Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0774/09
Data do Acordão:04/21/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:IRC
CUSTOS DE EXERCÍCIO
QUALIFICAÇÃO DE CUSTOS
DEDUÇÃO DE ENCARGOS
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
DESPESAS ELEGÍVEIS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - São fiscalmente dedutíveis para efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC os pagamentos feitos a restaurantes por empresa de construção civil como contrapartida do fornecimento de refeições tomadas por trabalhadores seus que desloca para obras situadas em vários locais.
II - O facto de a empresa pagar aos mesmos trabalhadores subsídio de refeição não configura uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade das despesas feitas nos restaurantes.
III - Na actuação administrativa em sede de avaliação da indispensabilidade para a obtenção de proveitos de despesas contabilizadas como custos, cumpre-lhe tão só o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação e, ao invés, cabe ao contribuinte demonstrar que aquelas despesas como tal se lhe apresentaram e assim as considerou, fundamentadamente, uma vez que a ele cabe, exclusivamente, a definição das estratégias empresariais próprias.
Nº Convencional:JSTA00066392
Nº do Documento:SA2201004210774
Data de Entrada:07/16/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23 ART42 N1 F.
LGT98 ART59 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1236/05 DE 2006/03/20.; AC STA PROC128/07 DE 2007/05/23.
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que lhe julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2003 e 2004, na parte respeitante às correcções efectuadas à conta 62222 - deslocações e estadas e ajudas de custo em ambos os exercícios -, dela interpôs recurso jurisdicional para esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo a impugnante A…, nos autos convenientemente identificada.
Apresentou em tempo as suas alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. “Cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja,... da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
2. Quando o acto da Administração se traduza na afirmação positiva da prática, pelo contribuinte, do facto tributário e da sua expansão quantitativa, é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela.
3. Não é ao contribuinte que cabe o ónus da prova da indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, nem basta à AT questionar essa indispensabilidade.
4. Raciocínio oposto configura uma insustentável inversão judicial do ónus da prova em termos de fazer recair as consequências de um estado de dúvida sobre o sujeito passivo, bastando à AT “duvidar” ou “questionar” os elementos conformadores do lucro tributável na sua concreta expressão quantitativa.
5. Ademais, a invocação do ónus da prova em questões relacionadas com a necessidade do custo não tem qualquer pertinência dado que o que está em discussão é a qualificação de um gasto como Indispensável.
6. É quanto ao pressuposto fáctico-material subjacente a essa qualificação que incide o ónus de prova da administração tributária, tendente à demonstração de uma realidade que, de forma inequívoca, possa fundar a “dispensabílidade” dos custos comprovadamente realizados, o que, vale por dizer, caberá à AF fazer prova dos pressupostos fáctico-materiais que a autorizem a proceder à correcção desses valores.
7. Devendo a actividade administrativa ser ajuizada, na qualificação dos custos, de acordo com sua aptidão para traduzir, fora de qualquer dúvida, uma forte (correcta e adequada) motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial.
8. In casu, motivação administrativa acaba por se estribar em dois argumentos que, segundo as regras da experiência radicadas no il quod plerumque accidit são absolutamente falíveis para se determinar a indispensabilidade dos custos, seja o de desconsiderar despesas de alimentação sob pretexto de que a empresa paga subsídio de refeição, seja na ideia de que “as empresas apenas suportam custos nos exactos locais onde desenvolvem a sua actividade”.
9. Radicando as correcções em premissas infundadas e que se encontram ao arrepio da realidade empresarial ao nível dos custos suportados, assentando, assim, num pressuposto inidóneo para aportar os custos ao critério da indispensabilidade, o que determina a ilegalidade das correcções.
10. De facto está vedado à AF a desconsideração de custos quando a argumentação administrativa não é mais do que uma débil premissa extraída em sentido contrário às regras da experiência comum, porquanto se estribou em elementos insusceptíveis de indiciar, presumir, evidenciar e fazer concluir o silogismo administrativo nessa matéria.
11. A actividade administrativa sustenta-se ainda numa extrapolação de extensão desmesurada face aos pressupostos que invoca, cortando a cerce toda e qualquer despesa de deslocação, sem que existisse em relação a cada uma das parcelas desconsideradas qualquer análise da verificação casuística dos pressupostos referidos, tratando todas as despesas em causa da mesma maneira, caindo no absurdo de concluir pela sua radical inexistência.
