Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:075/21.9BELSB
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CONTRA-INTERESSADO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071451
Nº do Documento:SA120220505075/21
Data de Entrada:03/17/2022
Recorrente:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE .....
Recorrido 1:A....., UNIPESSOAL, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CRP ART20 ART268 N4
CPC ART3 N3
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

A………, UNIPESSOAL, LDA. e B….., S.L. SOCIEDAD UNIPERSONAL, devidamente identificadas nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), contra a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ……, indicando como Contrainteressadas: C……….., LDA., D……, SA, E…… LDA., F………, UNIPESSOAL, LDA, G…….., LDA, Agrupamento de empresas da H….., LDA. e da I……, LDA., J……, LDA., K……, LDA., L….., LDA. e M……, UNIPESSOAL, LDA., acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual, peticionando:
i) Ser declarada nula ou anulada a decisão de exclusão da proposta das Autoras, Lote 1 e Lote 2, por inquinada pelos vícios de violação de lei, falta de cumprimento de formalidades prescritas na lei, violação do princípio da igualdade, falta de pronúncia do júri do procedimento, violação das regras/normas constantes do Programa do Concurso e falta de fundamentação e, consequentemente;
ii) Ser declarada nula ou anulada a decisão de adjudicação proferida pelo Provedor da SCM… no âmbito do Concurso Público “20DC39CPI031 - Apuramento de 2020 e 2021 do justo valor dos prédios urbanos e rústicos e de atividade da SCM…” a favor da contrainteressada C…….., LDA., Lote 1 e Lote 2, por ilegal exclusão da proposta das Autoras e inquinada pelos vícios de violação de lei, falta de cumprimento de formalidades prescritas na lei, violação do princípio da igualdade, falta de pronúncia do júri do procedimento, violação das regras/normas constantes do Programa do Concurso e falta de fundamentação;
iii) Ser anulado o Contrato, se entretanto celebrado, por vícios decorrentes do procedimento pré contratual;
iv) A condenação da Entidade Demandada a praticar os atos necessários à sanação dos alegados vícios e à adoção dos atos e operações necessárias para reconstruir a situação que existiria e dar cumprimento aos deveres que alegadamente não tenha cumprido com fundamento nos atos impugnados, em particular no que diz respeito ao Lote 1;
v) A condenação da Entidade Demandada a adjudicar às Autoras a Aquisição de Serviços que se discute nos presentes autos por ser a proposta economicamente mais vantajosa, com todas as consequências legais, em particular no que diz respeito ao Lote 2;
vi) Ser o Entidade Demandada condenada no pagamento das custas e demais encargos com o processo.
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Por decisão do TAC de Lisboa, de 13 de Julho de 2021, foi decidido julgar a presente ação administrativa especial procedente e, em consequência:
a) anulada a decisão de exclusão da proposta das Autoras, aos Lotes 1 e 2;
b) anulada a decisão de adjudicação proferida pela Entidade Demandada, a favor da contra-interessada C…….., Lda., para os Lotes 1 e 2;
c) condenada a entidade demandada a adotar os atos e operações necessários a reconstituir a situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados, concretamente conferindo à Autora a oportunidade de esclarecer o preço proposto para os serviços atinentes ao Lote 1 e analisando o atributo preço da proposta em consonância com os esclarecimentos que venham eventualmente a ser apresentados;
d) condenada a Entidade Demandada a adjudicar às Autoras a aquisição de serviços objeto do procedimento quanto ao Lote 2, por ser a economicamente mais vantajosa.
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A entidade demandada e a adjudicatária C…….., Ldª, inconformadas, apelaram para o TCA Sul da sentença proferida pelo TAC de Lisboa e este, por acórdão proferido a 02 de Dezembro de 2021, negou provimento a ambos os recursos e confirmou a sentença recorrida.
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A Santa Casa da Misericórdia de …., interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«a) O Acórdão recorrido padece de erros de direito que, por terem constituído o fundamento para se decidir como decidiu, pedem uma revisão;
b) A Recorrente pede a admissão da presente Revista porque o Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do disposto no art 615º, nº 1, al d) do CPC ex vi arts 1º e 140º, nº 3 do CPTA; 1º do CPTA, nos termos da qual a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
c) o Acórdão do TCA julgou que não se verificou qualquer omissão de pronúncia, que o facto de o Tribunal abordar a questão (sem a julgar, conforme era pedido pela contrainteressada) afastaria a aventada nulidade da sentença (ou do acórdão) com esse fundamento, e que o juízo analítico do Tribunal deve ser restrito ao conteúdo concreto do ato impugnado e não a fundamentos externos.
d) A SCM… alega que o entendimento sufragado pelo TCA Sul no aresto ora recorrido padece de erro de direito, quanto ao argumento de que, no âmbito de uma ação de contencioso pré-contratual, não relevariam as causas de exclusão de propostas da Autora invocadas em sede de contestação porque as mesmas não integrariam o conteúdo concreto do ato impugnado.
e) Numa ação de contencioso pré-contratual o respetivo objeto não é apenas o ato de adjudicação, habitualmente impugnado, mas sim o ato complexo no qual se contêm as decisões procedimentais do júri, entre elas, os juízos classificativos das propostas dos concorrentes admitidos e graduados.
f) Se assim não fosse, os contrainteressados nessas ações, (o adjudicatário e os demais concorrentes) que devem ser notificados para, querendo, apresentar contestação, mesmo sendo partes na ação, teriam de limitar artificialmente os fundamentos da contestação e estariam impedidos de sindicar os juízos classificatórios do júri do procedimento por os mesmos serem laterais ao ato de adjudicação impugnado.
g) Assim, se tais juízos classificativos não pudessem nem ser direta nem indiretamente impugnados pelo adjudicatário e demais concorrentes graduados abaixo na grelha classificativa do concurso, os mesmo solidificavam-se na ordem jurídica e isso traduz-se no cerceamento do direito a uma tutela judiciária efetiva.
h) Até porque o adjudicatário não assume a iniciativa do impulso processual inicial tendente à correção (judicial) dos juízos classificatórios do júri em relação a propostas concorrentes graduadas abaixo da sua por falta de interesse em agir ou mesmo por falta de legitimidade processual, pelo que o direito de sindicar a classificação por erros valorativos assacáveis ao júri deixa de ser exercitável, fazendo letra morta da tutela judiciária efetiva constitucionalmente garantida (cfr. arts. 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa).
i) Sob pena de se solidificarem na ordem jurídica, tais juízos classificativos devem poder ser indiretamente impugnados pelo adjudicatário e demais concorrentes graduados abaixo na grelha classificativa do concurso, pois que, caso contrário, estamos perante um cerceamento abusivo do direito à tutela judiciária efetiva pedida porque o adjudicatário não assume a iniciativa do impulso processual tendente à correção (judicial) dos juízos classificatórios do júri em relação a propostas concorrentes graduadas abaixo da sua por falta de interesse em agir ou mesmo por falta de legitimidade processual.
j) Pelo que o direito de sindicar a classificação de propostas em procedimento de contratação pública por erros valorativos da responsabilidade do júri deixa de ser exercitável, fazendo letra morta da tutela judiciária efetiva constitucionalmente garantida (cfr. arts. 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa).
k) A polémica matéria pode suscitar-se noutros processos e trata-se de uma questão de extrema relevância jurídica para todo o panorama da contratação pública e extremamente relevante para os tribunais, pelo que urge esclarecer a mesma e assim diminuir a litigância e a pendência noutros diferendos, sob pena de os direitos de defesa (e de contraditório) e de acesso à Justiça, sob a vertente da tutela judiciária, efetiva ficarem em xeque.
