Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:022/14.4BUPRT
Data do Acordão:02/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:IRC
AJUDAS DE CUSTO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
Sumário:I – O disposto no artigo 23.º do Código do IRC, na versão anterior à Reforma do IRC, não permite concluir no sentido da indedutibilidade fiscal dos gastos com estadias e deslocações suportados com os trabalhadores de uma empresa, pelo simples facto de os mesmos serem cumulados com ajudas de custo pagas aos ditos trabalhadores.
II – Os interesses sob tutela em sede de Direito do Trabalho e Direito da Função Pública são distintos daqueles tutelados pelo Direito Fiscal, não valendo necessariamente a pretendida uniformidade interpretativa, com fundamento na pretensa unidade do ordenamento jurídico.
Nº Convencional:JSTA000P30528
Nº do Documento:SA220230208022/14
Data de Entrada:12/21/2020
Recorrente:E..., LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
E... LDA., melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de IRS relativamente ao exercício de 1996, no valor de 3 285,28 € efectuada com base em correcções aritméticas à matéria colectável para mais 1 226 414$00.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 14 a 28 do SITAF;
«A) Conforme se alcança da matéria de facto dada como provada (…) a ora recorrente pagou aos seus trabalhadores que estavam deslocados ao serviço da empresa ajudas de custo, nomeadamente na Leirosa (C... e S….) Lisboa, Palmela, Tramagal, etc., local onde foram executadas obras pelo sujeito passivo, nos dois exercícios em análise. - Cfr. ponto 3.1.1 do relatório da Inspecção dado como provado no ponto 4 dos factos provados.
B) Além dessas ajudas de custo comprovadamente pagas aos trabalhadores - ponto 6 dos factos provados - também pagava aos trabalhadores ajudas de custo por essas mesmas deslocações - pontos 7 e 8 dos factos provados.
C) Por isso, a questão que se coloca é a de saber se são ou não dedutíveis estes custos, nomeadamente as despesas com alojamento e refeições, entendendo a sentença recorrida que não, porque lhes falta o requisito da indispensabilidade para a formação do rendimento da empresa.
D) Entende a recorrente que tais custos são dedutíveis, pois nada impede que pague mais aos seus funcionários, cabendo depois à AT analisar a forma como devem ser tratados esses pagamentos a mais.
E) Visando as ajudas de custo o pagamento das despesas de alimentação e alojamento e encontrando-se apenas documentadas algumas dessas despesas, não sendo possível determinar qual a quantia efectivamente gasta em alojamento e noutras refeições, apenas se não deveriam considerar como despesas as que se encontram documentadas e considerar como custos somente as ajudas de custo.
F) Nos termos do art°. 23°., n°. 1, al. d) do CIRC, na redacção que já estava em vigor à data dos factos que são objecto dos presentes autos: 1- Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social;
G) Deste modo, quer sejam consideradas ajudas de custo, quer sejam remunerações, têm de ser sempre considerados custos do exercício, pelo que devem ser considerados na fixação da matéria colectável e isto é válido para todos os pagamentos efectivamente feitos a trabalhadores no âmbito da actividade normal da empresa, mesmo que haja excesso ou duplicação porque foram custos reais da impugnante a que corresponderam proveitos para a sua actividade.
H). Neste sentido é o Ac. do STA de 29/3/2006, proferido no processo n°. 01236/05 e publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta, onde expressamente se decidiu que:
I – Constituem custos fiscalmente dedutíveis, para efeitos do disposto no artigo 23° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, os pagamentos feitos a restaurantes por uma empresa de construção civil como contrapartida do fornecimento de refeições tomadas por trabalhadores seus que desloca para obras situadas em vários locais.
II - O facto de a empresa pagar aos mesmos trabalhadores subsídio de refeição não configura uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade das despesas feitas nos restaurantes.
I) Trata-se de um caso rigorosamente igual aos dos presentes autos, em que, ao lado de um pagamento global por conta de determinada prestação feita aos trabalhadores -naquele caso, subsídio de alimentação, no presente caso, ajudas de custo - a entidade patronal paga as despesas suportadas pelos trabalhadores - naquele caso, despesas com restaurantes, no presente caso, despesas com restaurantes e alojamento.
J) “Não é, porém, a lei que determina quantas pessoas deve um dado empresário empregar, e qual a remuneração que lhes deve atribuir, desde que acima do mínimo que estabelece. Poderá, então, discutir-se a indispensabilidade do montante salarial pretextando que a empresa emprega pessoal prescindível, ou que paga salários superiores ao preciso? Os critérios de gestão serão questionáveis pelo Fisco e apreciáveis pelo juiz, de modo a excluírem-se, para efeitos de tributação, despesas que efectivamente foram suportadas pelo sujeito passivo?
