Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0499/09
Data do Acordão:10/14/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
PRAZO
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
AUTOLIQUIDAÇÃO
ERRO
Sumário:I - Em caso de erro na autoliquidação, como acontece quando o erro é cometido pelo contribuinte no apuramento da matéria colectável com base na respectiva declaração de rendimentos, será de dois anos o prazo para deduzir reclamação graciosa após apresentação dessa declaração (artigo 131.º, n. 1 do CPPT).
II - O erro na autoliquidação integra eventual erro de contabilização cometido na escrita do contribuinte e não apenas o erro de transcrição da contabilidade para a declaração onde é efectuada a autoliquidação.
Nº Convencional:JSTA00066021
Nº do Documento:SA2200910140499
Data de Entrada:05/07/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BEJA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - RECL ORDINÁRIA.
Legislação Nacional:CIRC88 ART83 N1 A.
CPPTRIB99 ART70 N1 ART131 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC585/04 DE 2004/09/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu da autoliquidação de IRC, constante da sua declaração periódica de rendimentos relativa ao exercício de 2002, no montante de € 54.685, 82, em consequência do que absolveu a FP do pedido, dela vem interpor o presente recurso, tendo formulando as seguintes conclusões:
i. A Douta Sentença recorrida ao fixar a matéria de facto, identificou que o subsídio do INGA no valor de € 76.912,09 foi lançado em duplicado na contabilidade da Recorrente: “ambas as partes estão de acordo que houve um erro por parte da contribuinte, que relevou duas vezes a mesma receita”;
ii. Mas, embora no mérito, a Douta Sentença recorrida reconhece os fundamentos do pedido da Recorrente, em questão prévia, detecta que a Reclamação Graciosa teria sido apresentada intempestivamente, nos termos do art.º 70°, n.º 1 do CPPT, o que constitui motivo para o julgamento da improcedência da acção;
iii. Porque o erro que gerou o aumento da base tributável e, consequentemente, o excesso de liquidação deriva de equívoco na autoliquidação, a norma aplicável quanto aos prazos, para os meios de defesa do contribuinte é o art. 131.° do CPPT;
iv. Logo, há erro de julgamento quanto à determinação da norma aplicável à presente situação, já que o regime geral previsto no art. 70, n.º 1 do CPPT é inaplicável in casu;
v. Efectivamente, quer a Reclamação Graciosa, quer a Impugnação Judicial foram atempadamente deduzidas, de acordo com o disposto no art.° 131.° do CPPT;
vi. Portanto, já que não há dúvidas que a Recorrente registou duas vezes a mesma receita como também cumpriu todos os prazos legalmente previstos para a revisão do acto de liquidação, é necessário reconhecer a procedência da acção, com a reforma da Douta Sentença Recorrida.
vii. Bem andaram o Digníssimo Representante do Ministério Público e o Representante da Fazenda Pública ao pugnar pela razão que assiste à Impugnante.
2 – A Fazenda Publica não contra-alegou.
3 – O Exmº Ministério Publico emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Defende a recorrente que o erro que gerou o aumento da base tributável e, consequentemente, o excesso de liquidação deriva de equívoco na autoliquidação.
Assim conclui que a norma aplicável quanto aos prazos para os meios de defesa do contribuinte é o art. 131.° do CPPT e não o regime geral previsto no art. 70, nº l do CPPT, inaplicável in casu, incorrendo a decisão recorrida em erro de julgamento quanto à determinação da norma aplicável.
Sendo que, quer a Reclamação Graciosa, quer a Impugnação Judicial foram atempadamente deduzidas, de acordo com o disposto no artº 131° do CPPT.
Afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
À situação em análise será aplicável o disposto no 131º nº 1 do CPPT que prevê que em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração
Ponto é que ocorra uma situação de autoliquidação,
Sendo por outro lado que por erro na autoliquidação se deverá entender também o eventual erro de contabilização cometido na escrita do contribuinte e não apenas o erro de transcrição da contabilidade para a declaração onde é efectuada a autoliquidação (cf. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.09.2004, recurso 585/04, in www.dgsi.pt).
E é isso que sucede no caso subjudice conforme decorre do probatório.
Não obstante a sentença recorrida, ignorando o alegado na petição inicial e o que consignou no respectivo relatório - no sentido de que a impugnante solicitara a reforma da autoliquidação - desconsiderou a aplicação daquele normativo e entendeu ser aplicável à situação subiudice o disposto no artº 70, nº 1 do CPPT, por força do disposto no artº 78 da Lei Geral Tributária.
