Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0660/10
Data do Acordão:09/15/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
MÉTODOS INDICIÁRIOS
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
Sumário:I - No que diz respeito a imóveis, não existe qualquer incompatibilidade entre o disposto nas alíneas d) e f), ambas do artº 87º da LGT. Com efeito, sendo o valor de aquisição superior a 250.000,00 euros a Administração Tributária fica legitimada a realizar avaliação indirecta ao abrigo da citada alínea d) e do artº 89º-A da LGT; sendo o valor de aquisição inferior aquele montante e verificando-se a situação prevista na alínea f) citada, a Administração Tributária pode realizar a avaliação indirecta com fundamento nesta norma.
II - Demonstrando o contribuinte apenas proveniência parcial do valor de aquisição do imóvel, mantém-se o direito de a Administração Tributária realizar a avaliação indirecta e de recorrer à derrogação do sigilo bancário para obtenção de informações bancárias relativas ao respectivo contribuinte.
Nº Convencional:JSTA00066579
Nº do Documento:SA2201009150660
Data de Entrada:08/25/2010
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - SIGILO BANCÁRIO.
Legislação Nacional:LGT98 ART87 D F ART89-A N4 ART68-B.
L 100/99 DE 1999/07/26.
L 30-G/2000 DE 2000/12/29 ART13 N2.
L 55-B/2004 DE 2004/12/30 ART40 N1.
L 94/2009 DE 2009/09/01 ART2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC734/09 DE 2010/05/19.; AC STAPLENO PROC761/08 DE 2009/01/28.; AC STA PROC403/09 DE 2009/05/27.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O Director-Geral dos Impostos veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Aveiro que revogou o seu despacho de 23.12.2009, que autorizava o acesso a informações bancárias do recorrido A…, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
Iª). A aquisição de um imóvel por parte do visado, pelo preço de € 245.000,00 (valor inferior ao previsto na tabela constante do nº 4 do artigo 89°-A da LGT, e consequentemente não enquadrável nos pressupostos da avaliação indirecta constantes da alínea d) do artigo 87º da LGT) configura uma situação enquadrável na alínea f) do artigo 87° da LGT.
IIª). Correspondendo aquele montante a um valor inferior ao previsto na tabela constante do n° 4 do artigo 89°-A da LGT, e consequentemente não enquadrável nos pressupostos da avaliação indirecta constantes da alínea d) do artigo 87° da LGT, a situação de facto aqui configurada cai fora do âmbito da previsão da Tabela inserta no n° 4 do artigo 89°-A.
IIIª). Tal não significa, porém, que, relativamente às aquisições de imóveis por valor inferior a €250.000,00, esteja excluída a possibilidade de determinação do rendimento tributável por métodos indirectos.
IVª). A introdução, pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2005, da alínea f) do artigo 87° da LGT pretendeu acautelar especificamente as situações de facto - consubstanciadas num acréscimo de património ou de consumos evidenciados, não consentâneos com os rendimentos declarados à Administração Tributária - em que, não estando abrangidas pela previsão constante da alínea d) do artigo 87° da LGT - que se reconduzem às situações tipificadas no n° 4 do artigo 89°-A - ainda assim, justificariam que fosse desencadeado procedimento inspectivo, no sentido de averiguar a veracidade das declarações prestadas à Administração Tributária.
Vª). Não pode, igualmente o Tribunal admitir como excluído do âmbito da avaliação indirecta - dando como afastada a presunção de veracidade do declarado - a aquisição de imóveis por valor inferior a € 250.000,00, quando admite taxativamente que a aquisição de outros bens, por valor inferior a €250.000,00 configure indícios de falta de veracidade do declarado, e justifique a avaliação indirecta do rendimento tributável.
VIª). O legislador ao embutir - em momento posterior à introdução da alínea d) do artigo 87° e do artigo 89°-A da LGT - a alínea f) do artigo 87° no elenco da situações fácticas que legitimam a avaliação indirecta do rendimento tributável, quis inter alia expressamente acautelar toda e qualquer tentativa de planeamento fiscal, que visasse afastar a aplicabilidade da alínea d) do artigo 87°.
VIIª). Efectivamente, não se poderá olvidar que a intenção última do legislador será sempre assegurar que o Estado cumpra as suas incumbências constitucionalmente consagradas (artigo 81° da Lei Fundamental), nomeadamente “promover a justiça social ...operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”.
