Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01681/14.3BESNT 01357/17
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGOS
COMPENSAÇÃO
ENCARGOS FISCAIS
INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS
Sumário:I - A “contrapartida anual” prevista no DL nº 275/2001, de 17/10, reconduz-se a uma prestação de natureza patrimonial.
II - O DL n° 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), bem como o DL nº 275/2001, de 17/10, não enfermam de inconstitucionalidade orgânica e/ou material.
III - A “compensação de encargos para o serviço de Inspecção de Jogos” prevista no art. 13° do DL n° 129/2012, de 22/6, integra-se na apontada contrapartida financeira.
Nº Convencional:JSTA000P24117
Nº do Documento:SA22019012301681/14
Data de Entrada:11/30/2017
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na qual se julgou improcedente a impugnação judicial visando a liquidação (ou autoliquidação) da “compensação de encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspecção de Jogos”, relativamente aos pagamentos efectuados nos meses de Março, Abril e Maio de 2014, no montante de 909.968,34 Euros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª) Na presente impugnação judicial, foram contestadas as liquidações efectuadas pelo Turismo de Portugal, IP, referente à compensação exigível às empresas concessionárias das zonas de jogo referente a despesas suportadas com os serviços de inspecção inspectiva e de combate ao jogo ilícito, ou a autoliquidação feita pela impugnante e ora recorrente;
2ª) A referida compensação está prevista na Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP, aprovada pelo Decreto-Lei n° 129/2012, de 22/6 — art. 13°;
3ª) A referida compensação é um tributo e, dentro da classificação de tributos estabelecida na Lei Geral Tributária, teria, em princípio, a natureza de uma taxa, assentando “na prestação concreta de um serviço público” (n° 2 do art. 4° da LGT).
4ª) Na presente impugnação, a ora recorrente considera ilegais as liquidações efectuadas pelo Turismo de Portugal, IP, em primeiro lugar, por haver uma desproporcionalidade intolerável entre o serviço prestado e o valor exigido de compensação, transformando, assim, a referida taxa num verdadeiro imposto;
5ª) Na verdade, não existe qualquer dado ou elemento comprovativo do efectivo custo suportado pela entidade pública ou da efectiva vantagem para o particular, pelo que, não havendo qualquer relação entre o custo ou a vantagem e o quantitativo exigido, estamos perante um imposto;
6ª) Enquanto imposto, teria a referida compensação de ser criada por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, o que não aconteceu, pelo que há uma violação do princípio da legalidade;
7ª) Na presente impugnação, a ora recorrente considerou — e considera — também ilegal a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, na medida em que não está acompanhada de qualquer fundamentação;
8ª) Na referida impugnação, a ora recorrente considerou — e considera — também ilegal a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal IP, na medida em que o seu valor é determinado através da multiplicação das despesas suportadas pelo Turismo de Portugal, IP, no ano anterior, por um factor a fixar anualmente pelo membro do Governo responsável pela área de Turismo (art. 13° da Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP);
9ª) Ora, na medida em que não é conhecida a despesa suportada no ano anterior com a inspecção, nem o factor de multiplicação, a referida liquidação é ilegal;
10ª) Na presente impugnação, não está em causa qualquer questão sobre a validade do contrato de concessão celebrado entre a impugnante e o Estado, concessão essa de exploração da zona do jogo do Estoril;
11ª) o contrato de concessão estabelece, apenas, a obrigação da concessionária pagar tal compensação, mas o seu concreto valor, a determinação do seu quantitativo não consta de tal contrato;
12ª) A ora recorrente, na presente impugnação, não contesta a validade de qualquer cláusula do contrato de concessão, mas sim as liquidações efectuadas pelo Turismo de Portugal, IP, por elas violarem o disposto na lei, concretamente, o art. 13° da Lei Orgânica do Turismo de Portugal;
13ª) Como é entendimento jurisprudencial e doutrinário firmado, para além da bilateralidade, um tributo para ser taxa não pode ser desproporcionado (“intoleravelmente” desproporcionado), isto é, tem que haver um equilíbrio entre o quantitativo exigido pelo ente público e o custo doutrinário firmado, para além da não pode ser desproporcionado tem que haver um equilíbrio entre o quantitativo exigido pelo ente público e o custo em que este incorre;
14ª) Ora, constata-se que não há qualquer relação entre o valor cobrado pelo Turismo de Portugal IP e o serviço prestado, na medida em que aquele valor é fixado com base num coeficiente, aleatório, fixado casino a casino;
15ª) Deste modo, a compensação é um imposto e, como tal, inconstitucional porque os Decretos-Leis n°s 275/2001, de 17/10 e 129/2012, de 22/6, que criaram esse tributo, fizeram-no sem autorização do Parlamento, em violação dos arts. 103°, n° 1 e 165°, n° 1, i), da Constituição;
16ª) As liquidações ou autoliquidações ora impugnadas são também ilegais porque, determinando o n° 2 do art. 13° do Decreto-Lei n° 129/2012, de 22/06, que a compensação suportada pelo ente público é determinada tendo em conta a despesa com as acções de inspecção, nunca a impugnante foi notificada do valor de tais despesas;
17ª) As liquidações ou autoliquidações ora impugnadas, são também ilegais, na medida em que o Decreto-Lei n° 129/2012, estabelece que a compensação é determinada através da aplicação de um factor a ser fixado anualmente pelo membro do Governo, sendo que a impugnante nunca foi notificada de tal factor, nem sabe se ele existe.