K) A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução, mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal, sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
L) “O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
M) O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa, mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
N) Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. É que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.
O) No caso, estamos perante despesas feitas com o pagamento de refeições fornecidas por restaurantes a trabalhadores de uma empresa de construção civil, que os deslocava para vários locais aonde desenvolvia obras, sendo que a tais trabalhadores era, concomitantemente, pago subsídio de refeição.
P) A sentença impugnada, corroborando o juízo feito pela Administração Tributária, entendeu que estava perante uma duplicação de custos - «a Impugnante paga por dois modos diversos a alimentação». E por essa razão não considerou dedutível o gasto feito com tal pagamento.
Q) Como já atrás se apontou, o caso configura um pagamento em espécie - a empresa propícia a expensas suas alimentação aos seus trabalhadores, servida em restaurantes. O problema, para a Administração, como para o Tribunal a quo, está na duplicação: pagar subsídio de refeição e despesas em restaurantes é pagar duas vezes a mesma coisa e, por isso, a empresa impugnante está a duplicar custos. Não parece aceitável este entendimento.
R) A duplicação de custos consiste na dupla afectação do resultado pela repetida consideração da mesma despesa. Não é o que acontece no caso, em que a empresa incorreu em dois gastos diferentes: com o pagamento do subsídio de refeição, e com o pagamento das despesas efectuadas em restaurantes.
S) Mas, ainda admitindo que se trate de almoços, falar de duplicação implica uma determinada perspectiva, que não aceita senão o gasto com aquilo que é estritamente necessário, porventura, o exigido pelos contratos colectivos a que a empresa está adstrita. Numa outra perspectiva, porém - e é a que adoptamos -, há-de admitir-se que o empresário pretenda recrutar o pessoal melhor habilitado: estimulá-lo a disponibilizar-se para se manter deslocado por períodos longos: assegurar a estabilidade da relação de emprego: prestigiar-se perante a clientela e a concorrência - e que, para isso, ofereça melhores condições de trabalho e retribuição do que aquelas a que está imperiosamente obrigado. Por exemplo, suportando as despesas de alimentação em restaurantes, além de pagar o subsídio de refeição, como todos fazem.
T) Se o empresário fizer esta opção, não está a apresentar o mesmo custo em duplicado, mas a suportar dois custos distintos, ambos atinentes à remuneração do factor produtivo trabalho. Note-se que se não trata de refeições tomadas pelo próprio empresário, que não constituiriam custos dedutíveis se incorridos no âmbito da sua vida social ou familiar; nem de refeições servidas a operários da construção civil em restaurantes de luxo, que também haveriam de se ter por não dedutíveis face ao claro excesso relativamente às necessidades e/ou capacidades da empresa, excesso esse capaz de desfazer a conexão com o seu objecto social, tornando-as estranhas ao escopo empresarial.
U) Atente-se, ainda, em que nem a Administração Tributária, nem a sentença sob análise, põem em crise a quantificação da despesa. Como assim, assente a sua qualificação como gasto incorrido para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, de acordo com o explanado, impõe-se a sua dedução, as despesas em causa foram suportadas pela impugnante, no seu interesse, desde logo porque na aquisição de um factor de produção, sem que se evidencie que a sua assunção configure um acto de gestão desajustado à obtenção dos ganhos.
V) Deste modo, assente que as despesas foram efectuadas, como se alcança dos factos provados, dúvidas não existem de que se trata de despesas indispensáveis à obtenção dos proveitos da ora recorrente.
W) E que o art°. 23° do CIRC (Segundo a redacção vigente à data dos factos tributários.) estabelece, no seu n° 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente...” e estando os gastos comprovados em forma legal e, no caso dos autos não pondo a Administração Fiscal em causa a efectividade da despesa, é evidente que o contribuinte nada mais terá que demonstrar.
X) Consequentemente, mostra-se violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art°. 23°., n°. 1, al. d) do CIRC vigente à data dos factos, pelo que tem a presente impugnação de ser julgada procedente e provada, anulando-se a liquidação de IRC na parte que se mostra excessivamente liquidada por força da desconsideração da dedução dos custos fiscais constituídos pelas despesas efectivamente realizadas com refeições e alojamento, como é de lei e de JUSTIÇA!»

