Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0457/18
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:O recurso excepcional de revista não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, não podendo ser utilizado para a imputação de erros de julgamento ao aresto recorrido sem a verificação dos requisitos previstos no art.º 150.º do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P23422
Nº do Documento:SA2201806200457
Data de Entrada:05/04/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, exarado em 12/12/2017, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por caducidade do direito de acção, julgou improcedente a impugnação judicial que apresentara contra actos de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos 0406T, 0412T, 0503T, 0606T, 01606T do ano de 2007.

1.1. Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

A. O douto acórdão que aqui se recorre julgou improcedentes as conclusões de recurso. Considerando que ao decidir no sentido referido a sentença recorrida não merecia censura, e que a mesma deveria ser confirmada na ordem jurídica;

B. Considerou o douto acórdão que “Sem embargo, não se vê que a presente asserção possa rescindir o entendimento adquirido nos autos. É que a caducidade da ação corresponde a um prazo substantivo, de conhecimento oficioso, cujo cômputo não depende do conhecimento das partes sobre a natureza e – ou consistência do vício alegadamente assacável ao ato impugnado. Pelo que o esgotamento do prazo em liça é deixado intocado pela mesma. Ao decidir no sentido referido a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica”;

C. Desta forma, se verifica desde já o requisito legal de admissão do recurso de revista nos termos do disposto no artigo 150.º do CPTA, pois o Tribunal a quo, ao considerar erradamente esgotado o direito de ação, viola claramente o disposto no artigo 102.º n.º 3 do CPA que considera que a nulidade pode ser suscitada a todo o tempo;

D. O RECORRENTE intentou a presente impugnação judicial dos atos de liquidação adicionais, identificados nos presentes autos, em Setembro de 2015.

E. O RECORRENTE apenas tomou conhecimento de que as liquidações aqui em causa se encontravam feridas de vício de incompetência em virtude de as mesmas terem sido emitidas pelo Subdirector Geral dos Impostos, em meados do mês de Agosto do ano de 2015;

F. Só nessa data obteve conhecimento da sentença proferida no processo de impugnação nº 2347/08.9BEPRT, que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto;

G. E como referido na douta sentença, as liquidações adicionais de IVA, objecto dos presentes autos, foram emitidas em nome da sociedade B…………, S.A. E foram emitidas, todas sem exceção, pelo Exmo. Sr. Subdirector-Geral dos Impostos;

H. O Subdirector-Geral dos impostos, não tinha competência para a emissão das liquidações adicionais de IVA em causa. Porque estão feridas de ilegalidade, por serem da autoria de quem não tinha competência para as emitir;

I. Considerando os normativos vigentes à época dos factos, temos que, como entendido pelo TAF do Porto – U.O.5 – processo n.º 2347/08.9BEPRT – “decorria do artigo 82.º n.º 1 do código do IVA, na redacção do DL 472/99, de 08.11, o seguinte: “sem prejuízo do disposto no artigo 84.º, o Chefe da repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença”.

J. Com o DL 102/2008, de 20 de Junho, passou aquele normativo a prever que as retificações podiam ser efetuadas pelo Director de Finanças, designadamente no artigo 87.º, onde se consignou que: “sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção Geral dos Impostos procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.”;

K. Assim, notamos que, antes da redacção introduzida pelo DL 102/2008, o CIVA (artigo 82.º n.º 1) a competência para as retificações das declarações de IVA era atribuída aos Chefes de Repartições de Finanças;

L. Tratava-se, como se disse no Acórdão do TCA Sul, datado de 27.09.2011, processo 04481/11, de uma “…competência, no âmbito da hierarquia externa da AF, tal competência é própria, independente e exclusiva” do chefe de Finanças” e, assim sendo, consoante se disse igualmente naquele aresto, “o Director de Finanças não podia delegar nos SIT a competência para a rectificação das declarações de IVA, e inerente liquidação de imposto, a coberto do referido normativo, por ela não lhe caber”;

M. Aos Chefes de Repartição de Finanças foi atribuída competência própria, sem dependência da qualidade que detém numa escala hierárquica.

N. Tal competência era ainda exclusiva, já que, na referida cadeia hierárquica, os seus superiores apenas tinham a possibilidade de revogação dos atos praticados por aqueles, e não de modificar ou substituir o seu teor, uma vez que a lei a não atribui a um qualquer outro órgão da Administração Tributária.

