Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:037/16.8BECTB
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
IFAP - IP
RESCISÃO DE CONTRATO
Sumário:Não se justifica admitir recurso de revista de acórdão que decidiu questões específicas através de um discurso fundamentado e juridicamente plausível.
Nº Convencional:JSTA000P24047
Nº do Documento:SA120190111037/16
Recorrente:A.......
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCAS - IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar (art. 150º do CPTA)

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A…….., devidamente identificada, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1 do CPTA, do acórdão do TCA Sul, proferido em 28 de Junho de 2018, que revogou parcialmente a sentença proferida no TAF de Castelo Branco, e julgou totalmente improcedente a ACÇÃO ADMINITRATIVA ESPECIAL por si intentada contra o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS IP, onde pedia a anulação do despacho de 23-12-2015 do Presidente daquele Instituto que procedeu à rescisão unilateral do contrato e a devolução da totalidade dos pagamentos a título de subsídio, prémio de manutenção e prémio por perda de rendimento, no montante total de € 60.876,06.

Fundamenta a admissibilidade da revista na relevância jurídica e social das questões suscitadas, “porquanto a reflorestação do país e os apoios concedidos para a mesma deverão seguir regras e o respeito por determinadas condições concretas e materiais”, as instâncias divergiram e o MP também diverge das decisões proferidas. Acresce que, no processo n.º05631/09 foi proferida decisão pelo TCA Sul, em 10-1-2013, de forma diversa.

A entidade recorrida não contra-alegou.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os que constam da decisão recorrida, para onde se remete.

3. Matéria de direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.




3.2. A primeira instância julgou a acção parcialmente procedente, ou seja: a) manteve a decisão do Presidente do Conselho Directivo da entidade demandada, que foi notificada à autora pelo ofício n.º IFAP-DAS30622/2015, de 22/12/2015, no âmbito do processo n.º 6967/2015/PRV/DEV, na parte em que determina a rescisão unilateral do contrato e a restituição do valor que a autora recebeu a título de prémio de compensação por perda de rendimento entre os anos de 2008 e 2012 e b) anulou a decisão do Presidente do Conselho Directivo da entidade demandada, que foi notificada à autora pelo ofício n.º IFAPDAS30622/ 2015, de 22/12/2015, no âmbito do processo n.º 6967/2015/PRV/DEV, na parte em que determina a restituição do valor que a autora recebeu a título de subsídio, prémio de manutenção e prémio de compensação por perda de rendimento desde o início da execução do projecto e até ao ano de 2007 (inclusive).

3.2. Da decisão da primeira instância recorreram a autora e a entidade demandada, na parte em que respetivamente decaíram.

3.2.1. No recurso da autora o TCA Sul apreciou as seguintes questões: (i) falta de audiência prévia; (ii) falta de fundamentação; (ii) erro da entidade demandada ao rescindir o contrato, relativamente aos anos de 2008 a 2012. Julgou improcedente o recurso em todas as vertentes e, nessa parte, manteve a sentença recorrida.

3.2.2. No recurso da entidade demandada o TCA Sul apreciou o acerto da decisão recorrida, na parte em que considerou não haver obrigação de restituir os prémios recebidos até 2007. O acórdão recorrido perante a prova de que “as espécies instaladas ao abrigo do projecto (sobreiro e castanheiro) foram substituídas por um povoamento ordenado e predominante de pinheiro bravo” entendeu que a autora violou o disposto no art. 7º, n.º 1, al. C) da Portaria n.º 199/94, de 6 de Abril, na redacção introduzida pela Portaria 299/2012, de 1 de Outubro.

A primeira instância, relativamente a esta questão, entendeu que “a confiança entre as partes contratuais e a boa-fé na execução do contrato determinam que qualquer incumprimento verificado após 2007 não pode levar à obrigação de devolução das verbas que recebeu, quando a entidade demandada constatou in loco e até essa data o cumprimento das contra-prestações da autora”.

O TCA Sul afastou-se deste entendimento com o argumento de que os beneficiários sujeitam-se ao compromisso de manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes por um período de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição (art. 7º, 1, c) a Portaria 199/94, de 6 de Abril, na redacção da Portaria 299/2012, de 1/10). Donde, continua o acórdão recorrido, os pagamentos efectuados no âmbito das ajudas estarem sujeitos à verificação daquela condição; ou seja, à manutenção dos povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infraestruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos.

