Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01482/15
Data do Acordão:01/28/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
EVIDENTE PROCEDÊNCIA DA ACÇÃO
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I – Entre as razões que podem determinar a adopção de medidas cautelares, sem necessidade de qualquer outra indagação está “a evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” – art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA.
II – Nesta hipótese a adopção da providência só é possível quando o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na acção principal é manifesto, notório ou ostensivo.
III – O art. 120º, nº 2 do CPTA introduz um critério de ponderação de interesses, de acordo com o qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente, em cada caso, da formulação de um juízo de valor relativo, tendo por base a comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos.
IV – A fixação dos danos ou prejuízos a que alude este preceito e o juízo relativo à respectiva ponderação é matéria de facto que este Tribunal não pode sindicar em sede de revista.
V - Se face aos elementos de que o Tribunal dispunha, face ao alegado pelas partes quanto a danos que resultariam da recusa (no caso do requerente) ou concessão (no caso do requerido) da providência, não se detecta qualquer erro de direito neste juízo de ponderação, não merece o acórdão recorrido censura.
Nº Convencional:JSTA00069543
Nº do Documento:SA12016012801482
Data de Entrada:12/18/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:DIRGER DO PATRIMÓNIO CULTURAL E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC.
Legislação Nacional:CPTA02 ART120 N1 A N2 ART150 N2 N4.
ETAF02 ART12 N4.
CPC13 ART674 N1 N3.
L 107/2001 DE 2001/09/08 ART68 N2 B ART25.
DL 133/2003 DE 2003/10/03 ART1 ART2 ART5 ART6 ART13 ART14 ART25 ART56.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0561/14 DE 2014/11/13.; AC STA PROC0608/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC0783/06 DE 2007/02/06.; AC STA PROC0359/06 DE 2007/03/06.; AC STA PROC0821/09 DE 2009/09/24.; AC STAPLENO PROC01038/15 DE 2016/01/21.
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA 2ED PAG768.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
O Ministério Público requereu providência cautelar de suspensão de eficácia de actos praticados pelo Director-Geral do Património Cultural (DGPC) em 19 de Agosto de 2014, nos termos dos quais foi ordenado o arquivamento de procedimentos de classificação de 72 obras de Juan Miró, pertencentes à A………, S.A. e de 13 obras do mesmo autor, pertencentes à B……, S.A., demandadas como contra-interessadas, bem como a Leiloeira C……...
O TAC de Lisboa indeferiu a providência cautelar interposta por sentença de 14.05.2015

Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 17 de Setembro de 2015, foi negado provimento ao recurso interposto daquela sentença, para aquele Tribunal, confirmando-se a sentença recorrida.

Inconformado com a referida decisão, interpõe o Ministério Público recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo que, na sua formação de apreciação preliminar, prevista no art. 150º, nº 5 do CPTA, admitiu o recurso.

Nas suas alegações de recurso o Recorrente apresenta as seguintes conclusões:
1. Impõe-se a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao erro de julgamento clamoroso do Venerando Tribunal recorrido, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos de muito relevo e para dissipar dúvidas sobre a matéria em apreço e sobre o quadro legal que a regula, de assinalável utilidade prática na apreciação das questões jurídicas suscitadas; tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, devendo o recurso ser admitido, nos termos do art. 150.º do CPTA.
2. As obras de arte em apreço inicialmente importadas por um particular, como era o D……., passaram a pertencer ao Estado Português, com a aprovação da Lei n.° 62/08, de 11/11, o qual nacionalizou todas as ações representativas do capital social do D…….., SA, e aprovou o respetivo regime jurídico de apropriação pública, por via da nacionalização.
3. Em 16 de Setembro de 2010, foram constituídas três sociedades, as designadas Par’s, entre as quais às sociedades anónimas A………, SA e B………, SA, sociedades anónimas constituídas por escritura pública, entidades públicas reclassificados no perímetro das contas públicas, integrantes do Sector Empresarial do Estado, com o objetivo de dar inicio ao processo de reprivatização do D……., tendo para as mesmas sido transmitidos um conjunto de ativos do balanço individual e consolidado da referida instituição bancária.
4. Através do Despacho n.° 825/11 - SETF, de 3/6, foi decidida a aquisição pelo Estado, de ações representativas do capital social das referidas sociedades, aquisição essa que veio a concretizar-se em 14/2/2012, tendo o Estado Português (através da Direção Geral do Tesouro e Finanças) assumido diretamente todos os direitos e obrigações daquelas sociedades.
5. A missão e objetivos estratégicos das mesmas sociedades não foram alterados, ou seja continuam a ser: a aquisição de créditos do Grupo D……., no âmbito da nacionalização e venda deste, centrando-se tal missão, gestão, e cobrança dos créditos adquiridos, no pagamento das dívidas contraídas (à E...... e ao Estado) - cfr. Relatório e Contas da empresa A……., do ano de 2011.
6. As sociedades referidas são entidades públicas pertencentes exclusivamente ao Estado Português, que detém 100% do capital social e tem amplos poderes de superintendência das mesmas, pelo que a titularidade e o poder de disposição sobre as obras de arte em apreço lhe pertence em exclusivo (ao Estado pertencem todos os bens destas sociedades).
7. Consequentemente, o poder de decisão da sua classificação e destino a dar ao respetivos procedimentos relativos às obras de arte em apreço, pertence ao Estado Português e não às referidas sociedades - art. 14. º 16. º n.º 1, 25.º nº1, 33.º, 55.º, n.º 1, 2 e 3, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, art. 9.º e 78.º da CRP, citado despacho, art. 10.º n.º 1, 15.º 24. 25.º n.º 5, al b) e n.º 6, 37.º n.º1 e 39.º DL n. 133/2013, de 3/10, e art. 5.º e 12.º DL n. 71/2007, de 27-03.
8. Igualmente lhe competindo, do ponto de vista constitucional - art.9.º, al. d) e 78.º, ambos da CRP - promover a salvaguarda e valorização do património cultural, devendo ser observada pela administração, pelas entidades públicas e por aquelas empresas, instituídas para finalidades públicas, de acordo com a Lei n.º 107/2001, de 8/9 (LBPC) que define as bases da política e do regime de proteção e valorização do referido património.
9. O ato administrativo que ordena a abertura do procedimento, impulsionado nos termos do n.° 1 do art. 25° da LBPC, é um ato vinculado; conforme decorre do disposto no n. 5 da mesma norma, assim como o procedimento de inventariação e classificação, e subsequente instrução e decisão, como decorre, aliás, também dos art. 26° e 27°, 28°, 29° e 30°, todos da citada Lei n. 107/2001 (LBPC).
10. As Sociedades A…….SA e a B…….., SA, atento o regime que lhes é aplicável, não se podem opor à classificação das referidas obras de arte, também atendendo à sua natureza, por serem entidades públicas, instituídas com tal finalidade pelo Estado, estando, também elas adstritas ao cumprimento das funções que a este incumbem, no âmbito da Constituição, de promoção, da salvaguarda e valorização do património cultural, não se tratando de simples particulares, conforme expressamente previsto nos art.ºs 1.º e 3.º, da citada LBPC.