18°) A douta sentença recorrida fez, assim, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação dos princípios constitucionais e do art. 13º do Decreto-Lei n° 129/2012.

1.3. O Instituto do Turismo de Portugal IP, apresentou contra-alegações, que terminou formulando as conclusões seguintes:
«1. Os encargos com o exercício da ação inspetiva nos casinos e com o combate aos jogos ilícitos de fortuna ou azar de base territorial encontram-se previstos no Decreto Regulamentar, no contrato de concessão e na lei como uma contrapartida contratual.
2. A referida compensação não corresponde a uma “prestação concreta de um serviço público” em benefício do particular ou a solicitação deste; não corresponde à utilização de um bem do domínio público; nem muito menos se pode admitir que tal compensação possa ser considerada como o correspetivo devido pelo particular pela remoção de um obstáculo jurídico.
3. Não é a previsão legal de uma taxa, mas sim o facto de ter assinado o contrato de concessão da zona de jogo do Estoril com o Estado concedente que obriga a recorrente a pagar a comparticipação nos encargos com o funcionamento do SRIJ.
4. O contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar celebrado entre a recorrente e o Estado Português é um contrato administrativo.
5. Não se pode enquadrar a comparticipação nas despesas com o SRIJ na figura de uma taxa, pois não se está perante um serviço público em que a recorrente tenha beneficiado de uma vantagem no exercício da sua atividade por causa de uma ação administrativa, nem foi esse exercício que causou um acréscimo de despesa ao Estado, já que esta foi corolário, isso sim, da celebração do contrato de concessão.
6. Que não é uma taxa bem o sabe a recorrente, que não prova existir: (i) atos de liquidação; (ii) autoliquidações; (iii) orientações genéricas emitidas pelo recorrido; (iv) prévia reclamação graciosa, pelo que lhe estava vedada o recurso direto à presente impugnação.
7. O Decreto-Lei n° 275/2001, de 17 de outubro, o Decreto-Lei n° 129/2012, de 22 de junho, e o Decreto Regulamentar n° 56/84, de 9 de agosto, não criaram a compensação de encargos do SRIJ, sendo que o 1º diploma referido prevê as condições acordadas para a prorrogação dos contratos de concessão, o 2° diploma corresponde à lei orgânica do Instituto do Turismo de Portugal, I.P. e refere as contrapartidas contratuais por ser esta entidade quem as cobra e o 3º diploma corresponde a um regulamento administrativo que contém as normas jurídicas (caderno de encargos) que enformaram o concurso público e a atribuição da concessão da exploração da zona de jogo do Estoril, em regime de exclusivo.
8. O Decreto n° 14.643 de 1927 revela que nunca foi intenção do legislador configurar aquela comparticipação das concessionárias das zonas de jogo como um tributo, mas apenas e tão só como uma obrigação financeira contratual a que ficavam sujeitos os adjudicatários nos concursos para atribuição das referidas concessões. De igual modo assim foi configurada pelas subsequentes legislações que lhe sucederam.
9. Não se está perante qualquer tributo, uma vez que não há qualquer ato da administração que tenha beneficiado patrimonialmente a recorrente e, por outro lado, também não foi o exercício livre de qualquer atividade da recorrente ou das demais concessionárias das zonas de jogo, que provocou qualquer acréscimo de custos na Administração, e, por último, muito menos foram os diplomas que regeram ao longo do tempo os Estatutos da entidade fiscalizadora que previram essa obrigação.
10. Nos termos do contrato de concessão, o SRIJ fiscaliza apenas os casinos e não todo o jogo ilícito. Não se aceita, por isso, a qualificação da fiscalização operada pelo SRIJ exclusivamente sobre as concessionárias das zonas de jogo como um serviço público de inspeção e de combate ao jogo ilícito, designadamente o que ofende o exclusivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Euromilhões, “raspadinha”, Totobola, Placard, entre outros).
