Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0499/18
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
HIPOTECA
Sumário:I - Estando o imóvel oferecido em hipoteca voluntária para garantia do crédito exequendo onerado com anterior hipoteca voluntária registada, para apurar da idoneidade da garantia haverá que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual daquele crédito garantido por hipoteca, e não o limite máximo daquela garantia, nos casos em que o credor assegura que o crédito garantido já foi parcialmente satisfeito.
II - Em consequência, não pode o órgão da execução fiscal condicionar a suspensão da execução fiscal à alteração da inscrição no registo do montante garantido pela hipoteca preexistente.
Nº Convencional:JSTA000P23359
Nº do Documento:SA2201805300499
Data de Entrada:05/14/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2356/17.7BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, julgando procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) por A……………… (adiante Executado, Reclamante ou Recorrido), anulou o acto do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, que indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal por prestação de garantia mediante constituição de hipoteca.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação apresentada nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT e anulou o despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3 em 02/02/2017, que, por sua vez, indeferiu a pretensão do reclamante em ver suspensos os autos executivos que correm termos sob o n.º 3085201501813390, porquanto, não obstante aceitar a garantia prestada pelo reclamante, a hipoteca voluntária devidamente identificada nos autos, considerou que a suspensão do processo de execução fiscal fica condicionada à redução, no registo predial, do montante máximo assegurado pela hipoteca anteriormente constituída sobre o mesmo imóvel a favor do B……………, S.A.

B. A decisão ora recorrida não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice, porquanto, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida considera, erradamente, que a exigência feita pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, constante do despacho objecto de reclamação, em ver averbada no registo predial a redução do montante máximo assegurado pela hipoteca constituída a favor do B…………, S.A. não se destinou a aferir da idoneidade da garantia prestada pelo executado, ora recorrido.

C. De acordo como disposto no n.º 2 do art. 52.º da LGT, a suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias (vide o n.º 1 do art. 169.º e n.º 1 do art. 199.º, ambos do CPPT).

D. Ora, a idoneidade da garantia, juízo que incumbe ao órgão de execução fiscal, deve aferir-se em função do seu tipo e do seu valor, bem como em função da sua capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da necessidade de a executar, conduzir à efectiva cobrança dos créditos garantidos (vide ofício-circulado n.º 60.076, de 29/07/2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários).

E. No caso concreto, e face às declarações emitidas pelo “B……………, S.A.”, apresentadas pelo executado e ora reclamante, o órgão de execução fiscal considerou que da dedução ao valor patrimonial tributário do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 405 – fracção “AZ” (inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 1598) do montante constante de uma das referidas declarações emitidas por aquela entidade credora a título de ónus e encargos resultaria um montante suficiente para satisfação das quantias que se encontravam em dívida, à data do referido despacho, em ambos os processos de execução fiscal supra referidos.

F. No entanto, e para que a referida garantia seja considerada capaz de, em caso de incumprimento do reclamante e da necessidade de a executar, conduzir à efectiva cobrança dos créditos garantidos, será necessário que, através de registo público, oponível a terceiros, se faça reflectir essa mesma realidade (vide artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea h), 5.º, n.º 1 e 100.º, todos do Código do Registo Predial).

G. De acordo com o disposto nos artigos 718.º, 719.º e 720.º, n.º 2, alínea a), todos do Código Civil, a hipoteca constituída pelo ora recorrido a favor do B…………., S.A. pode ser reduzida por via voluntária ou judicial.

H. A lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial,

I. motivo por que a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266.º, 13.º, 103.º e 104.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

J. Ora, atento o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários e com base nas disposições legais do CPPT e do Código Civil supra invocadas, bem como nos argumentos supra enunciados, conclui-se que o órgão de execução fiscal actuou de acordo com o princípio da legalidade (cfr. art. 8.º, n.º 2, alínea e) da Lei Geral Tributária),

K. estando-lhe vedada, no caso concreto, a suspensão do processo de execução fiscal sem que a garantia prestada se mostre capaz de satisfazer os créditos tributários, o que não acontece no caso concreto se não for actualizado o registo predial do imóvel supra identificado,

L. pois que se tal actualização não acontecer o valor do montante máximo assegurado (€ 308.206,95, na proporção de metade, uma vez que a garantia apenas foi constituída em 1/2, o que perfaz € 154.103,47) é, em muito, superior ao valor patrimonial tributário actual (€ 225.464,05/2 = € 112.732,02).