l) Pode mesmo dizer-se que esta questão é suscetível de surgir em qualquer ação de contencioso pré-contratual relativa a impugnação de uma decisão de adjudicação num procedimento concursal (de qualquer tipo) em que tenham apresentado proposta dois ou mais concorrentes.
m) O âmbito geral e carácter transversal desta questão é, entende-se, suficientemente demonstrativo da sua importância fundamental, pela sua relevância jurídica.
n) A sentença, confirmada pelo Acórdão recorrido, adota uma conceção que colide com os princípios constitucionais da legalidade e tutela efetiva, assim como o princípio da igualdade (substancial) das partes, e ao colidir com estes princípios, um deles fundamental e estruturante na conformação da atuação dos Tribunais e da Administração Pública; os outros, fundamentais e estruturantes do próprio Estado de Direito, não só se confirma que estamos perante uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, como também se observa que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, isto é, uma que não colida com princípios fundamentais da República Portuguesa.
o) Sinal evidente de que a sentença padecia de omissão de pronúncia é que Tribunal a quo, por despacho de 02.09.2021, ou seja, por despacho proferido depois da prolação da sentença, vem debruçar-se sobre a matéria da omissão de pronúncia.
p) Tendo-se referido que o Tribunal não se absteve de tomar posição sobre tais questões, nem se furtou de justificar a abstenção de conhecimento, o Acórdão recorrido esta inquinado porque, tirando o caso de se poder entender que a não decisão se traduz numa forma de decisão, a SCM… alega que essas questões não foram decididas e que isso configura um caso de omissão de pronúncia que não foi devidamente sancionado.
q) Motivo pelo qual o Acórdão do TCA Sul, com todo o respeito, fez errada interpretação do art. 615º, nº 1, al d) do CPC ex vi arts. 1º e 140º, nº 3 do CPTA.
r) Por outro lado, a SCM… alega que o entendimento vertido no Acórdão recorrido se traduz numa diminuição das garantias de defesa e da tutela jurisdicional efetiva dos administrados (cfr. arts. 3º, nº 3, do CPC ex vi art. 1º do CPTA, e arts. 20º e 268º, nº 4, da CRP).
s) O facto de não se ter admitido que fossem efetivamente julgadas as causas de exclusão de propostas invocadas (em sua defesa) pelo contrainteressado faz com que o Acórdão recorrido peque por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
t) Desde logo, a contrainteressada ficou impedida ilegalmente de poder influenciar a decisão final, o que faria mediante a decisão pelo Tribunal das causas de exclusão imputadas por si à proposta da Autora que tinha sido graduada em segundo lugar no concurso.
u) Se os juízos classificativos não pudessem ser nem direta nem indiretamente impugnados pelo adjudicatário e demais concorrentes graduados abaixo na grelha classificativa do concurso, os mesmo solidificam-se na ordem jurídica, o que se traduz no cercear do direito a uma tutela judiciária efetiva que a Constituição confere a todos os cidadãos.
v) Estima-se, se a presente Revista não for admitida, um enorme aumento de litigância, pois os adjudicatários ver-se-ão forçados a intentar ações de contencioso pré-contratual sempre que, por exemplo, discordem, ainda que ligeiramente, da decisão tomada pelo júri sobre propostas graduadas abaixo das deles ou até excluídas; se não concordam com a admissão ou pontuação de uma proposta graduada pelo júri abaixo da deles, se consideram que existem motivos adicionais ou que a exclusão da proposta deve assentar em motivos diferentes dos utilizados pelo júri, terão de intentar a competente ação de contencioso pré-contratual, sob pena de não o puderem fazer, ou melhor, da sua alegação no devido tempo processual (em eventual ação a ser intentada por um dos concorrentes cuja proposta foi ordenada abaixo da do adjudicatário) ser desconsiderada e se virem privados de uma tutela efetiva dos seus direitos.
w) Ou pode dar-se nestas circunstâncias, por outro lado, uma erosão completa do princípio da tutela efetiva e da legalidade: condenando a entidade adjudicante a efetuar a adjudicação ao autor da ação, abstendo-se de conhecer eventuais causas de exclusão oportunamente alegadas durante a tramitação do processo judicial, ficam os contrainteressados privados de recorrer aos tribunais para o exercício dos seus direitos (mesmo que intentem preventivamente ações de contencioso pré-contratual, dificilmente as mesmas não culminarão numa decisão de absolvição da instância por falta de interesse processual (ou interesse em agir); afinal, na (errada) conceção do tribunal a quo que interesse legítimo pode ter o adjudicatário em impugnar o ato de adjudicação que lhe é integralmente favorável?); o princípio da legalidade fica igualmente em crise pois o Tribunal a quo ordena e a entidade tem de proceder a uma adjudicação (eventualmente) ilegal, pois o Tribunal toma essa decisão abstendo-se de conhecer se determinados vícios da proposta, alegados no momento oportuno, se verificam ou não.
x) Por fim, este equívoco lesa também o princípio da igualdade (substancial) das partes, art. 4.º do CPC: o contrainteressado e a entidade adjudicante estão, segundo a conceção (errada) perfilhada pelo Tribunal a quo (e confirmada pelo Tribunal Central Administrativo), vinculados àqueles que foram os argumentos utilizados pelo júri, vertidos no relatório final; o autor da ação pode esgrimir todo e qualquer tipo de argumentos, mesmo que não os tenha previamente esgrimido no procedimento concursal.»
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As Autoras/ora recorridas, A………, UNIPESSOAL, LDª. e B………S.L. SOCIEDAD UNIPERSONAL, Ldª contra-alegaram, concluindo:
1. O Recurso de Revista previsto no artigo 150º, do CPTA, tem carácter excecional, não consubstanciando uma segunda instância de recurso e nem devendo ser entendido como um recurso generalizado, mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito, interpretado a uma luz fortemente restritiva. Assim, só deverá ser admitido quando esteja em causa uma questão de relevância jurídica ou social, que revista importância fundamental ou, ainda, quando a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Quanto ao fundamento do erro na interpretação e aplicação do artigo 615.º/1/al. d), do CPC, consubstanciado na nulidade por omissão de pronúncia, tem sido entendimento uniforme da jurisprudência, versado num vasto número de decisões, que para que estejamos perante uma situação de nulidade da Sentença / Acórdão teria de se verificar uma total e absoluta falta de pronúncia por parte do Tribunal a quo quanto a questões que devesse apreciar, entenda-se, questões que foram alegadas/invocadas pelas partes no respetivo processo, ficando excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (a título de exemplo, veja-se o Acórdão do TCA Sul, proferido no âmbito do Processo nº 384/17.1BEBJA).
3. Resulta manifesto que a Sentença do TAC de Lisboa se pronunciou quanto à questão da apreciação dos alegados vícios invocados pela Contrainteressada, tendo concluído que não seriam de apreciar em virtude de considerar que não podem entrar na equação razões que não foram tomadas em consideração na formação dos atos administrativos impugnados, motivo pelo qual, ficou prejudicado o conhecimento das mesmas. Ou seja, andou bem o TAC de Lisboa na Sentença e, como tal, andou bem o Acórdão recorrido que, aplicando corretamente o artigo 615.º/1/al. d), do CPC, considerou não se verificar a invocada nulidade por omissão de pronúncia, não incorrendo em qualquer erro de direito.
4. É assim manifesto não se tratar de uma questão de relevância jurídica ou social de importância fundamental e muito menos de uma questão de complexidade superior ao comum, face à multiplicidade de decisões proferidas sobre esta temática que não resulta, de forma alguma, controvertida ou complexa no seio jurídico.
5. Também não se verifica a clara necessidade da admissão deste recurso para uma melhor aplicação do direito, uma vez que inexiste erro manifesto ou grosseiro no Acórdão recorrido, o qual, aliás, segue o que tem sido o entendimento da jurisprudência, inclusivamente, deste STA quanto a alegadas nulidades das decisões por omissões de pronúncia (Acórdão do STA, proferido a 16.06.2016, no âmbito do Processo nº 01416/15).