O. Sendo assim, in casu, estava em vigor o artigo 82.º n.º 1 na redação dada pelo DL 472/99 de 08/11 (Cfr. nº 1 do art. 3º do Decreto-Lei nº 472/99) e, cabendo a competência para a retificação de declarações dos sujeitos passivos, por lei e nos termos do nº 1 do artigo 82º do CIVA, aos chefes das repartições de finanças/chefes dos serviços de finanças a quem o normativo incumbia, sem menção de outrem com idêntica faculdade, o poder/dever de proceder às retificações das declarações dos sujeitos passivos quando nelas constatasse, fundamentadamente, um imposto inferior ao devido ou uma dedução superior à devida.

P. Como está bom de ver a razão acompanha o RECORRENTE, em virtude de ocorrer o apontado vício de incompetência, e, não obstante a delegação de competências no Subdiretor, tal ilegalidade não fica sanada visto que a competência era, na época dos factos, exclusiva dos Chefes de Finanças e ainda que houvesse delegação de competências de nada valeria, consoante explica o Acórdão do TCAS que acompanhamos.

Q. Só após a renumeração decorrente do artigo 6º do DL nº 102/2008, de 20/06, os artigos 82º e 87° do CIVA, que correspondem atualmente aos artigos 87° e 92º, respetivamente, passou a decorrer que, para além do chefe de finanças ser competente para a retificação das declarações de IVA (nos casos ali enunciados), essa competência tombem passou a ser da Direção de Serviços de Cobrança do IVA (se para tal estiverem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 87º, ou seja, se a Direção, dispuser de todos os elementos necessários ao apuramento do Imposto ou dos juros compensatórios) — veja-se neste sentido Acórdão do TCA Norte de 28.02.2013 tirado do processo n° 00383/08.4BEBRG.

R. Ante a jurisprudência supra transcrita, vista à luz do probatório, impõe-se concluir que ocorre a incompetência por banda do Subdiretor, nos termos expostos, pelo que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devem ser declarados nulos, por vício de incompetência, por ser tal incompetência geradora da forma mais grave de invalidade — nulidade.

S. Os atos tributários de liquidação adicional de IVA e de liquidação de Juros Compensatórios foram todos praticados pelo Senhor Subiretor-Geral dos Impostos, em consequência das declarações de IVA de substituição entregues pela sociedade que o aqui RECORRENTE representou.

T. Como já supra citado e pelo entendimento de Emanuel Vidal de Lima tal competência legal compete ao Chefe do Serviço de Finanças as retificações e liquidação adicional de imposto, sendo que aquelas correções podem, além do mais, serem decorrência de apuramento corretivo operado pelos serviços de inspeção.

U. Assim, andou mal o acórdão recorrido ao considerar que “As liquidações adicionais em causa datam de Novembro de 2009 e Julho de 2010. À data o artigo 133º do CPA estabelecia o elenco dos vícios dos actos jurídicos passíveis de gerar a nulidade, do qual não consta a incompetência invocada na petição inicial em apreço.”.

V. Só quando obteve conhecimento da sentença proferida no processo acima mencionado, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e que mencionou de forma inequívoca a incompetência do Subdiretor-Geral dos Impostos para a prática do ato, de emissão de liquidações adicionais. O aqui RECORRENTE, efetuou a associação de que as liquidações adicionas de IVA tinham sido emitidas pela mesma pessoa. Logo também estas se encontrariam feridas de incompetência.

W. Pois que, seria inconcebível que, a mesma pessoa, fosse incompetente para a prática de um ato para uma sociedade mas já não o fosse para a prática de um ato igual e de igual natureza para outra sociedade.

X. Assim, os atos de liquidação adicionais encontram-se feridos de nulidade nos termos do disposto no artigo 161º nº 2 alínea e) e l) do Código de Procedimento Administrativo (CPA);

Y. “A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o acto totalmente ineficaz, é insuscetível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo.” - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo: 00007/09.2BEMDL, de 09.06.2010, disponível em http://www.dgsi.pt.

Z. Pelo que tais atos não podem ser mantidos na ordem jurídica, tendo de ser declarados nulos, com todas as cominações legais.

AA. Assim e por tudo supra exposto, sendo a nulidade invocável a todo o tempo, não existe a alegada exceção de intempestividade por caducidade do direito de intentar a presente impugnação judicial.