11. Existem indícios muito fortes de que as obras de arte em questão, sendo da autoria do pintor Joan Miró, são bens móveis abrangidos pelos art. 2 e 15.º da LBPC, integrantes do património cultural e portadoras de interesse cultural relevante, como resulta da documentação anexa à PI, não devendo tais bens ser tratados como simples mercadoria objeto de comércio jurídico, pretendendo-se evitar o risco de saída das referidas obras do território nacional, sem que esteja observado o referido procedimento até final, previsto na Lei de Bases do Património Cultural.
12. Trata-se de bens que o legislador sujeitou ao regime específico de direito público, característico da dominialidade, em termos de os mesmos se encontrarem, senão sujeitos a um direito de propriedade pública, pelo menos, submetidos a um poder particularmente intenso de uma entidade administrativa, o mesmo fazendo o direito comunitário atrás citado.
13. Assim, não é aplicável ao procedimento em causa o disposto no art.68.º nº. 2, al b), da LBPC, sendo irrelevante a oposição deduzida à classificação das referidas obras de arte, porque, por um lado, não pertencem a particulares estão integradas, por lei, no património público pertença do Estado Português, e, por outro, no que respeita a 41 delas, pelo menos (ponto 13 do probatório), foram admitidas em Portugal há mais de 10 anos e é irrelevante a data da importação definitiva destas obras.
14. Ao relevar indevidamente a oposição formulada pelas referidas sociedades, para ordenar o arquivamento dos procedimentos indicados, sendo certo que a lei se reporta a meros particulares e à mera admissão de obras, não devendo o intérprete distinguir onde o legislador não o faz, a Direção-Geral do Património Cultural, violou clara e objetivamente os referidos preceitos, assim como os arts.° 5, 16.°, n.° 1 e 2, al. a), 18°, n.°s 1, 2 e 3, 26.°, 28.°, 55.° e 68.°, todos da referida Lei de Bases do Património Cultural e também o art. 9.º do C. Civil.
15. Tendo em conta que a única razão para a operação de venda das referidas obras de arte é a da recolha de meios financeiros suplementares, então o risco de prejuízo financeiro para o Estado Português é evidente, sem que se realize a classificação ou análise das obras de arte em causa, porquanto se desconhece o seu valor monetário real, o que se revela essencial perante um negócio desta envergadura.
16. Assim, é evidente, notório e público, que a colocação das obras de arte no mercado externo, sem que as mesmas sejam avaliadas e sujeitas a perícia, comprometeria gravemente o cumprimento dos deveres impostos pela LBPC, põe em risco o dever proteção do património cultural, assim como os interesses económicos do nosso país.
17. Uma vez que, só após a análise pormenorizada das obras por especialistas é que a administração do património cultural estaria habilitada, nos seus poderes de discricionariedade técnica, a decidir pela classificação que entender dever atribuir-lhes, no âmbito dos referidos procedimentos administrativos.
18. Finalidade que é posta em crise pelo douto Acórdão proferido, ao não deferir a presente providência, uma vez que quando a decisão administrativa questionada for revertida poderão já não ser encontrados os bens a classificar, não obstante ter sido intentada ação administrativa especial de impugnação dos despachos de arquivamento dos procedimentos de classificação (proc. n.º 2784/14.0 BELSB do TAC de Lisboa).
19. As apontadas violações da lei por parte dos despachos em apreço, suficientemente demonstradas, é bastante para assegurar o preenchimento do requisito do fumus bonus juris qualificado estabelecido na al. a) do n.º1 do artigo 120.º do CPTA e para excluir a exigência e ponderação dos critérios estabelecidos nas restantes alíneas, e no seu n.º 2.
20. Entende-se que incorre, assim, o douto Acórdão recorrido, em ofensa e erro de interpretação das normas citadas e do art. 120, n.º 1 al. a), do CPTA não devendo ter sido entendido que as questões suscitadas requeriam aprofundada análise e eram insuscetíveis de apreciação sumária no âmbito de uma providência cautelar, uma vez que é patente a ilegalidade dos atos/despachos em apreço.
21. Mas, sem conceder, ainda que assim não se entenda e se deva recorrer à análise dos restantes requisitos, quer da al. b), do n.º1, quer do n.º 2, do art. 120.º citado, a decisão a proferir no âmbito das providências cautelares conservatórias, constitui, tão só, um juízo de probabilidade da existência do direito invocado, admitindo-se mesmo que seja de mera verosimilhança.
22. Não sendo de exigir a prova da existência, relativamente ao direito invocado pelo requerente, nos termos em que deverá ser produzida no âmbito da ação principal, bastando que se indicie uma probabilidade séria, suficientemente forte, entre a simples ou mera possibilidade e a certeza de tal direito, bastando o requisito negativo de que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” no processo principal (o chamado fumus non malis), para que se considere verificado o requisito da al. b) citada.
23. Na presente tutela cautelar apenas se pretende uma regulação provisória de natureza instrumental e urgente, impondo-se ao Julgador uma apreciação sumária das questões submetidas ao seu crivo, devendo o Tribunal efetuar um juízo perfunctório de simplicidade e evidência, como se impunha.
24. Tanto mais que são igualmente evidentes os prejuízos, e de difícil reparação, quer para o património cultural, quer para os interesses económicos do Estado, demonstrados nos autos, na medida em que se poderá proceder à venda das referidas obras de arte de Joan Miró, sem que tenha existido qualquer hipótese de a comunidade portuguesa poder ajuizar das suas caraterísticas, descrição e seu valor exato.
25. Nunca tendo sido reconhecida a necessidade, nem concretizada, uma perícia adequada e competente, por forma a salvaguardar os interesses públicos relevantes em causa, a qual foi denegada pela referida entidade, na medida em que os despachos em causa, impedem que peritos, devidamente credenciados, os examinem e verifiquem aqueles elementos.
26. O que, por sua vez, ao contrário do sustentado no, aliás, douto Acórdão em apreço, é suscetível de causar graves danos à economia nacional, porquanto o valor pelo qual foi ajustada a venda das obras poderá ser muito inferior ao seu valor real, e quanto menor for o preço de venda, maior é o dano para os interesses públicos e financeiros do nosso país.
27. Pelo que, também carece de razão o argumento de que a proteção do património cultural é de somenos importância e tenha que ser ponderado e afastado in casu, por virtude da falada crise económica existente no nosso país.
28. Bastando uma summaria cognitio e análise da factualidade emergente dos autos e, leitura ainda que superficial, das normas citadas, para se concluir que o entendimento expresso no douto Acórdão sub judice, é, com o devido respeito, excessivamente cauteloso, no tocante aos fundamentos para não decretar a providência requerida, sendo que, nos termos expostos, se verificam, pelo menos, os requisitos previstos na al. b), do n.º 1 e do n. 2, do art. 120.º citado.
29. Para além de que, contrariamente ao apreciado e decidido, não está em causa a ponderação entre vender ou não vender as obras de arte em apreço, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre tal matéria e se o facto de não serem vendidas é suscetível de causar um prejuízo superior ao Estado, argumentação que é irrelevante, dado que não é esta a pretensão formulada pelo Ministério Público, entidade que, tão-somente, tem como objetivo que seja realizada uma avaliação/classificação das obras de arte em apreço no âmbito dos procedimentos arquivados e previamente à sua venda.
30. Respeitando o princípio de separação e interdependência de poderes relativamente à Administração Pública, no âmbito da escolha discricionária dos interesses ou valorações técnicas que lhes estão reservadas por lei, podendo a mesma entidade classificá-las, ou não como de relevante interesse nacional ou de relevante interesse público, não tendo sido formulado tal pedido na presente providência, nem o poderia ser.