6. Quanto à alegada violação do direito a uma tutela judicial efetiva dos administrados, previsto no artigo 20.º, da CRP, face ao entendimento de que a legalidade de um ato deve ser sindicada à luz do seu conteúdo concreto, tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência que o direito à tutela jurisdicional efetiva não implica a atribuição aos sujeitos processuais de um direito absoluto nem que estejam desonerados do respeito pelas regras que, sendo equilibradas e proporcionais, contenham deveres e ónus processuais e/ou que estejam isentos das consequências que derivem do seu incumprimento.
7. Nos presentes autos, ambas as instâncias, consideraram que a legalidade do ato deve ser sindicada à luz do seu conteúdo concreto e não de fundamentos que nele não foram aventados como razão de decidir no sentido da exclusão, isto, face ao conteúdo e fundamentos concretos que integram a proposta do Júri quanto à exclusão da Proposta das Autoras e que configuram a causa de pedir das Autoras; o que não contende com o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
8. Ou seja, andou bem o Acórdão recorrido ao considerar que não se verifica qualquer violação da tutela jurisdicional efetiva, sob pena de se assim não fosse colocar em causa o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica e também o próprio princípio da legalidade e do dispositivo.
9. Assim, é igualmente manifesto não se tratar de questão de relevância jurídica ou social de importância fundamental, uma vez que não se trata de questão de complexidade superior ao comum.
10. Também não se verifica a clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito, uma vez que inexiste qualquer erro manifesto ou grosseiro no Acórdão recorrido.
11. Com efeito, in casu, ambas as instâncias decidiram em conformidade através de decisões bem fundamentadas e juridicamente justificadas e plausíveis não evidenciando qualquer erro manifesto a exigir intervenção deste STA com vista a uma melhor aplicação do Direito, em concreto, as instâncias unanimemente consideraram que a legalidade do ato deve ser sindicada à luz do seu conteúdo concreto e não de fundamentos que nele não foram aventados como razão de decidir no sentido da exclusão, isto, face ao conteúdo e fundamentos concretos que integram a proposta do Júri quanto à exclusão da Proposta das Autoras – reitera-se, o preço anormalmente baixo para o lote 1 e a impossibilidade de avaliação da proposta para o lote 2 – e que configura a causa de pedir das Autoras.
12. Ademais, o Acórdão recorrido segue o que tem sido o entendimento da jurisprudência, inclusivamente, deste STA quanto à alegada violação da tutela jurisdicional efetiva (veja-se o Acórdão do STA, proferido a 11.07.2019, no âmbito do Processo nº 01403/18.0BELSB).
13. A simples discordância, pela Recorrente, quanto ao decidido e a esperança de êxito depositada no terceiro grau (excecional) de jurisdição não conferem, só por si, à questão importância fundamental de um ponto de vista jurídico ou social. O que sucede, nos presentes autos, é que a Recorrente pretende extravasar o carácter pessoal e casuístico para questões académicas em torno do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
14. Assim, não deve ser admitido o presente Recurso de Revista Excecional, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos a que se refere o artigo 150º/1, do CPTA.
15. No que diz respeito ao objeto do recurso, quanto ao erro na interpretação da lei do artigo 615º/1/ al. d), do CPC, consubstanciada na nulidade por omissão de pronúncia, a jurisprudência tem entendido que para que estejamos perante uma situação de nulidade da Sentença teria de se verificar uma total e absoluta falta de pronúncia por parte do Tribunal quanto a questões que devesse apreciar, entenda-se, questões que foram alegadas/invocadas pelas partes no respetivo Processo, ficando excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
16. No caso, previamente à (eventual) análise dos alegados vícios, o TAC de Lisboa teria sempre de se pronunciar quanto à possibilidade de conhecer de tais vícios, uma vez que os mesmos não fazem parte do conteúdo – enquanto fundamentos – dos atos administrativos sindicados.
17. Resulta manifesto que o TAC de Lisboa se pronunciou quanto à questão referente à apreciação dos alegados vícios invocados pela Contrainteressada, tendo concluído que não seriam de apreciar em virtude de considerar que não podem entrar na equação razões que não foram tomadas em consideração na formação dos atos administrativos impugnados, razão pela qual, ficou prejudicado o conhecimento das mesmas.
18. Assim, após análise da decisão proferida pela primeira instância, o Acórdão recorrido, fazendo uma correta aplicação do previsto no artigo 615º/1/al. d), do CPC, considerou que inexistia a alegada nulidade por omissão de pronúncia por parte da Sentença do TAC de Lisboa. O que se passa é que SCM… não se conforma com a interpretação feita quer pelo TAC de Lisboa imputando à decisão vícios estruturais, intrínsecos, de que ela, manifestamente, não padece e, agora, vendo essa decisão confirmada, imputando ao Acórdão recorrido um erro de direito que manifestamente não se verifica.
19. Pelo exposto, nos termos previstos no artigo 615º/1/ al. d), do CPC, a Sentença do TAC de Lisboa não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia e, por conseguinte, o Acórdão recorrido não padece de qualquer erro de direito, pelo que, deve improceder o vertido nas alegações de recurso da SCM....
20. No que diz respeito ao objeto do recurso, quanto à alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ao contrário do sustentado pela Recorrente, o entendimento do Acórdão recorrido não contraria o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º, da CRP, considerando o acesso da Recorrente e da Contrainteressada ao direito e aos tribunais não ter sido coartado, dado que têm defendido e continuam a defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos.
21. A decisão de adjudicação corresponderá ao ato ou decisão do órgão adjudicante que conclui o procedimento de adjudicação e através do qual, de forma unitária, se procede à ordenação e à exclusão/admissão das propostas bem como à adjudicação ao concorrente classificado em primeiro lugar, nele se incluindo as propostas e fundamentos proferidos pelo Júri (quando aceites pela Entidade adjudicante).
22. Contudo, apesar de o ato de adjudicação se tratar de uma decisão que compreende a exclusão/admissão e a ordenação das propostas bem como a própria adjudicação; a verdade é que as razões e fundamentos concretos que determinaram a formação da proposta do Júri em excluir/ admitir e ordenar as Propostas apresentadas pelos concorrentes e que configuram o conteúdo de tais decisões, são aquelas que figuram no Relatório Final e não outras.
23. Em primeiro lugar, o conceito (e conteúdo) da decisão de adjudicação tem sido entendido pela Doutrina não (apenas) no sentido técnico jurídico estrito do artigo 73º/1, do CCP, mas antes no sentido da decisão de aprovação de todas as propostas que constam do relatório final do júri para efeitos de adjudicação, o que inclui a decisão sobre a ordenação e sobre a exclusão/admissão das propostas.
24. Em segundo lugar, o relatório final do júri do procedimento corresponde a uma proposta de decisão de ordenação e exclusão das propostas. Assim, perante a proposta de ordenação e exclusão das propostas contida no relatório final elaborado pelo júri, a entidade adjudicante pode aceitar, alterar ou rejeitar, todas ou algumas, das propostas do mencionado relatório.
25. Em terceiro lugar, o Primeiro e Segundo Relatórios Finais contêm os fundamentos e razões que de facto e de direito levaram à proposta de decisão de exclusão da proposta das Autoras, cf. DOC 7 e 9 (juntos com a PI) e factos provados nºs 11 e 13, da Sentença do TAC de Lisboa bem como do Acórdão recorrido.
26. Em quarto lugar, os concorrentes foram notificados de que foi autorizada a adjudicação do procedimento à Contrainteressada, sendo que, nada tendo sido indicado em contrário, considera-se que a SCM… aceitou todas as propostas do mencionado relatório final, tendo decidido em conformidade.

