Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0659/08
Data do Acordão:03/11/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A prescrição da obrigação tributária não constitui, a se, fundamento de impugnação judicial, pois que não respeita à legalidade da liquidação mas, antes, à inexigibilidade judicial da correspondente obrigação.
II - A prescrição da obrigação tributária constitui questão de natureza substantiva, de conhecimento oficioso em qualquer degrau de jurisdição, até ao trânsito em julgado da decisão final sobre o objecto da causa.
III - Em processo de impugnação judicial, sempre que os autos forneçam elementos seguros para tanto, deve proceder-se ao conhecimento da prescrição da obrigação tributária em vista de eventual inutilidade superveniente da lide determinante da extinção da instância, conformemente ao disposto na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.
IV - Verifica-se omissão de pronúncia devida - causa de nulidade da sentença, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. também a alínea b) do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil] -, se a sentença recorrida não se pronuncia, de modo nenhum, sobre a questão levantada na petição inicial de ter ficado «prejudicado o direito de audição».
Nº Convencional:JSTA00065636
Nº do Documento:SA2200903110659
Data de Entrada:07/15/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N1 ART666 ART668 N1 B D.
CPA91 ART101 N2.
CPPTRIB99 ART99 ART124 ART125 N1 ART175.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC156/06 DE 2006/05/31.
Referência a Pareceres:P PGR IN DR IIS DE 1995/04/24.
Referência a Doutrina:ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO COMENTADO E ANOTADO ANOTAÇÃO 7 AO ART259.
ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 3V PAG368.
LEBRE DE FREITAS E OUTROS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO ANOTAÇÃO AO ART278.
JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS PAG21 PAG22.
ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG143.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1“A…”, na qualidade de sociedade incorporante, por fusão, da “B…”, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que «julga a presente impugnação parcialmente procedente, anulando-se o acto tributário na parte correspondente aos respectivos juros compensatórios».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões que submetemos a alíneas.
a) A dívida tributária decorrente da liquidação de IVA já prescreveu.
b) Pelo que a instância deve ser extinta, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em prescrição.
c) De conhecimento oficioso, conforme prescreve o artigo 175° do CPPT.
d) Sem prescindir, a douta Sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia (artigos 125° n° 1 do CPPT e 668° n° 1 d) do CPC).
e) Sobre a invocada violação do direito de audição prévia do contribuinte.
f) E sobre a invocada violação do artigo 101° n° 2 do CPA.
g) Sendo certo que foi violado esse direito de audição prévia, ao não ter sido respeitado o disposto nos artigos 101° n° 2 do CPA, 60° n° 1 e) e n° 5 da LGT, e 267° nº 5 da CRP, no projecto de relatório notificado ao contribuinte.
h) Só se permite o exercício pleno e esclarecido desse direito quando lhe é previamente dado a conhecer todos os elementos que estão na génese do projecto decisório, o que não sucedeu.
i) Uma eventual interpretação dos artigos 101° n° 2 do CPA e 600 n° 1 e) e n° 5 da LGT, de que resulte não estar a AF obrigada a comunicar todo os elementos que contribuíram para o projecto decisório, traduz uma inconstitucionalidade material daqueles preceitos, por violação do artigo 267° nº 5 da CRP.
j) Sem prescindir, a douta Sentença, ao considerar que o exercício do direito de dedução de IVA é meramente “facultativo”, viola os artigos 19° n° 1 do CIVA e 19° n° 1 do RITI.
k) A dedução do IVA deve, aliás, ser efectuada no mesmo período relativamente ao qual foi liquidado o IVA (artigo 22° do CIVA).
l) No caso, a AF substituiu-se ao contribuinte, procedendo à liquidação do IVA devido pelas AICB e serviços adquiridos a não residentes.
m) Por isso, a liquidação de IVA em questão, embora administrativamente, foi feita.
n) A douta Sentença interpreta e aplica os ditos artigos 19º do CIVA e 19° do RITI em violação dos princípios constitucionais da justiça e proporcionalidade (artigos 5° e 55° da LGT, 3° e ss. do CPA e 266° da CRP).
o) Estes mesmos princípios impunham que, das duas uma: (i) ou se aceita o direito à dedução do IVA; (ii) ou se revoga a liquidação de IVA efectuada pela AF, sob pena de enriquecimento sem causa da AF.