31. A colocação dos bens em causa no mercado externo, sem a prévia avaliação/classificação nos termos expostos, é suscetível de causar “perda irreparável” para o património cultural português, e também de prejudicar financeiramente o Estado Português, verificando-se, com evidência, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que redundará num prejuízo de impossível reparação para o interesse público, se se aguardar pela decisão da ação principal.
32. E constitui também um manifesto risco da sua degradação ou extravio com a saída das mesmas do território nacional, nos termos expostos, o que é notório e público.
33. Assim, no quadro da ponderação dos interesses em apreço, a recusa da providência requerida, é suscetível de causar lesão manifestamente superior aos interesses patrimoniais e financeiros, à economia, e ao património cultural do Estado Português, ao contrário do benefício que resultaria da sua concessão, podendo comprometer a satisfação dos mesmos interesses que o requerente visa assegurar na ação principal - art. 120. n.º 1, al. b) e 2, do CPTA.
34. Pelo que, a providência cautelar requerida devia ter sido decretada, por reunirem os autos os requisitos necessários previstos no art. 120. n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPTA, como meio de efetivação do direito invocado, existindo erro de interpretação e aplicação do referido preceito legal, assim como no critério de proporcionalidade decorrente do estabelecido nesta última norma.
35. Deve, por conseguinte, concluir-se pela procedência do presente recurso jurisdicional e pela revogação do Acórdão recorrido com todas as legais consequências, tendo o mesmo ofendido os princípios e normas citadas, por erro clamoroso de interpretação ou de julgamento, e na apreciação dos pressupostos de direito aplicáveis isto é, os art. 120. n.º 1, e sua al. b) e n.º 2, do CPTA, 3, 14., 16.º n.º 1, 18.º 25.º a 30.º, 33,º, 55.º, e 68.º, da Lei n.° 107/2001, de 8/09 (LBPCL9.9, al. d) e 78.º, ambos da CRP, o despacho n.° 825/11-SETF, de 3 de Junho, os art.10.º n. º1, 15.º, 24.º, 25.º n. 5, al. b) e 6, 37,º, n. 1 e 39.º do DL n. 133/2013, de 3/10, e os art. 5,º e 12.º, do DL n. º71/ 2007, de 27-03, assim como o art. 9.º do C. Civil.

A Recorrida C…….. apresentou as suas contra-alegações que culminam em conclusões do seguinte teor:
1. Encontram-se neste momento pendentes de apreciação por parte deste Supremo Tribunal dois recursos excecionais de revista interpostos pelo MP — Processos n° 852/15 e 550/15;
2.º Ora, considerando que tanto nos dois citados recursos como no recurso ora interposto pelo MP as partes são as mesmas, sendo que o efeito jurídico também é o mesmo — obstar à saída do país de 85 obras do pintor catalão Juan Miró, verifica-se existir uma exceção dilatória de litispendência, obstando assim ao conhecimento do mérito do recurso, conforme os arts. 576°, n°2, 577°, alínea i), 580.º e 581° do CPC;
3. Porém, se esse não for o entendimento de V. Exas., sempre se dirá que o presente recurso não pode ser admitido em virtude de não se encontrarem reunidos os pressupostos do artigo 150°, n°1, do CPTA;
4. Assim é que, estando em causa um recurso interposto de um Acórdão do TCA Sul que julgou improcedente o recurso anteriormente interposto pelo MP relativamente a uma sentença pro ferida sobre um pedido de sus pensão de eficácia de atos administrativos, tem entendido este STA que as exigências de tutela cautelar são, por norma, satisfeitas pelo duplo grau de jurisdição - Acórdãos de 17/9/01, 3/7/2014 e 372/2015;
5. Com efeito, as questões sobre as quais o MP, pela terceira vez consecutiva, pede a intervenção esclarecedora deste Supremo Tribunal, prendem-se com a natureza jurídica das sociedades A……. e B……. SA, a possibilidade da sua oposição a um procedimento administrativo de classificação de obras de arte de que são proprietárias e a classificação de obras de arte como um poder discricionário ou vinculado da Administração;
6. Tratam-se assim de questões que não podem nem devem ser conhecidas, em definitivo, no âmbito de uma providência cautelar, atento o facto de as decisões em matéria cautelar serem, por natureza, provisórias e resultantes de uma análise simplificada das questões de fundo por parte do Juiz administrativo;
7. Ora, as questões de fundo que estão em causa neste recurso são as identificadas na conclusão a e, atenta a sua natureza, não podem ser conhecidas com toda a profundidade no âmbito cautelar;
8. Acresce que, em face da doutrina e da jurisprudência já existentes sobre sociedades de interesse coletivo como entidades distintas do Estado e classificação de bens culturais como manifestação de uma atividade discricionária da Administração, nem se quer se pode dizer que estejamos em presença de matérias complexas e desconhecidas por parte da nossa doutrina e jurisprudência;
9. Deste modo, as matérias sobre as quais o MP pretende ver esclarecidas por este Supremo Tribunal não são de complexidade jurídica superior ao comum para justificar a admissão de um recurso excecional de Revista por parte de V. Exas;
10. Mesmo assim, se, por mera hipótese, este Supremo Tribunal entender que estão reunidos os pressupostos previstos no artigo 150°, n°1, do CPTA para admissão da Revista, a realidade é que o Acórdão Recorrido não merece qualquer censura jurídica, devendo assim ser mantido por V Exas
11. Com efeito, nada há a censurar face ao decidido no Acórdão Recorrido pela inaplicabilidade da alínea a), do n°1, do artigo 120° do CPTA à matéria dos Autos, dado que,
12. Os atos proferidos pelo Senhor Diretor-geral do Património Cultural não são atos manifestamente ilegais;
13. Multo pelo contrário, pois, tais atos, respeitaram o disposto na alínea b), do n°2,do artigo 68° da Lei n° 107/2001, pois, como foi dado provado pelas instâncias, as sociedades A……… e B……… SA são proprietárias das 85 obras de Juan Miró;
14. Assim, estas sociedades, como proprietárias, têm legitimidade para se oporem à classificação das obras em causa num procedimento aberto para o efeito por parte do Senhor Diretor-Geral do Património Cultural, ao que acresce,
15. Parecer dever entender-se que o prazo referido na alínea b), do n°2, do artigo 68°, da Lei n° 107/2001, se deve contar a partir da importação definitiva das obras;
16. Além do mais não é manifesto que tenha ocorrido uma ilegalidade por parte do Senhor Diretor-Geral do Património Cultural ao não classificar as 85 obras de Miró, pois, como muito bem foi referido no Acórdão recorrido, inexiste uma obrigação legal de classificação de tais obras, dado que, tal classificação, enquanto ato discricionário, será praticada ao abrigo de juízos valorativos próprios da atividade administrativa;
17. Finalmente, não havia que aplicar à matéria dos autos o disposto na alínea b), do n°1, e do n°2, do artigo 120°, do CPTA, precisamente por não existir qualquer fundamento jurídico por parte do MP na requerida suspensão de eficácia dos Despachos do Senhor Diretor-geral do Património Cultural;
18. E não existe qualquer fundamento na pretensão do MP porque o MP pretende obter a condenação do Senhor Diretor-geral do Património Cultural a classificar as 85 obras do pintor Juan Miró;
19. Ora, atento o Princípio da Separação de Poderes previsto no artigo 2° da Constituição da República e no artigo 3°, n°1, do CPTA, a Autonomia do Poder Administrativo e a atividade discricionária da Administração em matéria de classificação de bens culturais, aos Tribunais Administrativos está vedado o poder de condenar o Diretor-geral do Património Cultural a abrir um procedimento tendo em vista a classificação de obras de arte — Acórdãos do STA de 14/12/2004, Processo n.° 0477/03 e 22/5/14, Processo n.° 01412/13.