Mas não andou bem já que estamos perante uma autoliquidação, cuja iniciativa pertence ao contribuinte por disposição legal (artº 83º, nº 1, al. a) do CIRC, redacção do Decreto-Lei n.º DL 198/2001- 3 de Julho), consubstanciada numa declaração acompanhada do respectivo meio de pagamento e cuja impugnação é regulada por procedimento próprio - artº 131º do CPPT.
Termos em que somos de parecer que o presente deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1°- Em 28/05/2003 a impugnante apresentou a declaração periódica de rendimentos (modelo 22) relativa ao exercício de 2002 - doc. 2 junto com a p. i..
2°- Em tal declaração declarou um lucro tributável de €270.614,48- doc. 2 junto com a p. i..
3°- O imposto no montante de € 54.685,82 foi pago em 13/10/2003 e, a sua data limite de pagamento era de 31/05/2003 - doc. 3 junto com a p. i..
4°- No âmbito da sua actividade a impugnante recebeu um subsídio do INGA no valor de € 76.912,09, que lançou na sua contabilidade em duplicado - docs. 4, 5, 6, 7 juntos com a p. i..
5°- A reclamação graciosa foi deduzida em 31/05/2004 - acordo das partes expresso nos articulados.
5- A sentença sob recurso, considerando aplicável à reclamação graciosa deduzida pela ora recorrente o prazo previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT e tendo em conta que o prazo para o pagamento do imposto terminava a 31/05/03, concluiu que essa reclamação, deduzida um ano depois (31/05/04- 5. do probatório), excedera o “prazo para a rectificação por essa via”.
Daí que mais tenha entendido que “apesar de não haver dúvidas que a contribuinte registou duas vezes a mesma receita, não pode a acção proceder por ter reagido tarde demais”, terminando por absolver a FP do pedido.
Insurgindo-se contra o decidido, vem a recorrente, no essencial, defender que a norma aplicável ao prazo para a dedução da reclamação graciosa, em caso de erro na autoliquidação, seria o previsto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT (dois anos após a apresentação da declaração), donde resultaria a tempestividade dessa reclamação, e não o decorrente do regime geral previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT.
É patente que a razão se encontra do lado da recorrente, uma vez que a sentença incorre em erro de julgamento na determinação da norma aplicável.
De facto, em caso de erro na autoliquidação, como acontece na situação em apreço em que o erro foi cometido pelo contribuinte no apuramento da matéria colectável com base na respectiva declaração de rendimentos (artigo 83.º n.º 1, alínea a) do CIRC), será aplicável o estabelecido no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT que prevê que a impugnação será precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico da administração tributária, no prazo de dois anos após a declaração.
Será essa a norma especial aplicável ao caso e não o regime geral previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT.
Ora, acontece que tendo a ora recorrente apresentado a declaração periódica de rendimentos em 28/05/03 e deduzido a reclamação graciosa a 31/05/04 (1. e 5. do probatório), foi respeitado o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do artigo 131.º para a dedução dessa reclamação.
Falece deste modo o fundamento jurídico que na sentença recorrida suportou a improcedência da impugnação.
Importa, em seguida, conhecer da questão de mérito suscitada no pedido impugnatório, cujo conhecimento na instância foi prejudicado em resultado da solução dada ao litígio, sendo certo que nada obsta ao conhecimento dessa questão e os autos dispõem dos elementos necessários (artigo 715.º n.º 2 do CPC).
Como assim, tendo sido dado como assente no n.º 4. do probatório que “no âmbito da sua actividade a impugnante recebeu um subsídio do INGA no valor de € 76.912,09, que lançou na sua contabilidade duas vezes” e sendo certo que deve entender-se que esse erro de contabilização cometido na escrita da ora reclamante, implicando necessariamente um erro de quantificação do facto tributário, integra o conceito de erro na autoliquidação constante do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT (cfr. acórdão de 29/09/04, no recurso n.º 585/04), impõe-se a correcção dessa autoliquidação e consequente devolução do imposto pago em excesso (3. do probatório), como pretende a recorrente.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação judicial e, em consequência, anular a autoliquidação impugnada, no concernente à verba duplicada.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Outubro de 2009. - Miranda de Pacheco (relator) - Pimenta do Vale - Isabel Marques da Silva.