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações.

I.3 – Por decisão sumária, veio o Tribunal Central Administrativo Norte, a fls. 43 a 52 do SITAF, a julgar-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, considerando competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

I.4 - Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
O presente recurso vem interposto por E... Lda, pretendendo a reapreciação da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF/Coimbra), de 16 de Janeiro de 2014, nos termos da qual foi julgada improcedente a impugnação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1996, no valor de 3 285,28 €, a qual foi efectuada com base em correcções aritméticas à matéria colectável para mais 1 226 414$00.
São as conclusões da Alegação da Recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Nas conclusões da sua Alegação defende a recorrente, em síntese e de entre o mais que:
1. Conforme resulta da matéria dada como provada a recorrente pagou aos seus trabalhadores que estavam deslocados ao serviço da empresa, ajudas de custo, em locais onde foram executadas obras, nos dois exercícios em análise;
2. Além dessas ajudas de custo comprovadamente pagas aos trabalhadores, também pagava aos trabalhadores ajudas de custo por essas mesmas deslocações.
3. Por isso, a questão que se coloca é a de saber se são ou não dedutíveis estes custos, nomeadamente as despesas com alojamento e refeições, entendendo a sentença recorrida que não, porque lhes falta o requisito da indispensabilidade para a formação do rendimento da empresa.
4. Entende a recorrente que tais custos são dedutíveis, pois nada impede que pague mais aos seus funcionários, cabendo depois à AT analisar a forma como devem ser tratados esses pagamentos a mais. 5. Visando as ajudas de custo o pagamento das despesas de alimentação e alojamento e encontrando-se apenas documentadas algumas dessas despesas, não sendo possível determinar qual a quantia efectivamente gasta em alojamento e noutras refeições, apenas se não deveriam considerar como despesas as que se encontram documentadas e considerar como custos somente as ajudas de custo.
6. Nos termos do art°. 23°., n°. 1, al. d) do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
7. Deste modo, quer sejam consideradas ajudas de custo, quer sejam remunerações, têm de ser sempre considerados custos do exercício, pelo que devem ser considerados na fixação da matéria colectável.
8. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.
9. O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa, mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais.
10. São custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo.
11. No caso, estamos perante despesas feitas com o pagamento de refeições fornecidas por restaurantes a trabalhadores de uma empresa de construção civil, que os deslocava para vários locais aonde desenvolvia obras, sendo que a tais trabalhadores era, pago subsídio de refeição.
12. A sentença impugnada, corroborando o juízo feito pela Administração Tributária, entendeu que estava perante uma duplicação de custos - «a Impugnante paga por dois modos diversos a alimentação». E por essa razão não considerou dedutível o gasto feito com tal pagamento.
13. Como já atrás se apontou, o caso configura um pagamento em espécie - a empresa propicia, a expensas suas, alimentação aos seus trabalhadores, servida em restaurantes. O problema, para a Administração, como para o Tribunal a quo, está na duplicação: pagar subsídio de refeição e despesas em restaurantes é pagar duas vezes a mesma coisa e, por isso, a empresa impugnante está a duplicar custos.
14. E que o art°. 23° do CIRC (Segundo a redacção vigente à data dos factos tributários.) estabelecia, no seu n° 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente...” e estando os gastos comprovados em forma legal e, no caso dos autos não pondo a Administração Fiscal em causa a efectividade da despesa, é evidente que o contribuinte nada mais terá que demonstrar.
15. Consequentemente, mostra-se violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art°. 23°., n°. 1, al. d) do CIRC vigente à data dos factos, pelo que tem a presente impugnação de ser julgada procedente e provada, anulando-se a liquidação de IRC na parte que se mostra excessivamente liquidada por força da desconsideração da dedução dos custos fiscais constituídos pelas despesas efectivamente realizadas com refeições e alojamento.