27. In casu, os fundamentos que estiveram na base da formação da decisão de exclusão da Proposta das Autoras, foram a apresentação de um preço ou custo anormalmente baixo para o Lote 1, e a impossibilidade de avaliação da Proposta em virtude da expressão monetária para o Lote 2, ou seja, estes foram os fundamentos (e não outros) os utilizados pelo Júri do procedimento para sustentar a sua proposta de exclusão das Autoras à SCM….
28. Em momento próprio o Júri teve oportunidade de analisar e de se pronunciar sobre as alegadas ilegalidades, pois tais argumentos foram invocados pela Contrainteressada na audiência prévia, e, nesse momento, o Júri considerou serem (apenas) atendíveis os argumentos que, a final, serviram para sustentar a exclusão da Proposta das Autoras.
29. A SCM… ao aceitar todas as propostas do Júri contidas no relatório final quer quanto à adjudicação e à ordenação quer quanto à exclusão/admissão das propostas dos concorrentes, emitiu a correspondente decisão de adjudicação vinculando-se ao conteúdo e fundamentos dessas mesmas propostas de decisão.
30. Os atos administrativos não podem assentar em fundamentações subsidiárias ou alternativas e muito menos supervenientes, sob pena de grave prejuízo do direito de defesa dos administrados — a fundamentação só pode ser uma e única.
31. Face ao conteúdo e fundamentos concretos que integram a proposta do Júri quanto à exclusão da Proposta das Autoras e que configura a causa de pedir das Autoras, não existe qualquer violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. Tanto a SCM…como a Contrainteressada tiverem oportunidade de defender os respetivos direitos e interesses legalmente protegidos, ainda que tenham de se conformar com os fundamentos constantes da proposta de decisão do júri e com a configuração que as Autoras apresentaram da relação material controvertida.
32. A (eventual) correção dos juízos classificatórios do Júri do procedimento, ou seja, da respetiva proposta de exclusão/admissão e ordenação dos concorrentes, pode e deve ser feita, desde logo, em sede de audiência prévia e impugnação administrativa no seio do procedimento concursal em causa e, em particular, pela Entidade Adjudicante que não pode nem deve demitir-se do seu papel de decisor final no âmbito de um procedimento de contratação pública.
33. Ademais, no caso inexiste ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, porquanto à SCM… e aos contrainteressados se mostrou assegurada, em pleno, com a apresentação da contestação e exercício na mesma dos seus direitos e faculdades, do seu direito à tutela jurisdicional efetiva, e tal conclusão não é infirmada, pelas consequências que derivaram do facto de os mesmos não haverem feito uso, em sede e momento próprios, dos seus poderes e faculdades, ao terem aceite os fundamentos invocados pelo Júri nas respetivas propostas de exclusão / admissão e ordenação dos concorrentes.
34. Por outro lado, o princípio da tutela jurisdicional efetiva não pode ser alheio à aplicação e respeito de outros princípios administrativos tais como o princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica bem como ao conteúdo e fundamentos do ato administrativo em causa. São princípios que constituem limites à atuação administrativa impedindo que a Administração altere, de forma inesperada e contraditória, os atos e condutas por ela adotados em razão das expetativas legítimas previamente criadas nos administrados.
35. Não se verifica qualquer violação do Princípio da igualdade, na medida em que, (i) a SCM…, perante a proposta de ordenação e exclusão das propostas contida no relatório final elaborado pelo Júri, pode, na sua decisão final, aceitar, alterar ou rejeitar, todas ou algumas, das propostas do mencionado relatório, (ii) a Contrainteressada também não fica vinculada aos argumentos do Júri, pelo menos não mais do que qualquer um dos outros concorrentes no procedimento em causa, podendo apresentar a respetiva audiência prévia caso não concorde com os fundamentos contidos nos relatórios, utilizar meios de impugnação administrativa bem como intervir na via judicial contenciosa.
36. Não se verifica qualquer violação do Princípio da legalidade, na medida em que, quanto aos fundamentos que serviram de base ao ato de exclusão da Proposta das Autoras e escalpelizados que foram pelo TAC de Lisboa os vícios de que padeciam (transitado em julgado), encontra-se salvaguardado o respeito pelo princípio da legalidade.
37. Em qualquer caso, na eventualidade deste douto Tribunal decidir no sentido de que devem os autos baixar ao Tribunal a quo para apreciar as causas invocadas pela Contrainteressada, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, mas sem conceder, deve ser facultada às Autoras a possibilidade de se pronunciarem sobre as invocadas causas em respeito pelo princípio do contraditório.
38. Por fim, a circunstância de a SCM…, pretender, na fase de recurso, que sejam apreciadas outras causas de exclusão da proposta das Autoras (que não foram aventadas como razão de decidir), com isso pretendendo colocar em crise as decisões proferidas nas instâncias e contrariando o conteúdo da própria decisão de adjudicação alicerçada nas propostas submetidas pelo Júri do procedimento, configura uma atuação em ostensivo venire contra factum proprium, e como tal, em manifesto abuso de direito (nos termos do previsto no artigo 334º, do Código Civil), o que se invoca.»
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O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 24 de Fevereiro de 2022.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º do CPTA não emitiu pronúncia.
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Sem vistos, por não serem devidos.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«1. As Autoras dedicam-se, entre outras, à atividade de consultoria de gestão e avaliação patrimonial, acompanhando projetos nas áreas de gestão e avaliação de ativos, nomeadamente imobiliários, contando com vários anos de experiência no mercado e repercussão global; (admitido por acordo)
2. A SCM… lançou o Concurso Público Internacional dirigido ao apuramento para 2020 e 2021 do justo valor dos prédios urbanos, rústicos e de atividade da Santa Casa da Misericórdia de …. (Processo nº 20DC39CPI031) com anúncio de procedimento nº 10668/2020, publicado no Diário da República nº 187, II Série, Parte L – Contratos Públicos, em 24 de setembro de 2020, no Jornal Oficial da União Europeia, nº S 187, de 25 de setembro de 2020, com o nº 2020/S 187 – 450885, também disponibilizado na plataforma eletrónica de contratação pública utilizada pela SCM… https://www.acingov.pt no dia 24 de setembro de 2020; (cfr. PA – partes 1 e 4)
3. O Programa do Concurso (nº 20DC39CPI031) é composto, designadamente, pelo seguinte articulado:
1. OBJETO DO CONCURSO
1.1. Constitui objeto do presente Concurso Público o Apuramento de 2020 e 2021 do justo valor dos prédios urbanos e rústicos e de atividade da Santa Casa da Misericórdia de ……, de acordo com o estabelecido no Caderno de Encargos e respetivas cláusulas técnicas/especiais.
1.2. O presente procedimento encontra-se organizado por 2 (dois) Lotes:
LOTE 1 - Prédios de rendimento urbanos e rústicos
LOTE 2 – Prédios de atividades.
(…)
5. AGRUPAMENTOS
5.1. Ao concurso poderão apresentar-se agrupamentos de pessoas coletivas ou singulares, nos termos do disposto no artigo 54º do CCP, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação.
5.2. A constituição jurídica dos agrupamentos não é exigida na apresentação da proposta, mas todos os membros do agrupamento serão solidariamente responsáveis perante a SCM.., pela manutenção das suas propostas, com as legais consequências. 5.3. Qualquer alteração na composição do agrupamento terá de ser autorizada previamente pela SCM…, sob pena de exclusão, em qualquer fase do procedimento.
5.4. Os membros de um agrupamento concorrente não podem ser simultaneamente Concorrentes no presente concurso, nem integrar outro agrupamento Concorrente.
5.5. No caso de a adjudicação ser feita a um agrupamento, todos os seus membros, e apenas estes, associar-se-ão, obrigatoriamente, antes da celebração do contrato, na modalidade de agrupamento complementar de empresas ou consórcio externo de responsabilidade solidária, devendo, até à data da assinatura do contrato, apresentar os seguintes documentos:
5.5.1. Cópia do contrato de consórcio ou de agrupamento complementar de empresas; 5.5.2. Procuração outorgada por todos os membros do Consórcio ao seu líder, com poderes para este proceder à faturação de todos os serviços executados, receber quaisquer quantias ao abrigo do contrato dando a respetiva quitação, bem como poderes para receber todas as notificações e comunicações da SCM… ou seu representante respeitantes ao contrato celebrado;
5.5.3. Documento com a indicação da percentagem de participação de cada um dos elementos do agrupamento e a indicação do seu líder. (…)
7. MODO E PRAZO DE APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
7.1. Os documentos que constituem a proposta devem ser apresentados até às 23h59m59s do 30.º (trigésimo) dia a contar da data de envio do anúncio para publicação através de meio de transmissão escrita e eletrónica de dados, diretamente na plataforma eletrónica utilizada pela SCM…, sendo entregue aos Concorrentes um recibo eletrónico comprovativo dessa receção com referência às respetivas data e hora.
7.2. A proposta será assinada pelo Concorrente ou seu representante. Sempre que seja assinada por Procurador, juntar-se-á procuração com assinatura reconhecida na qualidade, que confira a este último poderes para o efeito, ou pública-forma da mesma, devidamente legalizada.
7.3. Os documentos que constituem a proposta devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, sob pena de exclusão. Se o Concorrente optar por submeter na plataforma eletrónica os referidos documentos utilizando um arquivo de compressão de dados (v.g. arquivo ZIP), deve, ainda assim e sob pena de exclusão, assinar com recurso a assinatura eletrónica qualificada cada um dos documentos que o constituem.
8. ELEMENTOS QUE CONSTITUEM AS PROPOSTAS
8.1. Na proposta, cada Concorrente manifesta a sua vontade em contratar e indica as condições em que se dispõe a fazê-lo.
8.2. As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos:
8.2.1. Formulário do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), devidamente preenchido, conforme modelo constante do ANEXO I do presente Programa do Concurso;
8.2.2. Declaração com indicação do preço contratual global, conforme modelo constante do ANEXO II ao presente Programa do Concurso, observando o disposto no artigo 60.º do CCP;
8.2.3. Indicação dos preços unitários, preço global e taxa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), através do preenchimento pelo concorrente dos formulários correspondentes ao Anexo III – Prédios Urbanos, Anexo IV – Prédios Rústicos e Anexo V – Prédios de Atividades, ao presente Programa.
8.2.4. Curriculum Vitae de todos os membros da equipa afeta à prestação de serviços, de forma a apurar os critérios de ponderação para efeito de adjudicação, conforme indicado no ponto 13.1 do presente Programa;
8.3. Os preços indicados na proposta são expressos em Euros e não incluem o Imposto sobre o Valor Acrescentado.
8.4. Os Concorrentes devem apresentar outros documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, contenham atributos da proposta, de acordo com os quais os Concorrentes se dispõem a contratar, conforme a alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP.
8.5. Sem prejuízo do acima exposto, integrarão também a proposta quaisquer outros documentos que o Concorrente apresente por os considerar indispensáveis, nos termos do n.º 3 do artigo 57.º do CCP.
8.6. Todos os documentos da proposta têm de ser redigidos em língua portuguesa. 8.7. Qualquer classificação de documentos que constituem a proposta deve ser previamente requerida pelos Interessados, nos termos do artigo 66.º do CCP.
10. PREÇO BASE
10.1. Pela execução de todas as prestações objeto do contrato a celebrar para os anos de 2020 e 2021, o preço base é de € 370.000,00 (trezentos e setenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável.
10.2. Para cada um dos lotes o preço base para a execução de todas as prestações objeto do contrato a celebrar para os anos de 2020 e 202, é o seguinte:
Lote 1 - Prédios de rendimento urbanos e rústicos - € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável, correspondendo:
• € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) (235 prédios urbanos e 139 prédios rústicos) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2020;
• € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) (235 prédios urbanos e 139 prédios rústicos) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2021.
Lote 2 - Prédios de atividade - € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável, correspondendo:
• € 100.000,00 (cem mil euros) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2020;
• € 100.000,00 (cem mil euros) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2021.
10.3. O preço base do presente procedimento corresponde ao preço global máximo previsto para a totalidade das prestações objeto do contrato a celebrar, sendo definido com base nos valores de mercado e para os prédios de rendimento, ainda com recurso ao histórico aquisitivo.
10.4. No decurso da execução do contrato, a SCM… pagará apenas os serviços efetivamente prestados, sendo que no caso de não ser atingido o valor total da adjudicação, tal não confere ao Adjudicatário o direito a ser indemnizado, seja a que título for.
11. PREÇO OU CUSTO ANORMALMENTE BAIXO
11.1. Para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 71.º do CCP, considera-se que o preço global resultante de uma proposta, que englobe os 2 (dois) lotes, é anormalmente baixo quando seja inferior a 50% (cinquenta por cento) ou mais inferior ao preço base global fixado, correspondendo neste caso a € 185.000, 00 (cento e oitenta e cinco mil euros).
11.2. Será ainda considerado anormalmente baixo o preço de uma proposta, por lote, quando seja 50% (cinquenta por cento) ou mais inferior ao preço fixado para cada lote correspondendo:
Lote 1 - Prédios de rendimento urbanos e rústicos, - € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros);
Lote 2 - Prédios de atividade - € 100.000,00 (cem mil euros).
11.3. A necessidade de fixação do preço anormalmente baixo visa reduzir a probabilidade das propostas apresentarem valores desajustados aos serviços que deverão obrigatoriamente ser prestados, face à quantidade de trabalho e dispersão geográfica das propriedades alvo de avaliação.
(…)
13. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO E CRITÉRIO DE DESEMPATE
13.1. A adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade da melhor relação qualidade-preço, por lote, na qual o critério de adjudicação é composto pelo seguinte modelo de avaliação das propostas, que considera os fatores, subfactores e respetivos ponderadores que se apresentam:

