Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0847/10
Data do Acordão:11/17/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
SUSPENSÃO
INTERRUPÇÃO
PRAZO
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
DÍVIDA
IRC
Sumário:I - O prazo de prescrição de dívida de IRC de 1999 é de oito anos e começa a correr e contar-se no dia 01.01.2000, nos termos do disposto no artigo 48º n.º 1 da LGT, na redacção originária e ao tempo em vigor.
II - Assim e na ausência de qualquer facto interruptivo ou suspensivo conheceria termo final em 01.01.2008.
III - Apurado porém que, entretanto, o processo esteve parado por causa não imputável ao impugnante entre 14.10.2005 e 14.04.2008, por força do disposto no n.º 2 do artigo 49º da LGT em vigor naquela primeira data, tal facto faz cessar aquele efeito interruptivo “ ... somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
IV - E daí que, em 02.02.2010, não tivesse ainda decorrido integralmente aquele prazo que, contado nos termos indicados em III, relativamente a impugnação judicial intentada em 12.06.2003, só conheceria termo final em 03.04.2011.
V - Depois, já em 11.08.2008, quando a requerimento da executada e na sequência da prestação de garantia, foi proferido despacho a determinar a suspensão deste processo de execução fiscal, este tem agora a virtualidade de suspender o decurso daquele prazo prescricional até à decisão judicial com trânsito em julgado que nele vier a ser proferida, nos termos do disposto e aplicável artigo 49º n.º 4 da LGT, entretanto aditado e em vigor, bem assim como face ao disposto no artigo 169º n.º 1 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P12352
Nº do Documento:SA2201011170847
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa que lhe julgou improcedente a reclamação que apresentara de despacho do Chefe de Finanças de Lisboa que, por sua vez, lhe indeferira anterior pedido de declaração de prescrição de dívida relativa a IRC de 1999, dela apresentou agora recurso jurisdicional para esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo a Reclamante A…, Limitada, nos autos convenientemente identificada.
Apresentou tempestivamente as respectivas alegações de recurso e, pugnando pela revogação do impugnado julgado, formulou, a final, as seguintes conclusões:
I. A douta decisão recorrida de não considerar prescrita a dívida executiva liquidada adicionalmente relativamente ao IRC do exercício de 1999, por o prazo de prescrição ter sido interrompido com a apresentação de requerimento a pedir a suspensão da mesma execução em 23/08/2008 por ter impugnado judicialmente a liquidação, deve ser anulada, por
II. Sofrer de vício de violação de lei, por errada interpretação dos normativos legais aplicáveis ao regime de prescrição, e por omissão de pronúncia já que não cuidou de analisar os fundamentos invocados de verificação de outras duas causas de suspensão verificadas anteriormente a esta data;
III. E porque, a prescrição só pode ser interrompida com o facto que se verificar em primeiro lugar, a sentença do tribunal a quo deve ser revogada.
IV. Com efeito, conforme o que decorre do art.º 48º da LGT, as dívidas tributárias prescrevem no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, como é o caso, do início do ano seguinte àquele a que dizem respeito.
V. Por sua vez o art.º 49º, desde a data da sua entrada em vigor (na redacção da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho) estabelece que são causas de interrupção da prescrição a citação, a reclamação, o recurso a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação.
VI. No caso dos autos, os factos relevantes que eram susceptíveis de interromper a prescrição, e que foram dados como provados, foram, em primeiro lugar a impugnação judicial interposta em 7/06/2003, a citação em “0/07/2003, e o despacho de suspensão proferido pelo Chefe de Finanças em 2008 após pedido de suspensão nos termos do art.º 169º do CPPT.
VII. Como é cronologicamente comprovável, a primeira causa de interrupção verificada foi a apresentação de impugnação judicial contra a liquidação em execução, em 12/07/2003;
VIII. Previa o n.º 2 do art.º 49º da LGT que a paragem do processo durante mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, o efeito da interrupção degrada-se em suspensão, somando-se o tempo que decorreu do início do prazo até à causa de suspensão, recomeçando um ano após essa causa, somando-se então todo o prazo decorrido em ambos os períodos.
IX. A prescrição só se interrompe uma única vez, ainda que seja autuado mais do que um processo com a virtualidade de interromper o prazo de prescrição (ver neste sentido os acórdãos atrás citados do STA), como foi o caso.
X. Mesmo que se considere que a recorrente foi citada em 20/07/2004, ainda assim já não era possível voltar a interromper o prazo por força do n.º 2 do art.º 49º, porque nesta data já tinha havido uma causa de interrupção;
XI. O mesmo se diga da data da apresentação do requerimento a pedir a suspensão da execução com a prestação de garantia, aí sim, poder-se-ia considerar verificada a citação, porque a prescrição já se tinha verificado com a primeira causa que foi a apresentação da impugnação judicial.
XII. Nesta conformidade a douta sentença fez errada interpretação da lei ao considerar como causa de interrupção do prazo de prescrição a apresentação do requerimento referido, quando já se tinham verificado duas causas anteriores de interrupção e em ambas o respectivo processo esteve parado por mais de um ano por razões não imputáveis ao contribuinte.