A recorrente imputa à decisão recorrida, erro de julgamento da matéria de direito, por violação do disposto no art.° 23.°, n° 1 al. d) do CIRC, vigente à data dos factos.
Analisando a matéria de facto dada como provada e as conclusões da alegação da recorrente podemos considerar que o litígio se traduz na questão de saber se é correcta a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) ao não considerar as ajudas de custo abonadas aos trabalhadores nas situações em que existem documentos de despesas de alimentação ou se é correcto considerar como custo as ajudas de custo e não aceitar as despesas documentadas ou ainda se devem manter-se como custo as ajudas de custo efectivamente pagas, mas tributar os recebedores em sede de IRS por as mesmas corresponderem a remuneração e não a reais despesas.
Como dispõe o art.º 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) sob a epígrafe “Gastos e perdas”, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (n.º 1), considerando-se abrangidos, nomeadamente, os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação, de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo e transportes e comunicações (n.º 2).
Por sua vez estabelece o n.º 3 do mesmo preceito que os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
Como supra se referiu, resulta da matéria de facto que a recorrente pagou aos seus trabalhadores que estavam deslocados ao serviço da empresa, ajudas de custo, em locais onde foram executadas obras - nos dois exercícios cujos documentos foram analisados, de 1996 e 1997- e além dessas ajudas de custo comprovadamente pagas aos trabalhadores, também pagava aos trabalhadores ajudas de custo por essas mesmas deslocações.
No Acórdão deste supremo Tribunal proferido no processo n.º 01037/15 considerou-se que “a finalidade das ajudas de custo é a de compensar os encargos, ainda que presumidos, resultantes de uma deslocação, com a alimentação e o alojamento” e, “sendo o montante diário da ajuda de custo processada pela totalidade, nele está incluído o custo das refeições, pelo que, atento à proibição da duplicação de pagamentos com a mesma causa, haverá que deduzir a esse montante o quantitativo pago a título de subsídio de refeição”.
Podemos assim, ter como certo que as ajudas de custo são constituídas por um montante em dinheiro pagas pela entidade patronal ao respectivo trabalhador, visando compensar este por gastos suportados no decurso da actividade profissional; são devidas ao trabalhador quando este necessita de se deslocar no período de trabalho para outro local que não o habitual. Nas ajudas de custo podem estar incluídos os custos com a deslocação, com a estadia (quando não paga directamente pela entidade patronal), com a alimentação ou despesas já feitas em serviço do empregador; as quantias recebidas a título de ajudas de custo não integram a remuneração como estipula o artº 260.º do Código do Trabalho – cf. Ac. do TRL proferidos nos processos n.ºs 749/18.1T8TVD.L1-4 e n.º 530/06.0TTVFX.L1-4 (disponíveis em http://www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a correcção aos custos contabilizados pela impugnante teve como fundamento o facto de serem custos duplicados; como se escreveu na sentença recorrida, “de terem servido para pagar as mesmas despesas”.
De acordo com o art.º 23.º do CIRC, os custos ou perdas só relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes; se a empresa paga a mesma despesa duas vezes ou de duas formas diferentes, como aconteceu no caso, tem de concluir-se que um deles é um custo que não é indispensável para a realização dos proveitos.
Também se escreveu na sentença em apreciação que não basta que uma despesa tenha sido paga pela empresa para ter que ser aceite como custo para efeitos fiscais, exigindo-se que se trate de um custo indispensável para a obtenção dos proveitos, sendo certo que para ser relevante fiscalmente tem de ser afecto à exploração, cabendo ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade.
Sendo assim, tendo-se constatado que existia duplicação de custos e que foi essa circunstância que fundamentou a liquidação adicional, tinha de concluir-se pela legalidade da questionada liquidação e, em consequência pela improcedência da impugnação judicial.
Em consequência e como resulta do que deixámos exposto, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