[Imagem]

(…)
14. JÚRI DO CONCURSO
(…)
14.3. Ao abrigo do nº 2 do artigo 69.º do CCP, foram delegadas no Júri as seguintes competências:
(…)
e) Fundamentação para propor a exclusão de uma proposta que apresente um preço ou custo anormalmente baixo, solicitando previamente ao Concorrente que preste esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos constitutivos relevantes da proposta, de acordo com o nº 3 do artigo 71.º do CCP.
15. ESCLARECIMENTOS E SUPRIMENTOS DAS PROPOSTAS
15.1. O Júri do procedimento pode pedir aos Concorrentes quaisquer esclarecimentos que considere necessários para efeito da análise e avaliação das propostas apresentadas.
15.2. Os esclarecimentos prestados pelos Concorrentes sobre as respetivas propostas fazem parte integrante das mesmas, desde que observadas as regras fixadas no nº 2 do artigo 72.º do CCP.
15.3. O Júri deve solicitar aos Concorrentes que, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem comprovar factos ou qualidades anteriores à data da apresentação da proposta, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento. (…)” (cfr. PA – parte 3)
4. Os Anexos III (Formulário Prédios Urbanos) e IV (Formulário Prédios Rústicos) ao Programa do Concurso remetiam para ficheiros disponíveis em Excel, sendo que, na Lista de Prédios Urbanos, figurava a seguinte inscrição:
ID2020 42
Edifício ….
Morada R …, … e … Descrição distrito LISBOA
Concelho Loures
Descrição freguesia Prior Velho
Tipo de edifício Prédio Urbano
Sit Ocupacional Atual Serviços da SCM..
CRP 340/20020930
Artigo Matricial ….
Afetação Legal (CPU)/Projetada Armazéns e atividade industrial
Tipologia N.A.
Preço Unitário não cotar.
(cfr. PA – parte 3)
5. O Caderno de Encargos (nº 20DC39CPI031) é composto, designadamente, pelo seguinte clausulado:
“1. OBJETO DO CONCURSO
1.1. O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do concurso público para Apuramento de 2020 e 2021 do justo valor dos prédios urbanos e rústicos e de atividade da Santa Casa da Misericórdia de …. em conformidade com as condições e caraterísticas técnicas definidas neste caderno de encargos.
1.2. O presente procedimento encontra-se organizado por 2 (dois) Lotes:
LOTE 1 - Prédios de rendimento urbanos e rústicos
LOTE 2 – Prédios de atividades.
(…)
7. INÍCIO DE VIGÊNCIA E DURAÇÃO DO CONTRATO
7.1. O contrato a celebrar na sequência do presente procedimento entra em vigor na data da sua assinatura e terá o seu término com a validação do relatório para o ano de 2021, por parte da SCM…, até 28 de fevereiro de 2022, dividindo-se em duas fases:
• A primeira fase consiste no apuramento do justo valor das propriedades urbanas e rústicas (lote 1) e das propriedades de atividades (lote 2) da Santa Casa da Misericórdia de ….. para o ano de 2020, tendo início após a assinatura do contrato e término a 31 de dezembro de 2020 para os propriedades urbanas e rústicas e a 31 de março de 2021 para as propriedades de atividades, correspondendo tais prazos à entrega dos ficheiros Excel previstos na cláusula 30.4 do presente Caderno de Encargos. Os relatórios para o ano de 2020 devem estar concluídos e validados pela SCM..:
(i) até 28 de fevereiro de 2021, no caso das propriedades urbanas e rústicas (lote 1);
(ii) até 30 de abril de 2021, no caso das propriedades de atividades (lote 2);
• A segunda fase corresponde ao apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas (lote 1) e, para as propriedades de atividade (lote 2), para o ano de 2021, tendo início em setembro de 2021 e término a 31 de dezembro de 2021, correspondendo tais prazos à entrega dos ficheiros Excel previstos na cláusula 30.4 do presente Caderno de Encargos. Os relatórios para o ano de 2021 devem estar concluídos e validados pela SCM… até 28 de fevereiro de 2022.
7.2. Não obstante o disposto no número anterior, o contrato mantém-se em vigor desde a data da sua assinatura até à prestação integral dos serviços objeto do presente procedimento, em conformidade com os respetivos termos e condições e o disposto na lei, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato.
8. PREÇO BASE
8.1. Pela execução de todas as prestações objeto do contrato a celebrar para os anos de 2020 e 2021, o preço base é de € 370.000,00 (trezentos e setenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável.
8.2. Para cada um dos lotes o preço base para a execução de todas as prestações objeto do contrato a celebrar para os anos de 2020 e 2021, é o seguinte:
Lote 1 - Prédios de rendimento urbanos e rústicos - € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável, correspondendo:
• € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) (235 prédios urbanos e 139 prédios rústicos) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2020;
• € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) (235 prédios urbanos e 139 prédios rústicos) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2021.
Lote 2 - Prédios de atividade - € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável, correspondendo:
• € 100.000,00 (cem mil euros) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2020;
• € 100.000,00 (cem mil euros) para o apuramento do justo valor da totalidade das propriedades urbanas e rústicas para o ano de 2021.
8.3. O preço base do presente procedimento corresponde ao preço global máximo previsto para a totalidade das prestações objeto do contrato a celebrar, sendo definido com base nos valores de mercado e para os prédios de rendimento, ainda com recurso ao histórico aquisitivo.
8.4. No decurso da execução do contrato, a SCM… pagará apenas os serviços efetivamente prestados, sendo que no caso de não ser atingido o valor total da adjudicação, tal não confere ao Adjudicatário o direito a ser indemnizado, seja a que título for.
(…)
27. ÂMBITO DO TRABALHO
27.1. O objeto do presente procedimento consiste no apuramento do justo valor e do valor para efeitos de seguro de 235 propriedades urbanas e 139 propriedades rústicas, referentes ao lote 1, e para 91 propriedades de atividades, referentes ao lote 2, da Santa Casa da Misericórdia de … (SCM..).
(…)” (cfr. PA – parte 3)
6. No âmbito do mencionado concurso público, foram apresentadas 11 propostas, pelas entidades e agrupamentos, elencados nos seguintes termos pelo Júri do procedimento:

