Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0703/10
Data do Acordão:01/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:LITISPENDÊNCIA
PRESCRIÇÃO
RECLAMAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Sumário:I - A excepção de litispendência, como a de caso julgado, tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 497.º do CPC), o que sempre pressupõe a repetição de uma causa, com tradução no facto de entre as mesmas partes haver uma nova acção, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
II - Não se verificam os requisitos da excepção de litispendência no caso da questão da prescrição das mesmas obrigações tributárias constituir o objecto duma reclamação de decisão de órgão de execução fiscal e ser suscitada em alegações para o TCA, produzidas em sede de recurso jurisdicional interposto de decisão judicial que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC relativas a essas obrigações tributárias.
III - A suspensão da instância até que o TCA profira decisão a respeito dessa prescrição não se compatibiliza com a natureza urgente e efeito suspensivo da reclamação (artigo 278.º do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P12498
Nº do Documento:SA2201101120703
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1-“A...”, com os sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, julgando procedente a excepção dilatória de litispendência, absolveu a Fazenda Pública da instância na reclamação que fora deduzida do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira que dera por não verificada a prescrição das dívidas de IRC dos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997, formulando as seguintes conclusões:
1. A invocação da prescrição no Recurso que se encontra pendente no Tribunal Central Administrativo e na reclamação objecto do presente Recurso não é susceptível de conduzir à litispendência;
2. Na verdade, a existência de um recurso onde a questão da prescrição foi levantada não impede que a mesma seja suscitada num outro processo, uma vez que não se verifica a identidade do pedido e da causa de pedir a que se referem os números 3 e 4 do artigo 498° do Código do Processo Civil;
3. A causa de pedir no processo que se encontra em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul é a ilegalidade das liquidações adicionais, cuja anulação se pede ao abrigo do disposto no artigo 99° e seguintes do Código de Procedimento e do Processo Tributário, enquanto que a causa de pedir no processo objecto do presente recurso é a prescrição das próprias dívidas de imposto, ao abrigo do estatuído nos artigos 48° e 49° da Lei Geral Tributária;
4. Enquanto que o recurso interposto da improcedência da impugnação judicial visa a anulação das liquidações de imposto com fundamento em ilegalidade, a reclamação objecto do presente Recurso visa a extinção das execuções, em função da verificação da prescrição como forma de extinção das dívidas de imposto, em conformidade com as disposições legais anteriormente referidas;
5. O facto de não ter sido invocada a prescrição na impugnação judicial pode levar a que o Tribunal Central Administrativo venha a entender que, ao abrigo do disposto no artigo 684° do Código de Processo Civil, o recurso extravasa o âmbito da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé;
6. Se o Tribunal Central Administrativo vier a entender que o recurso extravasa efectivamente o âmbito da sentença, pelo facto de não ter sido invocada anteriormente a prescrição, não conhece a excepção suscitada e a recorrente, em função da litispendência sustentada pelo Tribunal a quo, fica irremediavelmente impedida de invocar tal excepção num processo e no outro;
7. Acresce que a argumentação apresentada pela recorrente na reclamação apresentada não assenta unicamente na questão da prescrição, uma vez que também aí é levantado o problema da inconstitucionalidade, face aos artigos 20° e 204° da Constituição da República Portuguesa, do n° 2 do artigo 49° da Lei Geral Tributária, norma utilizada pela Administração Fiscal para sustentar a inexistência da referida prescrição;
8. A questão da inconstitucionalidade não pode ficar prejudicada, sob pena de violação dos artigos da Constituição anteriormente referidos, pela eventual existência de litispendência, tendo em conta que esta é meramente parcial pelo facto de ter sido invocado um outro vício, que é a inconstitucionalidade;
9. A eventual existência de litispendência, a par da invocação da inconstitucionalidade, não pode conduzir à absolvição da instância, determinando, ao abrigo do disposto na alínea e) do no 1 do artigo 276° e do n° 1do artigo 279°, ambos do Código do Processo Civil, a suspensão da instância até que o Tribunal Central Administrativo tome uma decisão;
10. A recorrente não pode ficar a aguardar que o Tribunal Central Administrativo conheça ou não da prescrição, sob pena de ser confrontada com a excepção do caso julgado que entretanto se forma ao abrigo do artigo 497° do Código do Processo Civil, aquando da apresentação de uma nova reclamação, ao abrigo do artigo 276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
11. A absolvição da instância retira à recorrente não só a possibilidade de discutir a questão da prescrição como também a questão da inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa;
12. É que, tendo presente o estatuído no n° 1 do artigo 70° da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade apenas pode ser discutida se houver uma decisão de um outro Tribunal já transitada em julgado que aplique a norma cuja inconstitucionalidade foi sido suscitada durante o processo.