11. Se, como pretende a recorrente, se estivesse perante um tributo, no que não se concede, esse tributo só poderia ser uma taxa, (i) só seriam chamadas a pagar essa comparticipação as contrapartes do Estado nos contratos de concessão, (ii) face ao incontornável sinalagma da compensação de encargos e (iii) o valor da comparticipação seria considerado adequado, por cumprir com os princípios da equivalência e da proporcionalidade, uma vez que a base da sua quantificação é somente o custo do funcionamento do serviço.
12. E mesmo neste cenário, nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade haveria, sendo que, em qualquer caso, não haveria nunca montante algum a devolver à recorrente, pois, por força do contrato de concessão, a quantia devida a título de comparticipação nos encargos do SRJJ foi deduzida à contrapartida anual devida, que agora, por força de uma eventual ilegalidade daquela, a consumiria.»
Termina pedindo que o recurso seja julgado improcedente e, em consequência, mantida a sentença recorrida.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recurso interposto, por A…………, SA, sendo recorrido Instituto de Turismo de Portugal, IP.
Sendo várias as questões colocadas à apreciação, é de admitir que as mesmas se possam resumir às seguintes:
- se “compensação devida por despesas suportadas com os serviços de inspeção inspetiva e de combate ao jogo ilícito” é taxa ou imposto;
- se as liquidações efetuadas por referência à dita compensação quanto aos meses de março, abril e maio de 2014, são ilegais por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, legalidade e reserva de lei da Assembleia da República, considerando que a sua previsão consta de decreto-lei não autorizado - arts. 103º nº 1 e 165º nº 1 al. i) da C.R.P.;
- se as ditas liquidações são ainda ilegais por efetuadas sem que fossem conhecidas as despesas no ano anterior e sem que tivesse sido fixado o fator aplicável também por referência ao ano anterior, conforme previsto no art. 13º nº 2 do Dec.-Lei nº 129/2012, de 22/6, diploma que aprovou a Lei Orgânica do Turismo de Portugal, I.P.
Vai acrescentar-se o seguinte:
A compensação em causa, ainda que destinada a cobrir encargos com os ditos serviços de inspeção de jogos, assume uma natureza complexa, pois constitui uma “contrapartida” que a recorrida aceitou também pagar pela área de jogo que lhe está concessionada.
Tal o que é de admitir, considerando ainda que com a referida compensação está ainda inserida na legislação aplicável ao jogo.
Aliás, a doutrina tem considerado que o “imposto especial do jogo” visa fins extrafiscais e a jurisprudência tem considerado o mesmo não inconstitucional pelo menos, quanto ao que já conheceu - assim, nomeadamente, no acórdão nº 162/04 do Tribunal Constitucional, em que se entendeu tal por referência à norma de incidência constante da subalínea b) da al. c) do art. 87º do Dec.-Lei nº 422/89.
Aliás, não é relevante apreciar que se a dita compensação se trata de um imposto ou de uma taxa para efeitos das invocadas inconstitucionalidades.
O recorrente não invoca a inconstitucionalidade de qualquer norma em concreto do Decretos-Leis nº 275/2001, nem do Decreto-Lei nº 275/2001 [quereria, certamente, dizer-se Decreto-Lei n° 129/2012, de 22/6], o que inviabiliza que se conheça da inconstitucionalidade suscitada desde logo quanto à violação do princípio da proporcionalidade.
Admitindo que se possa ainda conhecer das demais, considerando os ditos diplomas em bloco, afigura-se que as mesmas não ocorrem, atenta que a já referida natureza complexa da “compensação”, a qual se insere numa “contrapartida” a pagar pela concessionária, se sobrepõe à dita distinção.
2 - Quanto à ilegalidade por violação do art. 13º nº 2 do Dec.-Lei nº 129/2012:
Prevê-se na dita norma: “A quota-parte dos encargos a suportar pelas empresas concessionárias das zonas de jogo, em cada ano, é determinada multiplicando o valor da despesa identificada no número anterior, por um fator a fixar anualmente por despacho do membro do Governo responsável pela área do turismo, tendo em conta o montante despendido em anos anteriores.”
Ora, foi dado como assente, com algum interesse, que a recorrente é concessionária de zona de jogo do Estoril e que em ofício remetido se indicou o montante a pagar, fazendo referência a não se terem alterado os pressupostos referentes a 2008, bem como ainda aos ajustamentos a que o fator aplicado foi sujeito.
Assim, é de admitir que não ocorra a invocada ilegalidade, por tal ser referente a um requisito de forma, ou à fundamentação do ato.
Acresce que o S.T.A. em certos casos tem admitido que a fundamentação possa ser contextual — assim, nomeadamente, no seu acórdão de 26-3-2014 no proc. 01913/13.
A entender-se desse modo, é ainda de mandar ampliar a matéria de facto a fim de que seja proferida nova decisão após apurado qual o valor da despesa em 2008, bem como qual o fator anual que foi nesse ano considerado.
