Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:064/15.2BEVIS 0188/18
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
INCENTIVOS FISCAIS À INTERIORIDADE
Sumário:I. O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de Março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução.

II. Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta, ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.

Nº Convencional:JSTA000P28205
Nº do Documento:SA220211006064/15
Data de Entrada:02/28/2018
Recorrente:A......,S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A…………, S.A., contribuinte fiscal n.º ……….., com sede na ……………. Oliveira de Frades, recorre da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 15/07/2017, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira da decisão que indeferiu a reclamação graciosa da liquidação adicional do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, n.º 2014 8310032384,00, referente ao exercício de 2011 e respectivos juros compensatórios, no valor de 13.590,23€.

Recurso que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.

Notificado da sua admissão apresentou alegações e formulou conclusões que, após reformulação, passaram a ter o seguinte teor: «(…)

1. A douta Sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 125º n.º 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC.

2. Entre outras, NÃO SE PRONUNCIOU RELATIVAMENTE AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS, alegados e peticionados na PI de Impugnação Judicial.

Sem prescindir.

3. Após a fase dos articulados, as partes foram imediatamente notificadas para apresentar alegações escritas, tendo sido dispensada a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente e pela própria FP.

4. A produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392º do CC).

5. A matéria de facto elencada nas presentes alegações de recurso e na PI ERA RELEVANTE PARA A DECISÃO DE MÉRITO SEGUNDO AS DIFERENTES SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DE DIREITO - e era susceptível de prova testemunhal.

6. Por força do artigo 114º do CPPT, o Juiz deve ordenar todas as diligências de prova necessárias.

7. O artigo 113º nº 1 do CPPT permite a dispensa de prova testemunhal.

8. Contudo, isso apenas pode suceder após vista ao Ministério Público, como se extrai daquele nº 1 do artigo 113º do CPPT - o que não foi o caso, já que a dispensa da prova testemunhal antecedeu a vista ao Ministério Público.

9. Por força do artigo 115º nº 1 do CPPT, em processo impugnatório devem ser aceites os meios gerais de prova, designadamente a prova testemunhal.

10. Era necessário complementar a prova documental com prova testemunhal.

11. A douta Sentença omitiu inclusivamente a esmagadora maioria da prova documental produzida pela Impugnante/Recorrente - designadamente as certidões de situação tributária regularizada, de inexistência de salários em atraso e as várias facturas de serviços e fornecimentos adquiridos.

12. Prova documental, essa, correspondente a matéria de facto que, por isso, deveria ter sido dada por provada - dado que essa prova documental não foi impugnada pela FP.

13. Nos termos do artigo 265º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que deve conhecer - princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (artigo 265º do CPC).

14. A douta Sentença omitiu toda esta matéria de facto - padecendo, por isso, de erro de julgamento da matéria de facto e défice instrutório, atentas as plausíveis soluções de Direito e questões em discussão (artigo 513º do CPC) - com o consequente erro omissivo no julgamento da matéria de facto.

15. Por outro lado, ocorreu uma nulidade processual, já que aquela omissão é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195º nº 1 do CPC) - a qual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida (cfr. artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT.

Sem prescindir,

16. A douta Sentença padece de erro de julgamento e de errónea interpretação e aplicação da lei, designadamente do artigo 43º do EBF.

17. Com efeito, QUANTO À MATÉRIA DE FUNDO, É HOJE PACÍFICO, JUNTO DESTE VENERANDO STA, QUE O ENTENDIMENTO CORRECTO É AQUELE QUE AQUI É PROPUGNADO PELA IMPUGNANTE/RECORRENTE.

18. A douta Sentença padece de errada interpretação e aplicação aos factos do disposto no artigo 1º nº 1 e 2 da Lei nº 171/99, de 18/9, que não estava em vigor à data dos factos (2011) - tinha sido expressamente revogada.

19. Pelo que não podia ter sido aplicada ao caso ou dela extraída qualquer conclusão interpretativa no enquadramento jurídico-fiscal da factualidade em apreço.

20. A douta Sentença violou as regras legais de aplicação das leis no tempo (artigos 7º e 12º do CC; artigo 12º da LGT e 103º nº 3 da CRP).

21. A douta Sentença recorrida incorreu em erro nos pressupostos de facto e vício de violação de lei.

22. Sem prejuízo, a criação do benefício fiscal em apreço pela Lei 171/99, de 18/9, não estava dependente da criação ou existência de trabalhadores, ou massa salarial.

23. As respectivas normas de regulamentação necessárias à execução das medidas de incentivo à recuperação das regiões portuguesas que sofriam de problemas de interioridade foram estabelecidas pelo DL nº 310/2001 de 10/12.

24. Nem aquela Lei nº 171/99, de 18/9, nem aquele DL, estabeleciam que o benefício fiscal em apreço estava dependente da criação ou existência de trabalhadores, ou massa salarial - nenhum daqueles diplomas legais estabelece como condição de acesso ao benefício fiscal que a empresa possua massa salarial ou crie postos de trabalho sob vínculos de contratos de trabalho.