2- A Fazenda Pública contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
a) A excepção de litispendência pressupõe a repetição duma causa, a qual existe quando são idênticos, nas duas acções, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, para evitar que o Tribunal seja colocado na situação de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, nos termos das disposições legais supra referidas (Vide Ac. do STJ de 1997/07/03, proc. 359/96, 2 .ª Secção e de 1999/04/29, proc. 2.ª Secção);
b) A identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico concreto que emerge o direito do Autor (nestes autos impugnante/reclamante), nos termos do n. 4 do Art.º 498.º do CPC e a identidade dos pedidos ocorre quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, conforme prevê o n.3 do Art.º 498. do CPC;
c) E, para que ocorra identidade do pedido entre duas acções não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, basta que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas (Vide Calvão da Silva, in “Estudos de Direito Civil e Processual Civil’ 1996, pág. 234);
d) Em ambas as acções, os pedidos são idênticos, porque em ambos se peticiona a declaração de prescrição da dívida tributária, independentemente da prescrição em sede de impugnação só ter sido alegada na fase de recurso e a causa de pedir reporta-se aos factos materiais e concretos que integram o facto jurídico que serve de fundamento ao pedido, que nestas 2 acções também é idêntica (Vide Ac. do TCA do Sul, 2010/04/27, proc. 03954/10);
e) Contrariamente às conclusões 2. e 3. do recurso, os vícios alegados em ambas as acções conduzem ao mesmo efeito jurídico que é a inexigibilidade da dívida e a sua impossibilidade de cobrança coerciva, por efeito duma “eventual” declaração de prescrição das dívidas exequendas pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, ou seja, a Administração Tributária estaria impossibilitada de cobrar as dívidas e teria que necessariamente declarar a extinção dos processos executivos, com a consequente anulação do imposto (IRC) aqui em causa;
f) O argumento da conclusão 6. do recurso também não procede porque o Mm.º Juiz “a quo” não tem que efectuar o julgamento de todos os factos alegados, antes lhe cumprindo seleccionar, de entre aqueles e de entre os que lhe seja lícito conhecer oficiosamente, os que interessam à decisão da causa, à luz das diversas soluções de direito plausíveis (Cfr. Art.º 511.º n.1 do CPC);
g) Assim sendo, ambas as acções são idênticas quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, verificando-se a excepção de litispendência, como bem entendeu o Mm.º Juiz “a quo” na douta sentença recorrida, sendo de manter a mesma por correcta interpretação e aplicação das normas legais dos Art.ºs 497.º e 498.ºdo CPC.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“A questão objecto do presente recurso consiste em saber se se verifica a excepção de litispendência por se encontrar pendente no Tribunal Central Administrativo Sul um recurso no qual foi invocada a prescrição das dívidas tributárias decorrentes das liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1994 a 1997, dívidas essas cuja prescrição foi também invocada nos presentes autos de recurso de decisão do órgão de execução fiscal, sendo aliás esse o único fundamento neles alegado.
Alega a recorrente que não se verifica a excepção de litispendência porquanto a existência de um recurso onde a questão da prescrição foi levantada não impede que a mesma seja suscitada num outro processo.
E que a causa de pedir num processo e no outro não são coincidentes, uma vez que no processo que se encontra em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul o que está em causa é a ilegalidade das liquidações adicionais, cuja anulação se pede, enquanto que no processo objecto do presente recurso, a causa de pedir diz respeito às próprias dívidas de imposto.