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 O Executado não contra-alegou o recurso.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«É objecto de recurso a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa - Unidade Orgânica 1, que julgou procedente reclamação de indeferimento de prestação de garantia apresentada para efeitos de suspensão de processo executivo.
Põe-se em causa o entendimento tido quanto à garantia ser “idónea”, nos termos das leis tributárias (n.º 1 do art. 169.º e n.º 1 do art. 199.º, ambos do CPPT”, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 53.º da L.G.T.
Defende-se que, estando efectuado o “registo público” que respeita à redução de hipoteca que onera imóvel oferecido em garantia, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1 alínea h), 5.º n.º 1 e 100.º todos do Código do Registo Predial, se impõe considerar tal para que a mesma seja “capaz”, “de acordo com o disposto nos artigos 718.º, 719.º e 720.º n.º 2 alínea a), todos do Código Civil”.
De acordo ainda com vários princípios tributários e constitucionais, acaba a defender-se um entendimento segundo o qual, sem que ocorra a actualização no registo predial do valor máximo valor pelo qual a hipoteca foi constituída, é de considerar o valor da dita hipoteca anterior, na proporção de ½, muito superior ao correspondente valor patrimonial tributário, na mesma proporção.
Ora, a garantia em causa, hipoteca, encontra-se prevista no n.º 2 do art. 199.º do C.P.P.T., pode ser constituída mediante “concordância da administração fiscal”, nos termos do seu n.º 1, ou seja desde que “idónea”.
Crê-se não ser requisito que tenha lugar a redução de hipoteca tal como prevista no direito civil, nem que a dita redução seja levada ao registo predial, de acordo com as normas do respectivo código.
Com efeito, o dito conceito de idoneidade é compatível com o seu preenchimento no caso de haver elementos seguros que permitam ainda concluir pela redução do crédito garantido por anterior hipoteca.
Tal é o caso, em face de declaração emitida pelo credor hipotecário da qual consta que o valor garantido se mostra reduzido face aos montantes já pagos que indica, conforme melhor consta da al. c) do probatório e resulta do documento dos autos para que se remete.
O S.T.A. já decidiu em caso semelhante ao presente que, “estando o imóvel oferecido em hipoteca voluntária para garantia do crédito exequendo onerado com anterior hipoteca voluntária registada, para apurar da idoneidade da garantia haverá que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual daquele crédito garantido por hipoteca, e não o limite máximo daquela garantia, nos casos em que o credor assegura que o crédito garantido já foi parcialmente satisfeito” – assim, acórdão do S.T.A. de 14-12-2016, no processo n.º 01192/16, acessível em www.dgsi.p.t.
Concluindo:
Estando o imóvel oferecido em hipoteca voluntária para garantia do crédito exequendo onerado com anterior hipoteca voluntária registada, para a garantia ser aceite por “idónea”, nos termos do art. 169.º n.º 1 e 199.º do C.P.P.T., é de deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual daquele crédito garantido por hipoteca, e não o limite máximo daquela garantia, desde que o credor assegure que o crédito garantido foi parcialmente satisfeito».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) No Serviço de Finanças de Lisboa 3 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3085201501813390, por dívida de IRS do ano de 2011, no montante de € 10.632,76;

B) A………………… requereu que lhe fosse deferido a aceitação da garantia através da constituição de hipoteca voluntária dos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 405, fracção “AZ”, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1598 e sob o n.º 958, fracção “C”, inscrito na matriz predial urbana sob o art. do imóvel 2722, pelo montante máximo de € 13.736,84;

C) Nos termos da Declaração emitida pelo B…………., SA, de fls. 43, dos autos este indica que o valor assegurado (de € 217.814,10) se mostra reduzido face aos montantes já pagos, sendo o valor em dívida à data de 12/10/2016 de € 196.461,54;

D) Nos termos da Declaração emitida pelo B…………., SA, de fls. 44, dos autos, este indica que o valor assegurado (de € 53.900,00) se mostra reduzido face aos montantes já pagos, sendo o valor em dívida à data de 12/10/2016 de € 48.910,38;

E) Em 02-02-1017 foi elaborada informação junta a fls. 45 e 46, dos autos, nos termos da qual, considerou a AT, designadamente:

F) Em 02-02-2017 a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, e considerando a informação identificada no ponto anterior proferiu despacho:


G) Dos despachos de Qualificação da Conservatória do Registo Predial de Vouzela, resulta o seguinte:

(…) Foi requerida a “actualização” da inscrição da hipoteca voluntária (...) quanto ao montante assegurado pelas hipotecas (...).
Para tanto foram juntos para o registo dois ofícios do Serviço de Finanças de Lisboa 3 e uma declaração emitida pelo B…………., SA – os ofícios referidos, no entanto referem-se ambos à descrição n.º 405/20030401-AZ, freguesia de Charneca, pelo que omite a descrição n.º 958/19901218-C, freguesia de Lumiar, e por outro lado, não se compreende em que medida é que a natural redução do montante da dívida do empréstimo contraído junto de uma instituição bancária pode ter directa expressão na redução do montante assegurado pelas hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT - Autoridade Tributária Aduaneira, pelo que, não resulta claro qual a actualização que se pretenderia ver efectuada nas referidas inscrições de hipoteca voluntária, que elementos/valores se pretendia ver fixados nesses registos (redução em que sentido, de que valor, …).
Porém, ainda que assim não fosse, nunca o presente pedido de registo poderia ser efectuado com carácter definitivo – tanto porque qualquer alteração que houvesse a fazer quanto a uma hipoteca voluntária deveria seguir os requisitos de forma da própria hipoteca (e não foi junto qualquer título para o registo que os cumpra), como porque os elementos da hipoteca voluntária (fundamento, capital, existência de taxas de juro e seus montantes e montante máximo assegurado por esta) são fixados com o seu registo definitivo – qualquer alteração que modifique tais elementos, altera o próprio contrato, pelo que, nesse caso, se tratará de uma nova/outra hipoteca, e não já daquela.
Assim tem o presente registo de ser recusado.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Executado pediu a suspensão da execução fiscal (Por certo tendo manifestado a intenção de discutir a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda.) e, a fim de garantir a cobrança efectiva da dívida exequenda e do acrescido, ao abrigo do disposto no art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do n.º 1 do art. 169.º do CPPT, propôs-se constituir hipoteca sobre dois imóveis, sobre cada um dos quais estavam já registada hipoteca a favor de um outro credor (instituição bancária). Com o requerimento de prestação de garantia juntou declaração emitida pelo credor hipotecário comprovativa dos montantes ainda em dívida.
O órgão da execução fiscal, não obstante considerar que o valor patrimonial tributário de um dos prédios, mesmo tendo em conta a hipoteca preexistente, era suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, condicionou a aceitação da garantia à prévia alteração do registo da hipoteca já constituída sobre esse imóvel, designadamente quanto ao montante máximo assegurado.
O Executado reagiu contra a decisão que estabeleceu essa condição, mediante reclamação deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do CPPT, argumentando com a impossibilidade legal de proceder à pretendida alteração da inscrição da hipoteca preexistente no registo e com a indivisibilidade da hipoteca.
A Fazenda Pública contrapôs não ser impossível alterar o registo, designadamente actualizando o montante máximo assegurado, e que a indivisibilidade da hipoteca não obsta à sua redução. Mais argumentou que o valor do montante máximo assegurado pela hipoteca preexistente é muito superior ao valor patrimonial tributário do prédio, o que inviabiliza a aceitação da garantia oferecida.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu razão ao Executado. Para tanto, em síntese, considerou que «o valor reclamável pelo credor hipotecário em execução – e que logra prioridade na graduação de créditos, mercê da prioridade do registo –, é o do crédito garantido e não o do limite deste», devendo ser aquele valor, e não este, a ter em conta para apreciar a idoneidade da garantia oferecida; que o órgão da execução fiscal entendeu que a garantia oferecida é idónea e que a exigência de que fosse actualizada no registo a inscrição da hipoteca preexistente (reduzindo o montante assegurado aos montantes constantes da declaração emitida pela instituição bancária credora), porque não se destina a aferir da idoneidade, é ilegal.
A Fazenda Pública discorda da sentença. Em síntese, aceita que «face às declarações emitidas pelo “B…………., S.A.”, apresentadas pelo executado e ora reclamante, o órgão de execução fiscal considerou que da dedução ao valor patrimonial tributário do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 405 – fracção “AZ” (inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 1598) do montante constante de uma das referidas declarações emitidas por aquela entidade credora a título de ónus e encargos resultaria um montante suficiente para satisfação das quantias que se encontravam em dívida, à data do referido despacho, em ambos os processos de execução fiscal supra referidos», mas, apesar disso, que «para que a referida garantia seja considerada capaz de, em caso de incumprimento do reclamante e da necessidade de a executar, conduzir à efectiva cobrança dos créditos garantidos, será necessário que, através de registo público, oponível a terceiros, se faça reflectir essa mesma realidade (vide artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea h), 5.º, n.º 1 e 100.º, todos do Código do Registo Predial)».
Assim, a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento ao considerar que enferma de vício de violação de lei, a determinar a sua anulação, a decisão do órgão da execução fiscal que, aceitando embora como suficiente a garantia a prestar por hipoteca voluntária de imóvel do executado, condicionou a suspensão da execução à alteração no registo do montante máximo garantido pela hipoteca preexistente.