XIII. Ainda assim, caso se pretendesse atender à fundamentação da sentença que pode ter suporte no Acórdão n.º 571/2009, de 9/9/2009, do STA, no que se refere à apresentação de impugnação, há a constatar que já ocorrera outra causa que foi a citação dada como verificada em 20/07/2004, tendo estado o processo de execução parado por mais de um ano após essa data, pelo que,
XIV. À data de apresentação do pedido de suspensão e respectivo despacho favorável, já tinha ocorrido uma interrupção da prescrição verificada em primeiro lugar.
XV. Por último a sentença padece de vício de omissão de pronúncia na medida em que não se pronunciou relativamente aos factos relevantes para a interrupção da prescrição, como seja a citação ocorrida em 2004, pelo que a mesma não pode ser mantida por força do que determina o art.º 668º do CPC.
XVI. Deste modo, quer atendendo ao primeiro facto relevante, que é o da apresentação da impugnação judicial quer, caso se não aceite este como facto relevante, por se ter dado como efectuada a citação em 2004, e provado que está que tanto o processo de impugnação como o processo de execução estiveram parados durante mais do que um ano por causas não imputáveis ao sujeito passivo, verifica-se que decorreram mais do que 8 anos previsto no n.º 1 do art.º 48º da LGT.
XVII. Por isso, a dívida executiva está prescrita não sendo, por isso, exigível, devendo ordenar-se o arquivamento da execução e a libertação das garantias dadas no processo de executivo.
Conclui pedindo seja considerada prescrita a dívida com todas as consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu depois douto parecer opinando pela não verificação da prescrição da obrigação tributária exequenda com a consequente confirmação do sindicado julgado e improcedência do presente recurso jurisdicional.
Os autos vêm à conferência sem vistos dos Juízes Adjuntos em virtude de virem classificados e tramitados como processo urgente.
A sindicada sentença deu por verificados os factos seguintes:
1- Foi instaurada em 06/06/03 a execução fiscal n.º 3107200301013408, para cobrança coerciva de IRC do ano de 1999 no valor de 39.993,74 € (cfr. processo de execução apenso);
2- O processo de execução fiscal referido no ponto anterior esteve parado desde 06/06/2003 a 22/03/2007 (cfr. conjugação de fls. 2 e 3 dos autos de execução apensos);
3- A Reclamante foi citada no processo de execução em 20/07/2004 (facto que não vem controvertido);
4- A Reclamante apresentou em 23/08/2008, no processo de execução fiscal referido nos pontos anteriores, um pedido de suspensão da execução, dando como garantia relógios e jóias (fls. 19 do processo de execução apenso);
5- A sequência de bens penhorados nos autos e do reforço da garantia prestada nos mesmos o Órgão de Execução Fiscal, por despacho de 11/08/08, suspendeu a execução fiscal (fls. 35 do processo de execução apenso);
6- Em 12/07/2003 foi deduzida impugnação judicial da liquidação de IRC do ano de 1999 no valor de 39.993,74 € (cfr. processo de impugnação n.º 55/03.1.1 apenso aos autos);
7- O processo de impugnação judicial referido no ponto anterior esteve parado desde 14/10/2005 a 14/04/2008 (fls. 39 e 40 do processo de impugnação referido supra );
8- O processo de impugnação referido no ponto 6 voltou a estar parado desde 14/04/2008 a 16/09/2009 (fls. 40 e 41).
E, com base na apontada factualidade, julgou totalmente improcedente a reclamação judicial que apreciava, assim mantendo o anterior despacho do Órgão de Execução Fiscal que indeferira à ora Recorrente pedido de declaração de verificação da prescrição da dívida,
Considerando, para tanto, em síntese e fundamentalmente, que
Com a Lei Geral Tributária que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1999 o prazo de prescrição das dívidas tributárias passou a ser de oito anos, …,” que,
O prazo prescricional começou a contar-se desde o início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, iniciando-se, por conseguinte em Janeiro de 2000…”, que,
Com a citação no processo de execução ocorreu novo facto interruptivo da prescrição. Com a dedução da impugnação também se verificou a interrupção do prazo prescricional.”, e que
contada a prescrição nos termos explanados verifica-se que a prescrição da dívida ocorreria em 31/12/2008.
Contudo, antes dessa data em 11/08/08 o órgão de execução suspendeu a execução na sequência de um pedido de apresentado pela reclamante em 23/06/2008.”,
Concluindo, sem mais, que “Assim, improcede o pedido, a dívida exequenda não está prescrita.
É contra o assim decidido que se insurge a Reclamante e ora Recorrente nos termos das transcritas conclusões do presente recurso jurisdicional,
Nelas arguindo, além do mais, a sindicada sentença também de vício de omissão de pronúncia (artigo 668º do CPC), por se não ter pronunciado relativamente aos factos relevantes para a interrupção da prescrição, como seja a citação ocorrida em 2004 – da conclusão 15ª -.
