Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0353/15
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
TRANSMISSÃO
Sumário:Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
Nº Convencional:JSTA000P19171
Nº do Documento:SA2201506170353
Data de Entrada:03/24/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A Fazenda Pública vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, melhor identificado nos autos, contra o acto de liquidação do imposto de selo nº 659590, no valor de € 10.299,00.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto do segmento decisório da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de imposto de selo n.º 659590 de 21/05/2013 (verba 1.2 da Tabela Geral de Imposto de Selo), no valor de €10.299,00, elaborada pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT),
B. na sequência da justificação notarial de aquisição por usucapião outorgada pelo impugnante em 08/08/2012, de um prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …………, na Trofa, sob o art° 3475,
C. A questão controvertida nos presentes autos é, saber qual o objeto da incidência de Imposto de Selo (verba 1.2 da TGIS) nas situações de aquisição de imóveis por usucapião, nos quais se encontram erigidas benfeitorias.
D. As aquisições por usucapião não são consideradas originárias, e por esse motivo não são juridicamente transmissões. O usucapiente não sucede nos direitos do anterior titular do direito de propriedade ou outro direito real de gozo sobre o bem adquirido por esta figura jurídica.
E. Assim, os pressupostos da constituição do direito do usucapiente são independentes dos direitos do anterior titular desse direito. Na verdade, a aquisição por usucapião resulta da posse do adquirente e não de qualquer negócio jurídico oneroso ou gratuito celebrado com o anterior proprietário.
F. Ainda que as aquisições por usucapião, não sejam juridicamente transmissões, o legislador do Código do Imposto do Selo, com as alterações introduzidas pelo art° 70 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, integrou na incidência deste imposto a título de transmissões gratuitas as aquisições por usucapião do direito de propriedade ou qualquer outro direito real de gozo sobre bens imóveis.
G. Para determinação do valor tributável em caso de aquisição por usucapião, é aplicável a regra geral, ou seja, o disposto no art.º 13°, n.º 1 do CIS, onde consta que o valor dos imóveis relevantes para efeitos da liquidação do Imposto do Selo incidente sobre as transmissões gratuitas de bens imóveis “é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial”.
H. No que respeita à realização de benfeitorias, em que se inclui a construção de prédio urbano no terreno objeto da posse, efetuadas pelo possuidor/usucapiente, ainda que de boa fé e anteriormente à escritura de justificação, não lhe confere a propriedade desse prédio urbano.
I. Sendo o valor tributável na aquisição por usucapião o valor tributável do prédio adquirido, sem qualquer dedução, não pode ser deduzido ao valor tributável do Imposto do Selo, o eventual direito de crédito do usucapiente sobre o proprietário relativo às benfeitorias úteis realizadas ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa.
J. Assim, o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, sem qualquer dedução, no momento do nascimento da obrigação tributária, ou seja à data em que tiver transitado em julgado a ação de justificação judicial ou celebrada a escritura de justificação notarial.
K. Para além dos normativos legais ínsitos no CIS, acabados de referir, importa, ainda, atentar que da concatenação dos arts. 92° do Código do Notariado (CN) e 117°-A do Código do Registo Predial (CRP), resulta que as aquisições por usucapião formalizadas por escritura de justificação realizada na vigência do CIS só podem reportar-se aos direitos reais inscrito na matriz à data da celebração da escritura pública de justificação notarial ou, cuja inscrição se encontre pedida na mesma data.
L. Acrescendo, ainda, que nos termos do disposto no art. 30°, n.º 1 do CRP nos “títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição com a inscrição na matriz.”.
M. E, a inscrição na matriz, como referido na escritura de justificação, era relativa ao prédio urbano, que inclui o terreno e a edificação, cujo valor patrimonial engloba aquela total realidade.
N. O objeto de incidência em imposto de selo, é pois, o imóvel usucapido que, nos exatos termos da escritura de justificação, é integrado por uma realidade imobiliária (casa de habitação de rés do chão e andar) objeto de posse que conduziu à usucapião.
O. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença enferma de erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, artigos 1°, n.º 1 e 3, alínea a); 2°, n.º 2, alínea b); 3°, n.º 3 alínea a); art.º 5°, alínea r); 13°, n.º 1 todos do CIS e, Verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo.»

