi /artigo 1º do CPTA;

J. A resposta que o recorrente deduziu à oposição apresentado pelo CSMP, na parte em que inquestionavelmente não incidiu sobre matéria de exceção, é parcialmente ilegal, tal como se decidiu no douto acórdão recorrido;

K. Não ocorreu a inutilidade superveniente da lide, tal como se decidiu no douto acórdão recorrido, pois a lide ainda é útil, designadamente quanto à “promoção por antiguidade” e “enquanto fator atendível na colocação”;

L. A resolução fundamentada apresentada pelo CSMP está devidamente fundamentada de facto e de direito, os factos nela alegados são corretos, e justifica plenamente a não suspensão da eficácia do ato;

M. Por isso, também foi com todo o acerto que no douto acórdão recorrido foi julgado improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida;

N. O recorrente também não tem razão na parte em que critica o douto acórdão recorrido no segmento em que decidiu não verificado o “fumus bonis iuris”, pois não se pode considerar, mesmo em termos apenas de aparência do bom direito, que o ato esteja inquinado dos vícios que o autor lhe atribui;

O. Concretamente, o despacho do senhor Inspetor que indeferiu os requerimentos de prova apresentados pelo recorrente depois de notificado do relatório final foi absolutamente justificado e não se traduz em nenhuma violação do direito de produzir prova no procedimento inspetivo;

P. Pois o relatório final tem o seu suporte nos elementos recolhidos no procedimento de inspeção pelo que a veracidade do seu conteúdo afere-se por esses elementos, sem qualquer necessidade das diligências de prova que o recorrente pretendia que fossem levadas a efeito;

Q. Mas na verdade o relatório não tem qualquer erro, sendo o recorrente que incorre em erro manifesto quando diz que estão lá processos repetidos, pois embora alguns processos tenham o mesmo número e ano na composição do respetivo NUIPC, vê-se que são procedentes de diferentes serviços notadores;

R. E sem conceder quanto à inexistência de erro no número e processos que o recorrente questiona, sempre se dirá que tal número foi apurado apenas para a resolução fundamentada e também utilizado na oposição, mas nunca o tinha sido nem no relatório de inspeção nem no ato suspendendo, os quais apenas se basearam nas listagem parciais de processos com atrasos;

S. Pelo que nenhum vício ou aparência de vício pode ser atribuído ao ato suspendendo relacionado com esse número de processos atrasados, ou, mais rigorosamente, de atrasos em processos;

T. Esses atrasos verificam-se por falta de despacho no prazo fixado para o efeito no artigo 105º nº 1 do CPP, que é de 10 dias, sendo completamente despropositada a questão que o recorrente suscita de inexistência de norma para os 30 dias de atraso;

U. No processo de inspeção e na decisão de classificação só se deu relevância a atrasos em processos conclusos há mais de 30 dias porque a hierarquia o CSMP entenderam não dar relevância a atrasos inferiores, embora estes não deixassem de consubstanciar um incumprimento do prazo legal;

V. O recorrente não tem razão na argumentação que apresenta a propósito da “conceptualização da procedência da ação principal”, deixando absolutamente incólumes as considerações que judiciosamente se encontram expostas no douto acórdão recorrido e que conduziram à decisão, com todo o acerto, de que tudo aponta para a improbabilidade de o ato suspendendo vir ser declarado nulo ou anulado no âmbito da ação administrativa principal pelo mesmo instaurada;

W. De tudo o que ficou exposto resulta seguramente que o recorrente não tem razão relativamente a qualquer dos defeitos que atribui ao douto acórdão recorrido, facilmente se constatando a total improcedência da sua alegação.

X. Pois no douto acórdão recorrido foram decididas com acerto todas as questões que o Tribunal devia apreciar, para o que se fez uma correta interpretação e aplicação do Direito;

Y. E por isso, o douto acórdão recorrido não é merecedor de qualquer censura, antes devendo ser integralmente mantido, na total improcedência deste recurso.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser-lhe negado provimento, confirmando-se integralmente o douto acórdão recorrido.».