[Imagem]

(cfr. PA – parte 6 e doc. 5 junto com a petição inicial)
7. As Autoras concorreram na modalidade de Agrupamento de empresas, apresentando uma proposta pelo preço global de € 185.000,02 (cento e oitenta e cinco mil euros e dois cêntimos), correspondendo € 85.000,01 (oitenta e cinco mil euros e um cêntimo) ao Lote 1 e € 100.000,01 (cem mil euros e um cêntimo) ao Lote 2, e composta pelos seguintes documentos:
ID 1 - Documento Europeu Único de Contratação Pública
ID 2 - Certidão Permanente
ID 3 – Procuração
ID 4 - Declaração com indicação do preço contratual global, conforme modelo constante do ANEXO II ao Programa do Concurso
ID 5 - Indicação dos preços unitários - Anexo III – Prédios Urbanos
ID 6 - Indicação dos preços unitários - Anexo IV – Prédios Rústicos
ID 7 - Indicação dos preços unitários - Anexo V – Prédios de Atividades
ID 8 - Declaração relativa aos membros da equipa afeta à prestação de serviços
ID 9 – Curricula e Certificado RICS do Coordenador
ID 10 - Declaração Complementar
ID 11 – Apresentação C……. (cfr. PA – partes 5 e 6 e doc. 5 junto com a petição inicial)
8. Em relação ao Anexo III do Programa do Concurso – Formulário Prédios Urbanos, o documento apresentado pelo agrupamento das AA. continha os seguintes dados, por referência ao “prédio …”:
ID2020 42
Morada R …, .. e …
Concelho Loures
Descrição freguesia Prior Velho
Tipo de edifício Prédio Urbano
Sit Ocupacional Atual Serviços da SCM…
CRP 340/20020930
Artigo Matricial …
Afetação Legal (CPU)/Projetada Armazéns e atividade industrial
Tipologia N.A.
Preço Unitário 175,00.
(cfr. PA – parte 5)
9. O Júri do Concurso elaborou, em 11.11.2020, o Relatório Preliminar do procedimento de concurso público n.º 20DC39CPI031, de cujo teor se extrata:
(…)