Concluindo:
Não procedem as invocadas inconstitucionalidades.
Ainda que não ter ocorrido ilegalidade por violação do art. 13º nº 2 do Dec.-Lei nº 129/2012, é de admitir que tenha sido preterido um requisito de forma ou ocorrido falta de fundamentação.
Contudo, é de mandar ampliar a matéria de facto, a fim de que sejam apurados ainda factos pertinentes ao previsto nessa norma, de acordo com o que constar ainda quanto a 2008, pressupostos que no ato praticado se referem não se terem alterado.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
«A) A impugnante é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo permanente do Estoril, por força do contrato de concessão celebrado em 17.06.1985, publicado no DR, III Série, n° 197, de 28.08.1985 — por acordo.
B) O contrato referido em A) foi objeto de revisão integral e prorrogação em 14.12.2001, publicada no DR III Série, n° 27, de 01.02.2002, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido — por acordo e cfr. fls. 80 dos autos.
C) Da cláusula 3ª do contrato referido em A) resulta que:

D) Da cláusula 4ª do contrato referido em A) resulta que a ora Impugnante se obriga a:

E) O mesmo contrato de concessão foi ainda objecto de um aditamento em 17.10.2013, publicado no DR III Série, nº 257, de 06.11.2003 – por acordo.
F) Por carta datada de 03.08.2007, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Entidade Impugnada, Turismo de Portugal, IP, informou a Impugnante que, na sequência da transferência das atribuições e competências da ex-Inspecção-Geral dos Jogos para o Turismo de Portugal, IP, o pagamento da “compensação dos encargos com o funcionamento do Serviço de Inspecção de Jogos”, passaria a ser efetuado para o NIB (número de identificação bancária) ali indicado — cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
G) Ato impugnado: Por carta datada de 03.08.2007, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Entidade Impugnada, informou a Impugnante da “Quota-parte a suportar pelas empresas concessionárias das zonas de jogo” a título de “Encargos com o funcionamento do Serviço de Inspecção de Jogos”, expondo, além do mais, que:

H) Ato impugnado: Em 10.04.2014 a Impugnante efetuou, por transferência bancária a favor do Turismo de Portugal, IP, para o NIB referido na alínea F), supra, o pagamento da quantia de € 303.322,78, “referente à compensação das despesas com o serviço de inspecção de Jogos, relativas ao mês de Março de 2014” — cfr. doc. n° 3 junto com a petição inicial (fls. 21/22 do suporte físico dos autos).
I) Ato impugnado: Em 12.05.2014 a Impugnante efetuou, por transferência bancária a favor do Turismo de Portugal, IP, para o NIB referido na alínea F), supra, o pagamento da quantia de € 303.322,78, “referente à compensação das despesas com o serviço de Inspecção de Jogos, relativas ao mês de Abril de 2014” — cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial (fls. 23/24 do suporte físico dos autos).
J) Ato impugnado: Em 11.06.2014 a Impugnante efetuou, por transferência bancária a favor do Turismo de Portugal, IP, para o NIB referido na alínea F), supra, o pagamento da quantia de € 303.322,78, “referente à compensação das despesas com o serviço de Inspecção de Jogos, relativas ao mês de Maio de 2014” — cfr. doc. n° 3 junto com a petição inicial (fls. 25/26 do suporte físico dos autos).
K) A impugnante veio deduzir a presente impugnação em 10.07.2014 — cfr. fls. 2 dos autos (suporte físico).

3.1. A recorrente refere ter deduzido a presente impugnação contra as liquidações (ou autoliquidações) que identifica como sendo as referentes à “compensação de encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspecção de Jogos”, relativamente aos pagamentos efectuados nos meses de Março, Abril e Maio de 2014, no montante de 909.968,34 Euros.
Para tanto, alegou na respectiva petição inicial que, enquanto concessionária da actividade exploração de jogos de fortuna ou azar, está obrigada a pagar em cada ano uma contrapartida no valor de 50% das receitas brutas dos jogos, a qual, nos termos do nº 2 da cláusula 4ª do contrato de concessão, se efectua através do pagamento de vários quantitativos, entre os quais o imposto de jogo e o pagamento dos encargos com o funcionamento da Inspecção Geral de Jogos (hoje, Turismo de Portugal, I.P.), regime também consagrado no DL nº 275/2001, de 17/10, sendo que no nº 4 do seu art. 2º se estabelece o que pode chamar-se de mínimo de tributação” ou “colecta mínima”.
