Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01236/12
Data do Acordão:04/17/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO PARA A COMISSÃO DE REVISÃO
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
CPPT
Sumário:A excepção de prévia reclamação para a comissão de revisão da matéria tributável (artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT) só obsta ao conhecimento da impugnação judicial na parte em que nela se impugna a quantificação da matéria tributável apurada por recurso a métodos indirectos (ou a legalidade do recurso a tais métodos), não prejudicando a apreciação de outros fundamentos invocados na petição inicial que àqueles não se reconduzam.
Nº Convencional:JSTA000P15583
Nº do Documento:SA22013041701236
Data de Entrada:11/12/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório –

1 – A……….., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 29 de Junho de 2012, que, na impugnação judicial por si deduzida contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, julgou verificada a excepção dilatória inominada da não reclamação prévia do acto de liquidação, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
O recorrente termina as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
A) O meritíssimo juiz “a quo”, decidiu, de forma errónea, com a ilusão criada pela AT e pelo MP, de que o sujeito passivo, aqui recorrente, foi regularmente notificado;
B) Por assumpção da própria inspectora, tal não corresponde à verdade, tendo a mesma incumprido o legalmente exigido no art. 38.º n.º 5 do CPPT;
Termos em que, revogando V.ª Ex.ª a decisão ora recorrida, e substituindo-a por outra que determine prossecução dos autos, farão a ACOSTUMADA JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
A nosso ver o recurso não merece provimento.
A sentença recorrida, partindo do pressuposto de que o recorrente, apenas, imputa, na PI, ao acto sindicado vício de violação de lei, por errónea quantificação da matéria tributável, absolveu a Fazenda Pública da instância pela não verificação do pressuposto de impugnabilidade traduzido na prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos do disposto no artigo 91.º da LGT.
Se bem entendemos o teor da PI, o que não se nos afigura nada fácil, o recorrente põe em causa, de facto, a quantificação da matéria tributável.
Como resulta dos autos e da sentença recorrida, o recorrente não apresentou, atempadamente, reclamação para a comissão de revisão, nos termos do disposto no artigo 91.º da LGT.
A apresentação dessa reclamação constitui pressuposto de impugnabilidade da liquidação com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável (e falta de verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos), nos termos do disposto nos artigos 86.º/5 da LGT e 117.º n.º 3 do CPPT (Sobre o tema ver Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, página 272, Volume II, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Assim sendo a sentença recorrida não poderia deixar de julgar não verificado esse pressuposto de impugnabilidade e absolver a Fazenda Pública da instância.
Agora, em sede de recurso, se bem entendemos as escassas e genéricas conclusões das alegações, vem o recorrente sustentar que, no âmbito do procedimento de inspecção não foi notificado para o exercício do direito de audição prévia, uma vez que a carta que lhe foi enviada para o efeito veio devolvida com a menção de “não reclamada”.
O tribunal de recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, por princípio, apenas pode conhecer das questões suscitadas pelas partes e sobre as quais se tenha pronunciado o tribunal recorrido.
A questão da alegada omissão do exercício do direito de audição prévia, no âmbito do procedimento de liquidação do tributo sindicado, não se nos afigura que tenha sido suscitada pelo recorrente na PI, nem sobre a mesma se pronunciou o tribunal recorrido.
Trata-se, pois de uma questão nova, da qual o STA não pode conhecer.
Mas mesmo que assim não se entendesse, o certo é que o recorrente tem de se considerar notificado para o exercício do direito de audição prévia, face ao estatuído no artigo 43.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL 413/98, de 31 de Dezembro.
A sentença recorrida não merece, pois, censura.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