[Imagem]

Prédios urbanos e rústicos para os anos 2020 e 2021
Classificação Final:

Prédios urbanos e rústicos para os anos 2020 e 2021

[Imagem]

(cfr. PA – parte 6 e doc. 5 junto com a petição inicial)
10. O Júri disponibilizou na plataforma eletrónica acinGov o Relatório Preliminar a todos os concorrentes, aos quais fixou um prazo de 5 dias úteis, para, querendo, se pronunciarem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia, sendo que no prazo concedido para o efeito foram apresentadas 5 pronúncias, incluindo a das ora AA., que aqui se dá por reproduzida; (cfr. PA – parte 7 e doc. 6 junto com a petição inicial)
11. Em 14.12.2020, foi elaborado pelo Júri do Concurso o Primeiro Relatório Final, do que se retira, nomeadamente:
(…)

[Imagem]

(cfr. PA – parte 6 e doc. 7 junto com a petição inicial)
12. Publicitado o Primeiro Relatório Final na plataforma eletrónica acingov e fixado o prazo de 5 dias úteis para, querendo, os concorrentes se pronunciarem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia, as Autoras apresentaram argumentos pugnando pela ilegalidade da exclusão da sua proposta e pela admissão e adjudicação da mesma; (cfr. PA – parte 7 e doc. 8 junto com a petição inicial)
13. Terminado o prazo para a apresentação de pronúncias, o Júri procedeu, no dia 22.12.2020, à elaboração do Segundo Relatório Final do procedimento nº 20DC39CPI031, que se dá por reproduzido e do qual se retira, designadamente:

[Imagem]

[cfr. PA – parte 6 e doc. 9 junto com a petição inicial]
14. Em 31.12.2020, foram os concorrentes notificados de que, por despacho do Senhor Provedor da SCM…, foi autorizada a adjudicação do procedimento n.º 20DC39CPI031, nos seguintes termos:
“(…)
• Lote 1 – Prédios de rendimento urbanos e rústicos, à entidade C….., Ldª. pelo preço contratual de €132.685,00 (cento e trinta e dois mil seiscentos e oitenta e cinco euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
• Lote 2 – Prédios de atividades, à entidade C…….., Ldª. pelo preço contratual de €100.000,02 (cem mil euros e dois cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
Em conformidade, com o estipulado no ponto 19 do Programa do Concurso, deverão ser entregues os documentos de habilitação no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da presente comunicação de adjudicação. (…)
[cfr. PA – parte 9 e doc. 10 junto com a petição inicial]
15. A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 15.1.2021 (cfr. fls. 1 do processo eletrónico).
16. Através da Deliberação nº 280021, de 11 de fevereiro, foi aprovada a abertura do procedimento para o Apuramento para 2020 do Justo Valor dos Prédios Urbanos e Rústicos da Santa Casa da Misericórdia de…. (que corresponde à fase 1 do lote 1 do procedimento judicialmente impugnado), nº 21DC39AJD009, pelo preço base de € 66.342,50, acrescido de IVA, correspondente ao preço máximo a pagar para um período de duração contratual de 2 meses, com convite à C……, Ldª para apresentar proposta; (cfr. doc. a fls. 315 a 317 do processo eletrónico).
17. Por Deliberação nº 340/2021, da sessão ordinária da Mesa de 18 de fevereiro de 2021, da SCM…, foi aprovada a adjudicação do procedimento por ajuste direto 21DC39AJD009 à proposta apresentada pela C……, Lda., para celebração do contrato para o Apuramento para 2020 do justo valor dos prédios urbanos e rústicos da Santa Casa da Misericórdia de ….; (cfr. doc. a fls. 318 e 319 do processo eletrónico).»
*
2.2. O DIREITO
As Autoras, intentaram no TAC de Lisboa, ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual, contra a Santa Casa da Misericórdia de …., peticionando “a decisão de exclusão da proposta das Autoras, aos Lotes 1 e 2” e “a decisão de adjudicação proferida pela Entidade Demandada, a favor da Contrainteressada C….., Lda., para os Lotes 1 e 2”, bem como a condenação da requerida Santa Casa da Misericórdia de …., “a adotar os atos e operações necessários a reconstituir a situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados, concretamente conferindo a Autora a oportunidade de esclarecer o preço proposto para os serviços atinentes ao Lote 1 e analisando o atributo preço da proposta em consonância com os esclarecimentos que venham eventualmente a ser apresentados” e, “a adjudicar às Autoras a aquisição de serviços objeto do procedimento quanto ao Lote 2; por ser a economicamente mais vantajosa”.
O TAC de Lisboa julgou a acção procedente, e o TCAS em sede de recurso negou provimento aos recursos interpostos pela Santa Casa da Misericórdia de …. e C……...
E a primeira questão que importa decidir respeita à nulidade por omissão de pronúncia assacada ao acórdão recorrido por ambas as recorrentes.
Invocam as mesmas a este respeito que a decisão recorrida não se pronunciou acerca das alegadas causas de exclusão da proposta apresentada pela A. AP para os lotes 1 e 2 que foram invocadas na contestação e alegações de direito pela contra interessada C….., causas estas que a serem procedentes impunham desde logo a exclusão da proposta da autora AP para ambos os lotes.
Vejamos:
É sabido que a nulidade por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
In casu, é manifesto que inexiste qualquer omissão de pronúncia.
Com efeito, logo em sede de 1ª instância a sentença proferida nos autos debruça-se acerca desta matéria, consignando:
«Por último, frise-se que a legalidade do ato deve ser sindicada à luz do seu conteúdo concreto, e não de fundamentos que neles não foram aventadas como razão de decidir no sentido da exclusão.
Nesta medida, conquanto a Entidade Adjudicante e a Contrainteressada C…. venham alvitrar que a decisão de exclusão da proposta das AA., em relação a ambos os Lotes, sempre seria forçosa e irremissível, fazem-no em larga medida com amparo em vícios que não foram sequer considerados pelo Júri do concurso na sua análise da proposta sub judice.
Ora, o objeto das ações impugnatórias, ou nas quais tenha sido deduzida a título principal uma pretensão impugnatória, centra-se na validade do ato administrativo, na concreta feição que a sua autora (aqui Entidade Demandada) lhe cunhou, não podendo entrar na equação putativas razões, que poderiam concorrer para decidir naquele sentido e não noutro – mas que não foram tomadas em consideração na sua formação».
E em sede de sustentação da nulidade [artº 145º, nº 1 do CPC], consignou-se ainda na 1ª instância:
«(…) Somos de parecer que, s.m.o., não incorre o julgado em omissão de pronúncia, legalmente configurada como causa de nulidade (…)
Efectivamente, este Tribunal não desconsiderou as questões trazidas a lume pela contra interessada C….. na sua contestação, mais concretamente as causas de exclusão da proposta das AA para os lotes 1 e 2 a concurso; simplesmente entendeu que tais causas não obstam à integral procedência do peticionado.
Embora se tenha abstido de conhecer do bem fundado das causas de invalidades arguidas, o tribunal não se absteve de tomar posição sobre tais questões, nem se furtou de justificar a abstenção de conhecimento
(..) Deste modo, é nossa convicção que o julgador se ocupou de todas as questões suscitadas pelas partes – o que não é o mesmo que dizer que valorou todas por igual na condução do julgamento de mérito.
(…)».
Por sua vez, o TCA Sul acerca desta questão, também entendeu que não se verifica nenhuma omissão de pronúncia, precisamente porque as referidas questões foram analisadas e decididas no sentido de que a legalidade do acto nesta acção de contencioso pré contratual deve ser sindicado à luz do seu conteúdo concreto e não de fundamentos que nele não foram aventados, mais se consignando que a «simples leitura atenta da decisão permitiria à recorrente percepcionar a pronúncia do tribunal recorrido sobre a matéria das invalidades que a contra interessada imputou à proposta das autoras, com a qual podia, apenas, não concordar.
A recorrente pode discordar da fundamentação adoptada na decisão recorrida, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade de decisão.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão».