25. Essa interpretação também não se pode extrair do artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, nem do artigo 43º nº 1 a) do EBF, nem de qualquer outra disposição normativa.

26. Embora não tivesse formalmente registada "massa salarial" nas suas contas, é inolvidável que a Recorrente contribuiu para o combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento de Oliveira de Frades - objectivos que estiveram na génese dos benefícios fiscais à interioridade.

27. Considerar que os administradores de uma sociedade não são "trabalhadores" da sociedade seria uma ignomínia - na medida em que estes têm a responsabilidade máxima de vincular a sociedade e de praticar os actos necessários e conveniente à realização do objecto social da sociedade,

28. O artigo 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1 (LFL) é inaplicável ao caso, nada tendo a ver com o benefício fiscal em questão - respeita, outrossim, à Derrama e à forma como as empresas que tiverem estabelecimentos em diferentes concelhos (com diferentes taxas de derrama,) devem autoliquidar a Derrama imputável a cada um desses estabelecimentos.

29. Nos termos do artigo 11º nº 3 e 4 da LGT, as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República - como é o caso dos benefícios fiscais - não são susceptíveis de integração analógica por aplicação de outros normativos como a LFL.

30. O que da lei se extrai é que, para se considerar a actividade localizada em determinada zona, e CASO O AGENTE ECONÓMICO TENHA EMPREGADOS OU "MASSA SALARIAL", mais de 75% dessa massa salarial tem de se localizar na zona beneficiária.

31. O critério dos 75% da massa salarial tem apenas em vistas os casos das empresas que têm estabelecimentos e colaboradores espalhados pelo país.

32. Como a Recorrente não tinha estabelecimentos ou colaboradores espalhados por várias zonas do país, tão pouco "massa salarial", a questão de ter mais de 75% da "massa salarial” em Oliveira de Frades nem sequer se colocava - pois não era necessária para determinar se exercia a sua actividade PRINCIPAL no concelho de Oliveira de Frades.

33. Ao contratar a maior parte dos serviços a entidades instaladas no concelho de Oliveira de Frades, a Recorrente está indubitavelmente a promover o crescimento dessas entidades e, consequentemente, a contribuir para o combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento daquela região.

34. A Recorrente mobilizou recursos humanos e materiais próprios e de terceiros do concelho de Oliveira de Frades.

35. A direcção operacional da Recorrente esteve sempre centralizada precisamente na sua sede, em Oliveira de Frades.

36. O requisito previsto no artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3 visa apenas dar execução prática ao disposto no artigo 43º nº 1 a) do EBF - quando neste se exige que a actividade principal da empresa deve situar-se nas áreas beneficiárias.

37. Ou seja, foi apenas para operacionalizar na prática a aferição deste requisito legal - de que a actividade principal da empresa se situe nas áreas beneficiárias - que o legislador menciona que mais de 75% da massa salarial da empresa se situe nas zonas beneficiárias.

38. Tratou-se apenas, pois, de regulamentar a lei - o artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, visa apenas regulamentar e dar execução prática aos requisitos do disposto no artigo 43º nº 1 a) do EBF.

39. O artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, deve ser lido em obediência e subordinação ao disposto no artigo 43º nº1 a) do EBF, enquanto norma regulamentadora desta última.

40. A douta Sentença recorrida introduziu requisitos adicionais à aplicação da taxa reduzida de IRC de 15% que o legislador não previu.

41. Quanto aos "verdadeiros" requisitos legais do benefício fiscal, constantes do artigo 43º nº 2 do EBF e do DL nº 55/2008, de 26.03, os mesmos estavam integralmente cumpridos - atento o efeito cominatório semipleno decorrente da circunstância de se tratar de factualidade não controvertida entre as partes, complementada com a prova documental produzida,

42. Assim, a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto (por omissão de factualidade relevante) e de Direito, bem como de violação das sobreditas normas e princípios legais, designadamente do disposto nos artigos 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, 43º nº 1 a) do EBF e 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1.

43. Conforme se afirma na decisão arbitral (CAAD) proferida em 09.06.2015, no processo arbitral nº 18/2015-T. o artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, ao "considerar" que atividade principal é desenvolvida na área beneficiária quando o sujeito tenha sede ou direcção efectiva nessa área e nela concentre mais de 75% da respetiva massa salarial, constitui uma norma legal anti-abuso - porque tem em vista a prevenir situações de evasão e planeamento fiscal abusivo, através da eventual manipulação empresarial da sede e direcção efectiva do sujeito passivo.

44. E nada se provou, sequer indiciou, no sentido ter havido qualquer manipulação da sede e direcção efectiva da Recorrente para esta estar abrangida pelo benefício fiscal.

45. Uma vez que estamos perante uma norma anti-abuso, a AT deveria ter observado o disposto no artigo 63º do CPPT, na redaccão aplicável a 2011 - o qual impõe um procedimento administrativo especial para todos os casos em que as liquidações são feitas com base em disposições anti-abuso.

