Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01882/13
Data do Acordão:11/17/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:MINISTÉRIO PÚBLICO
LISTA DE ANTIGUIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - O art. 9º, nº 2 da Lei nº 95/2009, de 2/9, estabelece um regime especial e inovatório em matéria de antiguidade, afastando-se do regime geral estabelecido no Estatuto do Ministério Público (cfr. respectivos arts. 153º a 157º).
II - Este regime especial tem como destinatários procuradores-adjuntos do Ministério Público que obtiveram esse estatuto através de um curso especial, cuja criação foi possibilitada pela referida Lei nº 95/2009, e, face às excepcionais razões de carência de magistrados do Ministério Público.
III - O referido art. 9º, nº 2 da Lei nº 95/2009, não enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade.
Nº Convencional:JSTA00069921
Nº do Documento:SAP2016111701882
Data de Entrada:06/29/2016
Recorrente:A... E OUTRAS
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA DE 2016/03/31.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:CONST ART59 N1 A ART13.
L 95/2009 ART9 ART3 ART6.
EMP ART153 ART157.
L 2/208 ART35.
Jurisprudência Nacional:AC TC N231/94 DR I-A 1994/04/28 PAG2056-2057.; AC TC N44/84 - ACÓRDÃOS TC VOLIII PAG133 E SEGS.; AC TC N309/95.; AC TC N191/88 - ACÓRDÃOS TC VXII PAG239 E SEGS.; AC TC N468/96 - DR II 1996/05/13.; AC TC N1186/96 DR II DE 1987/02/12.; AC TC N1188/96 DR II DE 1987/02/13.; AC STA PROC031319 DE 1994/06/16.; AC STA PROC033730 DE 1995/02/07.; AC STA PROC036001 DE 1996/04/30.; AC STA PROC032156 DE 1996/11/07.; AC STA PROC035373 DE 1996/11/22.
Referência a Doutrina:JORGE MIRANDA - DIREITO CONSTITUCIONAL TOMOIV PAG248.
JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA (2005) TOMOI PAG124-125.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……………., B…………. e C……………. intentaram na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, acção administrativa especial contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), indicando como contra-interessados D………… e outros, pedindo a anulação ou declaração de nulidade das deliberações do Conselho Superior do Ministério Público que indeferiram as suas reclamações contra a Lista de Antiguidade, referente a 31 de Dezembro de 2012 e a condenação do mesmo Conselho a deferir tais reclamações com as consequências daí decorrentes, nomeadamente, a prática dos actos administrativos de reposição dos autores nos termos por eles pretendidos.

Por acórdão datado de 31.03.2016, a acção foi julgada totalmente improcedente e absolvido o réu do pedido.

Os Autores interpuseram recurso deste acórdão para o pleno da Secção apresentando alegações com conclusões do seguinte teor:
a) as deliberações do Conselho Superior ora recorrido que indeferiram as reclamações dos recorrentes contra lista de antiguidade referente a 31 de dezembro de 2012 ofendem o princípio da igualdade solenemente afirmado no art. 13º da Constituição, indiretamente na alínea a) do nº 1 do artº 59º também da Lei Fundamental, e uma sua decorrência, o princípio da inversão de posições relativas;
b) com efeito, os recorrentes terminaram o “curso especial de formação para recrutamento de magistrados” no CEJ em 4 de julho de 2010 e foram nomeados no dia seguinte;
c) enquanto que os seus Colegas e contrainteressados, aqui recorridos, terminaram o “curso normal” em 31 de outubro de 2010 a data da sua nomeação é o dia 1 do mês seguinte;
d) não obstante, os recorrentes quedam posicionados na lista inicialmente impugnada nos lugares 921, 915 e 933, respetivamente;
e) enquanto que os Colegas provindos do “XXVII curso normal”, como se disse nomeados em 1 de novembro de 2010, se acham relacionados nas posições 829 a 913;
f) não há do ponto de vista dos princípios constitucionais fundantes do bloco legal in casu aplicável qualquer motivo ou pretexto válido que permita sustentar a inversão de posições - pelo que a discriminação daqui decorrente se apresenta como arbitrária ou, pelo menos, injustificada ou irrazoável;
g) tanto mais que os autores, bem como os demais Colegas do “curso especial”, foram recrutados para a formação sujeitos a regras específicas, para além das impostas aos Colegas do “curso normal” ( e demais “cursos normais”) e, por isso, mais excludentes;