Mais alegou o seguinte:
— Em 2007 e 2008 o Turismo de Portugal I.P., notificou-a do valor a pagar a título de participação nos encargos com o funcionamento da Inspecção Geral dos Jogos, mas desde essa altura não foram feitas quaisquer outras notificações à impugnante e esta tem vindo, todos os meses, a efectuar o pagamento do referido encargo, tal sucedendo, também, em Março, Abril e Maio de 2014 (embora no art. 22º da PI a impugnante tenha referenciado os meses de Abril, Maio e Junho, os documentos para os quais reporta referem-se ao pagamento das compensações relativas aos meses de Março a Maio), sendo que essas liquidações (autoliquidações) foram efectuadas de acordo com as orientações genéricas emitidas pelo Turismo de Portugal, I.P., sendo aplicável o disposto no nº 3 do art. 131º do CPPT (desnecessidade de prévia reclamação graciosa).
— No art. 84º da Lei do Jogo prevê-se um verdadeiro imposto, na medida em que a prestação ali em causa é unilateral e não silagmática, por não haver qualquer contrapartida por parte do ente público.
— E a compensação de encargos com o funcionamento dos serviços de inspecção de jogos configura, em princípio, uma taxa (pois a contrapartida a pagar pela concessionária e na qual está incluída esta comparticipação nos encargos com a inspecção de jogos, foi concebida pelo legislador como a remuneração por um serviço público que seria prestado às concessionárias – a inspecção à actividade de jogo, nomeadamente, o combate ao jogo ilícito) taxa essa que acaba por se transmutar em verdadeiro imposto, quer face à violação do princípio da proporcionalidade, por se verificar uma “desproporção intolerável” entre o montante da taxa em relação à vantagem a obter pelo particular e/ou ao custo suportado pelo ente público, quer face à violação do princípio da capacidade contributiva, uma vez que o critério de fixação do respectivo valor assenta no montante das receitas brutas dos jogos em cada casino.
— Mesmo que se entenda que foi a Lei do Jogo (esta publicada com base em autorização legislativa da AR — que criou a referida contrapartida), ainda assim, continua a verificar-se a violação dos arts. 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i), ambos da CRP, já que o princípio da legalidade respeita quer à criação dos impostos, quer à definição dos seus elementos essenciais, pelo que a fixação de critérios (elementos quantitativos/numéricos referentes a cada casino) através de diploma não autorizado, resulta em inconstitucionalidade orgânica.
— As liquidações impugnadas são também ilegais por enfermarem de vícios atinentes à exacta determinação da matéria tributável e do tributo, visto que pese embora o disposto no nº 2 do art. 13º do DL 129/2012, de 22/6 (os encargos a suportar pela concessionária são determinados multiplicando o valor da despesa identificada no número 1 do mesmo artigo, por um factor a fixar anualmente por despacho do membro do Governo responsável pela área do turismo, tendo em conta o montante despendido em anos anteriores), ela impugnante nunca foi notificada quer do montante dos encargos suportados ou despendidos, em anos anteriores, com o exercício da acção inspectiva e de combate ao jogo ilícito, decorrentes do funcionamento do Serviço de Inspecção de Jogos e da acção desenvolvida pela ASAE naquele domínio, quer da fixação do factor pelo membro do Governo responsável pela área do turismo, pelo que a liquidação também é ilegal por falta de fundamentação.

3.2. A sentença recorrida veio a julgar improcedente a impugnação das mencionadas liquidações (ou autoliquidações) correspondentes às ditas prestações mensais (Certamente por lapso induzido pelo supra referenciado lapso da impugnante, no segmento inicial do Relatório da sentença, mencionam-se os meses de Abril, Maio e Junho de 2014, sendo que nas alíneas H), I) e J) do Probatório, se referem já os meses de Março, Abril e Maio.) relativas à “compensação de encargos com o funcionamento dos Serviços de Inspecção de Jogos”, bem como o acto (que a sentença também menciona como acto impugnado) a que se refere a al. G) do Probatório, considerando o seguinte:
a) Quanto às ilegalidades por violação dos princípios da legalidade tributária e por inconstitucionalidades orgânicas e materiais dos normativos legais invocados:
— A prestação exigida à impugnante (compensação de encargos com o funcionamento dos serviços de Inspecção de Jogos) é liquidada com vista a perfazer a contrapartida prevista no n° 2 da cláusula 4ª do Contrato de Concessão (ou seja, por conta da contrapartida anual), então é esta compensação que a impugnante impugna, na parte em que a mesma respeita aos meses de Março a Maio de 2014, em conformidade com o valor que lhe foi notificado pelo Turismo de Portugal, IP, em carta datada de 3/08/2007.
— A chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo é composta por 50% das receitas brutas dos jogos explorados no Casino, tem um «mínimo» fixado no DL nº 275/2001 e é paga através, ao menos em parte, da “compensação dos encargos com o funcionamento dos serviços de Inspecção de Jogos, sendo que o valor da mesma está previsto no art. 13° do DL n° 129/2012, de 22/6.