VIIIª). A intenção do legislador não poderá ter sido outra senão a de assegurar que perante qualquer manifestação de acréscimo patrimonial ou de consumo -. que não os enquadráveis na tabela constante do n° 4 do artigo 89°-A da LOT- em que fosse patente a existência de divergência superior a um terço entre rendimento declarado, e tal evidência, haveria lugar à aplicação de métodos indirectos de tributação, e inversão do ónus da prova.
IXª). A inversão do ónus da prova assegura plenamente ao particular a defesa dos seus interesses, não ficando este minimamente prejudicado, caso não tenha incorrido em qualquer omissão perante a Administração Tributária.
Xª). A aplicação do regime da avaliação indirecta a estas situações não configura qualquer violação de princípios constitucionais, porquanto, o dever fundamental de pagar impostos é o fundamento último do regime de avaliação indirecta.
XIª). De facto, a própria Constituição não afasta a possibilidade de avaliação indirecta do rendimento tributável, porquanto o fim último da tributação do rendimento pessoal é efectivamente a diminuição das desigualdades.
XIIª). E, visando a tributação pessoal a diminuição das desigualdades, esta há-de necessariamente atender à capacidade contributiva demonstrada - a qual é auferível, nomeadamente pelas acessões patrimoniais dos indivíduos.
XIIIª). Sendo presunções ilidíveis as constantes do artigo 89°-A, não resulta prejudicado qualquer direito dos particulares que a Lei Constitucional visasse acautelar.
XIVª). Tendo o n° 11 do artigo 89°-A da LGT natureza adjectiva, está a Administração Tributária adstrita ao cumprimento de tal formalidade, desde o momento da sua entrada em vigor, relativamente a todos os procedimentos em curso.
XVª). Concluindo-se pela verificação das circunstâncias previstas na alínea O do artigo 87°, e independentemente da natureza do n° 11 do artigo 89°-A da LGT, sempre a Administração Tributária estaria legitimada a aceder aos elementos bancários do visado, à luz do regime contemplado no artigo 63°-B da LOT, cujas formalidades foram cumpridas pela Administração Tributária.
XVI. É assim legítima a decisão da Entidade Recorrente, anulada pelo Tribunal a quo, que autorizou o acesso aos elementos bancários do visado, porquanto existia previsão legal para tal desde 01.01.2005, e as formalidades a esta inerentes foram plenamente satisfeitas.
Pelo supra exposto, mal andou a decisão aqui posta em causa, por erro de julgamento, pelo que, nestes termos e nos mais de direito que V.ª Ex. doutamente suprirá, deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a decisão do Tribunal a quo que anulou o despacho que determinou o acesso aos elementos bancários do contribuinte, e substituindo- a por outra que reconheça a legalidade de tal decisão, com todas as legais consequências.
2. O MºPº emitiu o parecer constante de fls. 86 no qual defende a improcedência do recurso.
3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos.
A) Por despacho de 08/05/2008 foi determinado procedimento de inspecção com o objectivo de Consulta recolha e cruzamento de elementos relativos ao aqui Recorrente, tendo por referência os rendimentos auferidos no ano de 2006 e listagem de aquisição imóveis oriunda da DF Porto (fls. 1 do PA);
B) De acordo com síntese cadastral, consulta de liquidação de IRS e consulta de actos de transmissão de imóveis, o agregado familiar do Recorrente auferiu no ano de 2006 um rendimento global de €28 231,92, tendo aquele adquirido em 17/02/2006 pelo valor de € 245 000,00 prédio Urbano inscrito na matriz da freguesia da Glória Aveiro, sob o artigo 4800 (fls. 2 a 4 do PA);
C) Por ofício datado de 20/01/2009 o Recorrente foi notificado para, no prazo de 10 dias, apresentar cópia dos extractos bancários que evidenciassem a origem e mobilização dos recursos financeiros utilizados na aquisição do imóvel, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a fixação do rendimento tributável com recurso a avaliação indirecta em procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, de acordo com o disposto nos artigos 87° alínea f), 89° -A n°s 5 e 11 da LGT (fls. 5 a 6 do PA);
D) O Recorrente apresentou em 19/02/2009 resposta confirmando a mobilização de recurso através de contas bancárias num montante global € 194.855,04, juntando os documentos comprovativos e informando que os mesmos provinham de período de 12 anos em que ambos os cônjuges trabalharam no ramo hoteleiro na Alemanha (fls. 7 a 15 do PA);
