Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0837/12
Data do Acordão:09/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:SIGILO BANCÁRIO
AUTORIZAÇÃO
PRESSUPOSTOS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
UTILIZAÇÃO
Sumário:I - A autorização de acesso à informação bancária prevista no artº 129º, nº 6 do CIRC (na redacção anterior ao decreto-lei 159/2009 de 13.07) tinha como única finalidade a comprovação do pedido de demonstração a que alude aquele normativo.
II - Tratava-se de procedimento previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes e que tinha como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe assim obviar à aplicação do disposto no artº 58-Aº nº 2 do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
III - Obtida a autorização do sujeito passivo de acesso às suas contas bancárias no âmbito de um procedimento para os efeitos do artº 129º, nº 6 do Código do IRC, essa informação bancária não pode ser utilizada pela Administração Fiscal para fundamentar correcções efectuadas no âmbito de outro procedimento contra o mesmo sujeito passivo, em sede de IRS e com avaliação indirecta da matéria tributável com base em manifestações de fortuna, nos termos dos arts. 87º , alínea f) e 89.-A, n.º 5, alínea a), da Lei Geral Tributária, sem que neste procedimento se observem as normas que regulam a sua obtenção, nomeadamente os artigos 63º e 63º-B ns. 4 e 5 da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA00067761
Nº do Documento:SA2201209050837
Data de Entrada:07/19/2012
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2012/05/24 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - SIGILO BANCÁRIO
Legislação Nacional:LGT98 ART63 ART63-B N4 N5 ART50 ART55 ART92 ART87 F ART89-A N5 A
CIRC01 ART129 ART83 N1 N10 ART87 F ART91 ART58-A N2
CONST76 ART266 N2 ART26 N1
CPPTRIB99 ART146-B ART50
CPA91 ART3 N1
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS E OUTROS LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 4ED PAG569.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Vem o Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 24 de Maio de 2012, que, na sequência de recurso interposto ao abrigo do artº 89º-A, ns. 7 e 8 da Lei Geral Tributária anulou a decisão de fixação do rendimento colectável de A……, em sede de IRS e com referência aos exercícios de 2008 e 2009, no montante de € 376.497,97.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
« I - O procedimento de inspecção tributária tem como objectivos a observação das realidades tributárias, a verificação das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias.
II - A descoberta da verdade material constitui orientação primária do procedimento inspectivo.
III - A busca da verdade material, em execução do princípio do inquisitório, corresponde a um relevante princípio constitucional da tributária, o da igualdade fiscal, pautada pela capacidade contributiva.
IV - A capacidade contributiva constitui o fulcro do sistema fiscal português.
V - A jurisprudência dos tribunais superiores tem admitido a possibilidade de ser utilizada informação bancária obtida ao abrigo de um procedimento para fundamentar correcções a realizar noutro procedimento.
VI - A informação bancária utilizada no procedimento inspectivo ora controvertido foi obtida após autorização expressa do contribuinte em sede de procedimento para prova do preço efectivo (129° do CIRC).
VII - No artigo 129º do CIRC não consta qualquer norma que proíba a utilização da informação bancária obtida nesse procedimento.
VIII - O contribuinte que autorize o acesso à sua informação bancária no propósito disso beneficiar de forma directa ou indirecta, não deixará de antecipar a possibilidade dessa informação ser utilizada simultaneamente em seu benefício e em seu prejuízo, não se formando por isso qualquer confiança merecedora de tutela.
IX - Se a Administração Fiscal tem na sua posse informação bancária cujo acesso foi expressamente autorizado pelo contribuinte, não tem sentido obrigar à instauração de um procedimento de derrogação do sigilo bancário para obter informação que já foi previamente obtida de forma legal.
X - A jurisprudência dos tribunais superiores tem admitido a possibilidade de ser utilizada informação bancária obtida ao abrigo de um procedimento, para fundamentar correcções a realizar noutro procedimento, sem necessidade de condicionar a sua utilização à realização de um novo procedimento de derrogação do sigilo bancário.
XI - Assim sendo, o tribunal de primeira instância ao decidir em sentido contrário ao exposto não procedeu à correcta interpretação das normas legais previstas nos artigos 129º do CIRC, 63º -B da LGT e 146°-A e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário».

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso sufragando a manutenção da sentença recorrida «pelos fundamentos que dela constam».
4 - Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
«1- A “B…… SA.” (doravante B……) solicitou, de acordo com o disposto no artigo 139 do CIRC, a validação dos preços dos imóveis alienados em 2009 por um valor inferior aos respectivos valores patrimoniais. (facto admitido por acordo).