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Colhidos os vistos, o processo foi submetido a julgamento.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

«I) O requerente é Procurador Adjunto, exercendo funções junto do Tribunal da Comarca de ……….. [seu atual Juízo Local de …………];

II) Na sequência de ofício nº 222, de 18.09.2015, do Procurador-Geral Distrital de ………. [………] considerando informação-proposta do Procurador da República Coordenador junto da Comarca de ……….. o Conselho Superior do Ministério Público [CSMP] deliberou em 01.10.2015 determinar a realização “... de uma inspeção extraordinária ao serviço e mérito do Senhor Procurador-Adjunto, Lic. A…………., atualmente colocado na instância local de ……….., a qual abrangerá o serviço prestado na Comarca da ………… e na instância local da ………… da Comarca de ………, no período compreendido entre 17 de setembro de 2011 e 31 de agosto de 2015…” [cfr. fls. 06 a 14 do processo administrativo apenso («P.A.») cujo teor aqui se dá por reproduzido - Proc. nº 110/2015-RMP - vol. I)];

III) Por despacho de 14.10.2015 do Vice-Procurador Geral da República foi nomeado o inspetor do MP para proceder à realização daquela inspeção [fls. 16 daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido].

IV) Deu-se início à inspeção com junção de nota biográfica e boletim de informações relativos aos anos de 2010 a 2013 da PGD de ………. [fls. 25 a 38 daquele «PA», cujo teor aqui se dá por reproduzido], bem como, da nota curricular do requerente [fls. 39 a 44 daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido], de informação do Procurador Coordenador em funções até 01.09.2014 [fls. 45 a 59 daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido], das ordens de serviço e atas de reunião do MP da Comarca de ………… referentes a 2012 a 2015 respeitantes, nomeadamente, ao requerente [fls. 60 a 102 daquele «PA.» cujo teor aqui se dá por reproduzido], e do anterior relatório de inspeção relativo ao requerente [inspecção ordinária nº. 59/2011-RMP - prestação serviço na Comarca da ……….. entre 05.09.2008 a 16.09.2011 - com classificação final proposta de “BOM” - cfr. fls. 103 a 126 daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido];

V) Foi elaborado relatório da inspeção extraordinária sob o n 3/2015-16-OP no âmbito deste procedimento, datado de 11.12.2015, em que se propõe

“... que ao procurador-adjunto, Dr. A…………., pela prestação funcional concretizada, no período compreendido entre 17.9.2011 e 31.8.2015, na (extinta) comarca da ………… e na instância local da ………… da comarca de ……….., seja atribuída a classificação de «MEDÍOCRE».” [fls. 127 a 179 v. daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido], contendo como anexos [respetivo teor aqui se dá igualmente por reproduzido], os seguintes:

- Apenso 1 [relativo a certidão contendo relação de processos (16) que se encontravam conclusos ao requerente e nos quais foi efetuado termo de cobrança à data de 07.09.2015; mapas estatísticos; certidão de mapas relativos a inquéritos, inquéritos tutelares educativos, e mapas de antiguidade na pendência de inquéritos relativos ao período de 01.09.2011 a 31.08.2015; certidão relativa a ações interpostas pelo requerente no período de 01.09.2011 a 31.08.2015; mapas estatísticos de processos administrativos (de 01.09.2011 a 31.08.2015) e de inquéritos (de 2011, de 2012, de 2013, de 2014 e de 2015)];

VI) Notificado daquele relatório pelo requerente foi apresentada resposta onde concluiu no sentido de lhe ser atribuída a classificação de “BOM” ou, no mínimo, de “SUFICIENTE” [01 a 36 e docs. anexos de fls. 37/69 do apenso V) do «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido];

VII) Sobre tal resposta incidiu informação final do Sr. Inspetor em que reiterou a proposta de classificação constante do relatório de inspeção referido em V) [71/79 do apenso V) do «P.A.»];