E) Por ofício de 09/03/2009 a Direcção de Finanças de Aveiro solicitou ao Recorrente os elementos bancários comprovativos dos recursos financeiros utilizados para o pagamento integral do preço do imóvel, considerando insuficiente a justificação de € 194 000,00 dos €245 000,00 (fls. 16 do PA);
F) O Recorrente respondeu por carta datada de 20/03/2009 e recebida em 24/03/2009 considerando que de acordo com o artigo 87° f) da LGT deu cumprimento à exigência de comprovação naquele prevista por ultrapassar largamente o terço da diferença entre o valor de aquisição e os rendimentos declarados (fls. 17 a 18 do PA);
G) Em 14/04/2009 foi proposta pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro a derrogação do sigilo bancário relativa às contas de que sejam titulares os sujeitos passivos, Recorrente e mulher, considerando que não foram oferecidas provas suficientes da totalidade dos recursos financeiros utilizados na aquisição do imóvel (fls. 19 do PA);
H) Por despacho datado de 23/12/2009 foi autorizada a derrogação do sigilo bancário, com base em informação datada de 16/12/2009 da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso onde se pode ler:
“A Direcção de Finanças de Aveiro, apresentou ao Senhor Director-Geral dos Impostos uma proposta de derrogação do sigilo bancário dos contribuintes A…, NIF … e B…, NIF …, respeitante a IRS do ano de 2006.
Por determinação superior cumpre-nos analisar o contraditório (audiência prévia exercida pelos sujeitos passivos) e a proposta efectuada pelo Senhor Chefe de Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária 1, no exercício de poderes sub-delegados.
1 - Derrogação do sigilo bancário relativamente a A… e B….
1.1 -Base legal
O fundamento legal da proposta de derrogação do sigilo bancário é a alínea c) do n° 1 do artigo 63°-B da LGT.
Nos termos dessa disposição, pode a Administração aceder aos documentos bancários do contribuinte, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando se verificar a situação prevista na alínea f) do n° 1 do artigo 87° do mesmo diploma.
Nesta outra disposição prevê-se a possibilidade de realização de avaliação indirecta na matéria tributável, quando exista “uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”.
Refira-se, ainda, que - verificada uma situação enquadrável na citada alínea f) do n° 1 do artigo 87° - o artigo 89°-A da LGT estabelece, no seu n° 3, que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que correspondem à verdade os rendimentos por si declarados bem como de que é outra a fonte do acréscimo de património ou consumo evidenciados, e estabelece, no seu n° 5, como deve, então, ser determinado o respectivo rendimento tributável.
1.2 - Síntese factual
A Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro verificou que os contribuintes supra identificados haviam adquirido em 2006, por € 245.000,00, um prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artº. 4800 da freguesia da Glória, concelho de Aveiro. Constatou-se também que, nesse ano, os rendimentos declarados foram apenas de € 28.231,92.
Dessa aquisição decorre um acréscimo patrimonial dos contribuintes, no ano de 2006, de € 245,000,00, acréscimo patrimonial esse que representa uma divergência muito superior a um terço relativamente aos rendimentos declarados pela contribuinte nesse mesmo ano de 2006, que foram, como se referiu, de € 28.231,92, verificando-se os pressupostos do artigo 87°, nº 1, alínea f).
Dessa situação foram os contribuintes notificados para proceder à prova de que correspondiam à verdade os rendimentos por si declarados e que era outra a fonte das manifestações de fortuna em causa.
1.3 - Direito de audição - análise
1.3.1 - Notificados para exercer o direito de audição nos termos da alínea d) do n° 1 do artº. 60° da LGT através do ofício n° 8300590 de 20.01.2009, vieram os contribuintes supra identificados responder através de oficio, com data de entrada na Direcção de Finanças de Aveiro de 19-02-2009, arguindo, relativamente ao imóvel citado, que haviam sido mobilizados determinados recursos financeiros, em três instituições bancárias, no montante total de € 194.855,04, para efectuar a sua compra.
Juntaram os contribuintes como comprovativos documentos bancários evidenciando um levantamento da …, em 20.02.2006, no montante de € 115.855,04, bem como duas liquidações de contas-poupança: uma do …, no valor de € 40.000 e outra do …, na importância de €39.000, a primeira no dia 14.02.2006 e a segunda no dia 16.02.2006.