12. Vício existente também ao nível da sua parca ou ausente fundamentação, relativamente à qual o tribunal a quo, na sua douta decisão, acabou por nada decidir (ao menos expressamente), sendo certo que a “fundamentação” administrativa não permite em termos individualizados ou descritivos compreender a concreta motivação subjacente às correcções administrativas.
13. Com isto se violaram as disposições do artigo 23.º e 42.º do CIRC e 74.° e 77.° da LGT.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial, com todas as legais consequências.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu depois parecer, opinando pelo parcial provimento do recurso, com base no sustentado entendimento de que as despesas de refeições em restaurantes pagas aos trabalhadores devem ser consideradas na conta de “custos ou perdas”, invocando em abono da tese que sufraga o aresto desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 29.03.2006, processo n.º 1236/05.
No demais e mediante invocação do disposto nos artigos 23º n.º1 do CIRC e 59º n.º 1 e 60º n.º 1 al. d) da LGT acolhe antes entendimento de que competia ao sujeito passivo fazer a prova de que os custos foram indispensáveis à obtenção dos proveitos, na justa medida em que, adita, é ao sujeito passivo que compete a definição das estratégias empresariais destinadas à obtenção de resultados, pelo que só ele pode provar a indispensabilidade de determinadas despesas contabilizadas como custos.
Assim e vindo adquirido que a Recorrente não só não fez aquela prova como não colaborou com a Administração Tributária no sentido de esclarecer a razão da inclusão das questionadas despesas na conta de “custos e perdas”, designadamente quando dispôs de oportunidade procedimental própria, isto é, em sede e tempo do direito de audição, que entendeu não exercer.
Não haverá de poder agora, em sede de sindicância judicial do procedimento e decisão administrativos, controverter, válida e eficazmente, o entendimento e decisão ali acolhidos à míngua de outros ou melhores elementos de informação e que, natural e consequentemente, os não consideraram.
Mais opina, agora quanto a despesas de refeições fora dos locais de exercício de actividade, sem qualquer conexão com os objectivos perseguidos pela Recorrente que lhe competia comprovar a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, o que se verifica não ter feito. Daí que tais despesas, em sua opinião, não possam, como vem decidido, figurar na conta de “custos ou perdas”.
E, por último, já quanto à questão atinente a despesas de ajudas de custo, mediante convocação do disposto no artigo 42º n.º 1 alínea f) do CIRC, conclui não serem dedutíveis na totalidade para efeito de determinação do lucro tributável em virtude de a Impugnante não dispor, como deveria, do mapa comprovativo e de controle das deslocações, locais, tempo de permanência e objectivos.
Colhidos os vistos legais e porque nada obsta cumpre apreciar e decidir.
O tribunal ora recorrido deu como assente, fixando, a seguinte matéria de facto:
a) A actividade da impugnante foi objecto de uma inspecção da qual resultaram correcções à matéria colectável dos exercícios de 2003 e 2004;
b) A impugnante contabilizou como custo dos exercícios de 2003 e 2004, na conta 62227­ – “Deslocações e Estadas”- a importância de 17.250,53 € e 32.875, 67, respectivamente;
c) A A.T. acresceu, para apuramento do lucro tributável, no exercício de 2003 na rubrica “Deslocações e Estadas” 14.154,14 € por se tratar de pagamento de refeições que em nada tem a ver com a actividade da empresa (por exemplo quando o local do restaurante é na F. Foz) ou em locais onde efectivamente foi exercida actividade mas que, quer trabalhadores quer os sócios gerentes, foram abonados de subsídio de almoço (o valor não corrigido de deslocações e estadas respeita a portagens, dormidas e alimentação associadas a estas dormidas);
d) A A.T. acresceu, para apuramento do lucro tributável, no exercício de 2004 na rubrica “Deslocações e Estadas” 15.973,04 € por se tratar de pagamento de refeições que em nada tem a ver com a actividade da empresa (por exemplo quando o local do restaurante é na F. Foz) ou em locais onde efectivamente foi exercida actividade mas que, quer trabalhadores quer os sócio gerentes, foram abonados de subsídio de almoço (o valor não corrigido de deslocações e estadas respeita a portagens, dormidas e alimentação associadas a estas dormidas).
e) A impugnante deduziu como custo a título de “Ajudas de Custo” o montante de 29.475,72 €, atribuídas a empregados da empresa e ao sócio gerente, não dispondo de elementos susceptíveis de comprovar os encargos efectivamente suportados, respeitantes a esta rubrica, designadamente o local, o motivo, a data da deslocação, bem como o montante diário atribuído;
f) Por a AT não dispor de mapa de controlo a AT não considerou tal valor como custo e acresceu ao apuramento do lucro tributável.