VIII) No quadro do processo de inspeção, por deliberação da Secção de Apreciação do Mérito Profissional do «CSMP», datada de 11.05.2016, foi decidido “... aderindo aos fundamentos de facto e de direito e à proposta constantes do Relatório de Inspeção, que aqui se dão por integralmente reproduzidos ... em atribuir ao Procurador-Adjunto Lic. A………… nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 109º, 110°, nº 1 e nº 2 e 113º do Estatuto do Ministério Público, e artigos 20.º e 21.º do RIMP, pelo serviço prestado entre 17 de setembro de 2011 a 31 de agosto de 2015, enquanto Procurador Adjunto na extinta comarca da …………. e na instância local da comarca de …………, a classificação de «MEDIOCRE»...” e “… nos termos do nº 2 do referido art.º 110.º do EMP, determinar: a suspensão imediata do exercício de função- a abertura de inquérito por inaptidão para o exercício de funções ...” [fls. 214 a 222 daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido];

IX) Notificado daquela deliberação pelo requerente foi apresentada reclamação dirigida ao Plenário do «CSMP», com junção ulterior de documentos, reclamação essa em que pugna pela revogação da mesma e atribuição da notação de “SUFICIENTE”, sem que o mesmo seja suspenso de funções [223 a 252 e 255 a 268 do «PA.» cujo teor aqui se dá por reproduzido];

X) No quadro do mesmo processo de inspeção, por deliberação do Plenário do «CSMP», datada de 20.12.2016, foi decidido “... negar provimento à reclamação do Senhor Procurador-Adjunto, Lic. A…………, mantendo a nota de «que lhe foi atribuída por acórdão da Secção para Apreciação do Mérito Profissional do Conselho Superior do Ministério Público de 11 de maio de 2016, bem como a determinação de instaurar inquérito por inaptidão para o exercício de funções, determinando a suspensão imediata do exercício de funções (art. 110º, nº 2 do EMP) ...” [fls. 273 e segs. daquele «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido];

XI) O requerente foi notificado pessoalmente daquela deliberação em 06.01.2017, da mesma constando que aquele foi notificado “... de todo o teor do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, proferido em 20 de dezembro de 2016, do qual lhe entreguei cópia ...“ e de que “... a suspensão do exercício de funções nos termos do artigo 110º nº 2, do Estatuto do Ministério Público, determinada pelo Conselho Superior do Ministério Público, implica, além do mais, o afastamento completo do serviço, a partir da data da presente notificação, e opera sempre que não ocorra o efetivo cumprimento de penas disciplinares que provoquem o afastamento do serviço …” [o referido «P.A.» cujo teor aqui se dá por reproduzido];

XII) O Procurador da República Coordenador junto da Comarca de …………. na sequência da deliberação referida em X) emitiu a ordem de serviço nº 1/2017 PRC….. [de serviço], datada de 10.1.2017, com o teor inserto a fls. 181/182 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

XIII) O requerente dirigiu, em 25.01.2017, requerimento ao Procurador da República Coordenador junto da Comarca de ………… na sequência da ordem de serviço referida em XII) e da dedução dos presentes autos e efeitos legais daí decorrentes, peticionando, nomeadamente, a ineficácia daquela ordem e comunicando que se iria apresentar ao serviço, devendo “serem-lhe devolvidos todos os processos ...” [fls. 204/207 e 220/223 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido];

XIV) Sobre tal requerimento recaiu despacho do Procurador da República junto da Comarca de ………….., datado de 26.01.2017, desatendendo a pretensão [fls. 208/213 e 224/229 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido];

XV) No dia 27.01.2017, no uso de delegação de competências, a Procuradora Geral de República [invocando a qualidade de “Presidente do «CSMP», proferiu “Resolução Fundamentada” [fls. 272/276 e 338/340 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido], donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:

XVI) O requerente, notificado da resolução fundamentada referida em XV), veio, em 02.02.2017, pronunciar-se sobre a mesma ao abrigo do art. 128º, nº 4, do CPTA, deduzindo incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida onde conclui peticionando a “... [d]eclaração de ineficácia dos atos de execução indevida, que corresponde à suspensão de funções do requerente praticada ao abrigo da resolução fundamentada ...“ e que seja “... [d]ada ordem para o A. poder trabalhar e exercer as suas funções de Procurador Adjunto no Tribunal da Comarca de …………, no Juízo e Secção a que se encontra adstrito...” [fls. 238 e segs. dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido].