h) por isso que se não entende nem aceita a interpretação feita pelo Conselho Superior que sacrifica os sobreditos princípios constitucionais à leitura acrítica de uma disposição da lei ordinária – nº 2 do artº da Lei nº 95/2009, de 2 de setembro;
i) ou, o que é o mesmo, o fator (ou pretexto) de diferenciação criado pelo legislador é insustentável por ofensa ao princípio da igualdade e de um seu corolário, o princípio da proibição de inversão de posições relativas de “funcionários ou agentes”;
j) o Conselho Superior recorrido errou, pois por estas razões deveria ter concedido provimento às reclamações dos autores contra a lista de antiguidade referente a 31 de dezembro de 2012;
k) e no mesmo erro e pelas mesmas razões incorre a Secção a quo;
l) deve assim o douto acórdão recorrido ser revogado com as consequências de lei, mormente condenação na prática dos atos materiais e jurídicos com vista à recomposição da lista de antiguidade, naturalmente expurgada do vício de inconstitucionalidade que é mister eliminar, com o que será feita a esperada Justiça».

O Conselho Superior do Ministério Público relativamente ao recurso interposto apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
A. Não assiste a razão aos Recorrentes nos vícios que imputam às deliberações impugnadas, e na crítica que fazem ao douto acórdão recorrido, por não ter acolhido a sua alegação e ter julgado a ação improcedente;
B. Com efeito, os Recorrentes frequentaram um curso especial de formação de magistrados, de duração mais curta, a que se procedeu ao abrigo da Lei n.º 95/2009, de 2 de janeiro, uma lei de carácter excecional e transitório que vigorou apenas até 31 de dezembro de 2010 e criou a possibilidade de se organizarem cursos especiais de formação, mais rápidos, para colmatar uma situação também excecional de carência de magistrados do Ministério Público;
C. E porque se tratou de um curso de duração mais curta que a dos cursos normais de formação de magistrados disciplinados na Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, entendeu o legislador definir as regras específicas sobre a antiguidade dos procuradores-adjuntos aprovados nesse curso especial regulado pela Lei n.º 95/2009, que no seu artigo 9.º n.º 2 dispõe que “O procurador-adjunto com maior antiguidade atribuída é posicionado, na lista de antiguidade, a seguir aos magistrados graduados em curso teórico-prático regulado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, que se tenha iniciado em data anterior à do curso especial regulado pela presente lei”;
D). Assim, ao criar os cursos de formação especiais mais rápidos, para suprir situações excecionais de carência de magistrados do Ministério Público, entendeu que os magistrados aprovados nesses cursos deviam ser posicionados na lista de antiguidade depois dos magistrados que antes tinham iniciado os cursos normais de formação de magistrados, que têm uma fase teórico-prática muito mais longa;
E. Ou seja, houve neste caso uma clara derrogação das regras gerais sobre o posicionamento na lista de antiguidade contidas na Lei n.º 2/2008 e no EMP segundo as quais a antiguidade se conta a partir da nomeação como procurador-adjunto em regime de estágio, sobre as quais prevalecem as normas especiais da Lei n.º 95/2009;
F. Por isso, na lista de antiguidade dos procuradores-adjuntos relativa a 31 de dezembro de 2012, não se aplicou o regime fixado nos artigos 153.º n.º 1, 156.º, alínea a), 157.º n.º 2 e 27.º, todos do EMP, e foram posicionados primeiro os magistrados do XXVII curso normal de formação - via académica regulado pela Lei n.º 2/2008, que teve início em Setembro de 2008 seguindo-se os magistrados do XXVIII curso normal de formação - via profissional e via académica regulado pela Lei n.º 2/2008, que teve início em de setembro de 2009 e logo a seguir os magistrados aprovados no curso frequentado pelos Recorrentes, que teve início em de janeiro de 2010 tudo em conformidade com o disposto no artigo 9.º n.ºs 1 e 2 da lei n.º 95/2009;
G. Não assiste a razão aos Recorrentes quando sustentam que o CSMP deveria ter deixado de aplicar a norma do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 95/2009, por estar ferida de inconstitucionalidade, e proceder à sua graduação e posicionamento na lista de antiguidade nos termos estabelecidos na Lei nº 2/2008 e no EMP;