Mais alega que a argumentação apresentada por si apresentada na reclamação não assentava unicamente na questão da prescrição, uma vez que também aí era levantado o problema da inconstitucionalidade de uma norma utilizada pela Administração Fiscal para sustentar a inexistência da anteriormente referida prescrição;
E que, em todo o caso, a eventual existência de litispendência a par da invocação da inconstitucionalidade não pode conduzir à absolvição da instância mas sim à suspensão da instância.
Afigura-se-nos que o recurso merece parcial provimento, nomeadamente quanto ao pedido de suspensão da instância.
Vejamos: a excepção de caso julgado, como a de litispendência, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, pressupondo, pois, a repetição de uma causa (artigo 497.º números 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Decorre do artº 498.º, n 1 do Código de Processo Civil que a causa se repete quando, entre as mesmas partes, há nova acção com o mesmo objecto, isto é, com o mesmo pedido fundado na mesma causa de pedir) — ver neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol 2, pág. 318
Como esclarecem aqueles autores (ob. cit. Pag. 319), basta, pois, a identidade dos sujeitos (n .º2) e a identidade do pedido, independentemente de quem é autor e réu e de quem afirma a situação jurídica ou a situação de facto e requer a consequente, providência judicial.
Verifica-se identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (artigo 498.º CPC).
No caso subjudice é manifesto que se verifica a identidade de sujeitos, pois as partes são as mesmas.
Por outro lado ocorre também identidade de causa de pedir, já que, tanto nos presentes autos de reclamação como no recurso interposto no Tribunal Central Administrativo Sul se alega o mesmo fundamento — a prescrição da obrigação tributária (embora neste último a par de outros). E os pedidos são substancialmente idênticos, já que, quer nos presentes autos, quer no recurso interposto se pede a declaração de prescrição da obrigação tributária.
Sucede porém que, ao contrário do que sucede no processo de execução fiscal (art1752 do Código de Procedimento e Processo Tributário), a prescrição não constitui questão de conhecimento oficioso no âmbito do processo de impugnação.
Há, no entanto que considerar que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir que no processo de impugnação de dívida tributária ou aduaneira a prescrição, pese embora não seja de conhecimento pode vir a ser conhecida se se verificar inutilidade superveniente da lide.
A fundamentação de tal jurisprudência assenta no entendimento de que «decorrido o prazo de prescrição, em casos deste tipo, o impugnante deixa de ter qualquer interesse na anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado, pois, mesmo sem esta anulação ou declaração, não poderá ser obrigado a pagar coercivamente a quantia que é objecto do acto impugnado».
Daí que se entenda que, perante a possibilidade da prescrição vir a ser declarada no âmbito do recurso interposto, poderá a solução a adoptar no presente processo depender do que ali vier a ser decidido.
Assim, e até por uma questão de economia processual, justifica-se a suspensão da instância no presente processo, ao abrigo da parte final do n.º 1 do art. 279.º do Código de Processo Civil.
Para além de se garantir, em sintonia com o princípio do direito à tutela judicial efectiva, reconhecido no art. 20.º, n.º 1, da CRP, que nenhum dos pedidos deixa de ser apreciado por razões derivadas da litispendência — ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.11.2010, recurso 575/10, in www.dgsi.pt em que se tratou caso com alguma similitude ao dos presentes autos.
Nestes termos somos de parecer que o recurso merece parcial provimento, ordenando-se a suspensão da instância até que se verifique se o Tribunal Central Administrativo tomou conhecimento no recurso da suscitada questão da prescrição da obrigação tributária.”
Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
4- A decisão recorrida considerou assentes as seguintes ocorrências processuais:
A) — Com base na certidão de dívida n.° 48950, foi instaurado, em 10/05/2000, o presente processo de execução fiscal contra a ora Reclamante para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 1994, cfr. fls. 2.
B) — Com base na certidão de dívida n.° 63814, foi instaurado, em 02/06/2000, o processo de execução fiscal n.° 1007001054309, contra a ora Reclamante para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 1995, cfr. fls. 2 do mesmo processo, em apenso.