XVII) Por deliberação da Secção Disciplinar do «CSMP», datada de

XVIII) No âmbito dos Serviços do MP junto da Comarca de ………… correm termos os autos de processo administrativo com os nºs 625/10.6TA…… e 823/15.6T9….., apensos aos presentes autos e cujo teor aqui se tem como reproduzido;

XIX) O requerente tem dois filhos, ambos menores, sendo que filha ……, nascida a 21.01.2008, foi acompanhada na consulta de neuro pediatria do Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria [entre 2009 e 2011, “... por atraso do desenvolvimento psicomotor, plagiocefalia e ventriculomegalia detetada desde o período pré-natal. (...) A ressonância magnética cerebral realizada no pós-natal confirmou a ventriculomegalia não evolutiva e alargamento dos espaços subdurais (constitucional). (...) Foi acompanhada para consulta de desenvolvimento. (...) Tinha indicação médica para beneficiar de apoio educativo especializado, ao abrigo do Decreto-Lei nº 3/2008…” [docs. de fls. 128/129 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido], tendo ingressado no ano letivo de 2015/2016 no 01º ano de escolaridade;

XX) O requerente teve, então, de aceitar que aquela sua filha, atenta a sua deficiência, nunca conseguirá desenvolver conhecimentos cognitivos que lhe permitam aprender a ler e a escrever, nem tão pouco conseguirá desenvolver raciocínios lógicos por mais básicos ou simples que sejam;

XXI) A esposa do requerente também tem muita dificuldade em lidar com esta situação, recusando-se a aceitar a mesma;

XXII) O requerente em face do descrito em XIX) a XXI) acabou por ter de recorrer à ajuda de um psiquiatra, no final de 2015, podendo ler-se no relatório do médico que o tem seguido que o mesmo “... tem passado por uma fase depressivo-ansiosa, interrelacionada com a grande preocupação no acompanhamento e vivência da disfunção cognitiva-psicomotora da sua filha ……., de 7 anos de idade ...“, que “... [e]ste facto de stress traumático tem sido mais intenso nos últimos 4-5 anos e é marcante na avaliação psicopatológica do doente ...”, sendo que o acompanhamento psiquiátrico teve, necessariamente, como consequência a prescrição de medicamentos adequados ao tratamento do seu estado concluindo-se que “... a fase de depressão ... irá ser facilmente ultrapassada e o seu estado anímico e rendimento profissional, voltarão aos níveis de normalidade pretendidos ...” [ docs. de fls. 130/132 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido];

XXIII) A esposa do requerente não aufere qualquer rendimento, sendo apenas aquele quem provê ao sustento de todo o agregado familiar;

XXIV) O Conselho Consultivo da Comarca de ……….. reuniu em 24.11.2014, tendo-se lavrado ata inserta a fls. 55/60 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido;

XXV) Pelo Presidente do TJ da Comarca de ……….. foi elaborado o “Relatório de Gestão do Tribunal da Comarca - período: 1 de setembro de 2014 a 31 de agosto de 2015”, datado de 13.10.2015, com o teor constante de fls. 61/87 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido;

XXVI) Em 14.12.2015 a «PGR», ao abrigo do disposto no art. 91º da Lei nº 62/2013 [proferiu despacho homologando as propostas de objetivos processuais das 23 Procuradorias da República das comarcas para o ano judicial de 2015/2016, incluindo, nomeadamente, da Comarca de …………, com o teor inserto a fls. 88/97 dos autos e que aqui se tem por reproduzido;

XXVII) O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 16.01.2017 [fls. 02 dos presentes autos].