H. Com efeito, essa norma do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 95/2009, de 2 de setembro, não enferma da inconstitucionalidade material que Recorrentes lhe atribuem, pelo facto de estabelecer um regime especial quanto à antiguidade, estabelecendo novos critérios para a sua determinação, que se desvia do regime geral contido nos artigos 153.º a 157.º do EMP;
I. Este regime especial, introduzido por Lei da Assembleia da República - diploma de igual dignidade dos que aprovaram o EMP, que contém o regime geral -, dirige-se a um universo especial de magistrados do Ministério Público que alcançaram esse estatuto através de um curso especial, de duração mais curta;
J. Por outro lado, o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente, e manifesta-se não só na proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou diferenciadas em função de critérios meramente subjetivos, mas também na obrigação de diferenciar o que é objetivamente diferente;
K. Ora, a norma do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 95/2009, de 2 de setembro, não só não é arbitrária como se mostra adequada e justa, cabendo no poder de conformação da Ordem Jurídica do legislador, que justamente tratou de modo diferente o que era efetivamente diferente, e fê-lo na medida da diferença, isto é, a razão subjacente ao tratamento diferente está adequada a essa diferença;
L. Ao entender assim, o douto acórdão recorrido impõe-se à sensibilidade jurídica, e não se vê como podem os Recorrentes ainda continuar a sustentar que a norma do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º95/2009, de 2 de setembro, é materialmente inconstitucional, insistindo numa argumentação que se encontra por demais desmontada;
M. Por isso, o douto acórdão recorrido, ao decidir que nos atos impugnados não ocorreu a alegada violação do princípio da igualdade fez correta interpretação das normas constitucionais e legais aplicáveis, pelo que não é merecedor de qualquer censura, devendo ser integralmente mantido, na total improcedência da alegação dos Recorrentes.

Os Recorridos, contra-interessados, também apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos pertinentes à decisão:
a) Os autores A……….., B…………… e C…………….., são Magistrados do Ministério Público, posicionados na Lista de Antiguidade referente a 31-12-2012 (aprovada pela Deliberação n.º 1367/2013 do CSMP), nas seguintes posições de Procuradores Adjuntos:
- A……………..., posicionado no número 921, indicando-se como data da nomeação, 5-7-2010;
- C………………, posicionada no número 915, indicando-se como data da nomeação, 5-7-2010;
- B…………….., posicionada no número 933, indicando-se como data da nomeação, 5-7-2010 - cfr. cópia da Lista de Antiguidade junta com a petição inicial.
b) Relativamente aos Procuradores Adjuntos constantes da mesma Lista de Antiguidade, posicionados com os números 829 (D………..) até ao número 913 (E………..), indica-se como data da nomeação, 15-7-2011 cfr. cópia da Lista de Antiguidade junta com a petição inicial.
c) Os autores ingressaram no CEJ ao abrigo da Lei 95/2009, de 2 de Setembro, por concurso aberto pelo Aviso 16250/2009 (DR, 2 Série, 182, de 18 de Setembro de 2009) - facto, além do mais, admitido por acordo.
d) Os Procuradores Adjuntos constantes da Lista de Antiguidade entre os números 829 a 913, ingressaram no CEJ, no curso teórico-prático regulado pela Lei 2/2008, de 14 de Janeiro, denominado XXVII curso normal, que se iniciou em Setembro de 2008 - facto, além do mais, admitido por acordo.
e) O Conselho Superior do Ministério Público tomou posição sobre o Projecto de Lei 902/X, nos termos constantes de folhas 489 e seguintes aqui dados por reproduzidos, de onde consta, além do mais:
- Ofício, datado de 9 de Julho de 2009, do Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça remetendo um anteprojecto e Decreto-Lei e solicitando que eventuais comentários ou propostas sejam enviadas com muita urgência;
- Cópia de um proposta de Decreto Lei, onde constava, além do mais, um art. 8.º n.º 2, sob a epígrafe Antiguidade com a seguinte redacção: “O procurador-adjunto com maior antiguidade atribuída nos termos do número anterior é posicionado, na lista de antiguidade, a seguir aos magistrados graduadas em curso teórico-prático regulado pela Lei 2/2008, de 14 de Janeiro, que se tenha iniciado em data anterior à do curso especial regulado pelo presente diploma”.