1.3.2 - É enviado para os sujeitos passivos novo ofício por parte da Direcção de Finanças de Aveiro, desta feita o ofício nº 8302319 de 9.03.2009, informando que se mostram insuficientes as quantias movimentadas (€ 194.000,00) para justificar o montante dispendido no imóvel (€ 245.000), razão pela qual se alerta no referido ofício para a necessidade de comprovação de quais os recursos financeiros utilizados para o pagamento integral do preço do imóvel em questão.
A este ofício vêm os contribuintes responder em 24.03.2009, reiterando a matéria anteriormente alegada no que respeita aos valores movimentados, acrescentando ainda a justificação para não necessitar de comprovar a totalidade do preço do imóvel.
1.3.3 - Fazendo uma interpretação completamente errada da alínea f) do n° 1 do artº. 87° da LGT, alegam os contribuintes, que “da leitura atenta do artigo” resulta que o valor sujeito a comprovação por parte dos sujeitos passivos é de apenas um terço da diferença entre o valor do imóvel adquirido e o valor do imóvel, ou seja, e conforme tabela que apresentam no ofício, sendo a diferença entre os dois valores de € 216.768,08, apenas têm a justificar € 72.256,03. Como apresentaram comprovativos dos recursos financeiros utilizados para pagamento do imóvel em diversas instituições bancárias no montante total de € 194.000,00, ultrapassando esse valor, nada mais têm de comprovar.
Ora, na verdade, nos termos do n° 3 do artº. 89º-A da LGT cabe aos sujeitos passivos demonstrarem que é outra a fonte do acréscimo de património, o que resulta claramente na necessidade de comprovação da totalidade dos recursos financeiros utilizados para a aquisição do bem que consubstancia o referido acréscimo de património, sendo esta a corrente jurisprudencial dominante.
É liquido e isento de dúvidas pela leitura do artigo, como se refere, e bem, na informação remetida a esta Direcção de Serviços por parte dos Serviços de Inspecção Tributária de Direcção de Finanças de Aveiro, “A existência de uma divergência de, pelo menos um terço entre as rendimentos declarados e o acréscimo do património é, apenas, um pressuposto ou condição legal para que possa haver lugar à avaliação indirecta, de harmonia com a alínea f) do artº. 87° da LGT”
Nos termos desta disposição legal, há lugar à avaliação indirecta quando se verificam três pressupostos ou indícios, todos eles objectivos: um acréscimo patrimonial, um rendimento declarado e a divergência não justificada entre um e outro de, pelo menos, um terço.
1.3.4 - Entendeu-se assim ser de proceder à avaliação da matéria colectável do contribuinte pelo método indirecto previsto no artigo 89°-A da LGT e em conformidade com determinado no n° 5 da mesma disposição legal.
Não tendo sido feita prova suficiente no que respeita à totalidade dos recursos financeiros utilizados, impõem-se a derrogação do sigilo bancário nos termos da alínea c) do 1 do artº. 63° da LGT.
É a própria alínea c) do n° 1 do artº. 63º-B da LGT que prevê que a Administração Tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando se verificar a situação prevista na alínea c) do artº. 87°.
2 - Conclusão
Verificam-se os pressupostos legais previstos na alínea c) do artigo 63°-B da LGT para derrogação do sigilo bancário relativamente aos contribuintes A… e B…, pois que existe uma divergência não justificada, superior a um terço entre os rendimentos declarados no ano de 2006 e o acréscimo do seu património evidenciado pela aquisição, no mesmo ano, por € 245.000,00, um prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Glória, concelho de Aveiro, sob o artigo 4800.” (fls. 20 a 24 do PA).
I) A decisão identificada em H) foi notificada ao recorrente por carta datada de 06/01/2010 e recebida em 07/01/2010 (fls. 26 a 28 do PA);
J) Por ofício remetido em 12/01/2010 pela Direcção de Finanças de Aveiro ao Banco de Portugal foi requerido o envio dos extractos de todas as contas bancárias de que sejam titulares o Recorrente e sua mulher no período compreendido entre 01/01/2005 e 31/12 2006 (fls. 29 a 30 dos PA);
K) O presente recurso deu entrada em 13/01/2010 (fls. 2 dos Autos).
4. De acordo com as conclusões das alegações, a questão a conhecer no presente recurso é a de saber se, relativamente a aquisição de um imóvel pelo preço de 245.000,00 euros, sendo certo que não se pode enquadrar no âmbito dos artºs 87º e 89º-A, nº 4 da LGT, se pode enquadrar na alínea f) desse artº 87º.
