Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0228/13.3BECBR
Data do Acordão:04/05/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
APELAÇÃO
Sumário:Deve admitir-se revista relativamente à questão de saber se é admissível apelação autónoma da decisão interlocutória que entende não haver matéria controvertida.
Nº Convencional:JSTA000P24428
Nº do Documento:SA1201904050228/13
Data de Entrada:02/05/2019
Recorrente:A.............
Recorrido 1:MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………………, identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 12 de Outubro de 2018, que manteve a sentença proferida pelo TAF de Coimbra, a qual julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si intentada contra o MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ onde impugnava o despacho que ordenou a demolição de obras por si executadas.

1.2. Fundamenta a admissão da revista por entender que as questões que coloca se podem colocar em outros processos e ser necessária a intervenção do STA para assegurar uma melhor aplicação do direito.

1.3. Não foram produzidas contra-alegações.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acto, objecto da presente impugnação, determinou a demolição de obras executadas sem licença municipal e igualmente sem autorização do condomínio, qualificando-se estas como obras de inovação situadas em espaços comuns do prédio, de acordo com certidão da Propriedade Horizontal existente da edificação em apreço.

3.3. A sentença recorrida apreciou os seguintes vícios imputados ao acto: (i) usurpação de poderes; (ii) prescrição do direito de ordenar a demolição das obras; (iii) violação do principio da boa fé; (iv) violação de lei por erro nos pressupostos; (v) violação do n.º 2 do art.º 106.º do RJUE; (vi) falta de fundamentação; (vi) pedido subsidiário de condenação do R. a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais sofridos, no valor de € 87.500,00.

Após concluir que senão verificava nenhum dos vícios imputados ao acto impugnado e que, relativamente ao pedido indemnizatória não estava provada a ilicitude da conduta do réu, julgou a acção totalmente improcedente.

3.4. O TCA Norte confirmou a sentença proferida pelo TAF de Coimbra.

3.5. Neste recurso são indicadas 5 questões, justificativas, na óptica do recorrente, da admissão da revista, a saber:

1ª - O direito de ordenar a demolição de obras ilegais previsto no RJUE é imprescritível (…) ?

2ª - É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva (v. art. 268º, 4 da Constituição) e com o princípio da igualdade das partes (v. art. 6º do CPTA) que o Tribunal não permita ao administrado provar os factos que alegara na petição inicial para fundamentar os vícios imputados à decisão administrativa e que foram impugnados em sede de contestação, para depois dar por provados exactamente os factos contrários com base no argumento de que o administrado não logrou provar os factos que alegara nem contraditar o que havia sido dado por provado pela Administração/parte no processo instrutor?

3ª – Qual a força probatória do processo instrutor, designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível, ou se, pelo contrário, é apenas um dos meios de prova de que se pode socorrer o Tribunal para formar a sua livre convicção e que deve ser confrontado com todos os demais meios de prova que sejam legalmente admissíveis e relevantes para a descoberta da verdade material?

4ª – É compatível com os princípios do dispositivo e do contraditório que o Tribunal dê por provados factos que não foram alegados nem na p.i. nem na contestação, mas que são referidos no processo instrutor, sem que antes tenha submetido tais factos que considera relevantes para a boa decisão da causa ao contraditório das partes, designadamente da parte a quem os mesmos são prejudiciais ?

5ª – Do despacho saneados que considere não existirem factos controvertidos com relevância para a boa decisão da causa cabe recurso imediato, sob pena de tal decisão formar caso julgado formal, ou, pelo contrário, é uma decisão interlocutória que só pode ser impugnada no recurso interposto da decisão final?

(…)”

3.6. Das referidas questões a última justifica a nosso ver a admissão da revista.

Entendeu o TCA Norte que a autora notificada da decisão interlocutória que considerou não existirem factos controvertidos era impugnável de imediato, sob pena da questão ficar consolidada na ordem jurídica.

Invocou, para tanto o disposto no art. 142º, 5 do CPTA. Todavia, o referido artigo 142º, 5 do CPTA remete para os casos em que, nos termos do CPC, é admitida apelação autónoma, a qual vem prevista no art. 644º, 2 daquele CPC.

O referido art. 644º, 2, do CPC permite a apelação autónoma nos seguintes casos: “a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) De decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.”

Não é, assim, evidente a tese sustentada pelo TCA Norte quanto à impossibilidade de pôr em causa a decisão interlocutória que julgou não haver factos controvertidos, sendo que por se tratar de questão central da tramitação processual tem claramente virtualidade de vir a colocar-se no futuro.

Por outro lado a questão tem claros reflexos na análise das demais questões suscitadas neste processo, uma vez que a seu desfecho poderá vir a tornar necessária a produção de prova que foi dispensada.

Assim com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito justifica-se admitir a revista.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 5 de Abril de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.