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2.2. O DIREITO

Neste recurso interposto para o Pleno deste Supremo Tribunal, o recorrente insurge-se contra o decidido no Acórdão da secção, reiterando, todos os argumentos até então invocados, apresentando porém um discurso repleto de interrogações, citações e exclamações que torna menos claras as divergências apontadas, para além de que, muitas delas, não passam efectivamente de meras exclamações, sem que o recorrente delas tenha extraído qualquer ilação; outras, porém, traduzem-se em meras discordâncias sobre a factualidade assente, quer por excesso, quer por omissão.

Vejamos:

De acordo com o disposto no nº 3 do artº 12º do ETAF «O plenário e o pleno de cada secção apenas conhecem de matéria de direito»;

Ou seja, o Pleno deste Supremo Tribunal, não exerce qualquer controlo sobre o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo ocorrendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio probatório.

Daí que, face aquela disposição legal, não pode esta formação censurar a fixação da matéria de facto efectuada pela Secção, nem as ilações de facto que ela da mesma retirou, se não se verificar qualquer das situações previstas no nº 2 do art. 674º do Código do Processo Civil (entre outros, cfr. Ac. do Pleno de 12.11.2003 – Rec. 41.291).

Significa isto que se nos impõe, previamente, analisar e esclarecer se as divergências apontadas ao Acórdão recorrido constituem matéria de direito, e como tal cognoscível pelo Pleno ou, antes, matéria de facto, afastada dessa cognição.

Sobre a caracterização de factos e de juízos sobre os factos, existe vasta jurisprudência do Pleno deste Supremo Tribunal, como sejam, entre outros, os Acs. deste Pleno de 18.10.2007 – Rec. 1001/04, de 06.03.2007 – Rec. 359/06, e de 06.02.2007 – Rec. 783/06, e da Subsecção de 24.04.2007 – Rec. 10/07, e de 29.06.2005 – Rec. 608/05, de 13.11.2014 – Rec. 0561/14, de 26.02.2015 – Rec. 01132/12, de 12.11.2015 – Rec. 0469/15), sendo coincidente o entendimento segundo o qual, deve considerar-se matéria de facto não só aquela que se refere a ocorrências concretas da vida real (onde se incluem os acontecimentos e os estados, qualidade ou situação das pessoas e coisas, bem como realidades puramente psicológicas e eventos virtuais – lucros cessantes, vontade conjectural, credibilidade de uma testemunha, uma certa intenção, dolo, etc., os exemplos são de MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 194), mas também os juízos formulados a partir dos factos, sempre que nessa ponderação ou valoração intervenha apenas um critério retirado das máximas da experiência comum, ou do homem médio, sem apelo a máximas ou ponderações só existentes na ordem jurídica.

A este propósito refere o Prof. Antunes Varela, em Anotação ao Acórdão do STJ, de 08-11-1984, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122, nº 3784, pág. 220., «Os factos (a matéria de facto), no campo do direito processual, abrangem principalmente, embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real». Contudo há questões que podem envolver «juízos de facto (autênticos juízos de valor sobre matéria de facto)». (…). «Há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelem essencialmente para a sensibilidade do jurista, para a formação especializada do julgador», concluindo que «os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação»”.

Deste modo, sempre que esteja em causa a interpretação dos factos dados como provados ou as ilações que o tribunal recorrido deles tenha extraído, o que há a fazer é apurar se essas ilações – que são verdadeiros juízos valorativos sobre os factos – foram conseguidas através de critérios e regras de experiência próprios do cidadão comum, ou se as mesmas decorrem essencialmente da utilização de critérios jurídico-normativos ou da formação especializada do julgador.