— As cartas referidas nas als. F) e G) do Probatório visam a concretização da cobrança da compensação em causa, comunicando, designadamente, o respectivo valor mensal a partir de 2009 em face da actualização da proporção da comparticipação de uma das zonas de jogo (Vidago-Pedras Salgadas), bem como comunicar o procedimento com vista ao cumprimento da referida obrigação contratual, de acordo com as normas legais aplicáveis.
— Porque as prestações em causa foram fixadas no âmbito de um contrato celebrado com a concessionária, concorrendo para o cômputo da contrapartida anual, previstas no contrato de concessão no qual a impugnante é parte e cujas cláusulas aceitou, não há qualquer imposição mas, antes, um verdadeiro contrato de concessão, consensual entre as partes, não se verificando, assim, relativamente a tais liquidações (ou autoliquidações), as invocadas ilegalidades, por violação dos princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da proporcionalidade. Ou seja, a quota-parte a suportar pela impugnante a título de encargos com o funcionamento do Serviço de Inspecção de Jogos, no quantitativo e na forma como foi calculado, resulta do estipulado nas cláusulas do contrato de concessão, que remetem para o disposto no art. 13° do DL n° 129/2012, de 22/06 (antes previstas no art. 18° do DL nº 141/2007, de 27/04), sendo a compensação em causa identificada como parte da contraprestação que a impugnante se obrigou a pagar, atenta a sua qualidade de “concessionária”.
— Acrescendo que, mesmo que não pagasse as ditas compensações, sempre a impugnante pagaria, por imposição do contrato de concessão, a contrapartida de 50% das receitas brutas dos jogos explorados no casino, com respeito pelos mínimos constantes do Anexo ao DL n° 275/2001, de 17/10 (Este diploma autorizou a prorrogação dos prazos dos contratos de concessão da exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos das zonas de jogo do Algarve, Espinho, Estoril, Figueira da Foz e Póvoa de Varzim, alterou o regime contratual da concessão de jogo da Figueira da Foz e introduziu um regime especial de deduções nas contrapartidas anuais de exploração a liquidar pelas concessionárias das referidas zonas de jogo.), o que na prática levaria a ter de pagar a mesma importância que agora pretende ver discutida.
E neste contexto, a sentença concluindo que não estamos perante um imposto, conclui pela improcedência da arguição atinente à violação do princípio da legalidade, bem como da invocação de inconstitucionalidade por violação dos arts. 103°, n° 1, e 165°, n° 1, d) da CRP, cujo conhecimento julgou prejudicado, dada a natureza contratual das prestações aqui em causa.
b) Quanto à também invocada ilegalidade decorrente de não terem sido comunicados nem o valor da despesa suportada no ano anterior com os Serviços de Inspecção, nem a razão de ser do respectivo factor de multiplicação:
A fixação deste valor mensal a pagar por conta desta compensação aqui em causa (e com base na qual foram feitos os sucessivos pagamentos desta componente da contrapartida anual prevista no n° 2 da cláusula 4ª do contrato de concessão, incluindo os relativos aos meses de Março a Maio de 2014, aqui impugnados) não foi impugnada em sede e no momento próprios, resultando tal fixação consolidada para devidos efeitos legais, maxime para efeitos do apuramento da prestação contratualizada, a que se refere.
Ora, dado que esse valor resulta de cálculos que integram quer o montante da despesa suportada com a inspecção, quer o respectivo factor de multiplicação, e não tendo sido requerida em tempo a respectiva fundamentação (caso a impugnante a tivesse considerado inexistente ou insuficiente), nem sido impugnado o acto (notificação) que contém a respectiva fixação, tendo a impugnante vindo a pagar o valor em causa desde então, não pode agora vir impugná-lo atenta a respectiva consolidação na ordem jurídica.

3.3. Discordando do assim decidido, a recorrente alega que a questionada compensação (relativa a despesas suportadas com os Serviços de Inspecção) que, em princípio, se reconduziria a uma taxa (por assentar “na prestação concreta de um serviço público” — n° 2 do art. 4° da LGT), acaba por se transmutar num verdadeiro imposto, dado que há, no concreto caso, uma manifesta “desproporcionalidade intolerável” entre o serviço prestado e o valor exigido de compensação, sendo que nem sequer existe qualquer dado ou elemento comprovativo do efectivo custo suportado pela entidade pública ou da efectiva vantagem para o particular.
Daí que, enquanto imposto, teria a dita compensação de ser criada por Lei da AR ou por DL autorizado, o que não aconteceu, pelo que, considerando a respectiva liquidação, ocorre violação do princípio da legalidade tributária.