2 – O recorrido A………….., apresentou as suas contra alegações, tendo concluído da seguinte forma:
«A) A Recorrente intenta a revogação do segmento decisório da douta sentença proferida que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de imposto de selo elaborada pelos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira n.º 659590 de 21/05/2013 (verba 1.2 da Tabela Geral de Imposto de Selo), no valor de €10.299,00,
B) na sequência da justificação notarial outorgada pelos impugnantes em 08/08/2012.
C) por naquela se haver decidido que “...o ato de aquisição por usucapião do imóvel usucapiado, corresponde ao terreno onde foi construída a habitação, é o objecto de incidência do Imposto de Selo. Só as benfeitorias, compostas pela habitação construída pelos impugnantes no aludido imóvel, é que não é objecto de incidência de imposto de Selo.”
D) Considerando, ali, existir erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas nos artigos 1°, n.º 1 e 3, alínea a); 2°, n.º 2 alínea b); 3°, n.º 3 alínea a); art.º 5° alínea r); 13°, n.º 1 todos do CIS e, Verba 12 da Tabela Geral do Imposto de Selo, que motivou a decisão do Tribunal recorrido.
E) Pretende em suma a recorrente, que as benfeitorias, compostas pela habitação construída pelos impugnantes, sejam também objecto de incidência de imposto de selo, razão que não lhes assiste.
F) Os impugnantes, e aqui recorridos, no ano de 1984, por contrato não reduzido a escrito adquiriram a B……………, e mulher, C………….., um terreno com a área de 520,50 m2, omisso na actual e nas antigas matrizes rústicas,
G) sendo que desde aquela altura, os Recorridos sempre zelaram, cultivaram, cortaram as ervas e mato e até transformaram o dito terreno em terreno de cultivo, agricultando-o e dele colhendo os respectivos produtos,
H) terreno este, onde em meados de 1991, fizeram as fundações e começaram a depositar os materiais necessários para a construção da casa de habitação,
I) cuja edificação concluíram em 1993, a expensas suas.
J) Posteriormente, requereram a inscrição matricial dessa casa de habitação, e obviamente do referido terreno, prédio rústico, que haviam adquirido conforme referido em 6., tendo sido atribuído a esse conjunto o valor patrimonial tributário de 102.990,00€, mas só decorridos vários anos após a aquisição do terreno — prédio rústico.
K) Como pretenderam proceder ao registo na competente Conservatória do Registo Predial do prédio em seu nome, afim de obterem título que lhes permitisse promover tal pedido, os aqui recorridos procederam à Justificação Notarial de posse do terreno, e aí ficou bem claro que o terreno em que fora implantada a casa lhes tinha sido transmitido por compra verbal em 1984 pelos referidos B…………. e mulher C……………., e só isso.
L) Ora, considerando que a alínea a), do n.º 3 do Art.º 1° do Código do Imposto do Selo preceitua que “Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo usucapião...”, a transmissão do terreno em questão seria considerada uma transmissão gratuita e objecto de tributação em Imposto de Selo.
M) A A.T. procedeu à liquidação de Imposto de Selo a incidir sobre todo o prédio, isto é, não só sobre o valor do terreno que lhes foi transmitido gratuitamente em 1984, mas ainda sobre o valor da casa que não fora objecto de transmissão mas sim construída a expensas dos impugnantes, aqui recorridos, tudo ascendendo a um valor global de 10.299,00€: - 10% do valor patrimonial de todo o prédio.
N) Inconformados com esta liquidação, e no seguimento de outras diligências junto da mesma A.T., foi apresentada no Tribunal recorrido a Impugnação dessa mesma liquidação, por terem entendido, ou porque sempre entenderem, e bem, que tinha havido erro nos pressupostos de facto quanto à liquidação efectuada.
O) O que conduz inevitavelmente à sua anulação na parte em que a mesma extravasa os limites legais de incidência objectiva, demarcados apenas pelo acto de «aquisição por usucapião», - aquisição do terreno -, fora do qual se encontra o acto de aquisição de obras ou de benfeitorias realizadas pelos usucapientes, Recorridos, conforme decidido pelo Tribunal recorrido.