20. Assim sendo, entendeu e bem o Acórdão Recorrido, face ao esforço financeiro do Estado decorrente do processo de nacionalização e privatização do D…….., que os prejuízos que resultariam da concessão da providência requerida pelo MP seriam superiores aos que resultariam da recusa da mesma.
Assim, por tudo o exposto, deve o presente recurso não ser Admitido por V. Exas, fazendo-se deste modo a devida e merecida JUSTIÇA.

A…….., SA. e B…….., S.A., também, contra-interessadas (CI) nos autos, apresentaram as suas contra-alegações que têm conclusões do seguinte teor:
A. As questões colocadas em crise nos presentes autos encontram-se a ser apreciadas por impulso do Recorrente, noutros autos (no âmbito do processo n.° 246/14.4BELSB)
B. No âmbito de outra providência cautelar, n.° 955/14.8BELSB, o ora Recorrente também interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que confirmou a decisão da primeira instância e que indeferiu a pretensão do Requerente.
C. No âmbito desse recurso, o Recorrente pede a este Supremo Tribunal Administrativo que aprecie as questões tais como a natureza pública ou privada da A…….. e da B……., a obrigatoriedade de classificação das obras de arte de Joan Miró e a possibilidade de as Contrainteressadas se oporem à classificação das mesmas.
D. Por essa razão, entendem as Contrainteressadas que se encontra verificada a exceção de litispendência, conforme demonstrado em I. das presentes contra-alegações.
E. A questão sobre a qual versa a decisão recorrida (falta de preenchimento dos pressupostos de que depende o decretamento de uma providência cautelar) não reveste relevância jurídica ou social de importância fundamental, requisito de admissibilidade do recurso de revista.
F. Por outro lado, também não se encontra preenchido o requisito da necessidade de uma melhor aplicação do direito, não tendo a decisão recorrida formulado o seu juízo de forma absurda ou descabida. Aliás, o Tribunal recorrido encarou a verificação desses pressupostos de acordo com o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência.
G. A A………, S.A. e a B…….., S.A. são sociedades anónimas regidas pela lei comercial e pelos seus estatutos (direito privado), que visam prosseguir uma atividade lucrativa.
H. Não são, pois, pessoas coletivas públicas, caracterizadas, primariamente, pelo fim de interesse público que visam prosseguir.
I. O facto de serem pessoas coletivas privadas de capital exclusivamente não as torna pessoas coletivas públicas e, bem assim, não faz com que lhe sejam aplicáveis as normas e princípios de direito público.
J. Nomeadamente, as Contrainteressadas encontram-se sujeitas a normas e princípios de direito privado; estão sujeitas à jurisdição dos tribunais judiciais; regem as suas relações de trabalho ao abrigo do Código do Trabalho (e não do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas).
K. Sendo este o entendimento jurisprudencial e doutrinal, citado em sede de alegações.
L. Com efeito, as 85 obras de Joan Miró em causa não são propriedade do Estado mas de pessoas coletivas de direito privado, sendo-lhes, por essa razão, aplicável o artigo 68°, n.° 2, al. b) da LBPC, podendo, nessa medida, oporem-se à classificação.
M. O prazo de 10 anos previsto no artigo 68°, n.° 2, al. b), da LBPC, não pode contar-se desde a data de admissão ou importação temporárias (ou seja, quando as obras entram em Portugal temporariamente, sem serem inseridas no comércio por, por exemplo, serem propriedade de nacionais de outros estados), mas apenas quando as obras entram em território português definitivamente.
N. Resulta demonstrado e provado que as obras de arte em questão foram importadas ou admitidas há menos de 10 anos.
O. Dispõe o n.° 1, do artigo 3°, do CPTA que: “1 — No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação”.
P. A Direção-Geral do Património Cultural está habilitada de poderes de discricionariedade na classificação de bens culturais.
Q. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 83.° do CPA “O órgão competente para a decisão final, logo que estejam apurados os elementos necessários, conhece de qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o seu objeto (...)“.
R. As proprietárias das 85 obras de Joan Miró opuseram-se, oportuna e tempestivamente, à sua classificação, nos termos do artigo 68°, n.° 2, al. b) da LBPC.
S. Os procedimentos de classificação foram iniciados, instruídos e concluídos através dos despachos de arquivamento, em consequência da impossibilidade legal da classificação.
T. Assim, bem andou a decisão recorrida em dar por não preenchida a al. a), do n.° 1, do artigo 120°, do CPTA.

O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou.

Sem vistos, cumpre decidir.

2. Os Factos:
No acórdão recorrido foram dados como assentes os seguintes factos:
1) O artista plástico catalão (espanhol) Juan Miró é um dos nomes maiores e universais da arte moderna (do modernismo internacional) do século XX. Cfr. documento de folhas 81 dos autos.
2) No curso do século XX o Estado Português não construiu nenhuma colecção internacional de arte moderna. Cfr. documento de folhas 81 dos autos.
3) As 85 obras de arte (entre pinturas, desenhos, colagens, esculturas/assemblagens e objectos — 72 pertencentes à A………, SA e 13 à B………., SA) da autoria de Juan Miró, representam algumas das mais importantes fases da sua produção artística. Cfr. documento de folhas 83 dos autos.
4) Com data de 12 de Agosto de 2014 foi na Direcção-Geral do Património Cultural elaborada a Informação n.º 2007/DPIMI/2014 relativa ao assunto “Procedimento de classificação de 72 obras de Joan Miró pertencentes à A…….., SA” a qual tinha o seguinte teor:”
1. Em cumprimento do despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Cultura de 18 de Julho de 2014, relativo às decisões judiciais proferidas no âmbito do Processo Cautelar n.°955/l4.8BELSB do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por despacho do Senhor Diretor-geral do Património Cultural de 21 de Julho p.p. foi determinada a abertura do procedimento de classificação de 72 obras de Joan Miró, pertencentes à A………., SA.
2. De acordo com o referido despacho, as 72 obras, ficando em vias de classificação passaram a constar do inventário, por força do disposto no n.°6 do artigo 19.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, relativo à inventariação de bens culturais.
3. O despacho de abertura do procedimento de classificação foi notificado à proprietária das obras pelo ofício n.°7533, de 21.07.2014, e publicitado no Diário da República pelo Anúncio n.°1 98/2014, publicado na 2.ª série, de 31 de Julho de 2014.
4. Conforme aviso de receção devolvido à DGPC, a proprietária foi notificada no dia 22 de Julho de 2014, data a partir da qual começou a contagem do prazo de 15 dias úteis, fixado no n.°3 do despacho de abertura do procedimento e referido no citado oficio n.°7533, de 21.07.2014, para aquela se pronunciar.