- Parecer do Conselho Superior do Ministério Público de onde consta, além do mais, o seguinte: “10- No tocante ao articulado de diploma, que nos merece total aprovação, permitimo-nos sugerir, apenas, uma redacção alternativa para o artigo 39.º, com vista a tornar mais fácil e claro o recrutamento dos candidatos”.
f) O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, sobre o Projecto de Lei 902/X “Cursos Especiais de Recrutamento para o Ministério Público” emitiu, com data de 23 de Julho de 2009, o parecer cuja cópia está junta a folhas 519 e 520 e que aqui se dá como reproduzido.
g) O Projecto de Lei 902/X deu entrada em 20-7-2009 e veio a traduzir-se na Lei 95/2009, seguiu o seguinte tramitação
Autoria: ……... (PS), …………… (PSD), …………. (SE), …………. (PCP), ………… (SE), …………. (CDS-PP) PS, PSD, SE, PCP, CDS-PP
2009-07-20 / Entrada
2009-07-21 / Admissão
2009-07-21 / Baixa comissão distribuição inicial generalidade - Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - Comissão competente
2009-07-22 / Anúncio
2009-07-23 / Publicação (DAR I série A N.9164/X/4 2009.07.23 (pág. 55-58)]
2009-07-23 / Votação na generalidade [I série N.-º105/X/4 2009.07.24 (pág. 94-94)] Votação na Reunião Plenário n.-° 105 Aprovado por unanimidade A Favor: PS, PSD, PCP, CDS-PP, SE, PEV, ……..….. (Ninsc), ………………. (Ninsc)
2009-07-23 / Requerimento avocação plenário [I série NAL 2009.07.24 (pág. 94-94)] Votação na Reunião Plenário n.-º 105, Requerimento apresentado pelo PS, PPD/PSD, PCP, CDS-PP e SE nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 81.º e 151.º do RAR, de avocação para Plenário, da votação na especialidade. Aprovado por unanimidade. A Favor: PS, PSD, PCP, SE, PEV, ……….. (Ninsc), …………… (Ninsc)
2009-07-23 / Votação na especialidade [I série N. 2105/X/4 2009.07.24 (pág. 94-95)] Votação na Reunião Plenária n.º 105º, Votação conjunta da Proposta de alteração apresentada pelo PS, PPD/PSD, CDS-PP, PCP e SE ao corpo e alínea b) do n.-° 1 do artigo 3.º, bem como da alínea a) do n.º 1, n.º 2 do artigo 3º e restantes artigos (1.º, 2.º e 4.º a 10.º). Aprovado por unanimidade. A Favor: PS, PSD, PCP, CDS-PP, SE, PEV, ………….. (Ninsc), …………….. (Ninsc)
2009-07-23 / Votação final global [I série N. 2105/X/4 2009.07.24 (pág. 95-95) Votação na Reunião Plenária n.º 105. Aprovado por unanimidade A Favor PS, PSD, PCP, CDS-PP, SE, PEV, ……….. (Ninsc), …………….. (Ninsc) 2009-07-23 / Decreta (Publicação)
Decreto da Assembleia 370/X - Título: Cursos especiais de recrutamento para o Ministério Público
Versão: 1 [DAR II série A Nº. 171/X/4 2009.08.06 (pág. 350-352)]
2009-07-27 / Envio à Comissão para fixação da Redação final Obs: “Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - Comissão competente. Redacção Final aprovada sem votos contra - Ausências do CDS-PP e PEV. Aprovado Remessa da Redação final em: 2009-07-30
2009-08-12 / Envio para promulgação
2009-08-24 /Promulgação
2009-08-24 / Referenda
2009-08-28 / Envio INCM
2009-09-02 / Lei (Publicação DA) - Lei 95/2009 - Título: Cursos especiais de recrutamento para a Ministério Público [DR I série N.º 170/X/4 2009.09.02 (pág. 5810- 5811)]
(...) - cfr. página da Assembleia da República na internet: Página inicial, Actividade Parlamentar e Processo legislativo, iniciativa.»