2. Para o efeito referido em i) a B…… e os seus administradores autorizaram a Administração Fiscal a aceder aos seus dados bancários, com referência a 2008 e 2009, conforme exige o artigo 139 nº 6 do CIRC (facto admitido por acordo).
3. O ora recorrente, é um dos administradores da B……, que deu autorização de acesso aos movimentos das suas contas bancárias de 2008 e 2009, para efeitos de validação dos preços de venda, pela B……, de diversas fracções imobiliárias, (facto admitido por acordo).
4. Em resultado desse acesso, a A.T., detectou depósitos em dinheiro nessas contas, concluindo que poderiam ser rendimentos não declarados, cfr. relatório junto ao PA.
5. As conclusões da A.T encontram-se exaradas no relatório constante do PA de fis. 52 a 90 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: «(..)A empresa B……, Sa4..), requereu nos termos do artº 139. do código do (... )IRC- anterior 129 - a validação dos preços de venda de diversas fracções imobiliárias que a mesma alienou no exercício de 2009, por montantes inferiores aos valores patrimoniais fixados para as respectivas fracções. (...) Para este efeito, a B…… e os seus administradores autorizaram a Administração Fiscal a aceder aos seus dados bancários com referência a 2008 e 2009, conforme exige o art-°139 nº 6 do código do IRC. (...)Neste âmbito, A……, presidente do Conselho de Administração e accionista maioritário dessa sociedade, deu consentimento à Administração Fiscal para aceder a todos as informações e documentos bancários a seu respeito,(...)Em resultado dessa autorização, identificaram-se diversas contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo em análise.(...)Na análise a essas contas, foram detectados inúmeros depósitos em numerário cuja origem é desconhecida. (...)Dado que esses depósitos poderão ser rendimentos não declarados, foi proposta fiscalização ao sujeito passivo em questão. (...)Em 17.08.2010, deu entrada na Direcção de Finanças do Porto informação proveniente da Direcção Finanças de Faro, em que identifica A…… como contribuinte que auferiu rendimentos de vendas de diversos imóveis, tendo os mesmos sido considerados na esfera pessoal do sujeito passivo - categoria G -, quando parecem configurar rendimentos de uma actividade comercial —categoria B.(..)AMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL(...)Incidência temporal: 2008 e 2009(..) ENQUADRAMENTO TRIBUTÁRIO/ACTIVIDADE EXERCIDA(....)Nos exercícios em análise, além de rendimentos de trabalho dependente, o sujeito passivo declara exercer a actividade de ‘Actividade de Avaliação de Risco e Danos”. (...)O sujeito passivo A…… entregou as suas declarações de rendimentos com os seguintes valores declarados:(...)Os imóveis transaccionados por A……, em 2008 e 2009, e os correspondentes intervenientes foram os seguintes: (...)Não foram identificados bens no património imobiliário do sujeito passivo além dos relacionados com as aquisições e vendas já identificados.(...)Os veículos utilizados pelo sujeito passivo são propriedade da B……. (..)Incremento Patrimonial não Justificado - Categoria G
— Fundamentação para aplicação de métodos indirectos..) Depósitos em numerário em contas bancárias de que é titular A’…… (...) A…… concedeu, em 19.05.202 o, autorização para a Administração Fiscal aceder à sua informação bancária com referência aos exercícios de 2008 e 2009. (...) Consequentemente, foi solicitado ao Banco de Portugal para que divulgasse junto de todas as instituições financeiras o nosso pedido de identificação das contas bancárias tituladas pelos administrador A……., de que resultou a identificação das seguintes contas bancárias (com movimento) (...)Nessas contas bancárias constavam os seguintes depósitos em numerário:(…..)Notificação a A…… para identificar a fonte dos depósitos em numerário (...)Em 15-07-2001, notifique A…… para, entre outras situações: Identificar, comprovadamente, a origem dos depósitos em numerário efectuados nas suas contas bancárias; (...)Justificar esses depósitos, comprovadamente, e se os mesmos se encontram excluídos da sujeição a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares ou se foram sujeitas a outro imposto (...)Em resposta, A…… afirmou que sendo depósitos em numerário “não me será possível ter algum comprovativo da origem. Deste modo, solicito que me clarifiquem exactamente o que pretendem. Em todo o caso, importa reiterar que os depósitos efectuados nas contas bancárias a que V.Exas se referem decorrem de poupanças que fui acumulando ao longo dos anos (....)