5. Por carta que deu entrada na DGPC em 11 de Agosto de 2014, vem a A…….., SA, através dos advogados que constituiu seus procuradores, exercer o seu direito de pronúncia.
6. A resposta é tempestiva e os seus signatários detêm os devidos poderes, conforme procuração a ela anexa.
7. Desde logo e com base no disposto na alínea b) do n.°2 do artigo 68.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, a A………., SA opõem-se à classificação como bens móveis de interesse nacional, bem como à classificação como bens móveis de interesse público, das 72 obras de Joan Miró de que é proprietária, uma vez que as mesmas foram importadas a título definitivo em Abril de 2008 (4 obras), Dezembro de 2005 (41 obras), Março de 2006 (23 obras) e Outubro de 2004 (4 obras), isto é, todas elas há menos de 10 anos.
8. Para o efeito, junta documentos comprovativos da importação definitiva (introdução em consumo) das referidas obras. Documentos, aliás, que já constavam do Processo existente na DGCP e cujo original foi remetido ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do Processo Cautelar n.°955/14.8BELSB — vd. nomeadamente a Informação n.°118/EXPI2014, de 9.04.2014, do Processo DPIMV2014/BA (51).
9. Quanto à alínea b) do n.°2 do artigo 68.° da Lei n.°107/2001, estabelece esta disposição o seguinte:
“Artigo 68.°
Importação e admissão
2- Às importações e admissões de bens culturais promovidas por particulares que se efetuem em conformidade com a lei serão aplicáveis as seguintes regras:
b) Salvo acordo do proprietário, é vedada a classificação como de interesse nacional ou de interesse público do bem nos 10 anos seguintes à importação ou admissão.”
10. Basta o exposto para que a DGPC fique impedida de dar prossecução ao procedimento de classificação aberto por despacho do Senhor Director-Geral de 21 de Julho de 2014, devendo tal procedimento ser arquivado.
11. A A…….., SA pronuncia-se, ainda, sobre a eventual classificação das obras como de interesse municipal. No entanto, tal matéria é alheia às competências da DGPC: nos termos do n.°1 do artigo 94.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, e da alínea t) do n.°1 do artigo 31° da Lei n.°75/2013, de 12 de Setembro, a competência para a classificação de interesse municipal é das câmaras municipais. Não obstante, é de salientar que, de acordo com o n.°4 do artigo 18.° da Lei n.º 107/2001, a classificação de bens móveis de interesse municipal, entre outros requisitos, só é possível com o consentimento dos respectivos proprietários, o que não é o caso.
12. Face aos antecedentes do procedimento de classificação destas 72 obras de Joan Miró, são de salientar as demais observações constantes da pronúncia da A………, SA em sede de audiência prévia, designadamente quanto ao regime legal estabelecido para a classificação de bens móveis.
13. Na verdade, é de realçar que a Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, é muito clara no que respeita à classificação de bens móveis.
14. Desde logo, importa atentar nos n.°s 4 e 5 do artigo 15.°:
“4- Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
5- Um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.”
15. E quanto a bens móveis pertencentes a particulares (em sentido lato, abrangendo pessoas colectivas privadas e pessoas singulares, vd. designadamente o n.°4 do artigo 19.°), estabelecem os n.°s 2,3 e 4 do artigo 18.º
“2- Os bens móveis pertencentes a particulares só podem ser classificados como de interesse nacional quando a sua degradação ou o seu extravio constituam perda irreparável para o património cultural.
3- Dos bens móveis pertencentes a particulares só são passíveis de classificação como de interesse público os que sejam de elevado apreço e cuja exportação definitiva do território nacional possa constituir dano grave para o património cultural.
4- Só é possível a classificação de bens móveis de interesse municipal com o consentimento dos respectivos proprietários.”
16. Isto é, no que respeita às atribuições da DGPC, não basta que os bens detenham interesse cultural - o qual, aliás, deve ser aferido por recurso aos critérios estabelecidos no artigo 17.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, em articulação como disposto nos n.°s 1 e 3 do artigo 2.°.
Para que os bens possam ser classificados como de interesse nacional ou de interesse público têm ainda de estar reunidos os requisitos constantes dos supracitados n.°s 4 e 5 do artigo 15.° e, no caso de bens móveis de particulares, os estabelecidos nos n°s 2 e 3 do artigo 18.°.
17. Nesta perspectiva, afigura-se de alertar superiormente para o seguinte:
a) No caso, previsto no n.°1 do artigo 25.° da Lei n.°107/2001, de o impulso para a classificação provir de “qualquer pessoa ou organismo”, a decisão de abertura de procedimento de classificação é da esfera da discricionariedade técnica da Administração. Nesse sentido, veja-se o disposto nos artigos 7.° e 8.° do Decreto-Lei n.°309/2009, de 23 de Outubro, que estabelece o procedimento de classificação de bens imóveis. Ou seja, contrariamente ao que se possa pensar, não é obrigatório que, tendo havido aquele impulso, a Administração proceda à abertura de procedimento de classificação no prazo estabelecido no n°5 do artigo 25.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro. A administração, no uso de poder discricionário e até ao termo daquele prazo, pode, fundamentadamente, determinar o arquivamento do pedido.
b) Em segundo lugar, atendendo aos antecedentes específicos do procedimento de classificação ora em análise, parece igualmente de sublinhar que, salvo melhor opinião e do ponto de vista estritamente jurídico, os dois pareceres constantes do Processo remetido ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e que apontam no sentido da classificação das obras de Joan Miró como bens móveis de interesse nacional, não se encontram devidamente fundamentados, designadamente perante o exposto nos n.°s 14, 15 e 16 da Presente Informação.
18. Em conclusão:
Face ao disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 68.° da Lei n.°10712001, de 8 de Setembro, e opondo-se a A………, SA à classificação das 72 obras de Joan Miró de que é proprietária, está a mesma classificação legalmente vedada, pelo que se propõe que o Senhor Director-Geral determine o arquivamento do procedimento de classificação aberto por despacho de 21 de Julho de 2014, notificando-se a proprietária do despacho de arquivamento e publicado-se o competente anúncio no Diário da República.”Cfr. documento de folhas 92 a 96 dos autos.
5) Pelo Director Geral do Património Cultural foi em 19 de Agosto de 2014 exarado naquela Informação despacho com o seguinte teor: “Concordo. Arquive-se o procedimento de classificação com fundamento no exposto na presente informação. Notifique-se a proprietária e publicite-se, nos termos legais.”
6) Com data de 12 de Agosto de 2014 foi na Direcção-Geral do Património Cultural elaborada a Informação n.°2006/DPIMI/2004 relativa ao assunto “Procedimento de classificação de 13 obras de Joan Miró pertencentes à B……., SA” a qual tinha o seguinte teor:”
1. Em cumprimento do despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Cultura de 18 de Julho de 2014, relativo às decisões judiciais proferidas no âmbito do Processo Cautelar n.°955/14.8BELSB do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por despacho do Senhor Director-Geral do Património Cultural de 21 de Julho p.p. foi determinada a abertura do procedimento de classificação de 13 obras de Joan Miró, pertencentes à B……., SA.
2. De acordo com o referido despacho, as 13 obras, ficando em vias de classificação, passaram a constar do inventário, por força do disposto no n.°6 do artigo 19.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, relativo à inventariação de bens culturais.