Sobre o ponto no despacho de sustentação de fls. 94 considerou-se não se verificar a arguida nulidade por omissão de pronúncia “ … porquanto o tribunal pronunciou-se sobre as questões que se deveria pronunciar, ficando prejudicado o conhecimento das demais.
Vejamos então.
Antes de se avançar com a apreciação dos factos ajuizados e não controvertidos, subsumindo-os ao direito aplicável, em sede da questionada verificação ou não do decurso do respectivo prazo de prescrição da dívida exequenda, importa se deixe clara nota de que a sindicada sentença, designada e especialmente no que tange ao seu segmento discursivo e fundamentador, é, no mínimo, bem parca e pouco esclarecedora das razões de direito em que se estriba a decisão proferida.
Esta insuficiente fundamentação do sentido do decidido, porém e de harmonia com o disposto nos artigos 98º e 125º do CPPT e de acordo com jurisprudência uniforme desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, não é de conhecimento oficioso, só podendo ser conhecida e porventura demandar a sanção processual correspondente na sequência ou mediante arguição pelos interessados ou pelo Ministério Público, circunstância que, no caso, se não verifica (no apontado sentido, também Jorge Sousa, in CPPT anotado, nas notas ao artigo 125º do CPPT).
E, no que concerne á reparação da arguida omissão de pronúncia, releva, decisivamente, a alegada prejudicialidade de conhecimento do demais – cfr. despacho de sustentação de fls. 94 -.
Vejamos então, agora, à luz dos factos fixados e não controvertidos, se ocorre a prescrição da dívida exequenda.
Proveniente de IRC do ano de 1999, nos termos do disposto no artigo 48º da LGT, o respectivo prazo de prescrição de oito anos começou a decorrer ou iniciou-se no dia 01.01.2000.
Assim e na ausência de qualquer facto interruptivo ou suspensivo conheceria termo final 01.01.2008.
Porém dos autos consta que em 12.06.2003 a Recorrente apresentou em juízo impugnação judicial, com ela se tendo interrompido o decurso do prazo de prescrição – cfr. artigo 49º 1º da LGT -.
Mais consta que tendo este processo estado parado por causa não imputável ao impugnante entre 14.10.2005 e 14.04.2008, por força do disposto no n.º 2 do citado artigo 49º da LGT (na sua redacção originária), ao tempo inicial da paragem em vigor, tal facto faz cessar aquele efeito interruptivo, “ … somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
Assim aos 3 anos 6 meses e 12 dias decorridos até então haverá que somar-se o período de tempo que decorrerá adiante, a partir de 15.10.2006. Daí que, se outros factos não ocorressem, a prescrição conheceria termo final em 03.04.2011.
Daí que, assim, sem necessidade de outros ou melhores considerandos houvesse que, como vem decidido, manter o questionado despacho do Órgão de Execução Fiscal que, em 02.02.2010 – cfr. fls. 12 dos autos - entendera não se ter verificado ainda a prescrição da questionada dívida tributária.
Acresce ainda, tal como bem proficientemente evidencia o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal no seu esclarecido parecer, que à também apurada e subsequente paragem do processo de execução fiscal respectivo por período de tempo superior a um ano, verificada entre 06.06.2003 e 22.03.2007 – cfr. ponto 1 do probatório – não logra aplicação a norma revogatória do citado artigo 49º 2 da LGT levada ao OE de 2007 – Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, pois o indicado período de tempo decorreu quase na sua totalidade antes da entrada em vigor deste último diploma legal.
Assim sendo e ao contrário do sustentado pela Recorrente, quando em 11.08.2008, a requerimento desta e na sequência da prestação de garantia, ainda antes de se haver completado o prazo de prescrição, o despacho que determinou a suspensão do processo de execução fiscal teve já a virtualidade de o suspender, agora, até à decisão final (decisão judicial, com trânsito em julgado) que haverá de vir a ser nele proferida, nos termos do disposto e aplicável artigo 49º n.º 4 da LGT, entretanto aditado e em vigor, bem assim como face ao disposto também no artigo 169º n.º 1 do CPPT.
No mesmo sentido decidiu já esta secção do Supremo Tribunal Administrativo em recente acórdão do passado dia 20.10.2010, processo n.º 720/10, onde, sobre o ponto, se sumariou:
“...IV – Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de o contribuinte ter prestado garantia já posteriormente à paragem do processo por mais de um ano por facto que lhe não é imputável, não releva, para efeitos de prescrição, o prazo posterior à referida prestação até ao trânsito em julgado da sentença que põe fim ao processo de impugnação.”
Não se verifica pois a prescrição da questionada obrigação tributária,
Resultando, assim e em consequência, prejudicado, também aqui e agora, o conhecimento do alegado e concluído sob os números IX e X das conclusões do presente recurso jurisdicional.
Termos em que, com esta fundamentação, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela Recorrente, fixando a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 17 de Novembro de 2010. - Alfredo Madureira (relator) - Isabel Marques da Silva – Valente Torrão.