46. Aquele artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, estabelece uma mera presunção legal que por imposição da lei é ilidível pelo contribuinte mediante prova em contrário, conforme decorre do disposto no artigo 7º da LGT,

47. Com efeito, os elementos do artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, não podem ser interpretados como condições legais obrigatórias de acesso ao benefício fiscal, muito menos no sentido preconizado na douta Sentença recorrida.

48. Estamos perante normas sobre benefícios fiscais, um dos elementos essenciais dos impostos, abrangidos pelos princípios fundamentais da legalidade e tipicidade tributárias (artigos 103º nº 2,165º nº 1 i) e 266º nº 2 da CRP, 8º da LGT e 3º do CPA).

49. Pelo que os respectivos requisitos legais apenas podem ser definidos por lei.

50. Ou seja, em matéria de benefícios fiscais (cfr. artigo 103º nº 2 da CRP), importa ter particularmente em conta as regras constitucionais da reserva de lei da AR.

51. Ora, analisado o disposto no artigo 43º nº 1 a) do EBF, redacção à data, do mesmo não resulta, manifestamente, que a titularidade de "massa salarial" seja condição legal para o acesso ao benefício fiscal em causa.

52. O artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, é uma norma meramente regulamentadora/instrumental do benefício fiscal consagrado naquele artigo 43º nº 1 a) do EBF,

53. não podendo decorrer daquela norma regulamentadora, e por isso subordinada, o estabelecimento de requisitos de acesso ao benefício fiscal que não estão minimamente evidenciados no artigo 43º do EBF - ao qual aquela norma regulamentadora deve obediência.

54. Não é lícito que uma simples norma regulamentar possa fixar INOVADORAMENTE (em relação à norma legal regulamentada) critérios e requisitos, gerais e abstratos, que condicionem o acesso ao benefício fiscal instituído pela norma legal regulamentada e que esta não preveja.

55. Assim, deve ser restringida a interpretação e aplicação do artigo 2º nº 1 d) e nº 2 DL nº 55/2008, de 26/3 - a qual deve ser interpretado no sentido de que NÃO ESTABELECEU CONDIÇÕES LEGAIS ADICIONAIS de acesso ao benefício fiscal mais apertadas e não previstas no artigo 43º do EBF.

56. Não estando previsto no artigo 43º do EBF o pretenso requisito da massa salarial, não pode o artigo 2º nº 2 DL nº 55/2008, de 26/3, ser interpretado como um requisito ou condição adicional de acesso ao benefício fiscal - mas outrossim como uma mera norma regulamentar, de execução, que estabelece uma presunção ilidível, de modo a salvaguardar a boa execução do benefício fiscal e evitar abusos de direito.

57. Os artigos 2º nº 1 d) e nº 2 do Decreto-lei nº 55/2008, de 26/3, e 43º nº 1 a) do EBF, quando interpretado no sentido de que a empresa não situa a sua actividade principal nas áreas beneficiárias se não tiver trabalhadores ou massa salarial nessas áreas, padecem de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade formal e material consignado nos artigos 103º nº 2, 266º nº 2e 165º nº 1 g) e i) da CRP, e por violação da respectiva lei de "autorização legislativa" (cfr. artigo 165º nº 2 da CRP) decorrente da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2007, aprovada pela AR nos termos da alínea g) do artigo 161º da CRP), que aditou aquele artigo 43º ao EBF (inicialmente artigo 39º-B do EBF).

58. Nos termos das regras gerais de interpretação das leis, e em especial nos termos artigo 10º do EBF, deve ser efetuada uma interpretação extensiva da lei sobre benefícios fiscais,

59. porquanto o benefício fiscal abrange todas as empresas que desenvolvam a sua actividade principal na área geográfica beneficiária (como é o caso, cfr. A) dos factos provados), não limitando expressamente esse âmbito às empresa que possuam massa salarial.

60. A interpretação e aplicação das normas sobre benefícios fiscais admite interpretação extensiva (artigo 10º do EBF).

61. E não uma interpretação restritiva do benefício - como aquela que aqui foi feita na Sentença recorrida.

62. Efectivamente, não há qualquer margem legal para restringir o benefício fiscal em questão.

63. A interpretação extensiva pressuporia sempre uma extensão do benefício fiscal a situações não expressamente contempladas na lei, porque teria sido essa a intenção ou espírito do legislador - e nunca o inverso, como sucede in casu, em que a douta Sentença elimina o benefício fiscal sempre que o sujeito passivo não tenha registada "massa salarial" (em violação do princípio da igualdade e neutralidade fiscal, cfr. artigos 13º e 266º nº 2 da CRP; vide tb. os artigos 55º da LGT e 5º do CPA),

64. A interpretação que a douta Sentença faz do artigo 43º do EBF viola o princípio constitucional da legalidade e tipicidade de norma sobre benefícios fiscais, um dos ''elementos essenciais" dos impostos, violando igualmente o princípio da reserva de lei (artigos 103 nº 2 e 3 e 165, nº 1, i), da CRP) - ao fazer indevidamente uma interpretação restritiva da lei, quando a lei permite outrossim uma interpretação extensiva da lei.