E, perante ela, já à luz da impugnação judicial que apreciava, subsumindo-a ao direito aplicável, a saber os convocados artigos 23º e 41º n.º 1 al. i) do CIRC, dando por assente também que a Impugnante tinha a documentação atinente a “Deslocações e Estadas” devidamente registada, como aliás a AT concluíra,
Convocando ainda os ensinamentos de Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal 1998, pág. 262, e de Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, in CTF 396, 1999, de que aliás transcreve excertos, para clarificar fundamentando entendimento acolhido sobre o ónus da prova (de cariz material apenas) e da indispensabilidade da cooperação do contribuinte no âmbito da investigação que à Administração Fiscal compete,
Veio a concluir que “ … na questão da qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
E, adiante, já sobre a também suscitada questão dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável das questionadas despesas com ajudas de custo, à luz do disposto no artigo 42º n.º 1 al. f) do CIRC conclui bem ter andado a AT ao desconsiderar tais ajudas de custo,
Assim julgando integralmente improcedente a impugnação judicial e mantendo as liquidações impugnadas.
É contra o assim decidido que se insurge a Impugnante nos termos das transcritas conclusões do presente recurso, nelas suscitando, em síntese e fundamentalmente, a questão do ónus da prova da indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora e da consequente legalidade da eventual desconsideração pela AF de custos.
A decisão recorrida começou por apoiar o seu julgamento no artigo 23.º do CIRC, em vigor à data, que estabelece:
“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)”.
De seguida conjugou este preceito legal com o disposto no artigo 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, no qual se estabelece que não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável os encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas de exercício, não devidamente documentados de acordo com a alínea f).
Com base no disposto nestes preceitos, e dando por assente que a impugnante tem a documentação registada, como concluiu a AT, no que se refere a “Deslocações e Estadas”, a decisão recorrida afirma não se questionar, por isso, o requisito da comprovação, mas tão-só o facto de algumas dessas despesas terem sido feitas em zonas onde a empresa não exerce a sua actividade e as despesas com a refeição estarem em duplicação com o pagamento do subsídio de refeição, quando o trabalhador, embora ao serviço da empresa, não está deslocado, pernoitando fora. Por isso, para a decisão há apenas que atender ao requisito da indispensabilidade e da relação com os ganhos sujeitos a imposto. E quanto ao 1º destes requisitos, considera a sentença que “não se pode dizer que as despesas são em si dispensáveis à prossecução dos fins da empresa, mas que as mesmas tal como estão plasmadas documentalmente são insusceptíveis de sindicância por parte da Administração Fiscal para que esta possa confirmar, como deve, o carácter de ‘indispensabilidade’ dos custos declarados e conexão com os proveitos”.
Como se afirma no acórdão n.º 1236/05, de 20/03/06, “O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
E, mais adiante, refere este acórdão “que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa”.
Ora, num dos casos, a inspecção fiscal à empresa da impugnante propôs uma correcção ao por si deduzido na conta 62227 – Deslocações e Estadas, “por se tratar de pagamentos de refeições que em nada tem a ver com a actividade da empresa, por exemplo quando o local do restaurante é na F. da Foz (…)”. Encontrando-se a impugnante sedeada em Oliveira do Hospital e ocorrendo essas despesas em local que a AT considerou fora da rota da actividade da empresa, sem que da documentação se possa deduzir a necessidade dessa despesa (tinha a impugnante trabalhadores a exercerem ali a sua actividade? Que interesse visou prosseguir, naquele local, a eventual permanência de pessoal?), é de crer fortemente, neste caso, que tais custos tenham sido efectuados sem ligação directa com a prossecução do escopo social da empresa.