I.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 1 a 13 e seguintes do SITAF:
1. Através da Ordem de Serviço n.º 29252, de 24/02/2000 foi ordenada uma inspecção externa à Impugnante, aos exercícios de 1996 e 1997, da qual resultaram, para o que ora nos ocupa, correcções ao IRC, de “natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal”, para o ano de 1996, no valor de 1.270.414$00 (fls. 16 dos autos);
2. O valor corrigido a que se refere o ponto anterior teve origem nos itens “Deslocações e Estadas” - 1.226.414$00 e “Contabilização de ajudas de custo em duplicado” - 44.000$00 (fls. 24 dos autos);
3. A Impugnante possui a sua sede no ……… - Tavarede, na Figueira da Foz (fls. 15 dos autos);
4. Em 23-03-2000, foi elaborado Relatório de Inspecção, sancionado superiormente, o qual, quanto às correcções impugnadas tem, nomeadamente o seguinte teor:
3. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
Da análise efectuada aos elementos que nos foram facultados, dos exercícios de 1996 e 1997, concluímos que o sujeito passivo presta serviços especializados, possuindo para o exercício dessa actividade um quadro de pessoal próprio e recorre igualmente a outros prestadores de serviços, designadamente a serralheiros instrumentistas e electricistas.
Assim, centramos a nossa análise nas componentes de custos que pela sua relevância podem alterar os resultados declarados. Seleccionamos pois as contas de fornecimentos e serviços de terceiros, nomeadamente as relacionadas com subcontratos, bem como as contas de custos com o pessoal, uma vez que são estas as duas grandes rubricas de custos.
3.1. IRC
Como já acima se referiu, no âmbito deste imposto fomos analisar as componentes de custos relacionadas com os fornecimentos e serviços externos e os custos com o pessoal, nos dois exercícios em análise.
3.1.1. Custos com o pessoal
Da análise efectuada aos documentos de suporte dos custos com o pessoal, verificamos que para além dos ordenados e salários o sujeito passivo abona aos seus trabalhadores ajudas de custo, pelo facto de prestarem serviço fora do local da sede da empresa, nomeadamente na Leirosa (C... e S…), Lisboa, Palmela, Tramagal, etc., local onde foram executadas obras pelo sujeito passivo, nos dois exercícios em análise.
3.1.1.1. Custos em duplicado
Verificamos que o sujeito passivo, contabilizou como custo do exercício ajudas de custo do mesmo trabalhador, em duplicado, pelo que se procede à correcção desses montantes. Temos pois:
No exercício de 1996 foi lançado em duplicado o valor da ajuda de custo abonada a AA, com referência ao mês de Abril de 1996, no montante de 44.000$00, pelos documentos 050078 e 080009. (Anexo I)
(…)
3.1. 1.4. Deslocações e Estadas
Contabilizou como custo dos exercícios em análise, na conta de deslocações e estadas despesas com alimentação dos seus trabalhadores (documentadas com facturas de restaurantes), nos montantes de respectivamente: 1.226.414$00 em 1996 e 2.245.224$00 em 1997.
Como se referiu anteriormente, o Sujeito passivo paga aos seus trabalhadores ajudas de custo, pelo facto de os mesmos se encontrarem deslocados da sede da empresa, as quais estão contabilizadas na conta de custos com o pessoal e ascendem a 9.242.200$00 no exercício de 1996 e 12 052.500$00 no exercido de 1997. Como exemplo do que acima referimos constatamos:
No mês de março de 1996 há ajudas de custo no Tramagal, abonadas ao trabalhador EE… (documento 040090 - Anexo VII) e há alimentação no restaurante “O A...” de BB, NIPC ..., com sede no Tramagal, nomeadamente no dia 18 (provavelmente 2ª feira), dia em que o trabalhador recebeu ajudas de custo. Para além deste recibo existem outros do mesmo restaurante e deste mês de março.