P) A sentença recorrida mostra claramente que foi feita neste processo prova abundante de toda a matéria de facto que conduziu à sentença proferida.
Q) Entendeu, todavia, a Recorrente que houve erro de julgamento de Direito consubstanciado na errada interpretação e aplicação de normas aplicáveis, sem contudo fundamentar legalmente tal interpretação...
R) Os Recorridos não têm dúvidas que, a mesma sentença respeitou inteiramente as disposições legais aplicáveis.
S) É jurisprudência pacífica deste Venerando Tribunal que é o acto de usucapião de imóvel usucapido e transmitido gratuitamente que constitui o objecto de incidência de tributação em Imposto de Selo, e só esse.
T) No caso vertente, e como se alcança da factualidade julgada provada e não questionada pela Recorrente, a posse que os respectivos outorgantes, aqui Recorridos, invocaram na escritura de justificação como título para a usucapião foi a posse pacífica do terreno que haviam adquirido verbalmente há mais de 20 anos, ao passo que, quanto à edificação nele construída os outorgantes alegaram e ficou provado que tinha sido construída por eles próprios, não subsistindo, assim, dúvida de que o objecto da justificação notarial é o terreno adquirido verbalmente por compra (gratuitamente à “luz” do CIS) que os recorridos nunca haviam chegado a formalizar,
U) então, como bem se decidiu na sentença recorrida, a liquidação impugnada terá de ser anulada na parte em que nela foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos justificantes.
V) Anulada parcialmente esta liquidação de I.S., como sentenciado pelo TAF de Penafiel, por erro sobre os seus pressupostos de facto, compete à A.T. rectificar a liquidação, para que respeite a legalidade.
W) A liquidação do imposto de selo pela aquisição por usucapião do prédio não podia incidir sobre o valor de todo o imóvel, - partes rústico e urbana, mas apenas deveria ter incidido sobre o valor do prédio rústico onde foi edificada a construção...
X) Nos presentes autos os Recorridos/Impugnantes atribuíram ao prédio rústico usucapido, o valor patrimonial de €2.050,00, o qual não foi questionado e sequer impugnado pela Recorrente, pelo que deverá ser este o atendido pela AT para efeitos de liquidação do IS.
Y) É nossa convicção que, a realidade imobiliária existente no terreno há data da escritura de justificação não pode ignorar que foram os Recorridos que edificaram nele a construção em causa, - facto provado -, em momento anterior à realização dessa escritura, e tratando-se de uma benfeitoria útil — Art.º 216° do Código Civil (que poderia, porventura, vir a conferir a propriedade do terreno por via de acessão industrial imobiliária) não poderia a mesma incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião, para efeitos da aqui questionada liquidação.
Z) A liquidação impugnada tem, portanto, que ser anulada parcialmente, na parte em que nela foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos Recorridos, como decidiu, e bem, o TAF de Penafiel.
AA) Na verdade assim a nossa jurisprudência o vem consignando — e bem: Cfr., entre todos, Acs. do STA 12/5/2010, rec. 53/10, de 21/10/09, rec. 0652/09, de 13/1/2010, rec. n.º 01124/09, de 20/1/2010, rec. n.° 0773/09, de 27/1/2010, rec. n.º 0922/09, de 3/3/2010, rec. n.º 01190/09, de 11/5/2010, rec. n.º 053/10, de 22/9/2010, rec. n.º 0334/10, de 7/3/2012, rec, n.º 0833/11, de 12/2/2015, rec. n.°0716/14.
BB) Deve assim, a decisão recorrida, ser confirmada, mantendo-se a decisão de que a liquidação impugnada deve ser anulada na exacta medida em que a mesma exorbita dos limites legais de incidência objectiva, balizados apenas pelo acto de «aquisição por usucapião», fora do qual se encontra o acto de aquisição de obras ou de benfeitorias realizadas pelos usucapientes.»