Ainda sem prescindir, por cautela de patrocínio,

65. A douta Sentença recorrida reconheceu expressamente que o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, aqui igualmente impugnado, é inválido, por não estar assinado,

66. reconhecendo expressamente, nesse segmento, A PROCEDÊNCIA DA PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL (cfr. fls. 17 da douta Sentença recorrida).

67. Contudo, a final, a douta Sentença recorrida, contraditoriamente, julga a presente Impugnação Judicial totalmente improcedente.

68. Ora, assim sendo, a douta Sentença recorrida padece de NULIDADE POR OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO - nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 c) e nº 4 do CPC.

Ainda sem prescindir.

69. Nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA, "São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.".

70. Nos termos do artigo 123º nº 1 g) do CPA, é menção obrigatória de qualquer acto administrativo "g) A assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane.".

71. Por conseguinte, faltando a assinatura "do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane", o despacho de 29.12.2014 aqui impugnado é nulo, com a consequente ineficácia jurídica absoluta desse acto tributário, conforme decorre do disposto no artigo 134º nº 1 do CPA.

72. Assim, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, a nulidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa não é inócua - outrossim, acarreta que essa decisão não existe, não produziu quaisquer efeitos jurídicos.

73. Com efeito, embora essa invalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa não acarrete a invalidade da liquidação adicional de imposto, tudo se passa como se a Reclamação Graciosa não tivesse sido expressamente decidida,

74. pelo que a decisão da douta Sentença recorrida não poderia ser outra senão a procedência da presente Impugnação Judicial, por nulidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, o que constituiria a AT na OBRIGAÇÃO DE RECONSTITUIR A SITUAÇÃO JURÍDICA - ou seja, na obrigação de decidir expressamente a Reclamação Graciosa POR MEIO DE UMA DECISÃO ADMINISTRATIVA EXPURGADA DE QUAISQUER ILEGALIDADES INVALIDANTES (cfr. artigos 56º nº 1 e 100º da LGT, 173º nº 1 e 2 do CPTA).

75. Assim, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das ditas disposições legais.

Acresce que,

76. Não sendo devido imposto, não são igualmente devidos quaisquer juros compensatórios, acessórios do imposto principal, com base no qual são liquidados e do qual dependem.

77. Sem prejuízo, os juros compensatórios não são devidos, pois não estão cumpridos todos os requisitos legais previstos para a liquidação de juros compensatórios, (cfr. artigos 94º do CIRC 35º da LGT) - desde logo, o relativo à obrigação de imposto, conforme acima se argumentou; por outro lado, falta nexo de causalidade adequada entre o comportamento do sujeito passivo e o retardamento da liquidação do imposto, bem como a censurabilidade de tal comportamento, a título de dolo ou negligência.

78. Pelo que a douta Sentença recorrida padece também aqui de erro de julgamento e violação das sobreditas normas e princípios legais, nos termos acima aludidos.

Finalmente.

79. Dado que a liquidação foi paga e padece dos sobreditos erros de facto e de Direito, a Impugnante/Recorrente, para além da restituição do imposto indevidamente pago, tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.».

A final, pediu fosse concedido provimento ao presente recurso e fosse declarada a nulidade ou revogada a douta sentença recorrida, julgando a Impugnação Judicial totalmente procedente e, consequentemente, anulando o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e anulando a liquidação adicional de imposto aqui impugnada.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.2. Recebidos os autos neste Tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Exm° Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer do qual se transcreve o seguinte: «(…)

2. A questão central suscitada no presente recurso e que contende com o benefício fiscal previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 43º do EBF, já foi objecto de apreciação em processos similares em recurso interpostos de decisões do mesmo tribunal (TAF de Viseu, recursos n.ºs 1259/16, 1239/16 e 629/17), pelo que vamos de seguir de perto as anteriores pronuncias sobre o tema.(…)

A questão que se coloca consiste em saber se o benefício fiscal previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 43º, do EBF exige que a entidade beneficiária, para além de ter a sua sede na região beneficiária tem que ter trabalhadores ao seu serviço, de forma a aferir se 75% da sua massa salarial se concentra na área dessa região. (…)

Ora, no caso concreto o legislador estabeleceu na alínea a) do nº 1 do artigo 43º do EBF apenas uma condição para a concessão do benefício fiscal: que a entidade desenvolva a sua atividade principal numa das áreas classificada. E no nº 7 do mesmo preceito legal remeteu para diploma regulamentar - portaria do ministro das finanças - "a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, ... bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo...".

Entretanto foi publicado o Dec-Lei nº 55/2008, de 26 de Março, que de acordo com o seu artigo 1º, visou estabelecer «as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 39.°-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho».