3. O Direito
Na presente acção está em causa a pretensão dos autores quanto ao respectivo posicionamento na lista de antiguidade dos magistrados do Ministério Público, do ano de 2012, relativamente aos procuradores-adjuntos, tendo em conta que aqueles terminaram o curso mais cedo, foram nomeados antes, e aceitaram a nomeação também antes dos magistrados do “XXVII Curso Normal”. Defendem que a lista de antiguidade que inclui uns e outros terá de reflectir estas duas realidades, tratando-as como diferentes, posicionando primeiro quem foi nomeado antes, e só depois quem foi nomeado a seguir, quatro meses depois.
Pretendem os Recorrentes que o preceito constante do art. 9º da Lei nº 95/2009, no qual, além do mais, o acórdão recorrido assentou a improcedência da acção, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto nos arts. 13º e, indirectamente, na al. a) do nº 1 do art. 59º da CRP.
Invocam que ao posicionar posteriormente procuradores-adjuntos que ingressaram antes no estágio e na carreira, o artigo em causa institui uma “discriminação arbitrária” face aos Recorrentes por estabelecer um regime de excepção sem que haja “do ponto de vista dos princípios constitucionais fundantes do bloco legal in casu qualquer motivo ou pretexto válido que permita sustentar a inversão de posições” entre os procuradores ingressados no CEJ.

A questão a decidir no presente recurso é, assim, a de saber se a norma constante do art. 9º, nº 2 da Lei nº 95/2009 é inconstitucional por violação do princípio da igualdade consignado no art. 13º da CRP e, indirectamente, na al. a) do nº 1 do art. 59º da CRP.

Vejamos.
Os Recorrentes frequentaram um curso especial de formação de magistrados organizado ao abrigo da Lei nº 95/2009, de 2/9, que instituiu um regime excepcional e transitório, tendo em conta as excepcionais razões de carência de magistrados do Ministério Público, e, com vista a recrutar tais magistrados (cfr. arts. 1º e 2º, nº 1 da referida Lei).
Neste diploma definiu o legislador regras específicas sobre a antiguidade dos procuradores-adjuntos aprovados nos cursos especiais, nos seguintes termos:
1 – A antiguidade dos procuradores-adjuntos aprovados nos cursos especiais regulados pela presente lei é determinada pela ordem estabelecida nas listas de graduação final da respectiva fase teórico-prática.
2 – O procurador-adjunto com maior antiguidade atribuída nos termos do número anterior é posicionado, na lista de antiguidade, a seguir aos magistrados graduados em curso teórico-prático regulado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, que se tenha iniciado em data anterior à do curso especial regulado pela presente lei”.
É o nº 2 deste art. 9º que os Recorrentes questionam, continuando a defender no presente recurso ser o mesmo materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido.

Efectivamente, ao apreciar esta invocada violação do princípio da igualdade no acórdão recorrido expendeu-se o seguinte:
«Alegam os autores que o art. 9º, 2 da Lei 95/2009, de 2 de Setembro se afasta da regra geral sobre a contagem da antiguidade dos Magistrados do Ministério Público, segundo a qual, se atende à data da publicação no Diário da República - art. 157º, 2 e 153º, 1 do EMP.
Contudo, a intenção clara e inequívoca da Lei 95/2009, de 2 de Setembro, ao conter uma regra sobre a antiguidade é precisamente a de afastar o regime geral. E regula essa matéria, precisamente porque, prevendo um curso especial, com duração inferior ao Curso Normal de Formação já iniciado, da aplicação das regras gerais sobre antiguidade na categoria de Procuradores Adjuntos, resultaria um posicionamento que quis afastar. Ou seja, quis o legislador que os magistrados recrutados ao abrigo da Lei 95/2009, de 2 de Setembro não fossem posicionados, na Lista de Antiguidade, antes dos magistrados que entretanto estavam a frequentar um Curso Normal.