3. O despacho de abertura do procedimento de classificação foi notificado à proprietária das obras pelo ofício n.° 7532, de 21.07.2014, e publicitado no Diário da República pelo Anúncio n.°197/2014, publicado na 2. Série, de 31 de Julho de 2014.
4. Conforme aviso de recepção devolvido à DGPC, a proprietária foi notificada no dia 22 de Julho de 2014, data a partir da qual começou a contagem do prazo de 15 dias úteis, fixado no n.° 3 do despacho de abertura do procedimento e referido no citado oficio n.° 7532, de 21.07.2014, para aquela de pronunciar.
5. Por carta que deu entrada na DGPC em 11 de Agosto de 2014, vem a B…….., SA, através dos advogados que constituiu seus procuradores, exercer o seu direito de pronúncia.
6. A resposta é tempestiva e os seus signatários detêm os devidos poderes, conforme procuração a ela anexa.
7. Desde logo e com base no disposto na alínea b) do n.°2 do artigo 68.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, a B…….., SA opõe-se à classificação como bens móveis de interesse nacional, bem como à classificação como bens móveis de interesse público, das 13 obras de Joan Miró de que é proprietária, uma vez que as mesmas foram importadas em 2008, isto é, há menos de 10 anos.
8. Para o efeito, junta documentos comprovativos da importação definitiva (introdução em consumo) das referidas obras. Documentos, aliás, que já constavam do Processo existente na DGCP e cujo original foi remetido ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do Processo Cautelar n.°955/14.8BELSB — vd. Nomeadamente a Informação n.°117/EXP/2014, de 9.04.2014, do Processo DPIMI/20141B (50).
9. Quanto à alínea b) do n.°2 do artigo 68.° da Lei n.°107/2001, estabelece esta disposição o seguinte:
“Artigo 68.° Importação e admissão
1-(…)
2- Às importações e admissões de bens culturais promovidas por particulares que se efectuem em conformidade com a lei serão aplicáveis as seguintes regras:
a) (…)
b) Salvo acordo do proprietário, é vedada a classificação como de interesse nacional ou de interesse público do bem nos 10 anos seguintes à importação ou admissão.”
10. Basta o exposto para que a DGPC fique impedida de dar prossecução ao procedimento de classificação aberto por despacho do Senhor Director-Geral de 21 de Julho de 2014, devendo tal procedimento ser arquivado.
11. A B………, SA pronuncia-se ainda, sobre a eventual classificação das obras como de interesse municipal. No entanto, tal matéria é alheia às competências da DGPC: nos termos do n.°1 do artigo 94.° da Lei n.°107/200l, de 8 de Setembro, e da alínea t) do n.°1 do artigo 33.º da Lei n.°75/20l3 de 12 de Setembro, a competência para a classificação de interesse municipal é das câmaras municipais. Não obstante, é de salientar que, de acordo com o n.°4 do artigo 18.° da Lei n.°107/2001, a classificação de bens móveis de interesse municipal, entre outros requisitos, só é possível com o consentimento dos respectivos proprietários, o que não é o caso.
12. Face aos antecedentes do procedimento de classificação destas 13 obras de Joan Miró, são de salientar as demais observações constantes da pronúncia da B………, SA em sede de audiência prévia, designadamente quanto ao regime legal em vigor.
13. Na verdade, é de realçar que a lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, é muito clara no que respeita à classificação de bens móveis.
14. Desde logo, importa atentar nos n.°s 4 e 5 do artigo 15.°:
“4- Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
5- Um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.”
15. E quanto a bens móveis pertencentes a particulares (em sentido lato, abrangendo pessoas colectivas privadas e pessoas singulares, vd. designadamente o n.°4 do artigo 19.°), estabelecem os n.°s 2, 3 e 4 do artigo 18.º
“2- Os bens móveis pertencentes a particulares só podem ser classificados como de interesse nacional quando a sua degradação ou o seu extravio constituam perda irreparável para o património cultural.
3- Dos bens móveis pertencentes a particulares só são passíveis de classificação como de interesse público os que sejam de elevado apreço e cuja exportação definitiva do território nacional possa constituir dano grave para o património cultural.
4 - Só é possível a classificação de bens móveis de interesse municipal com o consentimento dos respectivos proprietários.”
16. Isto é, no que respeita às atribuições da DGPC, não basta que os bens detenham interesse cultural — o qual, aliás, deve ser aferido por recurso aos critérios estabelecidos no artigo 17.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, em articulação com o disposto nos n.°s 1 e 3 do artigo 2.°.
Para que os bens possam ser classificados como de interesse nacional ou de interesse público têm ainda de estar reunidos os requisitos constantes dos supracitados n.°s 4 e 5 do artigo 15.º e, no caso de bens móveis de particulares, os estabelecidos nos n.°s 2 e 3 do artigo 18.º.
17. Nesta perspectiva, afigura-se de alertar superiormente para o seguinte:
a) No caso previsto no n.°1 do artigo 25.° da Lei n.°107/2001, de o impulso para a classificação provir de “qualquer pessoa ou organismo”, a decisão de abertura de procedimento de classificação é da esfera da discricionariedade técnica da Administração. Nesse sentido, veja-se o disposto nos artigos 7.° e 8.°do Decreto-Lei n.°309/2009, de 23 de Outubro, que estabelece o procedimento de classificação de bens imóveis. Ou seja, contrariamente ao que se possa pensar, não é obrigatório que, tendo havido aquele impulso, a Administração proceda à abertura de procedimento de classificação no prazo estabelecido no n.°5 do artigo 25.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro. A Administração, no uso de poder discricionário e até ao tempo daquele prazo, pode, fundamentadamente, determinar o arquivamento do pedido.
b) Em segundo lugar, atendendo aos antecedentes específicos do procedimento de classificação ora em análise, parece igualmente de sublinhar que, salvo melhor opinião e do ponto de vista estritamente jurídico, os dois pareceres constantes do Processo remetido ao Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa e que apontam no sentido da classificação das obras de Joan Miró como bens móveis de interesse nacional, não se encontram devidamente fundamentados, designadamente perante o exposto nos n.°s 14, 15 e 16 da presente Informação.
18. Em conclusão:
Face ao disposto na alínea b) do n.°2 do artigo 68.° da Lei n.°107/2001, de 8 de Setembro, e opondo-se a B…….., SA à classificação das 13 obras de Joan Miró de que é proprietária, está a mesma classificação legalmente vedada, pelo que se propõe que o Senhor Director-Geral determine o arquivamento do procedimento de classificação aberto por despacho de 21 de Julho de 2014, notificando-se a proprietária do despacho de arquivamento e publicando-se o competente anúncio no Diário da República.” Cfr. documento de folhas 98 a 102 dos autos.
7) Naquela informação foi em 19 de Agosto de 2014 exarado pelo Director- Geral do Património Cultural despacho com o seguinte teor: “Concordo. Arquive-se o procedimento com fundamento no exposto na presente informação. Notifique-se a proprietária e publicite se nos termos legais.”Cfr. documento de folhas 98 dos autos.
8) A A………… S.A. é uma sociedade anónima constituída em 16 de Setembro de 2010, por tempo indeterminado, no âmbito do processo de reestruturação financeira do D……… - Banco D………., S.A., seu accionista único, com o objectivo de dar início ao processo de reprivatização do Banco. Cfr. documento de folhas 28 dos autos.