C) — Com base na certidão de dívida n.° 63816, foi instaurado, em 02/06/2000, o processo de execução fiscal n.° 100700105432.5, contra a ora Reclamante para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 1996, cfr. fls. 2 do mesmo processo, em apenso.
D) — Com base na certidão de dívida n.° 63818, foi instaurado, em 02/06/2000, o processo de execução fiscal n.° 1007001054341, contra a ora Reclamante para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 1997, cfr. fls. 2 do mesmo processo, em apenso.
E) — Por termo de 22/10/2003, foram apensados aos presentes autos os processos de execução fiscal a que se referem as antecedentes alíneas, cfr. fls. 26.
F) — Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, de 11/05/2010, foi indeferido o pedido de declaração da prescrição das dívidas exequendas referentes aos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997, cfr. fls. 621 a 628.
G) — A Executada ora Reclamante, inconformada, reclamou para este Tribunal pedindo se determine “a prescrição das dívidas tributárias referentes aos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997”, com os fundamentos que constam das conclusões acima transcritas, cfr. fls. 667 a 700.
H) — A ora reclamante, em 19/04/2005, apresentou impugnação judicial das liquidações adicionais de IRC referentes aos anos de 1994, 1995, 1996 e 1997, que foi registada sob o n.° 201/05.5BELLE, consultável no SITAF.
1) — Por sentença de 25/06/2009, foi julgada improcedente a impugnação a que se refere a alínea anterior.
J) — Inconformada a ora Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que foi admitido.
K) — Nas alegações do recurso a que se refere a alínea anterior a ora reclamante suscitou a questão da prescrição, conforme resulta das conclusões LXIII a LXXI, consultáveis no SITAF e que se transcrevem:
«LXIII. Acresce, finalmente, que as dívidas decorrentes das liquidações adicionais efectuadas pela Administração Fiscal se encontram prescritas.
LXIV. A prescrição, como resulta da lei é de conhecimento oficioso, sendo certo que a douta sentença não efectuou qualquer juízo a esse propósito.
LXV De acordo com o disposto no n° 1 do artigo 48° da Lei Geral Tributária as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se ver (ficou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
LXVI. O artigo 340 do Código de Processo Tributário, por seu lado, dispunha, nos números 1 e 2, que a obrigação tributária prescreve no prazo de dez anos, contando-se o prazo de prescrição desde o início do ano seguinte aquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
LXVII. Independentemente da aplicação do Código de Processo Tributário ou do regime da Lei Geral Tributária, o prazo de prescrição começa a correr sempre em função da verificação do facto tributário.
LXVIII. Os factos tributários dizem respeito aos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997 e as reclamações graciosas e a impugnação judicial estiveram paradas, por motivo não imputável à requerente, por mais de um ano, pelo que já ocorreu a prescrição em relação a todas as obrigações tributárias.
LXIX Na verdade, a contagem do prazo de prescrição iniciou-se, respectivamente, em 1995, 1996, 1997 e 1998, não se tendo verificado a existência de qualquer interrupção ou suspensão até ao final do mio de 1999.
LXX Na verdade, levando em linha de conta o acórdão de 22 de Outubro de 1997, do Supremo Tribunal Administrativo (Recurso no 21813), a prescrição refere-se à obrigação tributária, independentemente de esta estar ou não liquidada e de o estar bem ou mal, reportando-se o início do seu prazo ao momento do facto tributário.
LXXI. A prescrição, que é de conhecimento oficioso, pode ser suscitada pelas partes e conhecida pela Administração Fiscal, em conformidade com o disposto no artigo 175° do Código de Procedimento e do Processo Tributário.»
5- Confrontada com o facto da questão da prescrição das obrigações tributárias de IRC relativas aos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997 constituir o objecto substantivo da presente reclamação e dessa mesma questão ter sido suscitada pela ora recorrente em sede de alegações dirigidas ao TCA Sul de recurso jurisdicional interposto de sentença de improcedência da impugnação judicial deduzida das correspondentes liquidações, a decisão sob recurso concluiu pela verificação do requisitos da excepção de litispendência e daí que tenha absolvido da instância a Fazenda Pública.