Como escreve Saldanha Sanches, já em transcrição feita pela decisão recorrida, “o que pode afirmar-se é que sempre que esteja em dúvida a necessidade de uma certa despesa o sujeito passivo deverá colaborar com a Administração Fiscal – o que se aproxima do ónus da prova em sentido material – para fornecer elementos que ponham fim à dúvida. Aumentando a intensidade da cooperação na razão directa do carácter controvertido da despesa e da sua maior ou menor ligação directa com a prossecução do seu escopo social” (Manual de Direito Fiscal, 1998, pág. 262).
E como também refere Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, igualmente referido pela decisão recorrida, “se a Administração Fiscal duvida fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, passa a impender sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere na sua capacidade.
O sujeito passivo, porque se encontra em contacto directo com os factos e dado que possui uma visão omnicompreensiva do raio e do alcance das suas acções, tem portanto de provar a bondade e subsumibilidade dessas operações sobre o escopo societário” (CTF n.º 396, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos).
Havendo uma forte dúvida da AT, que não se dissipa face aos elementos trazidos aos autos, antes pelo contrário (deslocava a recorrente para o local trabalhadores para aí exercerem a sua actividade? Os gastos dispendidos reportavam-se a esses eventuais trabalhadores? Reportavam-se a pessoas que na F. Foz manuseavam e utilizavam barcos de recreio que, não estando afectos à actividade da empresa, esta também incluiu como tendo sido objecto de custos de manutenção, de imposto de selo, de acostagem, para efeitos de dedução, etc – cfr. fls 40 e 41 do Relatório da Inspecção), cabia à impugnante dissipar essas dúvidas, numa colaboração que o artigo 59.º, n.º 1, da LGT estabelece como recíproca relativamente aos contribuintes e à Administração.
Registe-se que, como consta a fls 5 do processo administrativo, a impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição relativamente ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, momento em que podia dissipar tais dúvidas, sem que, contudo, o tenha feito.
Outra situação diferente da anterior é a correcção a que procedeu a AT em virtude de também não considerar dedutíveis as despesas efectuadas com refeições no local onde efectivamente foi exercida a actividade da impugnante. Quer a AT, quer a sentença recorrida, entenderam haver uma duplicação de despesas.
Como se acentua no supra citado acórdão, “A duplicação de custos consiste na dupla afectação do resultado pela repetida consideração da mesma despesa. Não é o que acontece no caso, em que a empresa incorreu em dois gastos diferentes: com o pagamento do subsídio de refeição, e com o pagamento das despesas efectuadas em restaurantes.
De todo o modo, e mesmo adoptando o entendimento perfilhado pela sentença recorrida, sempre se pode objectar que não é seguro estarmos perante uma duplicação. Para que não haja essa duplicação basta pensar que o subsídio de refeição se reporta ao almoço, sem que se saiba se as despesas pagas pela impugnante respeitam a essa ou a outras refeições – hipótese ponderável em se tratando de trabalhadores deslocados do seu local de residência. Mas, ainda admitindo que se trate de almoços, falar de duplicação implica uma determinada perspectiva, que não aceita senão o gasto com aquilo que é estritamente necessário, porventura, o exigido pelos contratos colectivos a que a empresa está adstrita. Numa outra perspectiva, porém – e é a que adoptamos -, há-de admitir-se que o empresário pretenda recrutar o pessoal melhor habilitado; estimulá-lo a disponibilizar-se para se manter deslocado por períodos longos; assegurar a estabilidade da relação de emprego; prestigiar-se perante a clientela e a concorrência – e que, para isso, ofereça melhores condições de trabalho e retribuição do que aquelas a que está imperiosamente obrigado. Por exemplo, suportando as despesas de alimentação em restaurantes, além de pagar o subsídio de refeições, como todos fazem.
Se o empresário fizer esta opção, não está a apresentar o mesmo custo em duplicado, mas a suportar dois custos distintos, ambos atinentes à remuneração do factor produtivo trabalho.
(…)
Como assim, assente a sua qualificação como gasto incorrido para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, de acordo com o explanado, impõe-se a sua dedução”.
Procede assim, no ponto e de acordo com a jurisprudência do convocado aresto desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e que aqui expressamente se acolhe, a argumentação e as atinentes conclusões da alegação da Recorrente, circunstância que haverá de demandar a revogação da sindicada sentença na parte em que não considerou como custos ou perdas as despesas de refeições referidas em c) e d) do probatório.
Assim não o entendeu a sentença recorrida para a qual caberia à impugnante também demonstrar o carácter de indispensabilidade ou até de oportunidade de tais despesas ou de conexão com os proveitos.