9) A B………, S.A. é uma sociedade anónima constituída no âmbito do processo de reestruturação financeira do D……. - Banco D…….., S.A.. Cfr. despacho n.º 825/11 SETF.
10) Por despacho n.º 825/11 do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, de 3 de Junho de 2011, foi aprovada a aquisição pelo Estado Português, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, da totalidade das acções representativas do capital social da A………, S.A., operação que veio a concretizar-se em 14 de Fevereiro de 2012, tendo o Estado Português assumido directamente todos os direitos e obrigações da A…….. S.A.. Cfr. documento de folhas 28 e 34 dos autos e cópia daquele despacho.
11) Por aquele despacho n.º 825/11 do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, de 3 de Junho de 2011, foi aprovada a aquisição pelo Estado Português, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, da totalidade das acções representativas do capital social da B……… S.A.. Cfr. cópia daquele despacho.
12) A C……… foi contratada pelas contra-interessadas A……. e B……. para colocar em leilão as 85 obras do pintor Joan Miró. Acordo das partes.
13) O Banco D…….. procedeu à importação temporária de 41 obras de Joan Miró em 9 de Janeiro de 2003. Cfr. acordo das partes.
14) Aquelas 41 obras só foram importadas a título definitivo em Dezembro de 2005. Cfr. documentos de folhas 229 e 316 dos autos.
15) 17 obras do artista catalão Joan Miró foram importadas a título definitivo pelo D…….. em Abril de 2008. Cfr. documento de folhas 225 e 303 dos autos.
16) 23 Obras do artista catalão Joan Miró foram importadas a título definitivo pelo D…….. em Março de 2006. Cfr. documentos de folhas 247 a 255 e de 307 a 310 dos autos.
17) 4 Obras do artista catalão Joan Miró foram importadas a título definitivo pelo D…… em Outubro de 2004. Cfr. documentos de folhas 256 a 260 e de folhas 335 a 339 dos autos.

3. O Direito
3.1. Litispendência
As Recorridas C……… e A…….., SA. e B……., S.A, nas respectivas contra-alegações invocam a excepção dilatória de litispendência entre estes autos e os processos 852/15 e 550/15 deste Supremo Tribunal Administrativo.
A excepção dilatória da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. arts. 577º, alínea i), 580º, nº 1 e 581º do CPC).
Ora, nos processos em referência, que tiveram neste STA os números 852/15 e 550/15, e nos quais foram proferidos acórdãos em 20.10.2015 e 03.12.2015, respectivamente, ambos já transitados em julgado (e tendo em ambos sido determinado o prosseguimento dos autos – cfr. acórdãos in www.dgsi.pt), não estava em causa um pedido de suspensão de eficácia dos actos praticados em 19 de Agosto de 2014 pelo Director-Geral do Património Cultural (DGPC) mas antes pedidos de intimação contra várias entidades para a abstenção de condutas e para a prática de actos.
Assim, não há identidade de pedidos, nem de causas de pedir, sendo que, igualmente, o Ministério das Finanças não é parte nos presentes autos, sendo-o naqueles processos, pelo que não se verificam os requisitos previstos no art. 581º do CPC para a verificação da litispendência, improcedendo tal excepção.

3.2 Do mérito
O presente recurso vem interposto do acórdão do TCAS que manteve a sentença do TAC de Lisboa que indeferiu a providência cautelar na qual foi formulado o pedido de suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento dos procedimentos de inventariação e classificação de 85 obras de Joan Miró, propriedade das Recorridas A………, SA e B…….., SA, proferidos em 19.08.2014 e publicados no DR, 2ª série, nº 166, de 29.08.2014, através dos anúncios nº 215/2014 e 216/2014.
O Recorrente põe em causa o decidido pelo acórdão recorrido ao não ter julgado verificado o requisito do fumus boni iuris previsto na alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, que permitiria o deferimento da providência cautelar de suspensão de eficácia sem mais indagações (nomeadamente sem a necessidade de proceder a ponderação de interesses, prevista no nº 2 do mesmo preceito). Questiona ainda a ponderação de interesses efectuada nos termos do nº 2 do art. 120º do CPTA.
São, pois, estas as questões que cumpre apreciar e decidir.
O art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, impõe que a providência cautelar seja logo deferida se for “evidente” a ilegalidade do acto.
Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador comece por constatar se já é evidente que a acção principal será procedente, o que implica sempre a evidência da ilegalidade do acto ou da norma.
«Contudo, só muito raramente estes meios cautelares mostram de imediato o destino das acções principais. As hipóteses extremas de, logo no processo de suspensão de eficácia, se ver que o acto é ilegal ou legal são invulgares, sendo os casos resolvidos, na sua maioria, pela análise dos interesses em presença e pela sua recíproca ponderação. Com efeito a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe» – cfr. acórdão deste STA de 24.09.2009, proc. 0821/09 e o recente acórdão do Pleno de 21.01.2016 (e os arestos nele citados).
No presente caso, considera o Recorrente que estamos perante actos manifestamente ilegais porque:
- a A………, SA e a B…….., SA não são entidades privadas mas entidades públicas, e, como tal, não podiam opor-se à classificação das obras nos termos do disposto no art. 68º, nº 2, alínea b) da Lei nº 107/2001, de 8/9 – Lei de Bases do Património Cultural (LBPC);
- mesmo que se considerasse que as referidas CI são particulares, pelo menos cerca de 41 das obras em causa entraram no país há mais de 10 anos e é irrelevante a data da importação definitiva destas obras, não podendo operar o art. 68º, nº 2, al. b) da LBPC;
- a abertura de um procedimento administrativo de classificação de obras de arte por parte da administração do património cultural é um acto vinculado.
Nenhuma destas questões e ilegalidades apontadas pelo Recorrente aos actos suspendendos são de evidente resolução, em face das posições quanto a elas assumidas quer pela Entidade requerida, quer pelas contra-interessadas.
Quanto à primeira questão alega o Recorrente que as sociedades referidas são entidades públicas pertencentes exclusivamente ao Estado Português, que detém 100% do capital social detendo amplos poderes de superintendência das mesmas, pelo que a titularidade e o poder de disposição sobre as obras de arte em apreço lhe pertence em exclusivo.
A esta argumentação contrapõem as CI que as sociedades A……… e B……… são empresas públicas constituídas sob a forma de responsabilidade limitada nos termos do direito comercial, regendo-se pelo direito privado, e pelos princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial, estabelecidos no DL nº 133/2003, de 3/10 (cfr. arts. 1º, 2º, 5º, 6º, 13º, 14º, 25º e 56º deste diploma).
Estamos, portanto, perante uma questão que necessita de um cuidado aprofundamento jurídico, não permitindo aderir, sem mais, à tese do Recorrente de que as obras de arte aqui em causa pertencem ao Estado, dependendo da resposta que se encontre quanto à natureza jurídica de tais sociedades, a questão com ela intrinsecamente conexa de saber se tais sociedades podiam, ou não, opor-se à classificação das obras, enquanto proprietárias, que indiscutivelmente são, para os efeitos do disposto no art. 68º, nº 2, alínea b) da Lei nº 107/2001, de 8/9, como aconteceu.
Igualmente, não pode ter-se como evidente o exacto significado da expressão ínsita na referida alínea b) do nº 2 do art. 68º da LBPC, de ser vedada a classificação como de interesse nacional ou de interesse público do bem, salvo acordo do proprietário, “nos 10 anos seguintes à importação ou admissão”.