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Cientes destes esclarecimentos, regressemos ao caso sub judice:

O recorrente, desde logo, suscita a questão do indeferimento da prova testemunhal e pericial, por si requeridas, as quais foram indeferidas por despachos proferidos a fls. 394, 443/445 dos autos com fundamento, quanto à prova pericial, no disposto no nº 3 [parte final] do artº 118º do CPTA

Não assiste, porém, razão ao recorrente neste segmento recursivo, uma vez que, tal como decidido no acórdão da secção, no âmbito dum procedimento cautelar, a prova pericial nunca é admissível, face ao constante no nº 3 do artº 118º do CPTA, pelo que nada há a apontar quanto ao decidido.


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E no tocante à prova testemunhal, tal como igualmente foi decidido no acórdão recorrido, tal prova foi considerada desnecessária ou mesmo inútil, atendendo à prova já produzida quer em sede documental, quer face à alegação do recorrente da indicação de cada testemunha aos artigos do requerimento inicial, que ao fim e ao cabo, respeitam às regras da distribuição de processos, [de que discorda] à alegada duplicação de processos, a considerandos gerais e despropositados quanto ao teor da resolução fundamentada, e a notícias da comunicação social que são completamente despiciendas no caso concreto.

Assim, nada há igualmente a apontar quanto ao decidido, de julgar desnecessária a produção de prova requerida pelo recorrente, pelo que se impõe manter o assim decidido.

Por outro lado, pelos mesmos motivos, também redunda no insucesso a pretensão do recorrente em ver alterada a matéria de facto dada como provada quando refere que a mesma só poderia ser objecto de contra prova, se tivesse sido permitida a realização de prova pericial; acresce que, neste tocante, a factualidade dada como provada resultou da prova documental junta aos autos, recolhida no processo de inspecção e que não merecia qualquer controvérsia quanto ao seu teor e, por esse facto foi indeferida a produção de contra prova, ao que o recorrente não reagiu, logo em sede disciplinar, o que podia ter feito.

Mas mesmo que assim não tivesse sucedido nunca este Pleno poderia agora conhecer desta questão que em tudo se materializa como uma questão de facto afastada do nosso conhecimento.

Relativamente ao ponto 4 da Resolução Fundamentada e à apontada discordância por parte do recorrente, invocando a ocorrência de erro aritmético no apontado atraso de 781 processos pendentes, o Acórdão recorrido esclarece tal alegação, ao consignar:

«LV. Também não se mostra de acolher a invocação de pretenso erro daquela resolução decorrente de nunca o requerente poder ter tido 781 processos pendentes e todos atrasados, já que esta leitura, que se mostra feita, revela-se desacertada, porquanto o que se revela da resolução fundamentada, de todo o seu contexto e do que se alude e extrai do procedimento inspetivo em presença é o de que o número de processos em que se registaram atrasos se reporta a todo o período que foi objeto de inspeção e não a uma concreta pendência de 781 processos atrasados num determinado momento do período alvo de inspeção, dado que, em questão, está o facto de, durante o período inspecionado, haver despachado 781 processos com atrasos superiores a 30 dias».

Com efeito, não existe qualquer erro manifesto, por não existirem processos repetidos, pois embora, alguns poderem ter o mesmo número, isso é fruto de serem procedentes de diferentes serviços notadores e não de uma repetição de processos em sentido real, ou seja de duplicação como pretende fazer crer o recorrente.

De todo o modo, nunca seria matéria susceptível de ser alterada por este Pleno, até porque o ponto XV da matéria assente se limita a transcrever o ponto 4 da Resolução fundamentada.

Insurge-se, ainda, o recorrente quanto à decisão proferida no respeitante à declaração de incompetência, em razão da hierarquia, deste Supremo Tribunal para conhecer da ampliação do pedido que visava abordar a análise da Ordem de Serviço nº 1/2017 do Procurador da República do Coordenador de ………….