Mas, como vimos, enquanto os gastos com refeições no local onde a recorrente exerce a sua actividade se mostram ajustados aos objectivos que a recorrente prossegue, já as despesas efectuadas em local fora da rota da sua actividade acarretam fortes dúvidas quanto à sua oportunidade e mérito. Não se trata pois de uma questão de duplicação ou não duplicação de custos, mas do modo como se configure como um acto de gestão ajustado ou não ajustado à obtenção de lucros.
Ora, tal como se deixou referido, o convocado artigo 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, estabelece que não são dedutíveis, para efeito da determinação do lucro tributável, os encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas de exercício, não devidamente documentados (alínea f).
E como se refere no Relatório da Inspecção a fls 12 e 14 do processo administrativo, a empresa, ora Recorrente, deduziu como custo a título de ‘Ajudas de Custo’, o montante de 29.475,72 € (ano de 2003) e o montante de 41.983,97 € (ano de 2004), atribuídas a empregados seus e ao sócio gerente, não dispondo porém de quaisquer elementos susceptíveis de comprovar os encargos efectivamente suportados, respeitantes a esta rubrica, designadamente, o local, o motivo, a data da deslocação, bem como o montante diário atribuído, não cumprindo, pois, com o estabelecido naquele preceito legal.
Daí que estas despesas não possam ser consideradas, como aliás não foram, encargos para efeitos de dedução a título de ajudas de custo.
E não colherá aqui efeito útil a argumentação levada às alegações e conclusões do presente recurso jurisdicional e traduzida na singela invocação de que quando o acto da administração se traduza na afirmação positiva da prática, pelo contribuinte, do facto tributário e da sua expansão quantitativa, é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela (administração).
Na verdade e como neste domínio se escreveu em acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, do passado dia 23.05.2007, processo n.º 128/07-30, embora quanto ao ónus da prova relativamente às chamadas “facturas falsas”, convocando jurisprudência vasta e uniforme,
“O entendimento sempre perfilhado é o de que à Administração cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artigo 342º do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação.
E, ao invés, cabe ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja a efectiva existência das alegadas transacções.
Como se refere no dito acórdão de 17 de Abril, o acórdão tirado no processo n.º 26.635, “cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja, ( … ) da existência de factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido “, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 2ª edição, p. 269: “ há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos.”
E, mais adiante, “ … in casu, a AT recolheu e forneceu indícios sérios e credíveis de que as prestações de serviços ( … ) não foram reais, não tiveram lugar.”
Provando, pois, a Administração a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, cumpria ao contribuinte demonstrar a veracidade das transacções, o que, nos apontados termos, não logrou efectuar.”
Também aqui, no caso sub judicibus, ao contribuinte cumpria demonstrar, ainda em sede do procedimento inspectivo desenvolvido pela Administração Tributária, no espaço e tempo procedimental adequado e de que dispôs, o direito de audição prévia, que os questionados custos foram, por ela e pelas razões que haveria de apontar, considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos, uma vez que a ela e só a ela competia definir as estratégias empresariais próprias e, consequentemente, só ela poderia fornecer os necessários elementos instrumentais e de prova susceptíveis de demonstrar, fundamentando, porventura, a indispensabilidade das questionadas despesas,
Ao menos para poder agora, eficaz e fundamentadamente, sindicar judicialmente o entendimento sufragado pelos serviços, caso, ainda assim instruídas, viessem a ser desconsideradas pela administração.
Ora, como vem de dizer-se, nada disto se verificou ocorrer no caso dos presentes autos.
Ao contrário, no ponto e para o controvertido efeito, a ora Recorrente remeteu-se a profundo e nada esclarecedor silêncio.
E daí que à Administração não restasse outro caminho ou solução que não fosse o ater-se e ficar com as dúvidas que a situação material subjacente indiciava, decidindo em conformidade.
Não merece pois, neste segmento, qualquer censura a douta sentença recorrida que, ainda à míngua de qualquer outro ou melhor esclarecimento, assim confirmou o antes administrativamente decidido.
Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença impugnada apenas na parte em que não considerou custos ou perdas as despesas de refeição referidas em c) e d) do probatório, mantendo em tudo o mais o decidido pela sindicada sentença.
Custas pela Recorrente na proporção do decaimento, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 21 de Abril de 2010. – Alfredo Madureira (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.