p) A douta Sentença viola o preceituado na Sexta Directiva 77/388/CCC do Conselho, de 17 de Maio de 1977, in JOCE n° L 145, de 13/06/1977, p. 0001-0040, designadamente nos seus artigos 17° a 20°.
q) Ao abrigo da qual foi criado e, por isso, deve ser interpretado, o CIVA.
r) A douta Sentença contraria o entendimento Jurisprudencial (maxime Comunitário) e doutrinário unânime na matéria: o direito de dedução do IVA é absolutamente nuclear na economia deste imposto; não é uma mera “faculdade”, na livre disposição do sujeito passivo.
s) Por isso, solicita-se que a seguinte questão seja suscitada, por via do mecanismo do reenvio prejudicial (artigo 234° do Tratado de Roma), junto do TJCE: “Admite a Sexta Directiva 77/388/CCC do Conselho, de 17 de Maio de 1977, in JOCE n° L 145, de 13/06/1977, p. 000 1-0040, a interpretação segundo a qual o exercício do direito de dedução de IVA, nos casos de aquisições intracomunitárias de bens, ou de aquisições de serviços prestados por não residentes (sedeados noutros países da EU), efectuadas por sujeitos passivos de IVA não isentos (“reverse charge”), e sendo esses bens ou serviços afectos a uma actividade tributada em IVA, é uma mera faculdade, à livre disposição do sujeito passivo, ou, ao invés, constitui um dever para o sujeito passivo?”.
t) Uma análise sistémica, uniforme e coerente do direito interno - designadamente, quando o legislador criou, no artigo 52°, número 2, da Lei n° 87-8/98, uma penalidade para os casos de não de dedução do IVA - permite concluir que o exercício desse mesmo direito não se reconduz a uma mera “faculdade”.
u) O Mmo. Juiz “a quo” olvida o facto da AF dever obedecer, na sua actuação, aos princípios da justiça, da legalidade, da proporcionalidade e do interesse público (artigos 266° n° 2 da CRP, 55° e 78° da LGT).
v) E omite o facto da AF estar obrigada à “plena reposição da legalidade” (100° da LGT).
w) Por isso, impunha-se à AF, quando efectuou a liquidação adicional de IVA, que atendesse igualmente à simultânea dedução do mesmo montante de IVA, porque esta dedução também estava (e está) prevista na lei.
x) A douta Sentença padece ainda de errada interpretação e aplicação do artigo 71° n° 7 do CIVA.
y) Com efeito, o artigo 71° n° 7 do CIVA não é aplicável ao caso, já que, conforme reconhece o próprio Juiz “a quo”, não está em falta qualquer IVA.
z) Nem está em causa qualquer tipo de “erros” (cfr ofício-circulado n° 30082/2005, de 17.11.2005, da DSIVA, imperativo para a AF, por força do artigo 68° n° 4 b) da LGT).
aa) Não estando em falta qualquer IVA junto do Estado, conforme sublinha o Mmo. Juiz “a quo” (para anular os JC), em sintonia com a Jurisprudência deste Venerando STA, e com a Doutrina da própria AF, não faz sentido recusar a anulação da respectiva liquidação adicional de IVA.
bb) A douta Sentença viola o artigo 82° do CIVA, do qual se extrai que, qualquer liquidação adicional de IVA, pressupõe necessariamente que subsista imposto em falta junto dos cofres do Estado.
cc) O que não é caso, como afirma o Mmo. Juiz “a quo”.
dd) Ao desconsiderar o entendimento administrativo, sancionado pelo Exmo. SEAF, a douta Sentença viola o artigo 68° n° 4 b) da LGT.
ee) A interpretação e aplicação dos artigos 19° do CIVA e 19° do RITI, de forma a negar o direito de dedução de IVA, na medida em que viola a regra fundamental da neutralidade do IVA, e introduz um encargo adicional de imposto para a Recorrente, viola os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa económica privada, da liberdade de organização empresarial e de funcionamento eficiente dos mercados, no quadro de uma equilibrada concorrência empresarial, consagrados nos artigos 61° n° 1, 80°, alínea c), e 81°, alínea e), da CRP.
ff) A que acresce a violação da liberdade de “gestão fiscal”, que tem como corolário a observância da regra da neutralidade fiscal, evitando provocar ou potenciar, por via da tributação, distorções na concorrência entre as empresas, as quais, a ocorrerem, representam a violação do princípio constitucional da igualdade.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, consequentemente, (i) ser declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em prescrição, ou, (ii) subsidiariamente, deve a douta sentença ser declarada nula, ou (iii), subsidiariamente, deve ser revogada na parte em que julgou a impugnação improcedente, com a consequente anulação, também, da liquidação adicional de IVA.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
1. Questão prévia: apreciação do juízo de inutilidade superveniente da lide por prescrição da dívida tributária.
Alega a recorrente que a obrigação tributária de IVA (de Julho a Dezembro de 1997) se encontra prescrita.