A decisão recorrida, louvando-se num acórdão do TCAN, de 22/01/2009, parcialmente transcrito de fls. 44 a 49, entendeu que, relativamente a aquisição de imóveis a Administração Tributária apenas está legitimada a realizar avaliação indirecta nos casos expressamente previstos na alínea f) do artº 87º da LGT, com referência ao artº 89º-A do mesmo diploma.
Deste modo, desde que o valor de aquisição do imóvel seja de montante inferior a 250.000,00 euros, a Administração Tributária não pode fazer valer o regime consagrado na alínea f) do citado artº 87º, aplicando-se esta norma apenas a situações de acréscimos de património ou consumo distintos dos enunciados no nº 4 do artº 89º-A da LGT.
Diferente entendimento manifesta a recorrente Fazenda Pública que argumenta da seguinte forma:
A alínea f) do artº 87º da LGT pretendeu acautelar especificamente as situações de facto - consubstanciadas num acréscimo de património ou de consumos evidenciados, não consentâneos com os rendimentos declarados à Administração Tributária - em que, não estando abrangidas pela previsão constante da alínea d) do artigo 87° da LGT - que se reconduzem às situações tipificadas no n° 4 do artigo 89°-A - ainda assim, justificariam que fosse desencadeado procedimento inspectivo, no sentido de averiguar a veracidade das declarações prestadas à Administração Tributária.
Com a introdução posterior desta alínea e do artº 89º-A, na LGT o legislador pretendeu elencar situações de facto que legitimam a avaliação indirecta, procurando acautelar toda e qualquer tentativa de planeamento fiscal que visasse afastar a aplicabilidade da alínea d) do artº 87º.
Deste modo, na citada alínea f) enquadram-se todas as situações de acréscimo patrimonial ou de consumo que não caibam no âmbito da alínea d) do artº 87º e do nº 4 do artº 89º-A da LGT.
Vejamos então qual a tese que, em nosso entendimento, colhe o apoio legal.
4.1. Na sua redacção inicial o artº 87º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, estabelecia o seguinte:
“Artigo 87º
Realização da avaliação indirecta
A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei”.
O artº único da Lei nº 100/99, de 26 de Julho, veio dar a seguinte redacção à alínea c) deste artigo:
“c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei”
O artº 13º, nº 2 da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, veio aditar à LGT o seu artº 89º-A, tendo o nº 1 daquele artigo alterado o artigo 87º, que ficou com a seguinte redacção:
“Artigo 87º
Realização da avaliação indirecta
A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco”
Finalmente, o artº 40º, nº 1 da Lei nº 55-B/2004, que alterou o artº 89-A da LGT, aditou também ao artº 87º a actual alínea f) com a seguinte redacção:
“f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”
Ora, o aditamento desta alínea, bem como todas as alterações efectuadas no citado artº 87º, como bem nota a recorrente, visaram aumentar as situações de facto que legitimam a Administração Tributária a realizar avaliação indirecta do rendimento tributável, inserindo-se assim na intenção do legislador de uma luta cada vez maior contra a fraude e evasão fiscal.
É que, como reconhecem a decisão recorrida e a recorrente, a alínea d) só é aplicável desde que, para além dos restantes requisitos, o valor de aquisição seja superior a determinado montante. Sendo assim, poderiam ficar de fora muitas situações de fuga ao fisco relevantes e relativamente às quais a Administração Tributária nada poderia fazer.
Daí que, para outros acréscimos patrimoniais e consumos não justificados, em face das declarações apresentadas pelos contribuintes, e não previstos na alínea d), o legislador tenha vindo a estabelecer a possibilidade de avaliação indirecta.
E, não fazendo a norma qualquer distinção entre bens móveis e imóveis ou direitos, a alínea f) tem de aplicar-se a todas as situações nele previstas e não enquadráveis na alínea d).
E não existe aqui qualquer incompatibilidade entre as duas alíneas no que se refere a imóveis. Com efeito, se o valor de aquisição for de montante superior a 250.000,00 euros, verificados os restantes requisitos, aplica-se a alínea d); se for de valor inferior e verificando-se os demais requisitos da alínea f), aplica-se esta alínea.
Temos então que a decisão recorrida não pode manter-se, no que a esta questão respeita.