BB. Contudo, e caso não seja esse o entendimento, o que não se compreende e apenas se concede por mero dever de patrocínio, não se verificou no caso em apreço, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a referida exceção, pois que o RECORRENTE apenas teve conhecimento da incompetência em meados de agosto de 2015.

CC. Logo, só aquando da obtenção desse conhecimento, ou seja, teve conhecimento do ato lesivo. E só a partir do momento em que teve conhecimento do ato lesivo se inicia a contagem do prazo da impugnação.

DD. Desta forma, e tendo obtido o conhecimento, em meados de agosto de 2015, e intentado a presente ação em setembro de 2015. Não se encontram, nunca, esgotado o prazo de 90 dias estabelecido no artigo 102º do CPPT.

EE. Não se verificando, contrariamente ao entendimento do tribunal a quo consequentemente, a exceção dilatória da caducidade do direito de ação.

FF. Por tudo isto, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar improcedente a impugnação judicial, considerando verificada a exceção de caducidade do direito de ação, por intempestividade da impugnação judicial.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da não admissão do recurso, na consideração de que a questão suscitada não tem relevância jurídica ou social nem importância fundamental, nem é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o nº 6 do artigo 150º do CPTA.

2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação de Juízes prevista no nº 6 do referido preceito legal.

Tal preceito prevê, assim, a possibilidade recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Trata-se, por conseguinte, de uma válvula de segurança do sistema, que só deve ser accionada nos estritos limites do preceito, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.

Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente, tendo em conta que a questão que o Recorrente pretende ver apreciada é a de saber se o vício de incompetência de que, na sua óptica, padecem os actos liquidações impugnados, é susceptível de determinar a nulidade dos actos, o que determinaria, por consequência, a possibilidade de serem arguidos e conhecidos a todo o tempo.

Em suma, o que o Recorrente invoca é que este recurso excepcional é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, na medida em que no acórdão recorrido se julgou, de forma errada, que se encontrava esgotado o direito de impugnar judicialmente os actos tributários sindicados, em clara violação do disposto no art.º 102.º n.º 3 do CPA, segundo o qual a nulidade dos actos pode ser suscitada a todo o tempo.

Sobre análogo recurso, interposto com idênticas alegações e conclusões, já se debruçou o acórdão prolatado por esta formação em 16/05/2018, na revista nº 1295/17, cuja motivação acompanhamos na íntegra, e que, por isso, nos limitamos a reproduzir.

«(…) No caso dos autos, o recorrente invoca ser a admissão do recurso “claramente necessário para uma melhor aplicação do direito” – cfr. requerimento de fls. 302 dos autos – alegando que o Tribunal a quo, ao considerar erradamente esgotado o direito de ação, viola claramente o disposto no artigo 102.º n.º 3 do CPA que considera que a nulidade pode ser suscitada a todo o tempo – cfr. conclusão C) das suas alegações de recurso.
É, porém, manifesta a desnecessidade da admissão do presente recurso.
O Acórdão recorrido não põe, de modo nenhum, em causa, que a impugnação de actos nulos possa ser deduzida a todo o tempo, como estabelece a disposição legal citada pelo recorrente (bem como o n.º 3 do artigo 102.º do CPPT, aliás). O que diz, e bem, é que o vício de incompetência relativa não fere de nulidade os actos praticados, fere-os, ao invés, com o valor jurídico negativo da anulabilidade, sendo esse claramente o regime que decorre no disposto nos artigos 133.º e 135.º do CPA, conforme ensina a generalidade da doutrina e constitui jurisprudência pacífica.
O mesmo se diga do juízo segundo o qual o termo inicial do prazo de 3 meses para a impugnação judicial se conta do termo do prazo de pagamento voluntário – há muito esgotado à data em que a petição inicial deu entrada em juízo –, e não da data em que o impugnante teve conhecimento da sentença proferida no processo 2347/08.9BEPRT.
Não há, pois, erro clamoroso que importe corrigir no acórdão recorrido ou especial complexidade da matéria convocada no processo.

Razão por que se entende não haver justificação legal para a admissão da revista.».


Pelo exposto, não correspondendo o recurso excepcional de revista à introdução generalizada de uma nova instância de recurso e não podendo ser utilizado para a imputação de erros de julgamento ao aresto recorrido sem a verificação dos requisitos previstos no art.º 150.º do CPTA, não pode ser admitido o presente recurso.


3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 6 do artigo 150.º do CPTA, em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 20 de Junho de 2018 – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – António Pimpão.