Afigura-se-nos que carece de razão.
Quanto à aplicação da lei no tempo relativamente às normas que regulam a prescrição há que ter em conta o disposto no art. 297º do Código Civil.
De acordo com este normativo a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Assim no caso subjudice, será aplicável o regime da Lei Geral Tributária.
Com efeito a LGT entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, de acordo com o artigo 6º do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, que a aprovou.
O que significa que nessa data faltava menos tempo segundo a lei nova para se completar a prescrição. Acresce dizer, como se refere no acórdão deste STA de 27/6/2007, proferido no recurso 433/07, que não há que fazer comparação entre os regimes de suspensão e interrupção do prazo adoptados pelas leis antiga e nova para determinar qual é o mais favorável, escolhendo a lei aplicável segundo o juízo assim atingido. Assim, se de acordo com o mecanismo do artigo 279.º, n.º 1 do CC a lei nova for a elegível há que aplicá-la sem mais.
Analisada esta questão importa apurar se ocorreu a prescrição em relação à obrigação tributária em causa nos presentes autos.
Vejamos.
Com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária a instauração da execução deixou de constituir facto interruptivo da prescrição, ao contrário do que estabelecia o n.º 3 do artigo 34º do CPT, pelo que, no âmbito daquele diploma legal só com a citação se interrompe a prescrição (v. artigo 49º, nº 1 da Lei Geral Tributária, na redacção da Lei 100/99 de 26 de Julho).
Mas a impugnação constituía também facto interruptivo.
No caso em apreço a impugnação foi apresentada em 22.02.2001 (cf. ponto 7 do probatório) e a execução terá sido instaurada em 2003 (vide pontos 4 e 5 das alegações de recurso a fls. 110).
Por sua vez a citação da executada no processo de execução fiscal ocorreu em 25.11.2003 cf. fls. 151).
Ora, como se sublinha no acórdão do Pleno desta Secção de 24-10-2007, no recurso n.º 244/07, www.dgsi.pt. após a cessação do efeito do primeiro facto interruptivo, nada impede que seja atribuído esse mesmo efeito à eclosão de nova causa de interrupção da prescrição das estabelecidas no n.º 1 do artigo 49º da LGT.
Nesse mesmo sentido se pronuncia Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, 5.ª edição, anotação 3, c) 1, a fls. 197 - “Com efeito, se depois do recomeço do decurso do prazo de prescrição for praticado um novo acto interruptivo da prescrição, ele terá o seu efeito próprio, determinando a abertura de um novo prazo, condicionada também à não paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo”.
Daí que se entenda que por força deste novo facto interruptivo - citação da executada no processo de execução fiscal ocorreu em 25.11.2003 (cf. fls. 151)- ainda que tivesse ocorrido a paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano (artº 49º, nº 2 da Lei Geral Tributária, na redacção então em vigor) não teria ainda ocorrido a prescrição da obrigação tributária.
Deverá improceder assim a questão prévia da prescrição da obrigação tributária.
2. Da nulidade por omissão de pronúncia quanto à violação do direito de audição prévia:
Alega a recorrente que douta sentença não se pronunciou sobre todas as questões levantadas na impugnação, nomeadamente a invocada violação do direito de audição prévia do contribuinte, violando desta forma o disposto nos arts. 668º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil e 125, nº 1 do CPPT.
Vamos pronunciar-nos, em primeiro lugar, sobre a arguida nulidade da sentença recorrida, questão que logicamente precede o conhecimento do mérito da decisão e que, a proceder, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas.
E fazendo-o, diremos que parece assistir razão à recorrente, a qual já nos arts. 7º a 11º da p.i., invocara que a Administração Fiscal não havia respeitado seu direito de audição prévia, e particularmente, que o projecto de correcções enviado ao contribuinte, para efeitos do exercício referido direito, não continha todos os elementos necessários, de facto e de direito, que permitissem o exercício totalmente esclarecido do mesmo.