E no seu artigo 2º, nº 2, veio o mesmo diploma concretizar que «a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial».

Ora, este preceito veio concretizar o requisito do desenvolvimento da atividade principal em área beneficiária previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 43º do EBF. Tendo para o efeito definido que o mesmo passa pela fixação da sede da entidade e pela concentração de 75% da massa salarial nessa área.

Estes requisitos servem apenas como elemento aferidor da localização da "atividade principal", ou seja, para o legislador a atividade principal só é desenvolvida na área beneficiária se ali for fixada a sede da entidade e o pessoal que ali trabalhar representar mais de 75% da respetiva massa salarial.

Entendemos, assim, que no nº 2 do artigo 2º do Dec-Lei nº 55/2008, de 26 de março, não estão previstos novos requisitos relativos à concessão do benefício fiscal mas apenas os elementos concretizadores do conceito relativo ao "sítio da atividade principal" das entidades beneficiárias previsto no artigo 43º do EBF.

Não se oferece dúvidas que um dos objetivos subjacentes à concessão do benefício fiscal é de fixar as pessoas nas regiões beneficiárias, mas não é o único, nem quiçá o predominante. Por outro lado, aquele elemento aferidor - concentração de 75% da massa salarial - visa evitar a mera deslocalização da sede da empresa para obter esse benefício e assim defraudar os seus objetivos.

Estatuindo o nº 1, alínea a) do artigo 43º do EBF que a concessão do benefício fiscal fica dependente do exercício direto da atividade principal da empresa numa das regiões delimitadas, o que o legislador pretende é que as empresas ali fixem a sua organização de meios produtivos. Daí que a questão que se pode colocar no caso da impugnante é a de saber qual é de facto a sua atividade principal no exercício em causa e que meios utilizou para prosseguir a mesma, designadamente se utilizou os serviços de outras empresas. É que se essa atividade for desenvolvida por recurso a serviços de terceiros, então pode-se questionar se a mesma é exercida "diretamente", como exige o nº 1 do artigo 43º do EBF.

Sucede que nenhum desses elementos foi explicitado na fundamentação da Administração Tributária subjacente às correções que deram lugar à liquidação impugnada.

Ora o facto de a impugnante não ter no exercício em causa nos autos encargos com pessoal não é fundamento para que não goze do benefício fiscal previsto no citado preceito legal, uma vez que a norma não impõe para a concessão desse benefício que tenha pessoal ou que crie postos de trabalho (requisitos que são objeto de outro benefício fiscal), mas sim que a atividade principal se situe em área beneficiária, o que no caso da impugnante passa apenas pela fixação da sede numa dessas áreas, uma vez que não tem pessoal a seu cargo.

Assim e independentemente de a impugnante reunir ou não os requisitos para a concessão do benefício, certo é que o ato tributário sindicado não pode ser mantido com a fundamentação aduzida pela AT, nem a sentença que sufragou esse mesmo entendimento. (No sentido de que “no domínio do contencioso de mera legalidade, em que se integra a impugnação judicial prevista no processo tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto, sendo totalmente irrelevantes para esse efeito outros fundamentos que não os que foram oportunamente externados” cfr. o acórdão do STA de 09/09/2015, proc. n.º 115/15, e demais jurisprudência ali mencionada).

No sentido de que «não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008», tem-se pronunciado de forma pacífica e reiterada este Supremo Tribunal Administrativo (cfr. entre outros e por serem os mais recentes, os acórdãos de 13/12/2017, proc. 606/17, de 22/11/2017, proc. 603/17, de 25/10/2017, proc. 0629/17, e de 11/10/2017, proc. 01361/16).

Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 43º, nº1, alínea a) do EBF, na redação em vigor à data da prática dos factos, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a ação de impugnação judicial procedente e determine a anulação do ato tributário de liquidação.»

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «(…)

A) A impugnante tem a sua sede em Oliveira de Frades. - cfr. fls. 22 do processo de reclamação gracioso apenso.

B) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, realizada pela Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de Viseu, a coberto da ordem de serviço n.º OI201400307, de 23/04/2014, de âmbito parcial [IRC], a qual incidiu sobre o exercício de 2011 - cfr. fls. 20 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

C) No âmbito da referida ação inspetiva, em 30/05/2014 foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 16/24 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, do qual se extrai o seguinte:

[...]

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 Elementos constantes da Declaração de rendimentos, modelo 22, entregue pelo s.p.

Em 2012-05-31, o SP procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos, modelo 22, referente ao exercício de 2011 (ld.2593-2012-C0507-17).

Após consulta daquela declaração, verifica-se que a colecta, foi calculada, por aplicação à matéria coletável da taxa reduzida, prevista na alínea a), do n.º 1, do art. 43.º do EBF - Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Para aferir da legalidade, da aplicação dessa taxa, procede-se seguidamente à elaboração de um resumo sobre a legislação respeitante aos benefícios fiscais à interioridade.