Em Agosto de 1996 há o abono de ajudas de custo a 3 trabalhadores em Mangualde (EE, CC e DD) e há documentos de alimentação nos dias 5 (15 almoços e jantares), 6, 10, 15, 17, 18, 19 (pequenos almoços), 19 (48 almoços e jantares), 21 (49 almoços e jantares) e 27 (pequenos almoços).
(…)
Assim, tendo o sujeito passivo abonado aos seus trabalhadores ajudas de custo, não pode igualmente contabilizar como custo dos exercícios em causa, as despesas efectuadas pelos seus trabalhadores com alimentação, pelo que para efeitos de determinação do lucro tributável destes exercícios, os valores contabilizados como alimentação não são aceites, cujos montantes já acima indicados, ou seja 1.226.414$00 (1996) e 2.245.224$00 (1997), (..j” (fls. 15 e ss. dos autos);
5. A Impugnante contabilizou como custo em duplicado, pelos documentos 080009 e 050078, as ajudas de custo no valor de 44.000$00, relativas ao mês de Abril de 1996, do trabalhador AA (fls. 26 e 27 dos autos, onde tais documentos aparecem com a seguinte contabilização: 64235/111);
6. Nas deslocações para obras fora do local da sede da Impugnante esta pagava as despesas com alimentação e alojamento aos trabalhadores, sendo que, ou era o encarregado que pagava directamente aos estabelecimentos comerciais, ou a empresa lhes dava o dinheiro e eles apresentavam os documentos comprovativos da despesa (depoimento unânime das três primeiras testemunhas, sendo que a terceira, apesar de começar por referir que pagava as despesas do seu bolso, questionado quanto ao ano de 1996 referiu que era o encarregado que pagava o alojamento e as refeições. Tais testemunhas eram todas trabalhadores da lmpugnante no ano em causa e anos anteriores, tendo os respectivos depoimentos, nesta parte, parecido sinceros e espontâneos, razão pela qual o Tribunal os valorou positivamente);
7. A Impugnante nas deslocações dos trabalhadores para obras fora da sua sede pagava-lhes ajudas de custo (facto não posto em causa pelas partes e confirmado pelo depoimento da primeira testemunha trabalhador da Impugnante, que o referiu expressamente, e cujo depoimento se mostrou convincente; quanto às segunda e terceira testemunhas, também trabalhadores da lmpugnante não o negaram, sendo que a segunda começou por dizer que não se lembrava se tinha recebido ajudas de custo, mas acabou por dizer que em Março de 1996 as recebeu e a terceira, começou por dizer que não tinha ajudas de custo quando, em Mangualde, no ano de 1996, a Impugnante lhes pagou as despesas de alojamento e refeições, para, logo em seguida, dizer que não se lembrava se nesse ano de 1996 recebeu ou não tais ajudas de custo. De notar que tal testemunha referiu, também, que quando suportava as despesas do seu bolso por vezes pedia documento que entregava na empresa. De todos estes depoimentos, o Tribunal ficou com a convicção clara de que havia pagamento de ajudas de custo e de despesas com alimentação e alojamento nas mesmas situações);
8. Os trabalhadores EE, CC e DD receberam ajudas de custo relativamente a deslocações por eles feita e, ao mesmo tempo, foram-lhes pagas despesas feitas nessas deslocações (facto afirmado pela Impugnante na p.i. - artigos 17° a 19° - e confirmado pela testemunha EE, cujo depoimento foi seguro e espontâneo e, por isso, relevado positivamente);
9. Em 15-09-2000, foi emitida a liquidação de IRC, relativa ao ano de 1996, com o n.° 8310010734, no valor de 658.640$00 (€ 3.28528), com data limite de pagamento de 15-11-2000 (fls. 5 dos autos);
10. A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças da Figueira da Foz 2 em 14-02-2001 (carimbo de fls. 2 dos autos).