Com o que teria a administração tributária violado o artigo 101° nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (vide artigo 10º da p.i.).
Ora constata-se da decisão recorrida que o tribunal a quo não tomou posição sobre tal questão, de que deveria conhecer atento o disposto no art. 660º nº 2 do Código de Processo Civil.
Com efeito nos termos daquele normativo o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o que não é o caso.
Assim sendo e atento o disposto nos citados artº 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d) do CPC e 125º do CPPT há que concluir pela nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, pelo que somos de parecer que o recurso merece, nesta parte, provimento, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação bem como da posição do Ministério Público, as questões que aqui se colocam – ficando prejudicado o conhecimento de qualquer outra, em caso de resposta afirmativa a alguma destas – são sucessivamente as seguintes: verificação, ou não, da excepção de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide; e nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia devida, em caso de resposta negativa à anterior.
2.3 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, na sequência das Ordens de Serviço n.° 96367, 96368 e 96369 de 13.10.1999, relativa aos exercícios de 1995 a 1997, tendo sido efectuadas, no que para aqui importa, correcção técnica ao IVA do exercício de 1997 no valor total de 15.370.432$00 (€ 76.667,39), conforme identificada no ponto 2.1. do relatório de inspecção, junto a fls. 24 dos autos - cfr. cópia do relatório de inspecção junta a fls. 19 a 30 dos presentes autos, o que se dá por integralmente reproduzido.
2. Conforme teor do referido relatório de inspecção, a correcção foi efectuada com os fundamentos que a seguir se indicam (carregado no original):
“Como o sujeito passivo efectuou aquisições intracomunitárias de bens e, além disso, recorreu a prestadores de serviços - Vide descritivo das facturas insertas no anexo I - cujas sedes não se situam em território nacional, portanto, não residentes, e, porque não liquidou IVA, no montante de 15.370.432$00, sobre as aquisições de bens e sobre os referidos serviços (pág. 1 e 2 Anexo 1), estes (serviços) tributáveis nos termos do disposto na alínea a) do art.° 1.º conjugado com o n.° 1 do art.° 4.º, ambos do CIVA, infringiu, respectivamente, a alínea a) do n.° 1 do art.° 23.º , do RITI, e o n.° 8 do art.° 6.º conjugado com o art.° 29.º do CIVA. Deste modo vamos proceder à liquidação e correcção do IVA, no supramencionado valor - vide anexo I.
De acordo com o exposto no item anterior vão ser efectuadas correcções técnicas, em termos de IVA, no ano de 1997, no total de 15.370.432$00 a seguir discriminado por períodos/trimestres a que respeita (pág. 1 e 2 Anexo I).
Período do imposto ----------------------------Valor a acrescer
9706t---------------------------------------------383.389$00
9709t-------------------------------------------9.805.013$00
9712t-------------- ----------------------------5.182.030$00
Total --------------------------------------------------15.370.432$00”
3. A impugnante aceita, nomeadamente no artigo 23° da sua p.i.,que “não procedeu à liquidação do IVA nem o mencionou em quaisquer declarações remetidas ao Serviço do IVA...”.
4. Em consequência das correcções supra identificadas, foi emitida a liquidação adicional de IVA com o n.° 00135075, relativa ao exercício de 1997, no valor de € 76.667,39 (15.370.432$00) bem como as liquidações dos correspondentes juros compensatórios, com os n.°s 00135072, 00135073 e 00135074, relativas aos períodos de 06/97, 09/97 e 12/97, no valor, respectivamente, de €583,81 (117.044$00), €13.589,50 (2.724.450$00) e € 6.473,29 (1.297.779$00), cuja data limite de pagamento voluntário foi fixada em 30.11.2000 (cfr. cópia da notificação das liquidações, junta a fls. 14 a 17 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
5. A Nota do Gabinete do SEAF, de 22.07.1997, com cópia junta a fls. 40-42 dos autos, mais concretamente o seu ponto 4, consta que “…nos casos aparados pelos serviços de inspecção, parece-me que a dedução só poderá ser autorizada ao abrigo do art. 71º n.° 7 do Código do IVA, desde que o imposto dedutível se encontre pago e seja deferido o pedido de autorização formulado pelo sujeito passivo. Também sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.”