111.1 - SÚMULA LEGAL

Através da Lei 171/99, de 18 de Setembro, foram criadas medidas de combate â desertificação e a recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior.

Dispõe o n.º 1, do art. 1º dessa lei que:

"A presente lei estabelece medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior”, dispondo o n.º 2, do mesmo artigo que:

“As medidas adoptadas incidem sobre a criação de infra-estruturas, o investimento em atividades produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos á instalação de empresas e à fixação de jovens.”

As normas de regulamentação, necessárias à boa execução das medidas de incentivo, à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, foram estabelecidas pelo Decreto-Lei 310/2001, de 10 de Dezembro.

A definição das áreas territoriais beneficiárias foi realizada pela primeira vez, através da Portaria 1467-A/2001, de 31/12, tendo sido reconhecida como área beneficiária, a região "Dão-Lafões”, que integra o distrito de Viseu.

Por antecipação à portaria anteriormente referida, foi publicado o Oficio-Circulado n.º 00147, de 30/03/2001, ofício onde são explicitadas as áreas abrangidas pelos regimes fiscais à interioridade, e as respetivas condições de acesso.

De acordo com esse ofício, é condição de acesso, para usufruir dos benefícios à interioridade, exercer a atividade nas áreas beneficiárias, significando isso, dispor de sede numa dessas áreas e estar aí localizada 75% da massa salarial.

Com a Lei 53-A/2006, de 29/12, foi revogada a Lei 171/99, passando os benefícios à interioridade a constar do Estatuto dos Benefícios Fiscais, com o aditamento a este normativo legal do art. 39.º-B (actual 43.º). Foi igualmente, revogado o Decreto-Lei n.º 310/2001, passando as normas de regulamentação necessárias à boa execução dos benefícios à interioridade previstos no art. 39.º-B do EBF (actual 43.º), a ser definidas pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março.

O Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, como resulta do seu preâmbulo e do seu art.º 1.º, veio estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 43.º do EBF.

A alínea d), do n.º 1, do art. 2.º do Decreto-Lei anteriormente referido, impõe como condição de acesso aos benefícios à interioridade, a obrigação das entidades que invocam esse benefício, de exercerem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, definindo o n.º 2, do mesmo artigo que "Considera-se que a atividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos passivos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial".

Em cumprimento do disposto no n.º 2, do art. 6, do Decreto-Lei 55/2008, foi publicada a Portaria n.º 1117/2009, de 30-09, portaria que atualizou as áreas territoriais beneficiárias que estavam identificadas na Portaria 1467-A/2001, de 31 de Dezembro. O Distrito de Viseu continua a ser considerado área beneficiária para efeitos da fruição dos benefícios previstos no art. 43.º do EBP.

Refere-se ainda que, uma vez que, as medidas de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento do interior, previstas na legislação anteriormente citada, consubstanciam auxílios do Estado. O Estado português, em cumprimento do disposto no n.º 2, do art. 88, do Tratado CE, foi obrigado a solicitar ao Conselho Europeu, a aplicação da derrogação da alínea c), do n.º 3, do art. 87 do Tratado CE.

De acordo com o art. 87.º do Tratado CE são incompatíveis com o mercado comum, os auxílios concedidos pelos estados, a não ser que esses auxílios estejam previstos nas excepções dos n.º 2 e n.º 3 desse artigo. De acordo com a alínea c), do n.º 3 desse normativo legal, são compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas.

Assim, após análise, da Lei 171/99, a Comissão Europeia, decidiu não levantar objeções à sua aplicação, por considerar que a mesma respeitava as disposições comunitárias aplicáveis, nomeadamente as orientações constantes do Texto do Jornal Oficial das Comunidades nº 74 de 10 de Março de 1998.

A Comissão Europeia, considerou que os auxílios regionais previstos na Lei n.º 171/99, por se destinarem ao desenvolvimento das regiões desfavorecidas através do apoio ao investimento e à criação de emprego, no contexto do desenvolvimento sustentável, se enquadravam nas excepções do art. 88.º do Tratado CE.

Resulta do anteriormente exposto, que a génese de toda a legislação sobre os benefícios à interioridade é a resolução de problemas de desenvolvimento e desertificação de determinadas regiões de Portugal.

Assim, apenas as empresas que efetivamente fixam pessoas nas áreas abrangidas podem fruir do benefício, não sendo condição suficiente para usar este benefício a mera deslocação da sede para uma área beneficiária, sendo necessário efetivar o combate â desertificação humana, criando postos de trabalho e fixando pessoas.

III.2 — A A……….., SA

Após resenha da legislação, que estabelece as medidas de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior, e respetivas condições de acesso, passa-se de seguida à análise do caso concreto do s.p.

É condição para usufruir dos benefícios à interioridade, ter sede ou direção efetiva, numa zona abrangida pelas áreas definidas na Portaria 1467-A/2001 (portaria em vigor para o ano em análise) e aí dispor de 75% da massa salarial.

