Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0196/09
Data do Acordão:03/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:EXTEMPORANEIDADE
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
FALTA DE CITAÇÃO
PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:A extemporaneidade da reclamação da decisão do órgão da execução fiscal determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito suscitadas na respectiva petição, ainda que de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P10274
Nº do Documento:SA2200903250196
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Fiscal e Administrativo do Porto que julgou intempestiva, com a consequente abstenção do conhecimento do respectivo mérito, a reclamação deduzida do despacho do Chefe de Repartição de Finanças do Porto-3, nos termos do qual fora ordenada a venda do imóvel penhorado no processo de execução fiscal n.º 3360199901030175, por dívidas de juros de mora do ano de 1999, formulando as seguintes conclusões:
I. A recorrente não se conforma com a douta sentença;
II. A mesma violou os art.s 276º., 278º e o 165º do CPPT.
III. Tendo considerado a reclamação intempestiva não apreciando abstendo-se do mérito;
IV. Sobre questões de conhecimento oficioso, como da prescrição, a falta de citação da recorrente e do cônjuge;
V. Sobre a prescrição da divida exequenda art. 48º da LGT de conhecimento oficioso art. 175º, do CPPT;
VI. quanto à falta de citação pessoal da executada/reclamante;
VII. violação das normas do nº 3 dos art. 191º e 192º do CPPT e 232°, n° 2, do CPC;
VIII. Como também violou, nomeadamente, as normas contidas nos arts. 203º, n. 1, alínea a) e 192º, nº 1, ambos do CPPT e no art. 232º., n.° 2, do CPC.
IX. Como, perante a falta de citação ao cônjuge do executado,
X. nos termos do n. 1 do artigo 239º do CPPT, «Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220º. ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.
XI. A recorrente fez-se valer da reclamação contenciosa, invocando prejuízos irreparáveis, porque, vendidos os imóveis penhorados, nenhum efeito útil terá a reclamação com subida diferida,
XII. única via de fazer valer os seus direitos e interesses legítimos, foi reclamar contenciosamente porque,
XIII. a lei prevê a obrigatoriedade de assegurar a possibilidade de reclamar de todos os actos lesivos (art. 268º nº 4 da CRP e 95º n.s 1 e 2 als. j) e 103. nº 2 da LGT).
XIV. Com efeito, enquanto a própria Constituição garante no seu art. 268v. n 4 o direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo (em que se engloba o tributário).
XV. Esta é, aliás, a posição sustentada pelo Exmº Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado”.
XVI. As nulidades mencionadas são de conhecimento oficioso e,
XVII. podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão como preceitua o nº 4 do art. 165º. do CPPT.
2- A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Recorrente:A…
Objecto do recurso:decisão de abstenção do conhecimento do mérito de reclamação, com fundamento em intempestividade da reclamação (art.276° CPPT)
FUNDAMENTAÇÃO
1. A reclamação tem por objecto a decisão do órgão da execução fiscal que ordenou a venda de imóvel penhorado (art.276° CPPT).,
A recorrente não questiona o fundamento da decisão impugnada: intempestividade da reclamação; não sendo a questão da caducidade do prazo de reclamação de conhecimento oficioso, não é passível de reapreciação no tribunal superior.
O art.687° n°4 CPC exprime previsão distinta, nos termos da qual a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior, permitindo a reapreciação do seu pressuposto temporal; no caso sub judice a intempestividade da reclamação constitui o fundamento da decisão, objecto do recurso jurisdicional.
2. A alegada oficiosidade do conhecimento das questões suscitadas pela recorrente na reclamação, emergentes das causas de pedir invocadas (prescrição da dívida exequenda, falta de citação da executada e do cônjuge) não pode prevalecer sobre a adequação do meio processual dirigido à tutela da sua pretensão, a qual implica a observância dos respectivos pressupostos processuais, designadamente a tempestividade da sua utilização (cf., como lugar paralelo, a jurisprudência consolidada do STA SCT sustentando a impossibilidade de conhecimento da questão oficiosa da prescrição, quando o recurso por oposição de acórdãos for julgado findo, por inverificação dos pressupostos para o seu prosseguimento).
3. Sem prescindir, a recorrente poderá, em requerimento autónomo a apresentar ao órgão a execução fiscal:
a) arguir a nulidade decorrente da alegada falta de citação para a execução da executada e do seu cônjuge
b) suscitar a questão da prescrição da dívida exequenda
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.
Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
I- Encontra-se pendente pelo Serviço de Finanças do Porto - 3, o processo de execução fiscal n.° 33360199901030175, instaurado contra a ora reclamante, por dívidas de Juros de Mora do ano de 1999, devidos por Plano de Regularização de dívidas, que não foi integralmente cumprido, no montante de (184.782$00) de 921,69€;
II. A penhora foi realizada no dia 25 de Agosto de 2004, cfr. auto de penhora de fls. 8 dos presentes autos;
III. Daquela penhora foi a Reclamante notificada por edital (cfr. fls. 37 dos autos);
IV. Ordenada a venda judicial do imóvel penhorado para o 5 de Dezembro de 2007 (cfr. despacho de fls. 65 dos autos), a mesma viria a ser dada sem efeito, por impossibilidade de proceder à citação da executada/reclamante.
V. Por despacho datado de 27 de Novembro de 2007 foi designado o dia 24 de Janeiro de 2008, pelas 10.00 horas para realização da venda e ordenada a citação da executada, ora reclamante — cfr. fls. 122 dos autos;
VI. Aos 20 de Novembro de 2007 foi a ora reclamante notificada na qualidade de fiel depositária, nos seguintes termos que se transcrevem
“Para efeitos do disposto no artigo 854° do Código de Processo Civil, informo V. Ex.a, na qualidade de fiel depositária dos bens penhorados da obrigação de apresentação dos mesmos no processo de execução fiscal supra referido, devendo até à venda exibi-los aos possíveis interessados, entre as 09:00 e as 17.00 dos dias 22/11/2007 a 23/01/2008.
Informo ainda que no dia 24 de Janeiro de 2008, pelas 10:00 e neste Serviço de Finanças, se irá proceder abertura das propostas em carta fechada para a sua venda judicial.” — cfr. fls. 123 dos autos;
VII. Por meio de carta registada com aviso de recepção, recepcionada em 27 de Novembro de 2007 (cfr. fls. 155 dos autos) foi a reclamante citada nos seguintes termos:
“Pela presente fica citado/notificado, nos termos do n.° 2 do artigo 193° do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT) e do artigo 864° do Código de Processo Civil (CPC), da penhora efectuada por este Serviço de Finanças, no processo de execução fiscal abaixo identificado que corre aqui termos, para cobrança da respectiva dívida.
Poderá, querendo, apresentar reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal, nos termos do artigo 2760 do CPPT, no prazo de dez dias a contar da presente citação/notificação.
— cfr. fls. 153 dos autos;
VIII. A Reclamante solicitou em 21.01.2008, por petição subscrita por advogado, a suspensão da venda judicial ordenada na execução fiscal, para o dia 24.01.2008, sob pena de vir a intentar acção de anulação de venda;
IX. Por despacho de 23.01.2008, notificado ao mandatário em 24.01.2008, foi aquele pedido indeferido, mantendo a venda para o dia ordenado.
X. A presente reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças em 23.01.2008.
5- A sentença sob recurso julgou intempestiva a reclamação deduzida pela ora recorrente, com a consequente abstenção do conhecimento do respectivo mérito.
A decisão de julgar intempestiva a reclamação, assim como as considerações que lhe serviram de suporte, não foram objecto de impugnação por parte da recorrente.
Optou esta por vir defender que, em suma, tendo suscitado na reclamação várias questões de conhecimento oficioso, como a prescrição, a falta de citação da recorrente e do cônjuge, essas questões deveriam ter sido apreciadas.
Mas não lhe assiste razão.
De facto, aqui se acompanhando jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito que tenham sido suscitadas na petição, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que, quanto ao mérito, a lide impugnatória não chega a ter o seu início (cfr. acórdãos de 21/05/08, 3/12/08 e 11/02/09, nos processos n.ºs 293/08, 803/08 e 802/08).
E certo é que este entendimento não traduz qualquer prejuízo para a recorrente, quer no caso da prescrição, quer no caso da falta de citação.
Na realidade, no caso da prescrição, podendo ser conhecida oficiosamente pelo órgão de execução fiscal (artigo 175.º do CPPT), sempre assistirá à recorrente a possibilidade de requerer a extinção da execução com esse fundamento, daí abrindo a possibilidade de reclamação para o tribunal no caso do pedido ser indeferido, nos termos do artigo 276.º do CPPT.
O mesmo se diga quanto á falta de citação, cuja nulidade insanável de conhecimento oficioso, por manifestamente lesar os direitos de defesa da recorrente no processo de execução fiscal, pode por ela ser arguida junto do órgão de execução fiscal até à decisão final, nos termos do artigo 165.º n.ºs 1, alínea a) e 4 do CPPT e, em seguida, reclamar para o tribunal no caso de indeferimento.
Como se demonstra, ao invés do que defende a recorrente, a reclamação deduzida não constituía o único meio ao seu dispor para fazer valer os seus direitos, não colocando em casa o seu direito a uma tutela judicial efectiva.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 25 de Março de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Brandão de Pinho – António Calhau.