Mais alega que as liquidações são também ilegais porque:
— não estão acompanhadas de qualquer fundamentação;
— apesar de o respectivo valor dever ser determinado através da multiplicação das despesas (suportadas com a inspecção, pelo Turismo de Portugal, IP, no ano anterior) por um factor a fixar anualmente pelo membro do Governo responsável pela área de Turismo (art. 13° do DL nº 129/2012, de 22/6), não são conhecidos o quantitativo de tais despesas nem o factor de multiplicação, ou, pelo menos, nunca a impugnante foi notificada do valor de tais despesas ou da fixação do apontado factor.

4. Atendendo, pois, ao teor das Conclusões do recurso importa, antes de mais, apreciar esta questão da natureza da “compensação de encargos”, relativamente à qual foram impugnadas, como se disse, as liquidações referentes aos meses de Março, Abril e Maio de 2014.
Vejamos.

4.1. Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo, constata-se que apesar de a respectiva exploração (do jogo) não se reconduzir a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da “concessão”) dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Sendo que relativamente a determinadas zonas de jogo (na qual se inclui a zona aqui em causa) vigora um sistema de concessão em que a remuneração do Estado é materializada em contrapartida financeira assente, além do mais, numa percentagem das receitas brutas das concessionárias, resultando, como sublinha João Taborda da Gama (Em parecer emitido em 14/7/2016 e que veio a ser junto a outros processos em recurso neste STA (em que se apreciavam questões relativas ao imposto sobre o jogo ou às contrapartidas previstas como encargo das concessionárias de exploração de zonas de jogo) nomeadamente ao processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15), no qual foi proferido acórdão, em 5/12/2018, em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA.), que o respectivo «ordenamento jurídico do jogo (composto por contratos, leis e diplomas regulamentares) estabelece, para a maioria das concessões, as regras de cumprimento dessa contrapartida, selecionando um conjunto de obrigações parcelares, pecuniárias ou em espécie, cujo cumprimento é imputável no cumprimento da parcela global. Temos assim dois níveis: (i) o primeiro nível, de âmbito fragmentário e especial, em que um conjunto de obrigações (tributos, obrigações de facere de índole turística, etc.) é cumprido; e (ii) um segundo nível, em que é computado o valor pecuniário do cumprimento das obrigações parcelares para o cumprimento da macro-obrigação de contrapartida, apurando-se um saldo devedor (remanescente) ou um saldo credor (crédito de contrapartida).
E no âmbito do primeiro nível estão estipuladas legal e contratualmente variadas formas de realização das contrapartidas anuais, que variam de concessionária para concessionária:
a) ...
b) um outro modo de cumprimento previsto nos contratos/decretos regulamentares é através da tomada em consideração do valor pago pela compensação de encargos para o Serviço de Inspecção de Jogos e para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Esta modalidade de cumprimento encontra-se prevista para os casinos do Estoril, Espinho, Póvoa de Varzim, Figueira da Foz, Algarve e Tróia
Esta “compensação de encargos” integra-se, pois, na apontada contrapartida financeira, afastando-se da figura da taxa (e/ou do imposto).
É que, como também o Prof. Vieira de Andrade pondera (Cfr. o parecer emitido em Fevereiro de 2017, também junto ao supra citado processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15).), a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar haveria de operar-se num contrato pré-regulado por lei «(não constituindo a prestação de um serviço público), mediante uma contrapartida patrimonial muito forte, dado o alto potencial lucrativo da actividade (exercida em exclusivo territorial), com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo. E, neste contexto, também a necessária tributação desta actividade concessionada, enquanto actividade económica, haveria de ser especial: opta-se, desde sempre, no que respeita à exploração do jogo, pela substituição dos impostos regulares (hoje, IRC, IVA, Imposto de selo) por um imposto de regime especial, também com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo
Mas, no entanto, cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal
E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo).
E nem a circunstância de no Decreto nº 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a actividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jôgo. Sua consignação», não obstante o art. 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas – cfr. o art. 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo — e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial.
Acresce que, como igualmente se acentua neste último parecer citado, a distinção entre ambas as figuras também não é afectada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza).
Neste contexto, e dado que o modo de cálculo da contrapartida também não altera a sua natureza jurídica de prestação contratual, também fica desprovida de relevância a argumentação da recorrente no que respeita à unilateralidade da própria contrapartida mínima, pelo que, neste contexto, dando resposta àquela primeira questão suscitada no recurso, conclui-se agora que a “compensação de encargos para o Serviço de Inspecção de Jogos”, aqui impugnada, se reconduz a uma prestação de natureza patrimonial.

4.2. Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), não podendo essa contrapartida, incluindo a parte em que é integrada pela dita “compensação de encargos para a Inspecção de Jogos”, assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então, mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a uma taxa a dita compensação de encargos com os Serviços de Inspecção, acabando, aliás, por lhe conferir natureza de imposto, face a uma invocada “desproporção intolerável”), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas às liquidações em apreço, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica (por inexistência de autorização legislativa da AR) e inconstitucionalidade material (por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real), do DL n° 422/89, de 2/12, do DL n° 275/2001, de 17/10 e do DL nº 129/2012, de 22/06.