O domicílio fiscal comunicado à administração fiscal, pelo s.p., nos termos da alínea b), do n.º 1, do art. 19.º da Lei Geral Tributária, foi ………. Oliveira de Frades, Apartado ……. - Oliveira de Frades, região que como referido no ponto anterior, está reconhecida como área beneficiária.

Relativamente à massa salarial, o sujeito passivo não dispõe de massa salarial. A massa salarial é constituída por todas as despesas efetuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários, Art. 14.º, n.º 6, da Lei n.º 2/2007.

Da consulta do anexo A da declaração anual de informação contabilística e fiscal - IES, do exercício de 2011, verifica-se que não tem qualquer gasto inscrito a título de gastos com pessoal, deduzindo-se dessa análise, que a empresa não tem funcionários. Assim, não se mostra cumprido nenhum dos objetivos e pressupostos dos benefícios à interioridade, ou seja:

· A entidade em análise, não tendo trabalhadores, não cumpre o objetivo de criar emprego e fixar pessoas nas áreas beneficiárias.

· Uma vez que não tem massa salarial, não cumpre o pressuposto exigido pela al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do Dec. Lei n.º 55/2008, ou seja, não situa a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, uma vez que para tal, deveria concentrar nessas áreas mais de 75% da massa salarial, como exige o n.º 2 deste mesmo artigo.

Após consulta à Modelo 10, declaração prevista no art. 119.º, n.º 1, alínea c), do CIRS - Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, declaração que os sujeitos passivos devedores de rendimentos estão obrigados a entregar à administração fiscal, para comunicar os rendimentos e retenções pagos no ano anterior, constata-se que não houve pagamento de rendimentos da categoria A, não houve pagamento de rendimentos a título de salários.

Decorre, da leitura da legislação inerente aos benefícios à interioridade, cujo resumo foi feito no ponto anterior, que o objetivo do governo, com esses normativos legais é o combate à desertificação e recuperação económica das zonas do interior.

No caso em apreciação, não foram criados postos de trabalho, a empresa não tem funcionários, o facto de a mesma se ter instalado em Carregal do Sal, não contribuiu para o combate ao despovoamento dessa região.

III.3 - Correção à Coleta

Decorre, do exposto nos pontos anteriores, que o s.p., usufruiu do benefício de redução de taxa, previsto no art. 43.º do EBP, sem que reúna as condições, para usufruir do mesmo, pelo que se procede ao recalculo da coleta, por aplicação à matéria coletável da taxa normal de IRC, prevista no art. 87.º do CIRC. A taxa reduzida prevista no art. 43 do EBF, para os rendimentos auferidos em 2010, era 15%, enquanto que a taxa normal de IRC, em vigor para o mesmo exercício era de 12,5% para o quantitativa da matéria colectável até € 12.500,00 e 25% para o quantitativo de matéria coletável excedente a € 12.500,00. O sujeito passivo em 2011 teve uma poupança fiscal de € 12.584,84, conforme cálculo seguinte:


[...]

D) As correções propostas no relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente - cfr. fls. 16/17 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

E) Na sequência das correções resultantes da ação inspetiva foi emitida a liquidação n.º 2014 8310032384, referente a IRC do ano de 2011 e respetivos juros compensatórios, da qual resultou um valor a pagar de 13.590,23 € - cfr. fls. 72/73 dos autos e fls. 13 do processo de reclamação graciosa apenso.

F) Em 14/10/2014, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação mencionado na alínea que antecede, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3/11 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

G) Em 22/10/2014, a impugnante procedeu ao pagamento da quantia de 13.743,68 €, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2593201401047108, instaurado para cobrança coerciva da liquidação impugnada - cfr. fls. 79 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

H) Em 12/11/2014, foi emitida informação no sentido do indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I) Sobre a informação referida na alínea que antecede recaiu despacho de concordância do Sr. Diretor de Finanças de Viseu - cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso aso autos.

J) Pelo ofício n.º 2014 7563 R 009286, de 13/11/2014, a impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

K) A impugnante não exerceu o direito de audição - cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

L) Em 29/12/2014, o Sr. Diretor de Finanças de Viseu proferiu despacho com o seguinte teor:

- cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

M) A impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa pelo ofício n.º 2015 7563 R 000048, de 05/01/2015 - cfr. fls. não numeradas do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

Factos não provados

Para além dos supra elencados, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.».


◇◇◇

3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da decisão do Senhor Diretor Distrital de Finanças de Viseu no procedimento de reclamação graciosa n.º 2593201404000544, que indeferiu o pedido de anulação da liquidação n.º adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas n.º 2014 8310032384, relativa ao exercício de 2011, no valor de € 13.590,23.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que a sentença padece de nulidades e incorreu em erros de julgamento.

Nulidade por omissão de pronúncia, porque a Mm.ª Juiz a quo não se pronunciou quanto ao pedido de condenação no pagamento dos juros indemnizatórios e a apreciação esta questão não estava prejudicada pelas soluções dadas às demais [conclusões “1.” e “2.”].

Nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão, porque a Mm.ª Juiz a quo reconhece que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa é inválido e, apesar disso, julgou a impugnação totalmente improcedente [conclusões “65.” a “68.”].

Erro na interpretação da lei processual, porque dela não deriva que o tribunal se possa dispensar a prova testemunhal antes da vista do M.º P.º, apreciar a matéria de facto alegada ou produzir a prova requerida pela parte [conclusões “3.” a “15.”].

Erro na interpretação da lei substantiva, porque dos artigos 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26/3, não deriva que o acesso ao benefício fiscal respetivo dependa da existência de trabalhadores ou massa salarial [conclusões “16.” a “64.”].

Erro na interpretação da lei procedimental, porque, nos termos dos artigos 133.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, alínea g), ambos do Código do Procedimento Administrativo (na redação então em vigor) a falta da assinatura do autor do ato importaria a nulidade da decisão da reclamação graciosa, o que teria por consequência a procedência da impugnação judicial por violação do dever de decisão [conclusões “65.” a “75.”].

Ora, deve adiantar-se desde já que a sentença recorrida não padece das nulidades que lhe são apontadas.

A sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia porque, além do mais, foi suprida no despacho de 19 de dezembro de 2017 através do aditamento à fundamentação e à decisão de pronúncia expressa sobre a mesma questão. Sendo que o aditado constitui complemento e parte integrante do anteriormente decidido por força do disposto no n.º 2 do artigo 617.º do Código de Processo Civil.

E não há nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão porque, apesar de concluir pela invalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, também disse (por remissão para jurisprudência que cita e transcreve) que este vício não projetava efeitos invalidantes sobre o ato de liquidação adrede praticado nem obstava à improcedência da impugnação (quando fosse de concluir que esta não padece dos vícios assacados). A questão de saber se essa jurisprudência se aplica ao caso já não se prende com nenhum vício formal, mas com o mérito do decidido.

Estamos, por isso, reconduzidos aos erros de julgamento.

Tem precedência lógica o conhecimento do vício substancial, visto que uma decisão de anulação do ato por ser de reconhecer, face aos elementos já disponibilizados, que não existe o direito à liquidação, dispensa a devolução da mesma questão à administração para apreciação graciosa e um novo julgamento em primeira instância, conferindo também uma mais estável tutela do interesse do próprio Recorrente.

A questão fundamental a decidir é, então, a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que constitui requisito de acesso ao benefício fiscal a que alude o artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Benefícios Fiscais a «existência de massa salarial».

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes sobre esta questão. Fê-lo, em primeiro lugar, no acórdão de 11 de outubro de 2017, tirado no processo n.º 01361/16, onde foi decidido que «não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.».

Na fundamentação desse aresto, foi consignado que:

«(…)
Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)].

A existência de uma massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de se concentrar. Em mais de 75%, na área beneficiária.

Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução.

Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.

Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».

Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade.

De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e que, por conseguinte, não pode ser alterada por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP. Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Deste modo, a liquidação impugnada, que teve por fundamento a inexistência de massa salarial para efeitos de exclusão do benefício fiscal, é ilegal. E, por consequência, a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que julgue procedente a impugnação
(…).»

Esta jurisprudência foi, depois, sucessivamente reafirmada em múltiplos e sucessivos acórdãos, todos no mesmo sentido, e dos quais referimos, sem pretensão à exaustividade, os seguintes: acórdãos de 18 de outubro do mesmo ano, nos processos 01259/16 e 01267/16; acórdãos de 25 de outubro do mesmo ano, nos processos 0629/17 e 01239/16; acórdãos de 22 de novembro e de 13 de dezembro, nos processos 0603/17 e 0606/17; acórdãos de 2018, nos processos 0526/17 e 01361/16; acórdão de 2019, no processo 01265/16.

É este julgamento que aqui se reitera, pois também no caso dos presentes autos é incontroverso que, no exercício a que se reporta a liquidação, a recorrente tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento em área definida como beneficiária para efeitos do benefício fiscal à interioridade, previsto no art.º 43º, nº 1, do EBF, que, nesse exercício, não incorreu em custos de natureza salarial e que foi por inexistir massa salarial que, com base na disciplina contida no art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008, de 26.03, a Administração Tributária procedeu à liquidação adicional de IRC sindicada, numa interpretação de que este preceito impõe, como condição para o aludido benefício, a existência de massa salarial.

Pelo que o recurso merece provimento por aqui.

Ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios.


◇◇◇

4. Conclusões

Para o sumário da presente decisão selecionam-se as conclusões do acórdão que lhe serve de fundamento:

I. O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de Março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução.

II. Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta, ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, anulando-se a liquidação sindicada e ordenando-se a restituição do imposto que tenha sido pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, oportunamente peticionados.

Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.

Lisboa, 6 de outubro de 2021

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.