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, sufragando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita, nomeadamente os acórdãos de 22/02/2010-P. 0334/10; de 03/03/2010-P. 01190/09; de 25/05/2010-P. 053/10; de 09/06/2010-P. 0242/10; de 08/02/2012-P. 01120/11; de 29/02/2012-P. 0818/11; de 23/02/2012-P. 0182/l1, 07/03/2012-P. 0833/11, de 2012.10.17-P. 0619/12, de 2011.03.13-P.0139/12, de 2103.10.30-P.0827/13 e de 2013.11.27-P.0974/13, todos publicados in www.dgsi.pt., e invocando, em síntese, que:
«Só o acto de aquisição por usucapião do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em IS e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no imóvel pelo usucapiente;
-Não correspondendo à realidade o documentado numa escritura de justificação notarial de usucapião, a liquidação efectuada pela AT com base nos termos constantes nessa escritura está ferida de ilegalidade decorrente de posterior constatação de erro nos pressupostos de facto;
-Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado o prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo».

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel fixou a seguinte matéria de facto:
A) O impugnante e a mulher, D…………….., contribuinte fiscal n.º ………….., casados no regime da comunhão de adquiridos, outorgaram a escritura pública de justificação notarial realizada em 08/08/2012, em que declararam (fls. 23 e seguintes):
“Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do PRÉDIO URBANO, composto por casa de habitação de rés-do-chão e andar, com a área coberta de cento e sessenta e dois metros quadrados, e quintal com a área de trezentos e cinquenta e oito vírgula cinquenta metros quadrados, sito na Rua ………..., lugar de …………, freguesia de ……………., concelho da Trofa, a confrontar do norte com A……………, do sul com Caminho Público, do nascente com ………., e do poente com E…………., OMISSO na Conservatória do Registo Predial da Trofa, inscrito na respectiva matriz em nome do justificante marido sob o artigo 3.475, (desconhece-se qualquer artigo matricial anterior), com o valor patrimonial e o atribuído de DEZ MIL E DUZENTOS euros e QUINZE cêntimos. Pela Conservatória do Registo Predial competente foi certificado, pela certidão adiante arquivada, que este prédio pode ser o lá descrito sob o número três mil oitocentos e setenta e seis — …………., ou parte desse prédio, pelo que eles primeiros outorgantes, declaram que o prédio ora justificado não é aquele descrito no indicado número, nem parte dele, estando, portanto, por descrever.
Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio do referido prédio, tendo adquirido o terreno onde foi edificada a referida habitação no ano de mil novecentos e oitenta e quatro, por compra verbal a B………….., e mulher, C………….., residentes no lugar de ……….., freguesia de ………………, concelho da Trofa, não chegando todavia a realizar-se a projectada escritura de compra e venda. Que, no entanto, desde aquela data da aquisição, têm usufruído em nome próprio o referido prédio, construindo-o, habitando-o, fazendo obras de conservação, colhendo os correspondentes frutos e rendimentos, pagando as respectivas contribuições e impostos, com ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém.
B) A casa de habitação, que faz parte do prédio inscrito sob o artigo 3475 da matriz predial urbana da freguesia de …………. (………), foi construída pelos impugnantes no terreno adquirido por si, com a área de 520,50 metros quadrados, que faz parte do referido prédio (fls. 23 a 26).
C) A administração tributária avaliou o prédio urbano a que respeita a justificação notarial, tendo fixado para efeitos de IMI um valor patrimonial de €102.990,00 (fls. 21).
D) Com base nesse valor foi liquidado o Imposto do Selo que consta da demonstração de liquidação de fls. 18, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

6. A questão objecto do presente recurso prende-se com a legalidade da liquidação de Imposto de Selo, nomeadamente saber se o Imposto de Selo deveria ter sido liquidado reportando-se ao valor do prédio rústico originariamente adquirido pelos recorridos, ou ao valor que se encontrava inscrito na matriz à data da escritura de justificação notarial nos termos dos arts. 1º, ns. 1 e 3, 2º nº 2, al. b), 3º, ns. 1 e 3 al. b), 5º, al. r), e 13º nº 1 do CIS.
A decisão recorrida (fls. 44 e segs.), sufragando-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita, considerou que, não restam dúvidas que o referido prédio urbano resultou da construção erigida pelos justificantes no prédio rústico que haviam comprado sem terem formalizado a respectiva escritura pública, conforme resulta dos quarto e quinto parágrafos da transcrição da matéria de facto julgada provada na alínea A).
Mais ponderou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que a construção que deu origem ao prédio urbano justificado não é mais do que uma benfeitoria útil (art. 216.° do C) realizada pelos justificantes. E que, apesar deles terem declarado na escritura de justificação que são donos e legítimos possuidores dum prédio urbano, qualificação do prédio à data da escritura, o que eles pretendiam efectivamente realizar a justificação do prédio rústico (do terreno onde foi erigida a construção que deu origem ao prédio urbano) porque era esse cuja propriedade não lhe pertencia originariamente.
Para concluir que, sendo a construção uma benfeitoria realizada pelos justificantes ela não pode incluir-se no âmbito da aquisição por usucapião para efeitos de liquidação do Imposto do Selo devido pela escritura de justificação e que a liquidação do Imposto do Selo só pode realizar-se sobre o valor do terreno objecto da escritura de justificação.

Contra o assim decidido insurge-se a Fazenda Pública alegando que a factualidade dos presentes autos preenche os pressupostos de incidência previstos no CIS, sendo, por isso passível de tributação nos exactos moldes que o foram e que constam dos actos tributários ora em crise.

6.1 Entendemos, porém, que carece de razão.
Vejamos.
Este Supremo Tribunal Administrativo, como certamente a Fazenda Pública não desconhecerá, já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada.
E, tem-lo feito ultimamente, sem divergências, sempre em sentido contrário à tese que a Fazenda Pública persiste, aliás sem sucesso, em sustentar.
Sendo já jurisprudência consolidada da Secção o entendimento de que, tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado um prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo – cf. neste sentido, para além dos acórdãos citados pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, e por mais recentes, os Acórdãos de 21.05.2014, recurso 1676/13, de 17.12.2014, recurso 1198/14, de 14.05.2015, recurso 1422/14 todos in www.dgsi.pt.
Não vemos razão para alterar tal jurisprudência que merece a nossa concordância e cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente.