É que o montante de depósitos corresponde, na maioria das situações, a valores reembolsados pela B…… relativamente a montantes que eu havia colocado naquela empresa para fazer face à suas dificuldades. “(..)Face ao exposto, verifica-se que não foi exibido qualquer comprovativo sobre a fonte do acréscimo patrimonial verificado. (..) Em termos anuais, os depósitos em numerário verificados em contas bancárias de A…… foram de: (...)2oo8(..)249.581,96(..)2oo9..)144.669,32(…) Verificação de pressupostos para avaliação indirecta da matéria colectável com referência ao ano de 2008 (...) Nos termos do artº 87º nº 1 alínea» da Lei Geral Tributária(LGT), com redacção à data dos factos, pode efectuar-se avaliação indirecta quando exista uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (....)Dado que em 2008 o valor do acréscimo patrimonial (€ 285.572,37) diverge em mais de que um terço dos rendimentos declarados acrescidos de um terço ( € 47.98 7,21) e o depositante não justificou a origem desses findos, (..j, verificam-se os pressupostos para avaliação indirecta do rendimento colectável de A……, cuja quantificação vai constar do capítulo(...) Verificação de pressupostos para avaliação indirecta da matéria colectável com referência a 2009(...)Os pressupostos a verificar em 2009 para a avaliação indirecta da matéria colectável foram alterados, sendo que de acordo com a nova redacção do artº 87(…) a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de (...)Dado que, em 2009, o valor do acréscimo patrimonial (€170.781,32), foi superior aos rendimentos declarados (26.112,00) e o depositante não justificou a origem desses fundos,(...) verificam-se os pressupostos para avaliação indirecta do rendimentos colectável de A……, (,..)
6. Por oficio nº 69374 datado de 21.11.2000 e remetido sob registo com aviso de recepção, assinado em 29,11.2011 foi o recorrente notificado do Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do artigo 77º da LGT e do artigo 62 do RCPIT, respeitante à ordem de serviço nº 01201103164 e da decisão de fixação por métodos indirectos, conforme previsto no nº 2 a do artº 65 do Código do IRS, da alínea f) do artigo 87 e n2 5 do art9 89-A da LGT, por remissão do artº 39º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do conjunto de rendimentos líquidos relativamente ao IRS dos anos de 2008 e 2009 no montante de € 290.250,42 e 165.369,32, respectivamente, cfr. doc. de fls. 90 do PA e que aqui se dá por reproduzido.
7. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fis. 91 dos autos, onde se descreve o valor do acréscimo patrimonial não justificado, após correcções efectuadas no seguimento do exercício do direito de audição apresentado pelo ora recorrente.
8. Em 09.12.2011 o Recorrente apresentou o presente recurso (cf. fls a 23 destes autos).»

6 - Do mérito do recurso

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que houve, por parte da Administração Tributária, utilização indevida de informação bancária relativa ao recorrido, pois que não foram observadas as normas que regulam a sua obtenção (artigos 63 e 63-B n 4 e 5 da LGT), e que, dessa forma, ocorreu vício de violação de lei impondo-se a anulação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável apurada.
Mais concretamente suscita-se a questão de saber se, obtida a autorização do sujeito passivo de acesso às suas contas bancárias no âmbito de um determinado procedimento, nomeadamente para os efeitos do artº 129º, nº 6 do Código do IRC (Na redacção então em vigor, que corresponde ao artº 139º do CIRC na actual redacção – decreto-lei 159/2009 de 13.07, e que estipulava o seguinte: «em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização».) essa informação bancária pode ser utilizada pela Administração Fiscal para fundamentar correcções efectuadas no âmbito de outro procedimento contra o mesmo sujeito passivo, em sede de IRS e com avaliação indirecta da matéria tributável com base em manifestações de fortuna, nos termos dos arts. 87º , alínea f) e 89.-A, n.º 5, alínea a), da LGT.

A decisão recorrida considerou que a autorização de acesso às contas bancárias só poderá valer para o procedimento em causa e não para qualquer outro, uma vez que o fim do procedimento é determinado, sendo as acções adoptadas adequadas e proporcionais aos objectivos a atingir, existindo uma proibição genérica de utilização de qualquer informação ou documento obtidos sem o respeito pelas regras do art. 63., nºs 3 e 4 do art. da Lei Geral Tributária.
Contra o assim decidido se insurge a entidade recorrente alegando em síntese que a informação bancária utilizada no procedimento inspectivo ora controvertido foi obtida após autorização expressa do contribuinte em sede de procedimento para prova do preço efectivo (129° do CIRC) e que, se a Administração Fiscal tem na sua posse informação bancária cujo acesso foi expressamente autorizado pelo contribuinte, não tem sentido obrigar à instauração de um procedimento de derrogação do sigilo bancário para obter informação que já foi previamente obtida de forma legal.