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fls. 1 a 13 do SITAF, que julgou improcedente a impugnação judicial interposta pela impugnante, ora recorrente E... LDA., da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1996, no valor de 3 285,28 €, a qual foi efectuada com base em correcções aritméticas à matéria colectável para mais 1 226 414$00.
Para assim decidir, considerou o tribunal a quo, em síntese, que “…para a Impugnante basta que esteja provado o pagamento da despesa para ter que ser aceite como custo. Ora, já se viu que, para efeitos fiscais, tal não é assim. Se pagou deslocações e estadas e, ao mesmo tempo, pagou ajudas de custo aos seus trabalhadores nas mesmas situações e se pagou por duas vezes a um trabalhador o mesmo mês de ajudas de custo, tal configura duplicação de custos.
Tal como se deixou exposto, uma vez que a lei exige que um custo, para que seja dedutível seja indispensável para a obtenção dos proveitos - o que não acontece com a duplicação de custos, que é, claramente, dispensável - situação que se verifica no caso concreto, sem necessidade de mais considerações, a impugnação tem que improceder.

II. Inconformada com a decisão proferida pelo tribunal a quo, e ancorando-se na decisão proferida pelo STA no âmbito do processo n.º 01236/05, de 29 de Março de 2006, alegou a Recorrente que, em regra, as despesas correctamente contabilizadas são consideradas como custos fiscais ou seja “…são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. É que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.
Alega, ainda, a ora Recorrente que a sentença impugnada incorre em erro, ao pretender a verificação de um pretenso caso de duplicação de custos e que, por isso, deve ser corrigida, por incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.°, n.° 1, alínea d) do Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos, devendo por isso ser anulada a liquidação adicional.

III. Vejamos, então.
Para começar, importa deixar claro que, como bem salienta a Recorrente, toda a decisão recorrida se funda num duplo custo, o qual é, indiscutivelmente, o fundamento estruturante da denegação da dedução dos mesmos; e é esta leitura, precisamente, aquela que aqui surge sufragada também no Parecer do Ministério Público, junto aos presentes autos.
Importa, por isso esclarecer, cabalmente, se existe ou não uma duplicação de custos e se, a existir, a mesma é impeditiva da respectiva dedução.
Explica a sentença recorrida que “Ora, a duplicação de custos constitui, pela sua própria natureza, um caso de não indispensabilidade. Pode ter outras finalidades indirectas e interessar à gestão, mas não é, antes pelo contrário, indispensável para a formação dos proveitos.” – os trabalhadores teriam recebido, em simultâneo, deslocações e estadas (direta ou indirectamente), por um lado, e subsídio de refeição, por outro; ao passo que, por seu turno, a empresa teria deduzido ambos os custos (utilizamos aqui a linguagem à data em vigor no Código do IRC).

IV. Importa deixar, desde já, claro que a sentença recorrida incorre num lapso conceptual que, inevitavelmente, contamina a decisão a final: o suposto problema dos duplos custos enquanto obstáculo à dedução de custos, à luz do artigo 23.º do Código do IRC.
Desde logo, há que discernir entre duplos custos e dupla dedução de custos, que são realidades completamente distintas, sendo que só o segundo fenómeno pode ter potencial reflexo na decisão de rejeitar a dedução dos custos, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (seja na redacção à data dos factos, seja na actual, acrescente-se).
Assim, na dupla dedução de custos, o mesmo gasto é considerado duplamente para efeitos fiscais – seja a duplo título, abatendo à base tributável do mesmo sujeito passivo, seja abatendo à base tributável de duas esferas jurídicas distintas: estará, neste caso, em causa a efectividade do custo. Já no fenómeno do duplo custo – como sucede no caso concreto – estão em causa dois gastos reais, efectivos e distintos, suportados pela empresa, os quais, alegadamente, se poderiam questionar quanto à sua natureza excessiva ou desnecessária.
Ora, no caso de “duplos custos” (assim designados pelo Tribunal a quo), o que o Tribunal recorrido, embora implicitamente, tratou foi de sindicar a indispensabilidade do custo a partir de critérios de necessidade e proporcionalidade: segundo o Tribunal recorrido, se a ora Recorrente já tinha previamente atribuído ajudas de custo aos trabalhadores, não se justificaria, de um ponto de vista de racionalidade económica, o pagamento pela empresa de estadas, deslocações ou almoços aos mesmos trabalhadores.
Assim, e em bom rigor, aquilo que o Tribunal recorrido fez foi, segundo critérios de (na sua perspectiva) boa gestão societária, indagar acerca da bondade, sensatez e economia do gasto com refeições, estadas e deslocações, uma vez que a empresa já atribuía genericamente ajudas de custo e subsídios de refeição aos trabalhadores.