E esta decisão mostra-se acertada e conforme ao direito, uma vez que o facto das questões suscitadas pela contra interessada não terem sido julgadas procedentes, não afectam o acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia. Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu ou que esclareceu porque não conhecia do mérito de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento das recorrentes/reclamantes.
Improcede, pois, a nulidade por omissão de pronúncia assacada ao acórdão recorrido, sem prejuízo da verificação de eventual erro de julgamento.
*
Do erro de julgamento por não terem sido objecto do conhecimento de mérito, as questões suscitadas pelas recorrentes quanto às causas de exclusão da proposta apresentada pelas autoras, que segundo alegam, a procederem, poderiam levar à improcedência dos pedidos de condenação à adjudicação das aquisições de serviços respeitantes aos lotes 1 e 2 às autoras.
A decisão recorrida a este propósito consignou que a contra interessada notificada da proposta do júri sobre os motivos de exclusão da proposta das recorridas e da decisão de adjudicação não reagiu, por opção sua, contra tal decisão na parte em que, sendo-lhe desfavorável, considerou que as não conformidades por si apontadas à proposta das autoras não constituem motivo de exclusão e que «para sabermos se a sentença recorrida errou ao condenar a SCM… a adjudicar o lote 2 às ora recorridas temos de voltar ao ponto de onde partimos. Com efeito, a sentença só pode ter incorrido em erro se conhecidas as ilegalidades que a contrainteressada imputou à proposta das autoras/recorridas, na audiência prévia no procedimento, na contestação e nas alegações de direito que produziu nos autos, as quais não motivaram a exclusão da proposta, forem analisadas pelo tribunal como novos fundamentos de ilegalidade desconsiderados no ato impugnado», sendo que «não cumpre ao tribunal nesta ação de impugnação de ato administrativo, sem que tivesse sido deduzido pedido reconvencional (arts. 102º nº 1 e 83º-A do CPTA) conhecer de fundamentos apreciados e rejeitados pelo júri e pela SCM… ao proferir a decisão de adjudicação (que é a decisão singular una e indivisível que compreende a exclusão de propostas, a ordenação de propostas não excluídas e identifica o adjudicatário - art 148º, nº 4 do CCP».
Ou seja, entende-se no acórdão recorrido que a legalidade do acto, mais a mais estando em causa um acto expresso deve ser sindicada à luz do seu conteúdo concreto e não de fundamentos que nele não o foram aventados como razão de decidir no sentido da exclusão.
Vejamos do acerto do assim decidido.
E antes de mais importa concretizar quais as questões que a contra interessada invocou em sede de audiência prévia, após ser notificada do 1º relatório preliminar do júri do concurso.
São elas:
«1 A autora B………,SL Sociedad Unipersonal não ter declarado tudo quanto foi declarado pela A………. Unipessoal, Ldª , nesses documentos, ou seja, não declarou tudo quanto consta do Anexo I ao CCP, nomeadamente, não indicou qual o preço global, fazendo com que a proposta das AA devesse ser excluída, nos termos do disposto no nº 5 do artº 57º e alínea e) do nº 2 do artº 146º ambos do CCP;
2 A proposta das autoras ser constituída por documentos redigidos em língua estrangeira e não traduzidos (…) em violação do disposto no nº 1 do artº 58º do CCP e ponto 8.6 do Programa de Concurso, motivando a sua exclusão nos termos do disposto nos artºs 57º, nº 5 e 146º, nº 2, al. e) primeira parte ambos do CCP e ao abrigo do disposto na al. e) do nº 2 do artº 146º do CCP;
3 A proposta das autoras apresentar condições que violam aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, motivando a sua exclusão ao abrigo do disposto na al. b) do nº 2 do artº 70º do CCP;
4 A proposta das autoras não ser constituída por um documento cuja apresentação era obrigatória, o certificado RICS».

Constitui um facto que a contra interessada depois de notificada do 1º relatório preliminar suscitou estas questões em sede de audiência prévia.
E o júri do concurso, pronunciou-se acerca destas questões como melhor consta de fls. 15 do primeiro relatório final datado de 14.12.2020.
De seguida, foi de novo este primeiro relatório final notificado aos concorrentes, para efeitos de audiência prévia e nesta sede a contra interessada já não se pronunciou acerca do decidido anteriormente, até porque, tendo obtido a seu favor a adjudicação, deixou de ter interesse nesta “impugnação”.
Mas será que este facto fez precludir o direito de, em sede da presente acção de contencioso pré-contratual, a contra interessada suscitar as mesmas questões, na oposição deduzida e em fase de recurso interposto da decisão judicial proferida nos autos [que foi precisamente a de anular a decisão de adjudicação que lhe havia sido efectuada e de adjudicar a aquisição de serviços às autoras, sendo certo que a presente acção não é meramente impugnatória, mas também de condenação à prática do acto devido, como veio a suceder]?
Designadamente quando no entender das recorrentes o que está em causa são causas invalidantes que a procederem levariam desde logo à exclusão da proposta das autoras?
E, deste modo, a decisão recorrida nunca se poderia manter!
É evidente que o direito da contra interessada não pode ser coarctado desta forma, sob pena de violação do direito a uma tutela efectiva, uma vez que a mesma só se viu obrigada a alegar de novo estas questões e estes fundamentos quando foi confrontada com a interposição pelas autoras da presente acção de contencioso pré-contratual com a dedução da concreta pretensão impugnatória/condenatória e em que ao ser chamada aos autos como contra interessada podia e devia usar todos os meios ao seu dispor para afastar a proposta apresentada pelas autoras e fazer valer o acto de adjudicação a seu favor, sob pena de, se assim não for entendido, a mesma apenas se poderia limitar a deduzir oposição em relação à factualidade alegada pelas autoras.
E para tal, não seria necessário, como aventado na decisão recorrida, que as recorrentes tivessem de ter deduzido pedido reconvencional, uma vez que as referidas questões e sua decisão surgem na sequência da interposição desta acção judicial e daquilo que constitui a análise da pretensão nela deduzida, sendo por isso também indiferente nesta fase que o júri do concurso não se tenha pronunciado sobre estas questões no segundo relatório final apresentado e que consubstanciou o acto de adjudicação, ou seja, o acto impugnado.
Resulta do exposto que para o conhecimento e apreciação da pretensão condenatória formulada pelas AA. se impunha a consideração e conhecimento do mérito das questões suscitadas, desde logo, em sede de oposição pela contra interessada, assim se promovendo e respeitando os princípios da tutela jurisdicional efectiva e legalidade.
É, pois, evidente o alegado erro de julgamento imputado ao acórdão recorrido, impondo-se que os autos baixem ao TCAS para que aí sejam conhecidas de mérito as ilegalidades suscitadas pela contra interessada, procedendo-se às diligências probatórias que se julguem necessárias.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento aos recursos, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao TCAS para aí seguir termos, como supra decidido.
Custas a cargo das recorridas.

Lisboa, 05 de Maio de 2022. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Cláudio Ramos Monteiro – José Francisco Fonseca da Paz.