A nosso ver o recurso não merece provimento.

Em primeiro lugar cumpre referir que a tese da recorrente não colhe o arrimo da maior parte da jurisprudência por si invocada.
Os acórdãos citados, com excepção do acórdão 2496/08, de 18.12.2008, do Tribunal Central Administrativo Sul, tratam de situações fácticas distintas, com enquadramento jurídico diverso, sendo que a sua doutrina não é transponível par o caso subjudice.
Assim no acórdão 3189/02 do Tribunal Central Administrativo Sul estava em causa o aproveitamento pela Administração Tributária de informação relevante sobre a situação contabilística de uma determinada empresa legalmente obtida em de determinado exercício para a fixação da matéria colectável de exercícios posteriores em sede de IRC, analisando-se as implicações de tal actuação em face do princípio da periodização do lucro tributável.
Já o acórdão 243/09, do Tribunal Central Administrativo Norte tinha por objecto a apreciação da questão da utilização pela Administração Tributária de informação protegida por segredo bancário em caso de consentimento do contribuinte, mas a questão a dirimir centrava-se no ónus da prova da existência de tal consentimento.
Também o acórdão 1619/09 do Tribunal Central Administrativo Norte tratava de questão distinta pois que estava em causa o acesso da Administração Tributária a informação coberta pelo sigilo bancário obtida no âmbito do processo criminal, utilização essa que decorre do disposto no nº 9 do artº 63º-B da Lei Geral Tributária, norma que não tem aplicação no caso subjudice.
Apenas o Acórdão 2496/08 trata de situação com alguma similitude à do caso subjudice tendo-se ali concluído, com argumentação que não acompanhamos, que do estatuído nos artigos 83º, nºs 1 e 10 e 91º, ambos do CIRC, resulta, de forma clara, que a Administração Tributária pode servir-se dos elementos probatórios apurados e comprovados, em resultado do procedimento de derrogação do sigilo bancário de que foi alvo o sócio gerente da sociedade impugnante, para liquidar adicionalmente o imposto devido por este.

Vejamos então.
No caso é inequívoco que a Administração Fiscal teve acesso aos dados bancários do recorrido de forma legal, mas no âmbito de procedimento previsto no artº 129º do CIRC (Na redacção então em vigor, que corresponde ao artº 139º do CIRC na actual redacção – decreto-lei 159/2009 de 13.07.) requerido pela empresa B……, SA.
Essa autorização foi concedida pelo recorrido, para os efeitos do artº 129º, nº 6 do CIRC e na qualidade de administrador da referida empresa, nada permitindo concluir que este consentimento permitia à Administração Fiscal a utilização de elementos protegidos pelo sigilo bancário para outros fins que não os constantes do referido normativo.
Trata-se de procedimento previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes e que tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe assim obviar à aplicação do disposto no artº 58-Aº nº 2 do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
A autorização de acesso à informação bancária prevista no artº 129º, nº 6 do CIRC tinha, pois, como única finalidade a comprovação do pedido de demonstração a que alude aquele normativo.
E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve «ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior».
Porém a Administração Fiscal utilizou a informação bancária assim obtida, da qual teve conhecimento de múltiplos depósitos em numerário, para desencadear um procedimento de inspecção ao recorrido, em sede de IRS e com referência aos exercícios de 2008 e 2009, propondo a avaliação indirecta nos termos e para os efeitos do artº 87º, al. f) do CIRS e com aplicação do artº 89º-A nº 5 da Lei Geral Tributária.
Ora, como bem se nota na sentença recorrida, esta autorização de acesso às contas bancárias só poderá valer para o procedimento em causa e não para qualquer outro, uma vez que o fim daquele procedimento é claramente determinado, sendo as acções adoptadas adequadas e proporcionais aos objectivos a atingir.
Argumenta a recorrente que na norma em questão não consta qualquer referência ao uso limitado da referida informação e que o contribuinte que autorize o acesso à sua informação bancária não deixará de antecipar a possibilidade dessa informação ser utilizada simultaneamente em seu benefício e em seu prejuízo, não se formando, por isso, qualquer confiança merecedora de tutela.
Mas esta argumentação não nos convence.
A limitação do uso da informação bancária obtida não decorre apenas do referido artº 129º do CIRC mas também das normas que regulam a possibilidade de acesso directo da Administração Tributária a informação coberta por sigilo bancário e dos princípios que informam o procedimento tributário, mormente os arts. 63º e 63º-B, ns. 4 e 5 da Lei Geral Tributária e o princípio da proporcionalidade (arts. 266º, nº 2 da Constituição da República e 55º da Lei Geral Tributária).
