Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0362/12
Data do Acordão:10/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:CORRECÇÃO ARITMÉTICA
VALOR PATRIMONIAL
ALTERAÇÃO
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Sumário:I - Não tendo havido alteração de valores patrimoniais na determinação da matéria tributável, a impugnação judicial do acto tributário de liquidação não depende de prévia apresentação de pedido de revisão da matéria tributável (art.117º n° 1 CPPT; art.86° n° 5 LGT).
II - É o caso dos autos em que apenas foram efectuadas correcções meramente aritméticas à matéria colectável de IRS não tendo havido recurso a métodos indirectos.
III - Impõe-se ordenar a baixa dos autos à primeira instância para normal tramitação, com a instrução que se impuser e demais passos processuais e subsequente decisão que conheça dos demais fundamentos de impugnação invocados.
Nº Convencional:JSTA000P14785
Nº do Documento:SA2201210310362
Data de Entrada:04/04/2012
Recorrente:A...... E MULHER
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1-Relatório: A………, nif ………, e B………, nif ………, com os demais sinais dos autos, instauraram, IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, contra a liquidação adicional de IRS n.° 20900005657104, e juros compensatórios referentes ao ano de 2005,

Invocaram a ilegalidade da liquidação, por erro de rectificação da matéria colectável e formularam o pedido de anulação da liquidação.

O Mº Juiz de 1ª Instância entendeu determinar a absolvição do Serviço de Finanças de Vila Nova de Foz Côa do pedido e a extinção do processo pelo que consequentemente julgou improcedente o pedido e extinto o processo.

Não se conformando com tal decisão os impugnantes interpuseram recurso para este STA no qual apresentaram alegações com as seguintes conclusões:

A. Findos os articulados foi o processo ao Senhor Juiz nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 113°, 114° e 115° do CPPT, não tendo o articulado dos recorrentes sido recusado, bem pelo contrário, foi admitido, tendo ainda posteriormente o Tribunal A Quo admitido as provas por si apresentadas e agendado o dia 23.05.2011 para a sua inquirição.
B. Logo, a existir alguma nulidade, o que não se aceita, e não tendo sido a mesma apreciada em sede de instrução e saneamento do processo, tal nulidade sempre estaria sanada, não podendo o tribunal a quo tomar conhecimento da mesma depois daquela fase, pelo que violou o disposto no artigo 87°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do CPTA, artigo 113° e 114° do CPPT e 288° e 494° do CPC.

(Sobre as alíneas A e B das conclusões remete-se para o alegado nos pontos 1° a 8° das Alegações)

Sem prescindir

C. O Tribunal A Quo antes de ter tomado a decisão recorrida, estava obrigado a ouvir os Recorrentes, pelo que, não tendo feito, salvo melhor e douta opinião, violou o Principio do Contraditório vertido no artigo 3° do CPC o qual no seu n.° 3, estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o Principio do Contraditório, principio este que é um instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa.

D. Ora, tendo o articulado (Impugnação) dos Recorrentes sido admitido, bem como a sua prova e sido agendada a inquirição das testemunhas para o dia 23.05.2011, o tribunal poucos dias antes desta data de forma surpreendente e sem ouvir os Recorrentes, pronuncia-se pela inimpugnabilidade do acto impugnado, apanhando-os de surpresa, pelo que, violou o Tribunal a Quo o disposto no artigo 3°, n.° 3 do CPC aplicável ex vi, art. 2°, al. e) do CPPT.