Com efeito, é controvertido entre as partes o sentido desse segmento do preceito, defendendo o Recorrente que, pelo menos, 41 das obras foram importadas temporariamente pelo Banco D………. em Janeiro de 2003. Por sua vez, os Recorridos defendem o entendimento de que não pode relevar a importação temporária, mas, tão só, a importação definitiva.
É, pois, matéria que, tanto em termos factuais, como jurídicos necessita de esclarecimento aprofundado na acção principal, não podendo ser considerada qualquer ilegalidade evidente nesta matéria. O que igualmente sucede quanto à medida do grau de vinculação da abertura de um procedimento administrativo de classificação de obras de arte por parte da administração do património cultural (procedimento que no presente caso teve lugar, concluído-se pelo arquivamento – cfr. art. 25º da LBPC).
Ora, a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunam com a ideia de que as ilegalidades devam ser apreciadas exaustivamente, até porque tal apreciação envolveria, no presente caso, uma análise cuidada de um acervo documental que, nesta sede de providência cautelar, não cabe fazer.
Assim, não podia decretar-se a providência ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, como entendeu o acórdão recorrido, o qual não enferma do erro de julgamento que lhe vem imputado, improcedendo, ou sendo irrelevantes, as conclusões 2 a 20 do recurso.
Quanto aos requisitos da alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, não foram objecto de pronúncia por parte do acórdão recorrido, uma vez que sobre essa matéria o aqui Recorrente obteve ganho de causa, tendo a sentença de 1ª instância julgados verificados os requisitos estabelecidos nesse preceito do fumus non malus iuris e do periculum in mora, este na vertente de um facto consumado, pela provável exportação das obras, face ao arquivamento dos procedimentos de classificação, sendo, como tal irrelevantes as conclusões 21ª 23.
Quanto à ponderação de interesses efectuada ao abrigo do nº 2 do art. 120º do CPTA defende o Recorrente, no presente recurso, que são “evidentes os prejuízos, e de difícil reparação, quer para o património cultural, quer para os interesses económicos do Estado, demonstrados nos autos, na medida em que se poderá proceder à venda das referidas obras de arte de Joan Miró, sem que tenha existido qualquer hipótese de a comunidade portuguesa poder ajuizar das suas caraterísticas, descrição e seu valor exato”.
E que nunca foi reconhecida a necessidade, e concretizada, de uma perícia “adequada e competente”, a qual foi denegada pela DGPC, na medida em que os despachos suspendendos, impedem que peritos credenciados examinem as obras.

Nos termos do preceituado no nº 2 do art. 120º do CPTA deve o juiz recusar a providência cautelar requerida “quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa …”.
O preceito introduz um critério de ponderação de interesses, de acordo com o qual a decisão sobre a atribuição da tutela cautelar fica dependente, em cada caso, da formulação de um juízo de valor relativo, tendo por base a comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos – cfr. neste sentido Mário Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 708.
No caso presente o acórdão recorrido, tendo tomado em consideração os danos alegados pelas partes, considerou, de acordo com o expendido na sentença recorrida, que:
«”Inexiste pois um dever subjectivo à classificação como bens móveis de interesse nacional ou de interesse público daquelas 85 obras. Há uma possibilidade legal dessa classificação mas que importa ainda o exercício de avaliações, ponderações e escolhas administrativas. Que são reserva da Administração.
(…)
O interesse da A…….. e da B……. na venda das obras e de procederem ao correspondente encaixe financeiro constitui a prossecução de um dos objectivos para que foram criadas que é a da gestão de créditos e bens com vista à minimização do esforço financeiro do Estado associado à nacionalização e privatização do Banco D……...”
Este juízo de ponderação efectuado na decisão recorrida é acolhido por este Tribunal. Com efeito, sendo inquestionável que Juan Miro é um dos nomes maiores e universais da arte moderna do século XX (como aliás consta da alínea 1) dos factos assentes), é igualmente inquestionável que a venda das obras em apreço - que constituíam activo do Banco D……… - servirá para gerar receitas que têm como fito, como se refere na decisão recorrida, a “...minimização do esforço financeiro do Estado associado à nacionalização e privatização do Banco D……….."
Pretendendo o recorrente, com o recurso à presente providência cautelar, a protecção de bens culturais - cfr. item 46 das conclusões - não pode este Tribunal olvidar que o direito à cultura - com expressão constitucional no artigo 73º da Lei Fundamental, concretizado depois no artigo 78º como direito à fruição e criação cultural - é um direito "sob reserva do possível”, isto é, cuja concretização depende da disponibilidade financeira do Estado, avaliada momento a momento, sendo que tal direito deverá ceder se outras exigências, mormente de cariz orçamental, assim o exigirem ou aconselharem.
No caso em apreço, e tendo presente a necessidade de nacionalização do D………, bem como o facto de Portugal ter recorrido, recentemente, a um programa de auxílio financeiro - cujos efeitos se prolongarão por vários anos - é de concluir pela necessidade de gerar receitas que permitam minorar o esforço financeiro que o Estado terá de efectuar, associado à nacionalização e privatização do Banco D………., pelo que, sem questionar o valor das obras em apreço, se deve concluir que os prejuízos que resultariam da concessão da providência seriam superiores aos que resultam da recusa da mesma, pelo que deve improceder a pretensão recursiva formulada, (…)».
A jurisprudência do Pleno e da Secção do Contencioso Administrativo deste STA tem entendido uniformemente que a fixação dos danos ou prejuízos a que alude este preceito e o juízo relativo à respectiva ponderação é matéria de facto, isto é, trata-se de matéria que este Tribunal não pode sindicar em sede de revista, atento o disposto no art. 150º, nºs 2 e 4 do CPTA, 12º, nº 4 do ETAF e 674º, nºs 1 e 3 do CPC (cfr. acórdãos de 29.06.2005, proc. 0608/05, de 06.02.2007, proc. 783/06 e de 06.03.2007, proc. 359/06)
Como se escreveu no acórdão do Pleno deste STA de 13.11.2014, P. 0561/14, mas com inteira aplicação em sede de revista: «(…), se se concluir que o Tribunal a quo decidiu, sem apelo a normas substantivas ou processuais e, por isso, que o seu julgamento se fundou tão só nos factos que julgou provados ter-se-á de concluir que a matéria versada no recurso é matéria de facto subtraída ao julgamento deste Pleno. E isto porque, como é sabido, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o Tribunal Pleno não interfere sobre o julgamento da matéria de facto – vd. Art.ºs 150.º/4 do CPTA, 12.º/3 do ETAF e art. 674.º/1 e 3 do CPC.»
É certo que aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado (cfr. nº 3 do art. 150º do CPTA).
Ora, tendo em atenção os elementos de que o Tribunal dispunha, face ao alegado pelas partes quanto a danos que resultariam da recusa (no caso do requerente) ou concessão (no caso do requerido) da providência, este juízo de ponderação afigura-se-nos correcto, à luz do preceito em questão, não merecendo a censura que o Recorrente lhe aponta, improcedendo as conclusões 24 a 35 do recurso (cfr. acórdão do Pleno de 17.04.2015, proc. 844/14).

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso confirmando o acórdão recorrido.
Sem custas a cargo do Recorrente (art. 4º, nº 1, alínea a) do RCP).

Lisboa, 28 de Janeiro de 2016.Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.