Com efeito nos ns. 1 e 2 do artº 63º-B da Lei Geral Tributária na redacção da Lei nº 55-B/2004, aplicável ao caso subjudice (E também na redacção actualmente vigente.) prevêem-se situações em que a administração tributária pode aceder directamente à totalidade dos documentos cobertos pelo sigilo bancário.
Trata-se de situações em que é a própria Administração Tributária, independentemente de autorização do tribunal ou do interessado, que decide aceder a esses documentos.
Porém, mesmo nos casos em que lhe é permitido o acesso a toda a documentação bancária a actuação da Administração Tributária deverá limitar-se ao que for necessário para obtenção dos fins em vista, como impõe o principio da proporcionalidade, que deve nortear a sua actuação (Cf., neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pag. 569.)
Acresce que, dado o especial relevo dos interesses em causa, nomeadamente a possibilidade de restrição de direitos individuais, consagrados constitucionalmente, nomeadamente o direito à intimidade privada (artº 26º, nº 1 da Constituição da República), a Lei Geral Tributária é particularmente exigente na definição dos pressupostos do acesso a informações e documentos bancário por parte da Administração Tributária, exigindo-se fundamentação com expressa menção dos motivos que justificam a decisão de derrogação do sigilo bancário e reservando-se o poder de decidir aos dirigentes máximos da Administração Tributária sem possibilidade de delegação de competências (artº 63º-B, nº 4 da Lei Geral Tributária).
Ora no caso, a Administração Tributária, através do procedimento previsto no artº 129º, nº 6 do CIRC e de forma indirecta, acedeu aos documentos e informações bancárias referentes ao recorrido, sem que se verificassem aqueles pressupostos e sem que ao mesmo, como titular do direito ao sigilo, fosse concedida a possibilidade de sindicar esses pressupostos ou lhe fosse facultado o exercício do direito ao recurso previsto no artº 146º.B do Código de Procedimento e Processo Tributário.
E o certo é que nada nos autoriza a afastar a hipótese de provimento desse recurso, logrando-se assim impedir o acesso à documentação bancária em causa.
A não ser assim, como bem nota a Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, estaríamos a permitir a utilização de informação sigilosa para outros fins tidos por convenientes pela Administração, sem que esta tivesse previamente de justificar e fundamentar o seu uso, o que redundaria numa subversão das finalidades que se pretenderam acautelar com a instituição de um regime específico e regras estritas para o acesso à informação bancária.

Finalmente se dirá que não procede também a argumentação da entidade recorrente quando invoca o princípio do inquisitório e a descoberta da verdade material como orientação primária da Administração Tributária no procedimento inspectivo querendo daí retirar apoio para a sua tese.
Com efeito, sendo certo que a Lei Geral Tributária consagra nos seus arts. 50º e 72º (Dispõe art. 50.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que «No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares».
Por sua vez refere o art. 72.º da Lei Geral Tributária que «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito».) o princípio da liberdade da prova no procedimento tributário e sendo manifesto que a informação bancária do Contribuinte constitui um meio de prova decisivo para a Administração Tributária formar a sua convicção, a verdade é que não pode admitir-se a utilização desse meio de prova caso o mesmo não tenha sido obtido com observância de todos os seus pressupostos legais.
Até porque, antes de mais, a Administração Tributária está obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, consagrado no art. 266.°, n.º 2, da Constituição da República, reconhecido também genericamente no art. 55 .° da LGT e concretizado no art. 3.°, nº 1, do CPA.
Ora decorre do artº 63º nº 3 da Lei Geral Tributária que o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário se faz nos termos previstos nos arts. 63º-A, 63º-B e 63º-C do mesmo diploma legal.
O que pressupõe que a decisão de acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do respectivo titular deve ser fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam e notificada aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do Director Geral dos Impostos ou substituto legal, sem possibilidade de delegação e sendo susceptível de recurso (art. 63º-Bn ns. 4 e 5 da Lei Geral Tributária)
No caso, como vimos, isso não sucedeu.
Daí que se entenda que a Administração Tributária utilizou ilegitimamente a informação bancária relativa ao recorrido, não tendo observado as normas que regulam a sua obtenção (artigos 63 e 63-B n 4 e 5 da LGT), incorrendo em vício de violação de lei.
A sentença recorrida, que assim decidiu, merece, pois, ser confirmada.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela entidade recorrente,
Lisboa, 5 de Setembro de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.