Diga-se desde já que tal a decisão não é de manter.
Vejamos.
A excepção de litispendência, como a de caso julgado, tem “por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497.º do CPC), o que sempre pressupõe a repetição de uma causa, com tradução no facto de entre as mesmas partes haver uma nova acção, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
Como se deixou expresso no acórdão de 10/11/10, no recurso n.º 575/10, -“A sua justificação encontra-se, por um lado, na inconveniência para o prestígio dos tribunais que resulta da contradição de decisões sobre
a mesma questão jurídica e, por outro lado, na inutilidade que consubstanciaria a prolação de decisões com idêntico ou contraditório conteúdo decisório, pois apenas a que transitasse em julgado em primeiro lugar poderia ser objecto de execução (art. 675., n. 1, do CPC).
O que se pretende é evitar essa situação real de o Tribunal ser colocado em situação em que terá de proferir mais que uma decisão sobre a mesma pretensão, pelo que não basta para se concluir pela existência de litispendência, a possibilidade teórica e abstracta de o Tribunal poder vir a ser colocado nessa situação, sendo antes necessário que seja seguro que o Tribunal virá a ser efectivamente colocado perante a indesejada alternativa de contradizer ou reproduzir uma outra decisão judicial.”
Ora, no caso que nos ocupa, sendo incontroverso que as partes são as mesmas, a diferente natureza e finalidade dos meios processuais utilizados e em confronto, inevitavelmente conduzem á inverificação dos restantes requisitos da litispendência.
Na verdade, a prescrição das obrigações tributárias causa de pedir da reclamação, a par duma questão de inconstitucionalidade arguida, visa a extinção do processo de execução fiscal que fora instaurado, sendo essa questão em todo estranha aos fundamentos (causa de pedir) invocados na impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC e tendentes à respectiva anulação, tendo apenas sido suscitada em sede de alegações para o TCA produzidas no recurso jurisdicional interposto da decisão que a julgara improcedente, prescrição essa que releva tão só em termos de apuramento de eventual inutilidade da lide, não contendendo com o conhecimento das questões de mérito suscitadas nesse recurso.
Sendo assim, inexistindo identidade de causa de pedir e pedido, não ocorre a verificação dos requisitos da excepção de litispendência, não podendo, deste modo, manter-se a decisão recorrida.
Todavia, o risco de serem proferidas decisões contraditórias sobre a questão da prescrição persiste, pelo que importa evitar que tal aconteça, pese embora a eventual decisão que venha a ser proferida no TCA sobre a prescrição não constitua caso julgado fora do respectivo processo, já que proferida a título meramente incidental em termos de inutilidade da lide
De todo o modo, a suspensão da instância até que o TCA profira decisão a respeito da prescrição das obrigações tributárias, como propugna o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, sempre não se mostraria como adequada e mesmo compatível com a natureza urgente e efeito suspensivo da presente reclamação (artigo 278.º do CPPT), tendo em conta que não é possível antecipar a data em que tal venha a acontecer.
Por outra parte, também nada garante que o TCA perfilhe o entendimento que o conhecimento da prescrição seja oficioso em sede de impugnação judicial, já que tal questão apenas surge em sede de alegações de recurso jurisdicional.
Neste contexto, tendo como propósito assegurar uma efectiva tutela jurisdicional efectiva do direito da recorrente ao conhecimento na via contenciosa da questão da prescrição (artigo 20.º n.º 1 da CRP) e, paralelamente, evitar julgados contraditórios, tanto quanto possível, impõe-se a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de ser proferida decisão sobre a questão da prescrição suscitada na reclamação, assim como da inconstitucionalidade arguida, do que deverá ser remetida certidão ao TCA.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, baixando os autos ao TAF de Loulé para os fins acima enunciados.
Custas pela recorrida Fazenda Pública, dado que contra-alegou.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011. - Miranda de Pacheco (relator) - Pimenta do Vale - António Calhau .