2.2.2 DO MONTANTE A CONSIDERAR COMO GARANTIDO POR ANTERIOR HIPOTECA QUANDO O EXECUTADO PRETENDE GARANTIR A DÍVIDA EXEQUENDA E O ACRESCIDO COM NOVA HIPOTECA SOBRE O MESMO BEM

A questão foi já tratada por este Supremo Tribunal em termos que merecem o nosso acordo no acórdão proferido em 14 de Dezembro de 2016, no processo com o n.º 1192/16 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/64c80b7c51be0a478025808e0043d27f.) e que, aliás, a sentença parece ter seguido de perto (Embora sem o citar.).
Vamos, pois, remeter para a fundamentação expendida naquela aresto, que reproduziremos, permitindo-nos apenas introduzir (sujeitando-as a um tipo de letra diferente) as alterações demandadas pelas circunstâncias do caso.
Antes do mais, note-se que no caso sub judice não está em causa a idoneidade stricto sensu da garantia oferecida, enquanto susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. Na verdade, o órgão da execução fiscal aceitou que a constituição da hipoteca é idónea para garantir o pagamento; no entanto, sujeitou a suspensão da execução fiscal a uma condição adicional, qual seja a alteração no registo do montante máximo garantido pela hipoteca preexistente. Seja como for, mais do que a questão semântica está em causa saber se o órgão da execução fiscal pode, ou não, recusar a aceitação da garantia por incumprimento da referida condição.
Como ficou dito no referido acórdão deste Supremo Tribunal:

«Resulta da alegação da recorrente que esta entende que, estando o imóvel oferecido em hipoteca onerado com anterior hipoteca registada para garantia de crédito resultante de mútuo até ao limite de € 308.206,94 seria este valor – o do limite – e não apenas o valor ainda em dívida (€ 196.461,54) acrescido dos juros até três anos (artigo 693.º, n.º 2 do Código Civil) e custas da execução, o valor a deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel oferecido em garantia para apurar da idoneidade desta para garantia da execução fiscal.
É manifesto, porém, ser esta alegação destituída de sentido, pois o valor reclamável pelo credor bancário em execução – e que logra prioridade na graduação de créditos, mercê da prioridade do registo –, é o do crédito garantido e não o do limite deste, daí que declarando o credor hipotecário que o seu crédito se encontra reduzido ao valor de € 196.461,54, será este o valor a ter em conta para apreciar da idoneidade da garantia oferecida, como bem decidido.
Tal resulta, desde logo, da acessoriedade da hipoteca em relação à obrigação por ela garantida, no sentido de que a hipoteca pressupõe a prévia existência de um direito de crédito, o qual vai garantir e implica que a hipoteca acompanhe a existência do direito de crédito garantido, assim como as suas vicissitudes, bem como que a garantia apenas se mantém enquanto se mantiver a respectiva obrigação garantida (cfr. PAULO MARQUES, Res Fiscalis – Os Direitos Reais na Actividade Tributária, Volume II, Ministério das Finanças e Administração Pública, Direcção-Geral dos Impostos – Centro de Formação, Lisboa, 2009, pp. 62 e 63).
Assim, estando o imóvel oferecido em hipoteca voluntária para garantia do crédito exequendo onerado com anterior hipoteca voluntária registada, para apurar da idoneidade da garantia haverá que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual daquele crédito garantido por hipoteca, e não o limite máximo daquela garantia, nos casos em que o credor assegura que o crédito garantido já foi parcialmente satisfeito.
Ora, considerando esse valor, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, e resultando do probatório fixado que o valor da garantia a prestar é de € 14.601,31, […] impõe-se concluir que a parte desonerada do imóvel dado em garantia é superior a esse valor, daí que deva concluir-se, como fez a sentença recorrida, que a garantia oferecida é idónea para assegurar o crédito da exequente e o acrescido».
Ora, se para apurar da idoneidade da garantia a prestar mediante hipoteca (() A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo e visa garantir não só o capital, como também os acessórios do crédito que constem do registo (cfr. arts. 686.º, n.º 1 e 693.º, n.º 1, do Código Civil), nomeadamente as despesas, juros e cláusula penal.) apenas há que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual do crédito garantido pela hipoteca preexistente, como aliás o reconheceu o órgão da execução fiscal, e não o limite máximo daquela garantia que consta da inscrição registral, não faz sentido condicionar a suspensão da execução fiscal à alteração da inscrição no registo predial do montante garantido pela hipoteca preexistente.
A sentença recorrida, que decidiu nesse sentido, não merece censura.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, sendo a I decalcada do sumário doutrinal do citado acórdão de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo n.º 1192/16:

I - Estando o imóvel oferecido em hipoteca voluntária para garantia do crédito exequendo onerado com anterior hipoteca voluntária registada, para apurar da idoneidade da garantia haverá que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual daquele crédito garantido por hipoteca, e não o limite máximo daquela garantia, nos casos em que o credor assegura que o crédito garantido já foi parcialmente satisfeito.

II - Em consequência, não pode o órgão da execução fiscal condicionar a suspensão da execução fiscal à alteração da inscrição no registo do montante garantido pela hipoteca preexistente.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 30 de Maio de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.