4.2. Aqui chegados, porém, importa então apurar se a Administração Tributária estava legitimada a realizar avaliação indirecta e, assim sendo, se podia ter acesso, contra a vontade do recorrido A…, a informações bancárias relativas a este, até porque este provou, para além do rendimento declarado, a origem de mais 194.000,00 euros (v. alínea E) do probatório supra).
Então a questão é a de saber se, perante a falta de justificação da restante importância – 23.768,08 euros [(245.000,00 – (194.000,00 mais 28.231,92)], a Administração Tributária continua legalmente autorizada a realizar a avaliação indirecta e com a possibilidade de acesso às informações bancárias do recorrido, ao abrigo do disposto no artº 63º-B da LGT.
Sobre esta questão pronunciou-se o recente Acórdão deste Tribunal (Pleno desta Secção) – Acórdão de 19.05.2010 – Recurso nº 734/09, nos seguintes termos:
“Com efeito, cabendo à Administração tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, cabe-lhe provar que o rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo mostra uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na referida tabela.
O rendimento padrão serve assim, numa primeira fase, para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável. E uma vez provados esses pressupostos, passa a competir ao sujeito passivo o ónus de prova da ilegitimidade do acto por erro nos pressupostos, pela demonstração de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito (n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT).
Neste contexto, para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”. A justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna”.
Do mesmo modo se escreveu no Acórdão de 28.01.2009 – Recurso nº 761/08 do Pleno desta Secção que:”o valor justificado por outras fontes de rendimento ou património releva apenas para a tentativa de demonstração de que, apesar da verificação em abstracto dos pressupostos legais da avaliação indirecta, esta não deve ocorrer porque as manifestações de fortuna evidenciadas, no caso concreto, foram adquiridas com aquele valor (eventualmente com o rendimento declarado).
E ainda sobre esta questão se escreveu no Acórdão deste Tribunal e Secção, de 27/05/2009 - Recurso nº 403/09:
“Na sentença recorrida, entendeu-se que, tendo o Impugnante efectuado prova da origem de parte do valor de aquisição dos imóveis e sendo a parte restante inferior ao valor de € 250.000 indicado no quadro do n.º 4 do art. 89.º-A como valor das manifestações de fortuna relevantes para efeitos de permitir a avaliação indirecta da matéria tributável, anulou a sentença recorrida «por falência do requisito do valor de aquisição dos imóveis que in casu não é igual ou superior a € 250.000».
Esta decisão, porém, não tem suporte no referido artº. 89.º-A.
Na verdade, como se refere na sentença recorrida, verificando-se uma situação enquadrável no artº. 89.º-A, deixa de valer a presunção de veracidade da declaração do contribuinte [artº. 75.º, n.º 2, alínea d), da LGT], e passa a ser sobre ele que recai o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas não é a obtenção de rendimentos sujeitos a tributação em IRS (n.º 3 do art. 89.º-A da LGT).
Para além disso, passa a ser possível utilizar a avaliação indirecta para determinar a matéria tributável, avaliação essa a fazer nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artº. 89.º-A da LGT [artº. 87.º, n.ºs 1, alínea d), e 2 da LGT].”
Esta doutrina, apesar de se reportar a caso previsto na alínea d) do artº 87º citado, com referência ao nº 4 do artº 89º-A, tem de aplicar-se também às situações a que se refere a alínea f) do mesmo artº 87º, já que são idênticas as razões que subjazem a ambas as normas - evitar a fuga ou evasão fiscal.
No caso concreto dos autos, existia uma divergência não justificada, de pelo menos um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património evidenciado pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Sendo assim, e sendo certo que o contribuinte não justificou a totalidade do acréscimo, a Administração Tributária estava legitimada a realizar a avaliação indirecta, podendo recorrer a informações bancárias do recorrido, ao abrigo do disposto no artº 63º-B, nº 3, alínea b) da LGT (na redacção dada pelo artº 40º, nº 1 da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, acima citada e que aditou também a alínea f) acima referida; v. actualmente a alínea c) do nº 1 do mesmo artigo, após a redacção dada pelo artº 2º da Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro).
Verifica-se, assim, que o despacho do Director Geral dos Impostos de 23/12/2009, transcrito na alínea H) do probatório supra, não padece de vício de violação de lei, pelo que deve manter-se.
5. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e mantém-se na ordem jurídica o despacho acima referido do DGI.
Custas pelo recorrido apenas em 1ª instância, uma vez que não apresentou contra-alegações.
Lisboa, 15 de Setembro de 2010. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da SilvaAlfredo Madureira.