6. Nota sobre a qual foi proferido despacho de concordância em 28.07.1997, com indicação para reapreciação (cfr. fls. 43).
7. Em 22.02.2001, conforme carimbo aposto a fls. 1, a impugnante deduziu a presente impugnação.
2.3 Completada a prescrição, tem o beneficiário dela a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito. Um direito prescreve quando o seu titular o não exerce durante um certo período de tempo, legalmente fixado, o que faz presumir uma renúncia ao direito, ou, pelo menos, uma atitude que o torna indigno de protecção jurídica – dormientibus non sucurrit jus. A doutrina justifica o instituto prescricional com argumentos de vária ordem, nomeadamente de certeza e segurança jurídicas. E, se o instituto não será justo, coonesta-se, no entanto, com razões de conveniência ou oportunidade – cf. o parecer da Procuradoria Geral da República, no Diário da República de 24-04-1995, II série, p. 4441 e ss..
Hoje em dia, é já pacífico na jurisprudência que a prescrição da obrigação tributária constitui questão de natureza substantiva, e de conhecimento oficioso em qualquer degrau de jurisdição, até ao trânsito em julgado da decisão final sobre o objecto da causa, e que os factos, ou actos processuais, necessários ao julgamento da prescrição, constituem matéria de direito, incluída nos poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo – cf., neste sentido, por exemplo, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 31-5-2006, proferido no recurso n.º 156/06.
Hoje não há qualquer limitação ao conhecimento oficioso da prescrição. O juiz conhece oficiosamente da prescrição, sempre que o Chefe da Repartição de Finanças o não tiver feito – dizem Alfredo José de Sousa, e José da Silva Paixão, no Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, Almedina, Coimbra, 1991, em anotação 7 ao artigo 259.º.
Para conhecimento da prescrição – como, de resto, para o conhecimento de qualquer outra questão respeitante ao fundo da causa – é, porém, necessário, mas suficiente, que não se ache esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 666.º do Código de Processo Civil.
Cf. o que vem de dizer-se, v. g., no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3-10-2007, proferido no recurso n.º 702-07.
Por outro lado, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa – cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º vol., p. 368.
A inutilidade ou impossibilidade da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade, de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio (cf. Lebre de Freitas e outros, no Código de Processo Civil Anotado, em anotação ao artigo 278.º).
Na verdade, a inutilidade da lide tem lugar quando é inútil apreciar os próprios fundamentos impugnatórios por algo que não integra estes.
É o caso patente da prescrição da obrigação tributária, a qual, a verificar-se, torna inútil a apreciação dos fundamentos em que tenha assentado o acto de liquidação de tal obrigação.
Esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que o processo de impugnação judicial não pode ter por objecto directo o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação, como decorre do preceituado nos artigos 99.º e 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. A prescrição não tem a ver com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. No entanto, deverá entender-se que a prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, em processo de impugnação judicial, como pressuposto da questão da utilidade ou não no prosseguimento da lide, de que o tribunal deve conhecer oficiosamente. No entanto, esta apreciação sobre a inutilidade superveniente da lide apenas será possível se no processo de impugnação judicial se possuírem todos os elementos necessários. Designadamente, será necessário atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos e só no caso de se poder concluir com segurança que a prescrição se consumou será possível concluir pela inutilidade superveniente da lide – cf. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2008, pp. 21 e 22.
De outra banda, nos termos dos artigos 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a decisão judicial é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar.
Esta nulidade (como, aliás, repetidamente tem dito esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo) está conexionada com os deveres de cognição do Tribunal, previstos no artigo 660.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no qual se estabelece que o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por tal modo que é a omissão ou infracção a esse dever, que concretiza a dita nulidade – cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, p. 143.
2.3 No caso sub judicio, a respeito da prescrição da obrigação tributária atinente à liquidação em causa nestes autos de impugnação judicial, a ora recorrente – conformemente às conclusões acima consignadas no ponto 1.2, sob as alíneas a), b) e c) –, vem dizer que «A dívida tributária decorrente da liquidação de IVA já prescreveu»; «Pelo que a instância deve ser extinta, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em prescrição»; «De conhecimento oficioso, conforme prescreve o artigo 175.º do CPPT».