Mas sem razão, já que como foi feito constar do acórdão recorrido, tal incompetência resulta da conjugação do disposto nos artigos 24º, nº 1, al. a), nº 2, 37º e 44º todos do CPTA [na redacção introduzida pelo DL nº 214-G/2015], que estabelece a competência para o conhecimento em primeira instância circunscrita aos actos ou omissões do elenco taxativo de entidades que ali constam e nos quais se incluem apenas “PGR” e o “CSMP”; ora a Ordem de Serviço nº 1/2017 do PPC…… datada de 10.01.2017 não é da autoria de nenhuma daquelas entidades, pelo que sem margem para dúvidas, este Supremo Tribunal é efectivamente incompetente em razão da hierarquia para tomar conhecimento do teor da mesma.

E assim sendo, também não é competente para conhecer das ilegalidades imputadas pelo recorrente a esta Ordem de Serviço, ficando ainda prejudicado o conhecimento da ampliação do pedido e das demais questões como sejam a ilegitimidade processual passiva e a litispendência, já que restritas e relativas apenas àquele pedido ampliado.

E nem se diga que esta é uma interpretação restrita das normas em causa, uma vez que é a única legalmente admitida por lei.

Assim sendo, também não faz qualquer sentido que o recorrente impute, neste tocante, ao Acórdão recorrido, a nulidade por omissão de pronúncia, uma vez dada a incompetência declarada, o julgador nunca poderia pronunciar-se sobre os pedidos formulados pelo recorrente, enquadrados e delimitados pela Ordem de Serviço; por outro lado e, ainda assim, ela foi levada à factualidade provada, conforme resulta do ponto XII dos factos provados.

Quanto à pretensão do recorrente em ver “admitidos os artigos 1º a 20º da resposta à oposição”, trata-se, mais uma vez de uma tentativa em ver alterada a matéria de facto feita constar no Acórdão da secção, o que é afastado do conhecimento do Pleno.

Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre se diria que não assiste razão ao recorrente, tendo a referida peça “oposição” na parte que não incidiu sobre a resposta a excepções, sido considerada legalmente inadmissível, como aliás se impunha, pois a resposta à oposição visa apenas exercer o contraditório em relação a excepções suscitadas e que pela sua natureza de excepção devem ser objecto de possibilidade de defesa e tomada de posição pela parte contrária; mas já não serve para suscitar questões novas que nada têm a ver com essa defesa e que a serem alegadas o deveriam ter sido no articulado próprio para o efeito.

No que respeita à apreciação feita no Acórdão recorrido acerca do incidente de declaração de ineficácia dos actos indevida, com base na Resolução fundamentada apresentada pelo CSMP, o recorrente parece discordar do que ali foi decidido quanto à ponderação de interesses, designadamente quanto ao interesse público; no entanto, limita-se nesta sede recursiva a tecer considerandos teóricos; e quando não o faz, limita a sua alegação, novamente, à necessidade de produção de prova pericial, pois, só deste modo, na sua óptica podem perceber-se os erros existentes nas listagens dos processos, designadamente as que entende constarem do apenso III.

Só que, como supra se referiu, esta prova pericial foi indeferida por inadmissibilidade legal.

Por outro lado, quanto ao segmento do Acórdão que decidiu não verificado o fumus bonis iuris, o recorrente ordena a sua discordância em 4 pontos, como resulta da conclusão HH das suas alegações.

Porém, todas estas questões foram tratadas e analisadas no Acórdão recorrido tendo-se dado resposta a cada uma delas, sempre no sentido de saltar à vista a improbabilidade de que venham a proceder as ilegalidades apontadas.

Quanto ao facto do Sr. Inspector ter indeferido os requerimentos de prova apresentados pelo recorrente depois da notificação do relatório final, nada há a apontar mostrando-se justificada sua decisão, sem que a mesma viole qualquer direito do recorrente; com efeito, o relatório final suporta-se em elementos recolhidos ao longo do processo de inspecção e a sua veracidade afere-se por esses mesmos elementos documentais, não sendo de certeza uma prova testemunhal que faria desequilibrar esta veracidade; nem se percebe o alcance de uma prova pericial como pretendido pelo recorrente.

