Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01317/09.4BELSB
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
Sumário:Não é de admitir revista se a alegação de que o acórdão recorrido violou o disposto no art. 27º, nº 3 do DL nº 59/99, não demonstra ter fundamento, visto que o acórdão recorrido se mostra bem fundamentado, de forma consistente, coerente e plausível, tanto quanto à aplicação daquela norma que se pretende discutir na revista, como quanto aos factos provados e não provados que determinam as conclusões a que chegou.
Nº Convencional:JSTA000P29383
Nº do Documento:SA12022050501317/09
Data de Entrada:01/25/2022
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……, SA [anteriormente designada B……, SA] intentou no TAC de Lisboa acção administrativa comum contra o Município de Lisboa, pedindo o pagamento de créditos emergentes da execução do contrato de empreitada de obras públicas de construção de cinquenta e três fogos de natureza social, infraestruturas, espaços exteriores e iluminação, na Rua ….., Ajuda, em Lisboa, a qual veio a ser julgada parcialmente procedente.

Interpostos recursos pela A. e pelo Réu daquela sentença para o TCA Sul, veio a ser proferido acórdão em 04.11.2021 que negou provimento ao recurso da Autora e concedeu parcial provimento ao recurso do Réu, revogando a sentença recorrida, na parte em que condenou o mesmo a pagar à A. os juros moratórios devidos pelo pagamento em data posterior à do vencimento das facturas indicadas nas alíneas q) e ppp) do probatório e ainda das facturas relativas às indemnizações devidas pela suspensão dos trabalhos, das alíneas bb) e ee), calculadas até 31.08.2009.

A Autora recorre deste acórdão, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, fundamentando a admissibilidade da revista na relevância jurídica das questões respeitantes ao regime de aplicação do art. 27º, nº 3 do RJEOP (DL nº 59/99, de 2/3), havendo necessidade de uma melhor aplicação do direito.

O Réu Município apresentou contra-alegações pugnando pela não admissão da revista ou pela sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

O TAC de Lisboa julgou a acção parcialmente procedente condenando o Réu “a pagar à A. os juros moratórios devidos pelos pagamentos em data posterior à do vencimento das faturas indicadas nas alíneas q) e ppp) do probatório e ainda das faturas relativas às indemnizações devidas pela suspensão dos trabalhos, tudo a calcular à taxa legal, desde as datas dos vencimentos até à data dos correspondentes pagamentos.”

Por sua vez o acórdão recorrido decidiu quanto ao recurso da A., o aqui em causa, no que se refere à aplicação do nº 3 do art. 27º do DL nº 59/99, no referente aos trabalhos que foram ordenados ao empreiteiro/autora recorrente de demolição ou redução de volumetria, em 16.07.2003 – 3º adicional -, que o “município não se remeteu ao silêncio quanto aos trabalhos de demolição ou redução volumétrica propostos pela autora em 8.7.2003, antes …, solicitou a esta justificação desses preços, para assim se pronunciar sobre eles.
E, assim sendo, independentemente de a lei exigir ou não a descriminação/justificação dos preços propostos pelo empreiteiro, o certo é que a referida comunicação de 16.7.2003 não pode, a nosso ver, aliás como decidiu o tribunal recorrido, ter outro significado que não seja a não aceitação, pelo Município, da lista de preços propostos pela autora para os trabalhos que lhe foram ordenados a 3.7.2003, de demolição ou redução volumétrica (cfr. al nn)). Pelo que tendo tal comunicação sendo efetuada dentro do prazo para o efeito previsto no nº 3 do art 27º, não se verifica a aceitação tácita dos preços propostos pela autora para aqueles trabalhos.”
(…)
O “contrato de empreitada 3º adicional”, tal como os demais contratos adicionais formalizados na presente empreitada não integrou qualquer articulado descritivo dos trabalhos considerados pelo Réu no respetivo valor de € 362.280,99 (cfr al vv) e iii) dos factos provados).
Mas, como assertivamente aponta a sentença recorrida, a autora não apresentou reclamação contra o “adicional nº 3” e respetivo valor, nem o contrato foi celebrado sob reserva (cfr al ss) dos factos provados). (…). Em suma, os trabalhos a mais a que se refere o Adicional nº 3 ao contrato de empreitada foram ordenados, executados, vistoriados, medidos, faturados e pagos nos termos dos documentos assinados por ambas as partes, sem quaisquer reservas ou reclamações dos direitos do empreiteiro.
Inexistindo prova de ser devido à autora quantia correspondente à diferença entre o valor da sua proposta e o valor do contrato adicional n.º 3, no montante de 267.137,56€, por os trabalhos a mais que realizou serem do valor proposto.
Quanto ao “Contrato Adicional nº 5 ao Contrato de Empreitada”, igualmente entendeu o acórdão, como antes a 1ª instância, que o Município/dono da obra ao não se ter pronunciado, no prazo de 15 dias (art. 27º, nºs 1 e 3 do DL nº 59/99) a contar da apresentação da lista de preços respeitante a trabalhos de espécie diversa dos previstos no “contrato de empreitada (als. bbb), ccc) e ddd) dos factos provados), aceitou o preço proposto pela autora, sendo que esta não apresentou reclamação contra tal Adicional nº 5 e respectivo valor (cfr. al. hhh) dos factos provados).
Assim, sobre esta matéria o acórdão concluiu o seguinte: “Em suma, os trabalhos a mais a que se refere o Contrato Adicional nº 5 ao Contrato de Empreitada foram ordenados, executados, vistoriados, medidos, faturados e pagos nos termos dos documentos assinados por ambas as partes, sem quaisquer reservas ou reclamações dos direitos do empreiteiro.
Inexistindo prova de ser devida à autora quantia correspondente à diferença entre o valor da sua proposta e o valor do contrato adicional n.º 5, no montante de 22.272,19€, por os trabalhos a mais que realizou serem do valor por si proposto.”

Na sua revista a Recorrente alega que o acórdão recorrido violou o disposto no art. 27º, nº 3 do DL nº 59/99, já que o Contrato Adicional nº 3 não tinha qualquer lista de preços associada, o mesmo se dizendo quanto ao auto de medição e factura, pelo que não poderia reclamar contra o conteúdo dos mesmos. O mesmo alegando quanto ao Adicional nº 5. Mais alega que o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 607º, nº 4 do CPC, aplicável por força do disposto nos arts. 663º, nº 2 e 679º do mesmo diploma.

Porém a argumentação da Recorrente não convence.
Desde logo, a invocação do art. 607º, nº 4 (por força dos arts. 663º, nº 2 e 679º, todos do CPC), não tem razão de ser já que a matéria de facto provada e não provada consta profusamente do acórdão recorrido, sendo que nos termos dos nºs 3 e 4 do art. 150º do CPTA, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o direito, não podendo ser objecto de revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
Quanto à violação do nº 3 do art. 27º do DL nº 59/99, o decidido pelas instâncias, foi-o de forma consonante e tudo indica que bem.
Com efeito, o acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de forma consistente, coerente e plausível, tanto quanto à aplicação da norma que se pretende discutir na revista, como quanto aos factos provados e não provados que determinam as conclusões a que chegou.
Assim, não se afigurando que a questão da errada aplicação do preceito indicado revista uma especial relevância jurídica ou complexidade superior ao normal, e, não se vendo igualmente que a revista seja necessária para uma melhor aplicação do direito, não se justifica a intervenção deste Supremo Tribunal, não sendo de postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.