Por isso, porque a recorrente não aporta novos argumentos relevantes e considerando também o disposto no artº 8º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, remetemos para o que sobre tal matéria se disse nos Acórdãos 1190/09 de 03.03.2010 e 53/10 de 12.05.2010, publicados in www.dgsi.pt.
Como se sublinha naquele primeiro aresto, «revogado que foi, a partir de 1/1/2004, o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações pelo DL 287/2003, de 12/11, as transmissões gratuitas de imóveis passaram a ser reguladas pelo Código do Imposto de Selo, cujo artigo 1.º, no que aqui interessa, dispõe que o imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião, sendo sujeitos passivos do imposto neste caso os respectivos beneficiários [artigos 1.º, n.º 3, alínea a) e 2.º, n.º 2, alínea b) do CIS]. Constituindo o imposto encargo do adquirente dos bens, nos termos do preceituado no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea a) do mesmo CIS. Por seu turno, no que toca ao nascimento da obrigação tributária, determina a alínea r) do artigo 5.º do CIS que esta se considera constituída nas aquisições por usucapião na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial.
Sendo que, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do CIS, o valor dos imóveis a atender nas transmissões a título gratuito é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI ou o determinado por avaliação, quanto aos prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial. Por último, estabelece o artigo 11.º, n.º 3 da LGT que “deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. É no confronto com este quadro normativo que importa apurar se a liquidação impugnada se encontra ferida de ilegalidade.

Ora, de acordo com o probatório fixado, o que resulta é que no caso em apreço a AF tributou o prédio urbano integrado por edifício construído pelos impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião, considerando ter o mesmo lhes sido transmitido, quando não foi isso que sucedeu.
O que lhes foi efectivamente transmitido por usucapião foi, sim, um prédio rústico sobre o qual os mesmos edificaram aquele prédio urbano.»
Acresce dizer, citando também o Acórdão desta secção proferido no recurso 53/10 de 12.05.2010, que tratou de caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, que «mesmo que houvesse dúvidas sobre o sentido interpretativo das normas de incidência – e pensamos que não há – sempre seria de considerar a substância económica dos factos e, a esta luz, parece-nos indiscutível que edifício construído no terreno resultou do investimento de activos patrimoniais dos Impugnantes e, como tal, não se pode considerar que lhes foi transmitido e muito menos a título gratuito – cfr. Artº. 11º, nº 3 da LGT. Finalmente, refira-se que o facto de a norma do artº. 5º alínea r) do CIS estatuir que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial e de a norma do artº. 13º, n° 1 do CIS referir que o valor dos imóveis a considerar nas transmissões gratuitas ser o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, não permite, em nosso entender, extrair qualquer argumento no sentido de que o valor a considerar para efeitos de tributação é o valor de todo o prédio incluindo, portanto, o edifício que nele se acha implantado.
E não permite porque, previamente à questão do valor do bem imóvel a considerar, coloca-se, como prius lógico, a questão da determinação do bem imóvel que foi objecto da transmissão gratuita tributável...” Na realidade, o que está em causa não é simplesmente o valor a atender para efeitos de imposto de selo, ou o momento apenas em que esse valor deve ser atendido.
A questão que, antes de todas, importa equacionar, previamente a saber qual o valor a atender para efeitos de imposto de selo, é a questão de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio usucapido, ou também o acto de aquisição das benfeitorias nesse prédio levadas a cabo pelos impugnantes, ora recorridos? E o certo é que só o acto de aquisição do prédio usucapido é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo, e não o acto de aquisição das obras ou benfeitorias nesse prédio realizadas.»

No caso subjudice resulta manifesto do probatório (pontos A e B) que só o prédio rústico foi objecto de aquisição por usucapião, e, sendo assim, só o valor deste deve ser considerado na determinação do valor a atender para efeitos de imposto de selo.
Sendo que a Administração Fiscal tributou o prédio urbano integrado por edifício construído pelos impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião, considerando que o mesmo lhes havia sido transmitido, quando não foi isso que sucedeu.
Neste contexto, como vem entendendo a já citada jurisprudência deste Tribunal, o acto de aquisição por usucapião de imóvel objecto dessa aquisição é, de facto, incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo, porém, já o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião.

A decisão recorrida que assim entendeu deve, por isso, ser confirmada.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública,
Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca CarvalhoIsabel Marques da Silva.