Porquê, então, este regime excepcional, contrariando o regime geral?
Porque poderiam candidatar-se ao referido curso especial quem tivesse obtido aprovação em concurso de ingresso no CEJ, mas que, apesar da aprovação, não tivesse obtido nota que lhes permitisse ingressar nos respectivos cursos de formação - cfr. art. 3º da Lei 95/2009, de 2 de Setembro. Portanto, o legislador quis afastar a possibilidade de um candidato aprovado em concurso de ingresso, mas sem nota bastante para ingressar no respectivo curso, pudesse ficar, num concurso especial posterior, com maior antiguidade, em relação aos seus Colegas melhor classificados e com nota para ingressar naquele curso normal.
O princípio da igualdade, nos termos do art. 13º da Constituição proíbe discriminações decorrentes dos índices (sexo, raça, etc.) aí definidos, onde não se encontra a ordenação dos Magistrados do MP, na Lista de Antiguidade, como é óbvio.
Fora dos casos expressamente proibidos de discriminação, só existe violação do princípio da igualdade quando estivermos perante discriminações arbitrárias ou manifestamente injustificadas - JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, Tomo IV, pág. 248 e jurisprudência do TC aí citada e, em especial, o Acórdão n.º 231/94, de 9 de Março, DR 1ª Série - A, n.º 98, de 28 de Abril de 1994, pág. 2056 e 2057 “(...) a essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica.”
Trata-se, hoje, de um entendimento pacífico e consolidado – cfr. por todos, Acórdãos nº 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., págs. 133 e segs., nº 309/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol., págs. e segs., nº 191/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., págs. 239 e segs., nº 303/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., págs. 65 e segs., nº 468/96, Diário da República, II série, de 13 de Maio de 1996, e, mais recentemente, nº 1186/96, Diário da República, II série, de 12 de Fevereiro de 1997, e nº 1188/96, Diário da República, II série, de 13 de Fevereiro de 1997.
Igual entendimento tem sido seguido neste Supremo Tribunal “(...) o princípio da igualdade só se pode considerar violado quando se verifique uma diferenciação de tratamento irrazoável ou arbitrária, devendo entender-se que a discriminação é legítima sempre que a diferença de regime se baseia em dados objectivos e se reclama de distinções relevantes sob o ponto de vista dos princípios e valores constitucionais e seja adequado à sua realização” - cfr. Ac. do STA de 16-6-94, rec. 31319, de 7-2-95, rec. 33730; 30-4-96, rec. 36001; 7-11-96, rec. 32156; 22-11-96, rec. 35373.
No caso dos autos, a diferença de regime, criada pelo citado artigo 9º, n.º 2, não é arbitrária, cabendo no poder de conformação da Ordem Jurídica do legislador evitar que Magistrados que não alcançaram nota para ingresso no CEJ pudessem, através de um processo especial de recrutamento, ficar com maior antiguidade na categoria de Procurador Adjunto. A razão do tratamento diferenciado não é arbitrária, tendo o legislador tratado de modo diferente o que era efectivamente diferente. E fê-lo na medida da diferença, isto é, a razão subjacente ao tratamento diferente está adequada a essa diferença: é racionalmente aceitável que os candidatos não admitidos ao CEJ não possam vir a ter maior antiguidade do que aqueles que no mesmo concurso foram admitidos.
Improcede assim a alegada violação do princípio da igualdade.»

O assim decidido não merece qualquer censura sendo de manter integralmente.
Com efeito, o art. 9º, nº 2 da Lei nº 95/2009 estabelece um regime especial e inovatório em matéria de antiguidade, afastando-se do regime geral estabelecido no Estatuto do Ministério Público (cfr. respectivos arts. 153º a 157º).
Mas este regime especial tem como destinatários procuradores-adjuntos do Ministério Público que obtiveram esse estatuto através de um curso especial, cuja criação foi possibilitada pela referida Lei nº 95/2009, e, face às excepcionais razões de carência de magistrados do Ministério Público.