V. Pois bem, a indispensabilidade dos custos, à luz da antiga redacção do Código do IRC, não se apura assim.
Como este Supremo Tribunal já deixou claro em inúmeras decisões, não cabe à AT – nem aos Tribunais – imiscuir-se (e muito menos sindicar) na gestão da empresa, segundo supostos critérios de normalidade, necessidade ou proporcionalidade.
Os custos dedutíveis à luz da regra geral do Código do IRC são aqueles que o contribuinte reputou de adequados face às circunstâncias concretas da sua empresa, segundo o seu próprio prisma de avaliação, desde que incorridos no interesse da actividade empresa.
Ora, não é discutível, num caso com os condicionalismos deste, a óbvia relação entre os gastos incorridos pela empresa e a promoção da sua actividade social.
Aliás, este Supremo Tribunal já deixou suficientemente claro, para situações muito semelhantes àquelas aqui trazidas em recurso, em dois distintos arestos, que: “I - São fiscalmente dedutíveis para efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC os pagamentos feitos a restaurantes por empresa de construção civil como contrapartida do fornecimento de refeições tomadas por trabalhadores seus que desloca para obras situadas em vários locais. II - O facto de a empresa pagar aos mesmos trabalhadores subsídio de refeição não configura uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade das despesas feitas nos restaurantes.” – conclusões dos Acórdãos lavrados no Processo n.º 1236/05, de 29 de Março de 2006 (citado pela Recorrente nas suas Alegações) e no Processo n.º 774/09, de 21 de Abril de 2010 – ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

VI. Questão muito próxima, mas distinta – e que não é sindicada nos presentes autos – seria a da eventual tributação das mencionadas deslocações, estadias e refeições (e, em abstracto, quaisquer outras despesas sucedâneas de subsídios de alimentação e ajudas de custo), na esfera dos respectivos trabalhadores, a título de remunerações em espécie, em sede de IRS.
Porém, essas eventuais considerações em nada interferem com a correção do enquadramento fiscal feito pela Recorrente quanto a tais despesas (assim como quanto aos subsídios de refeição e ajudas de custo), tendo a mesma suportado efectivamente tais despesas e tendo-o feito por livre opção de gestão interna, não podendo uma tal opção ser escrutinada pelo intérprete (seja ele a AT ou os Tribunais), uma vez que é indiscutível a vocação de interesse societário de tais despesas.

VII. Impõe-se, por fim, fazer referência à vasta jurisprudência de que se vale quer a sentença ora recorrida, quer o douto Parecer do Ministério Público, para estribarem a sua leitura no sentido da negação da dedutibilidade fiscal das despesas aqui em causa.
E basta, a tal propósito, assinalar que tais acórdãos respeitam todos às secções administrativas dos Tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, assim como a Tribunais da jurisdição comum, onde se avaliam despesas de ajudas de custo e semelhantes a partir do prisma do Direito do Trabalho e da Função Pública e das respectivas relações laborais, onde os interesses sob tutela, como é evidente, são completamente distintos daqueles tutelados pelo Direito Fiscal.
Por isso, não vale aqui qualquer alegação de uma suposta unidade do ordenamento jurídico para fazer valer a pretendida uniformidade interpretativa.

VIII. Não podemos, por tudo o exposto, deixar de conceder razão à Recorrente e, em consequência disso, revogar a decisão recorrida, anulando a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1996 impugnada nos autos.


III. CONCLUSÕES
I – O disposto no artigo 23.º do Código do IRC, na versão anterior à Reforma do IRC, não permite concluir no sentido da indedutibilidade fiscal dos gastos com estadias e deslocações suportados com os trabalhadores de uma empresa, pelo simples facto de os mesmos serem cumulados com ajudas de custo pagas aos ditos trabalhadores.
II – Os interesses sob tutela em sede de Direito do Trabalho e Direito da Função Pública são distintos daqueles tutelados pelo Direito Fiscal, não valendo necessariamente a pretendida uniformidade interpretativa, com fundamento na pretensa unidade do ordenamento jurídico.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida e anular a liquidação de IRC impugnada.


Custas pela Recorrida, com dispensa da Taxa de Justiça por não ter apresentado contra-alegações na presente instância.


Lisboa, 8 de Fevereiro de 2023. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.