4. Do mérito do recurso
A decisão recorrida, a fls. 42 a 46 dos autos, julgou verificada a excepção dilatória inominada da não reclamação prévia do acto de liquidação, absolvendo a Fazenda Pública da instância, excepção esta invocada pela Fazenda Pública na sua contestação (a fls. 31 e 32 dos autos), e que o Ministério Público em 1.ª instância, no seu parecer (a fls. 38 e 39), corrobora.
Fundamentou-se o decidido nos seguintes termos:
«(…)
A liquidação de IVA impugnada foi apurada na sequência de acção de Inspecção, que culminou com o apuramento da matéria colectável através de métodos indirectos de avaliação, por impossibilidade de avaliação indirecta.
Nos casos em que a matéria colectável é apurada através de avaliação indirecta, a Impugnação Judicial será subordinada à condição de procedibilidade prevista no n.º 1 do art. 117.º do CPPT e n.º 5 do art. 86.º, da LGT.
Na verdade, da análise dos autos, resulta a falta do pressuposto de procedibilidade de prévia reclamação para a Comissão de Revisão.
Essa reclamação é condição de Impugnação Judicial.
A não ser que, apenas estejam em causa correcções de carácter aritmético ou a apreciação de questões de direito, situações em que não haverá lugar ao procedimento de revisão previsto no art. 91º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A impugnação do acto de avaliação indirecta exclusivamente com fundamentos diferentes daqueles, designadamente a preterição de formalidades legais, não depende da reclamação prévia.
No caso em análise, se a avaliação indirecta não tivesse dado origem a qualquer liquidação, não era susceptível de impugnação contenciosa directa.
A reclamação necessária para a comissão de revisão concretiza-se como um procedimento de revisão da matéria colectável, cfr. Art. 91.º do CPPT. Não se tendo o Impugnante prevalecido desta reclamação o acto fixou-se na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido.
O ora impugnante não contesta os pressupostos de que dependeu a utilização de métodos indirectos.
Apenas, contesta a quantificação da matéria colectável.
Acresce que, a falta de envio de documento com a notificação não se confunde com a falta de fundamentação.
Assim, partilhando do entendimento do Ilustre Representante da Fazenda Pública e do digno Magistrado do Ministério Público, julga-se verificada a excepção dilatória inominada da não reclamação prévia do acto de liquidação.
Não existe qualquer outra questão prévia ou excepção dilatória que obste à prolação da decisão.
Fica prejudicada a apreciação do mérito dos autos.»
(Fim de citação)
Vem o recorrente insurgir-se contra a decisão recorrida alegando que o meritíssimo juiz “a quo”, decidiu, de forma errónea, com a ilusão criada pela AT e pelo MP, de que o sujeito passivo, aqui recorrente, foi regularmente notificado, quando por assumpção da própria inspectora, tal não corresponde à verdade, tendo a mesma incumprido o legalmente exigido no art. 38.º n.º 5 do CPPT.
Vejamos.
Confrontando o teor da decisão recorrida, supra transcrito, com as conclusões das alegações do recorrente, não se entende como poderá ter que o meritíssimo juiz “a quo”, decidido de forma errónea, com a ilusão criada pela AT e pelo MP, de que o sujeito passivo, aqui recorrente, foi regularmente notificado, pois que a decisão recorrida em parte alguma tece considerações acerca da regularidade da notificação, para audiência prévia, ou qualquer outra.
A decisão recorrida interpretou a petição de impugnação no sentido de sindicar apenas a quantificação da matéria tributável determinada por métodos indirectos e que serviu de base às liquidações adicionais de IVA impugnadas, olvidando que no arrazoado de factos que o ora recorrente invoca nos nºs 1 a 25 da sua petição (fls. 2 a 5 dos autos) e que, na conclusão, subsume nos vícios de “preterição de formalidades legais” e “clara violação da Lei”, (cfr. a conclusão da PI, a fls. 8 dos autos) há referências susceptíveis de serem interpretadas como imputando vícios à forma como o ora recorrente foi notificado do início e no decurso da acção de inspecção (cfr. os n.ºs 13 a 21 da PI), bem como à fundamentação do próprio relatório da inspecção (n.ºs 7 a 11 da PI), vícios estes que, ao contrário do de errónea quantificação da matéria tributável não pressupõem, para a impugnação posterior do acto de liquidação, qualquer prévio pedido de revisão da matéria tributável.
Nestes termos, a decisão recorrida – que não considerou tais factos expressamente alegados, a par do vício de errónea quantificação da matéria tributável – não pode ser confirmada, porque se revela acertada apenas no que à quantificação concerne.
Assim, haverá que, no provimento do recurso, revogar-se a decisão recorrida, baixando os autos à 1.ª instância para que prossigam para conhecimento das questões suscitadas na PI não relacionadas com a quantificação da matéria tributável – pois que estas não podem ser apreciadas por falta de prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos artigos 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT -, após fixação do necessário probatório, que não se encontra estabelecido.

– Decisão –
5 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, devendo os autos baixar à primeira instância para prosseguirem para conhecimento das questões suscitadas na petição não relacionadas com a quantificação da matéria tributável, se nada mais obstar.

Custas a final.

Lisboa, 17 de Abril de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.