(Sobre as alíneas C) a D) das conclusões remete-se para o alegado nos pontos 10° a 19° das Alegações)

Novamente sem prescindir

E. A Liquidação Impugnada Judicialmente, resulta de correcções técnicas e não da aplicação de métodos indiciários (indirectos), tal como se refere no ponto 1 da petição inicial, sendo que, relativamente às liquidações provenientes de correcções técnicas, a eventual falta de reclamação nos termos do disposto no artigo 91° da LGT não permite o indeferimento do pedido da sua anulação, isto é, contrariamente ao decidido não é necessário que se reclame, pelo que, errou o tribunal a quo.
F. Acresce, terem os Recorridos invocado na sua Impugnação, em vista à anulação da Liquidação, a Caducidade/Prescrição da divida nos termos do disposto no artigo 45° da LGT, tendo para o efeito alegado que quando a notificação da Administração Fiscal ocorreu já tinha decorrido o prazo de 4 (quatro) anos, constituindo a procedibilidade deste pedido, causa de pedir para a anulação da liquidação. Cf. entre outros os Ac. STA de 01.06.1994 Rec. N. ° 17635, in Ciência e Técnica Fiscal n.° 378, pag. 269 e sgs; Ac. de 26.02.202 Rec. 26662 e o Rec. N. ° 26276 de 13.03.2002.
G. Volta a errar o tribunal a quo ao aplicar o artigo 134°, n.° 7 do CPPT, pois este dispositivo aplica-se, unicamente, aos processos especiais previstos no artigo 131° e segs. do CPPT, não se aplicando à liquidação de IRS resultante de correcção, pelo que, violou o artigo 86°, n. 5 da LGT, o n.° 1 do artigo 117° e n° 7 do art. 134°, ambos do CPPT.

(Sobre as alíneas E) a G) das conclusões remete-se para o alegado nos pontos 21° a 44° das Alegações)

Termos em que se deve dar provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão de que se recorre, substituindo-se por uma outra que mande prosseguir os autos, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações

O Mº Pº teve vista dos autos e emitiu parecer do seguinte teor:

Recorrentes: A……… e B……… Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IRS e juros compensatórios (ano 2005) no montante global de € 3 841,65
FUNDAMENTAÇÃO
l. A liquidação adicional impugnada resultou de correcções meramente aritméticas à matéria tributável e não do recurso a métodos indirectos, como expressamente se assinala no relatório da acção de inspecção (PA apenso fls. 30/39) Não tendo havido recurso a métodos indirectos para determinação da matéria tributável a impugnação judicial do acto tributário de liquidação não depende de prévia apresentação de pedido de revisão da matéria tributável (art.117º n° 1 CPPT; art.86° n° 5 LGT)
2. No caso concreto a preterição da aplicação do princípio do contraditório, traduzida na falta de pronúncia das partes antes da decisão de dispensa da inquirição das testemunhas, não assume relevância jurídica autónoma susceptível de configurar uma nulidade processual; antes constituindo consequência inevitável do entendimento erróneo sobre a falta de verificação dos requisitos de procedibilidade da impugnação judicial.
3. A tramitação processual deve prosseguir, com apreciação pelo tribunal da questão da dispensa da inquirição das testemunhas (após audição das partes em caso de formulação de juízo prévio sobre a desnecessidade) e oportuna prolação de sentença que aprecia e decida as questões suscitadas na petição da impugnação judicial
CONCLUSÃO O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
-declaração de verificação dos requisitos de procedibilidade da impugnação judicial
Devolução do processo ao tribunal recorrido para prosseguimento da tramitação da impugnação judicial.

2- FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto, subordinada a números da nossa iniciativa:

Julgo provado, com base no teor dos documentos do processo e do PA apensado e alegações das partes, sem que outros factos não provados existam, que,