Para se ser admitido ao Curso Especial, quer ao abrigo da alínea a) quer ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 3º da Lei nº 95/2009, bastava, para além dos requisitos gerais de ingresso na formação inicial de magistrados, ter-se obtido aprovação em cursos normais nos 3 ou 5, conforme os casos, anos anteriores, sem necessidade de realização de novos exames, ao contrário do que sucede nos cursos normais em que é sempre exigida a realização de novos exames.
Por outro lado, o tempo de duração dos cursos especiais é particularmente reduzido, mesmo na fase teórico-prática anterior ao estágio, face ao dos cursos normais, seja os da via académica seja os da via profissional.
O 1º ciclo da fase teórico prática tem a duração de 6 meses (cfr. art. 6º, nº 2, al. a) da Lei nº 95/2009), em vez dos 10 meses aplicáveis quer à via académica quer à via profissional nos cursos gerais (cfr. o art. 35º, nº 1 da Lei nº 2/2008, de 14/1, na redacção à data vigente).
Já o 2º ciclo, contempla uma duração de 4 meses, a qual é muito inferior à prevista para o 2º ciclo dos cursos normais, seja da via académica (10 meses) seja da via profissional (6 meses), nos termos do art. 35º, nºs 2 e 3 da referida Lei nº 2/2008 (na redacção à data vigente). E, pode ser totalmente dispensado, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 6º da Lei nº 95/2009, para os que ingressam nos cursos especiais ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 3º daquele regime especial.
Face a este regime especial que lhes era aplicável, os ora Recorrentes foram nomeados em regime de estágio ainda antes dos candidatos que ingressaram no XXVII curso normal de formação iniciado em Setembro de 2008, sendo nomeados procuradores-adjuntos em data anterior a estes.
Ora, nesta circunstância existem motivos substanciais para estabelecer uma distinção para efeitos de posicionamento na lista de antiguidade, entre quem frequentou um curso normal de formação, e quem frequentou um curso especial de formação, afastando-se o regime geral.
Não há qualquer excesso por parte do legislador da Lei nº 95/2009 no exercício da sua margem de livre conformação, e, muito menos, uma solução arbitrária ou desrazoável que pudesse ultrapassar a barreira do admissível e implicar um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma em causa.
Com efeito, o princípio da igualdade impõe um “tratamento igual para aquilo que é essencialmente igual e desigual para aquilo que é essencialmente desigual”, e bem assim a sua aplicação como “proibição de arbítrio legislativo”, sempre com respeito pela “margem de conformação material do legislador” - Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 1, 2005, págs. 124 e 125.
Igualmente o Parecer do Conselho Constitucional n° 26/82 citado por estes últimos autores (pág. 125) explicita que: “Onde a lei considerar que determinada situação apresenta um particularismo suficientemente distinto e relevante para justificar um tratamento legal diverso do concedido a situações equiparáveis (sob outros pontos de vista) e onde erigir esse particularismo, por conseguinte, como fundamento duma desigualdade de regime jurídico, semelhante juízo legal tem por si uma presunção de racionalidade - justamente porque provindo da instância que detém a primazia da «conformação constitucional».”
Assim, verificando-se existirem diferenças substanciais e objectivas introduzidas pelo regime especial aplicável ao curso que os autores frequentaram, a situações destes em relação à dos magistrados que frequentaram o curso normal de formação, é diversa e justifica o tratamento diferente destas situações dos cursos especiais, consagrado na Lei 95/2009.
Assim sendo, a solução definida pelo legislador da Lei nº 95/2009, no respectivo art. 9º, nº2, não pode considerar-se como arbitrária, desrazoável ou sem critério. O que fez foi tratar de forma diferente situações que eram diferentes da forma normal de habilitação dos magistrados.
Quanto à “invocada inconstitucionalidade indirecta” por violação do disposto na al. a) do nº 1 do art. 59º da CRP, este último é um preceito relativo à retribuição, que estabelece o princípio de trabalho igual salário igual, não assumindo qualquer relevância para o caso em apreço, visto não estar em causa nos autos qualquer diferença remuneratória.

Pelo exposto, acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 17 de Novembro de 2016. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.