A este propósito, consignou-se no Acórdão recorrido, com o que concordamos na íntegra, nada mais se impondo acrescentar «LXXI. Assim, salta imediatamente à vista a improbabilidade de que venham proceder as ilegalidades que se prendem com uma pretensa violação dos arts. 91.º e 101.º, n.º 3, ambos da «LOSJ», tanto mais que saber de diferenças ou discrepâncias estatísticas dos dados da secretaria insertos no relatório da Comarca de …………, estarem os mesmos errados ou não, não interferem com aquilo que é e o que consta em termos de dados e elementos que foram considerados e tidos em conta no processo inspetivo e no ato classificativo em questão. Tal como também para estes, face ao seu teor, termos e âmbito temporal [17.09.2011 a 31.08.2015], de nada parece advir o que veio a ser determinado no despacho da «PGR», datado de 14.12.2015, e através do qual se procedeu à homologação de objetivos definidos para os serviços do MP junto daquela Comarca para o ano judicial 2015/2016 [com início, à data, a 01.09.2015 - art. 27.º, n.º 1, da «LOSJ»], presente que já antes da «LOSJ» os magistrados do MP eram alvo de inspeções, nomeadamente, ao seu desempenho funcional e estavam sujeitos à observância de prazos legais e de outros deveres».

Por outro lado, alega ainda o recorrente a inexistência dos 781 processos em atraso durante o período dos 4 anos. Ora sobre esta questão, já se esclareceu, designadamente no Acórdão recorrido que não é pelo facto de alguns processos poderem ter o mesmo número e ano na composição do respectivo número único identificador do processo crime (NUIPC), que se deva concluir pela duplicação de processos; trata-se de processos que são procedentes de diferentes serviços notadores, conforme resulta da Portaria nº 116/2014 de 30.05 pelo que não assiste qualquer razão ao recorrente ao insistir nesta alegação.

Quanto à inexistência de norma dos 30 dias de atraso, o que resulta [e até a favor do recorrente] é que no processo inspectivo desconsiderou-se o prazo de 10 dias previsto no artº 105º, nº 1 do CPP e apenas se teve em consideração atrasos superiores a 30 dias; é pois manifesta a falta de razão do recorrente.

Quanto à denominada “conceptualização da procedência da acção principal”, o recorrente repete o argumento de não lhe ter sido permitida a produção de prova pericial, questão a que supra já aludimos; por outro lado, da leitura de fls. 18 a 21 do processo administrativo nº625/10.6TA……., não se vislumbra a conclusão a que o recorrente pretende chegar, nem ele nos elucida o sentido; igualmente não lhe assiste razão quando tenta imputar (fls. 38 e segs dos presentes autos) erros nas listagens de processos, sufragando-se a este propósito tudo quanto já se deixou exposto.

Mais uma vez, não padece de erro o Acórdão recorrido quando no ponto XV dá como reproduzida a Resolução fundamentada, pois trata-se de um documento emitido pelo CSMP sendo relevante o seu teor [que o recorrente não conseguiu destronar] para a decisão que veio a ser proferida nos autos designadamente quanto à declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.

Acresce que as listagens constantes do processo administrativo, não têm todas de possuir o tempo de atraso na sua tramitação, pois esse dado consta de outros documentos que incorporam o referido processo, não deixando nunca o recorrente impossibilitado de saber em relação a cada um dos processos, qual o tempo de atraso existente.

Igualmente não lhe assiste razão na pretendida modificação da matéria de facto [cfr. conclusões PP, QQ, XV], pelas razões que vem expondo, pois a reprodução de documentos, na matéria de facto, mais não é do isso mesmo – traduz o que consta do documento e nada mais, e mesmo que assim não fosse, sempre esta questão estaria excluída dos poderes de cognição deste Pleno.

Por último, quanto à conclusão SS, igualmente improcede a pretensão do recorrente atenta a factualidade provada feita constar das alíneas XVII.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.