1) Os impugnantes A………, nif ………, e B………, nif ……… foram notificados pelo documento de cobrança de 22/12/2009, da liquidação resultante de correções ao IRS, conforme teor do documento de fls. 2 do Processo Administrativo apensado, e teor do artigo 4 da petição de impugnação.
2) Os impugnantes, apesar de discordarem dos valores quantificados, cujo erro propugnam, não apresentaram qualquer reclamação graciosa da liquidação que lhes foi notificada, nem efectuaram qualquer pedido de revisão da matéria tributável fixada, por correcção pela AT.
3) Apresentaram a impugnação directamente a juízo neste TAF em 9/12/2009, conforme carimbo aposto no rosto da p.i. a fls. 2.
3-Do DIREITO
O Mº Juiz de 1ª Instância expendeu o seguinte, para alcançar a decisão que tomou:
“(..)3. Compulsado o processo por causa do pedido de substituição de testemunhas, formulado a fls. 94, para a audiência de julgamento designada para o dia 23 de Maio corrente, pelas 11h30, verifico que o processo padece de vício que deveria ter determinado o indeferimento liminar da petição, e que oportunamente não foi conhecido, o que agora importa conhecer para evitar diligências inúteis, como a produção da prova testemunhal na audiência marcada para o dia 23 de Maio e que mais se justifica pelo grande volume de serviço pendente neste TAF.
4. Deste modo, e dispensando o contraditório sobre esta decisão, nos termos do art. 3/3 do CPC, embora já cumprido quanto à restante matéria, e dispensando o visto prévio ao MP pela simplicidade da questão, passo a proferir sentença, dado sem efeito a audiência designada para o dia 23 de Maio de 2011.
II
Os pressupostos processuais relativos ao tribunal, às partes e ao objecto do processo estão verificados, e nada obsta ao conhecimento imediato da questão a decidir a da extinção da impugnação, por inimpugnabilidade do acto impugnado, vício que decorre da conjugação dos artigos 99/a, 117/1, 134/7 do CPPT.
III
Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, sendo que constitui motivo de ilegalidade, além da preterição de formalidades legais, o erro de facto ou de direito na fixação, art. 134/1/2 do CPPT.
Todavia a impugnação não é directa, pois pelo disposto no número 7 do mencionado art. 134 do CPPT, a impugnação referida neste artigo (...) só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.
Embora o art. 99/a, do CPPT, preveja a impugnação com a invocação de ilegalidade integrada pelo erro de qualificação e quantificação de rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários, o certo é que "a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável, (...) depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável", art. 117/1 do CPPT.
Como se comprova pela leitura da petição de impugnação e de todo o processo Administrativo apensado, os impugnantes desconsideraram completamente tais regras de procedimento, regras de procedibilidade da própria impugnação judicial, e que não foram consideradas em despacho liminar [que deveria ter determinado a rejeição liminar da petição] e de que agora se conhece, para determinar a rejeição do pedido, por improcedência, pelos apontados vícios de violação de lei, [violação dos pressupostos impugnatórios], determinar a absolvição do sf de Vila Nova de Foz Côa do pedido e a extinção do processo.
V
Julgo improcedente o pedido e extinto o processo”.

DECIDINDO NESTE STA
É patente o lapso em que incorreu a decisão recorrida. Como salienta o Sr. Procurador junto deste STA e transparece do processo administrativo apenso, designadamente a fls. 33 e 34, apenas foram efectuadas correcções meramente aritméticas à matéria colectável não tendo havido recurso a métodos indirectos. Não sendo caso de alteração de valores patrimoniais mas antes de correcções técnicas em sede de IRS, a impugnação judicial do acto tributário de liquidação não depende de prévia apresentação de pedido de revisão da matéria tributável (art.117º n° 1 CPPT; art. 86° n° 5 LGT).
Concordamos que, no caso concreto, a preterição da aplicação do princípio do contraditório, traduzida na falta de pronúncia das partes antes da decisão de dispensa da inquirição das testemunhas, não assume relevância jurídica autónoma susceptível de configurar uma nulidade processual antes constituindo consequência inevitável do entendimento erróneo sobre a falta de verificação dos requisitos de procedibilidade da impugnação judicial.
Pelo exposto, o recurso merece, pois, provimento ficando prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas.
Impõe-se a baixa dos autos à 1ª Instância para ampliação da matéria de facto após eventual produção de prova e decisão das questões suscitadas em conformidade.
4 - Decisão:
Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, ordenar a baixa dos autos à primeira instância para normal tramitação, com a instrução que se impuser e demais passos processuais e subsequente decisão que conheça dos demais fundamentos de impugnação invocados.

Sem custas.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012. - Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado - Casimiro Gonçalves.