Aliás, neste âmbito, mesmo na perspectiva da recorrente, sempre o recurso teria que improceder, atendendo à jurisprudência, com a qual se concorda, firmada no acórdão deste STA, de 5/12/2018 [em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148º do CPTA, no processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15) e para o qual se remete ao abrigo do disposto no nº 5 do art. 663º do CPC], sendo que, naquela perspectiva da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso também seriam substancialmente idênticas às que foram objecto de tal julgamento ampliado, mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)».

5. Quanto à questão atinente à também invocada ilegalidade das liquidações por violação do disposto no nº 2 do art. 13º do DL nº 129/2012, de 22/6 (Diploma que aprovou a Lei Orgânica do Turismo de Portugal, I.P.), já que alegadamente terão sido operadas sem que fossem conhecidas as despesas no ano anterior e sem que tivesse sido fixado o factor aplicável também por referência ao ano anterior:
Atentando no teor das Conclusões 7ª a 9ª, 16ª e 17ª, bem como o teor das próprias alegações do recurso que as suportam (cfr., nomeadamente os arts. 21º, 39º e 40º das alegações), constata-se que, neste âmbito, a recorrente acaba por invocar apenas uma alegada falta de notificação de um factor considerado na liquidação (alega que «nunca foi comunicado qual o valor da despesa nem o factor a confirmar pelo Governo»), mas não a inexistência da própria fundamentação das liquidações (aliás, nesta parte, apenas alega, genericamente, a ilegalidade da liquidação por não estar acompanhada de qualquer fundamentação - Conclusão 9ª).
Aliás, ao referenciar os actos impugnados, a sentença também incluiu, precisamente, o especificado na alínea G) do Probatório, juntamente com as liquidações especificadas nas alíneas seguintes H) a J).
Ora, é sabido que uma coisa é a falta de fundamentação do acto e outra coisa diferente é a falta de notificação da fundamentação ( Sobre a distinção entre acto de notificação e acto notificado, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume I, anotação 3 a) ao art. 37º, pp. 349 a 351.), sendo que a irregularidade da notificação, tal como a própria falta de notificação, não relevam para efeitos da validade do acto, mas apenas para efeitos da sua eficácia (cfr. art. 36º, nº 1 do CPPT), podendo, contudo, as deficiências do acto de notificação (mas já não as que eventualmente sejam atinentes ao próprio acto notificado) ser sanadas nos termos do disposto no art. 37º do mesmo Código.
Assim, independentemente, (i) quer da argumentação da sentença [no sentido de que, por não ter sido impugnada, em sede e momento próprios, ficou consolidada (nomeadamente para efeito do apuramento da respectiva prestação contratualizada) a fixação do valor mensal a pagar por conta da compensação — € 303.322,78 — mencionado na carta do Turismo de Portugal, I.P., datada de 03/08/2007, e com base na qual foram efectuados os sucessivos pagamentos desta componente da contrapartida anual prevista no nº 2 da cláusula 4ª do contrato de concessão, incluindo os relativos aos meses de Março a Maio de 2014, identificados nas als. H), I) e J) dos factos provados], também o recurso terá que improceder nesta parte, (ii) quer da eventual relevância da factualidade especificada nas als. F) e G) do Probatório (a qual apontaria, no entendimento do MP, para a improcedência da própria alegação de falta de fundamentação, face à informação, por parte do Instituto de Turismo de Portugal I.P., da não alteração dos pressupostos atinentes ao ano de 2008, bem como dos ajustamentos a que o factor aplicado fora sujeito), o recurso terá de improceder também nesta parte.

6. Neste contexto e pelo exposto, improcederá a alegação respeitante às ilegalidades das liquidações, por violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica (por inexistência de autorização legislativa da Assembleia da República e inconstitucionalidade material (por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real), do DL n° 422/89, de 2/12, do DL n° 275/2001, de 17/10 e do DL nº 129/2012, de 22/06 e improcederá, igualmente, a alegação respeitante à ilegalidade das liquidações por violação do disposto no nº 2 do art. 13º deste último Diploma referido (DL nº 129/2012, de 22/6).

7. Uma vez que, atenta a decisão, temos por verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP, acrescendo que também o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.


DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Considerando que o texto do referenciado acórdão proferido em 5/12/2018 no processo nº 2224/13.1BEPRT (1457/15) se encontra disponível na base de dados da DGSI, acórdãos proferidos no STA, dispensa-se a junção da respectiva cópia.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2019 – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.