3.3. No presente recurso a autora insurge-se contra o acórdão do TCA Sul pugnando pela revogação do acórdão do TCA Sul e anulação da totalidade do despacho impugnado – despacho do Presidente do Conselho Directivo de 22-12-2015.

As questões relativas à falta de fundamentação e de audiência prévia, não justificam claramente a admissão da revista, uma vez que ambas as decisões se mostram em sintonia, fundamentadas de modo juridicamente plausível, sendo patente que a autora foi ouvida antes da decisão final (ponto 15 da matéria de facto) e pronunciou-se (ponto 16 no ponto 16 da matéria de facto) e, ao por em causa o acto impugnado, revelou adequado conhecimento da sua motivação de facto e de direito.

As questões suscitadas em torno da rescisão do contrato são essencialmente duas: (i) validade da rescisão do contrato por incumprimento; (ii) validade da ordem de restituição das quantias recebidas durante o período de tempo em que houve cumprimento do contrato, comprovado pela entidade demandada.

A primeira questão não justifica a admissão da revista, desde logo, por se tratar de matéria relativa e relevante apenas no presente caso, decidida, aliás, de modo coincidente em ambas as instâncias. E se é verdade que, em 11-9-2002 a autora solicitou alteração ao referido projecto, perante a “dificuldade em conseguir um normal desenvolvimento das espécies inicialmente aprovadas”, o certo é que nunca obteve autorização para tal. Por outro lado, o TCA referiu que o incumprimento não se deveu a causas exógenas, designadamente às condições da própria natureza elevada regeneração do pinheiro bravo, pois o que se provou foi um “povoamento ordenado de pinheiro bravo”. Assim, a natureza específica da questão e a maneira fundamentada e juridicamente plausível da decisão recorrida afastam a necessidade de intervenção do STA e, portanto, da admissão da revista.

A segunda questão – restituição das quantias recebidas até 2007 – dividiu as instâncias.

Todavia, julgamos que a mesma não justifica admissão de um recurso excepcional de revista, quer por se tratar também de uma questão sem grande relevância social e por se mostrar decidida de modo claramente plausível.

Em termos mais concretos a questão apreciada foi enunciada pelo TCA Sul, nos seguintes termos: “Pode o incumprimento verificado após 2007 levar à obrigação de devolução das verbas recebidas pela autora a título de subsídio, prémio de manutenção e de compensação por perda de rendimentos, desde o início de execução do projecto até esse ano, quando o IFAP,IP constatou in loco e até essa data o cumprimento das contraprestações?

O art. 7º, 1, c) da Portaria 199/94, de 6 de Abril, na redacção da Portaria 299/2012, de 1 de Outubro, diz-nos o seguinte:

“1 - Para efeitos de atribuição das ajudas previstas na presente portaria, os beneficiários devem comprometer-se, nomeadamente, a: (…) c) Manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infraestruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição;” Note-se que, a redação original do art. 7º, 1, c) da Portaria 199/94, de 6 de Abril era a igual (“c) Manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição”).

Perante os termos do citado art. 7º, 1, c), da Portaria 199/94, de 6 de Abril, a questão colocada não oferece grande dificuldade interpretativa, uma vez que decorre literalmente do transcrito preceito que o beneficiário da ajuda se compromete a manter o povoamento instalado ou beneficiado por um período mínimo de 10 anos. Entendimento que, para além de literal, corresponde à finalidade do regime instituído, qual seja o de manter a florestação – que justificou a ajuda por ser menos rentável – durante um período mínimo.

Portanto, estando provado que a autora, a partir de 2007 não manteve os povoamentos florestais instalados, está demonstrado que não cumpriu a obrigação de os manter e proteger durante aquele período mínimo de 10 anos. Perante esta realidade não tem apoio legal afastar a obrigação de restituir as ajudas recebidas até 2007, e, portanto, não se vê qualquer razão para que o STA reaprecie a questão.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Porto, 11 de Janeiro de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.