Mas o que é certo é que a ora recorrente não apresenta uma demonstração, por mínima que seja, no sentido de tais conclusões que apresenta.
A este respeito, o Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que «No caso em apreço a impugnação foi apresentada em 22.02.2001 (cf. ponto 7 do probatório) e a execução terá sido instaurada em 2003 (vide pontos 4 e 5 das alegações de recurso a fls. 110)»; «Por sua vez a citação da executada no processo de execução fiscal ocorreu em 25.11.2003 cf. fls. 151)»; «(…) Daí que se entenda que por força deste novo facto interruptivo – citação da executada no processo de execução fiscal ocorreu em 25.11.2003 (cf. fls. 151) – ainda que tivesse ocorrido a paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano (art.º 49.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, na redacção então em vigor) não teria ainda ocorrido a prescrição da obrigação tributária».
A verdade, porém, é que os dados aventados pelo Ministério Público, por não poderem ser contrastados ou comprovados pelos inexistentes elementos dos autos, representam-se inaptos à produção de qualquer conclusão segura relativamente à prescrição da obrigação de «IVA do exercício de 1997», cuja legalidade da respectiva liquidação é questionada nos presentes autos.
E, nestas situações, como explica Jorge Lopes de Sousa, acima citado, só será possível concluir pela inutilidade superveniente da lide no processo de impugnação judicial se se possuírem todos os elementos necessários a concluir com segurança que se consumou a prescrição da obrigação tributária.
Assim sendo, julgamos que no presente caso não se evidencia a prescrição da respectiva obrigação tributária, pelo que seria temerário concluir pela inutilidade da lide em relação à apreciação da legalidade da liquidação de «IVA do exercício de 1997», cujo objecto é o dos presentes autos de impugnação judicial.
No entanto, à ora recorrente assiste razão, quando conclui, no que é acompanhada pelo Ministério Público, que «a douta Sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia (artigos 125.º n.º 1 do CPPT e 668.º n.º 1 d) do CPC)» «sobre a invocada violação do direito de audição prévia do contribuinte» – conforme as suas conclusões acima consignadas no ponto 1.2, sob as alíneas d) e e).
Com efeito, a impugnante, de quem a ora recorrente é sucessora, alegou que «a notificação deve fornecer à entidade inspeccionada os elementos necessários para que fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, aliás conforme decorre do n.º 2 do artigo 101.º do Código do Procedimento Administrativo»; e que «ficou, portanto, prejudicado o direito de audição exercido pela impugnante, em virtude de não lhe ter sido facultada a identificação dos documentos em que, por lapso, não efectuou o correspondente reverse-charge de IVA» – cf. especialmente os artigos 10.º e 11.º da petição inicial.
Ora, o que se vê é que a sentença recorrida – tendo anulado «o acto tributário na parte correspondente aos respectivos juros compensatórios» e deixado intocado o acto da liquidação de IVA – não se pronunciou, em absoluto, sobre a questão de ter ficado «prejudicado o direito de audição» levantada na petição inicial.
Pelo que julgamos que se verifica omissão de pronúncia devida, determinante de nulidade da sentença.
Como assim, e em resposta às questões decidendas no presente recurso, estamos a dizer que não se verifica a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; mas a sentença recorrida labora em omissão de pronúncia devida.
E, então, podemos concluir, em súmula, que a prescrição da obrigação tributária não constitui, a se, fundamento de impugnação judicial, pois que não respeita à legalidade da liquidação mas, antes, à inexigibilidade judicial da correspondente obrigação.
A prescrição da obrigação tributária constitui questão de natureza substantiva, de conhecimento oficioso em qualquer degrau de jurisdição, até ao trânsito em julgado da decisão final sobre o objecto da causa.
Em processo de impugnação judicial, sempre que os autos forneçam elementos seguros para tanto, deve proceder-se ao conhecimento da prescrição da obrigação tributária em vista de eventual inutilidade superveniente da lide determinante da extinção da instância, conformemente ao disposto na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.
Verifica-se omissão de pronúncia devida – causa de nulidade da sentença, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [cf. também a alínea b) do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil] –, se a sentença recorrida não se pronuncia, de modo nenhum, sobre a questão levantada na petição inicial de ter ficado «prejudicado o direito de audição».
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, julgando-se improcedente a excepção de extinção da instância e anulando-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Março de 2009. – Jorge Lino (relator) – António CalhauJorge de Sousa.