Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0228/13.3BECBR
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
APELAÇÃO
Sumário:Deve admitir-se revista relativamente à questão de saber se é admissível apelação autónoma da decisão interlocutória que entende não haver matéria de facto controvertida.
Nº Convencional:JSTA000P28537
Nº do Documento:SA1202111180228/13
Data de Entrada:05/08/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………… vem interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Norte, em 31.01.2020, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Coimbra que julgou improcedente a acção administrativa especial que intentou contra o Município da Figueira da Foz, a fim de impugnar o despacho municipal que determinou a demolição de obras por si executadas.
Alega que a revista deve ser admitida por as questões que coloca serem repetíveis em outros processos e ser necessária uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

O acto objecto da presente impugnação, determinou a demolição de obras executadas sem licença municipal e igualmente sem autorização do condomínio, qualificadas como obras de inovação situadas em espaços comuns do prédio, de acordo com certidão de Propriedade Horizontal existente de tal prédio.

O TAF de Coimbra proferiu sentença na qual apreciou os seguintes vícios imputados ao acto impugnado: i) usurpação de poderes; ii) prescrição do direito de ordenar a demolição das obras; iii) violação do princípio da boa fé; iv) violação de lei por erro nos pressupostos; v) violação do art. 106º, nº 2 do RJUE; vi) falta de fundamentação; vii) pedido subsidiário de condenação do Réu a indemnizar a Autora pelos danos patrimoniais sofridos, no valor de €87,500,00.
A sentença concluiu que não se verificava nenhum dos vícios imputados ao acto impugnado e, relativamente ao pedido indemnizatório entendeu que não estava provada a ilicitude da conduta do R., pelo que julgou a acção improcedente.

O acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF de Coimbra, negando provimento ao recurso da Autora.

Na presente revista a recorrente suscita seis questões, justificativas da admissão da revista, a saber:
“1.ª O direito de ordenar a demolição de obras ilegais previsto no RJUE é imprescritível (…)?
2.ª É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efectiva (v. art.º 268º, 4 da Constituição) e com o princípio da igualdade das partes (v. art.º 6º do CPTA) que o tribunal não permita ao administrado provar os factos que alegara na p.i. para fundamentar os vícios imputados à decisão administrativa e que foram impugnados em sede de contestação, para depois dar por provados exactamente os factos contrários com base no argumento de que o administrado não logrou provar os factos que alegara nem contraditar o que havia sido dado por provado pela Administração/parte no processo instrutor?
3.ª Qual a força probatória do processo instrutor, designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível ouse, pelo contrário, é apenas um dos meios de prova de que se pode socorrer o Tribunal para formar a sua livre convicção e que deve ser confrontado com todos os demais meios de prova que sejam legalmente admissíveis e relevantes para a descoberta da verdade material?
4.ª É compatível com os princípios do dispositivo e do contraditório que o Tribunal dê por provados factos que não foram alegados nem na p.i. nem na contestação, mas que são referidos no processo instrutor, sem que antes tenha submetido tais factos que considera relevantes para a boa decisão da causa ao contraditório das partes, designadamente da parte a quem os mesmos são prejudiciais?
5.ª Do despacho saneador que considere não existirem factos controvertidos com relevância para a boa decisão da causa cabe recurso imediato, sob pena de tal decisão formar caso julgado formal, ou, pelo contrário, é uma decisão interlocutória que só pode ser impugnada no recurso interposto da decisão final?
6.ª Para efeitos indemnizatórios, e ainda que a ordem de demolição seja legal, constitui ou não facto ilícito que um Município tenha durante 25 anos omitido o cumprimento dos seus deveres de fiscalização e de demolição e só tenha ordenado essa mesma demolição ao fim de tal período de tempo e quando o proprietário da fracção já não era quem procedeu à construção alegadamente ilegal?”.

As referidas questões justificam a admissão de revista, conforme já se havia pronunciado esta Formação no acórdão de 05.04.2019, neste processo, mormente em relação à 5ª questão, a qual pode ter reflexos sobre a apreciação das restantes.
Com efeito, entendeu sobre a mesma o TCA Norte que a A. notificada da decisão interlocutória que considerou não existirem factos controvertidos, não a impugnou, tendo considerado que era imediatamente impugnável, sob pena de a questão ficar consolidada na ordem jurídica. Invocou, para tanto, o disposto no art. 142º, nº 5 do CPTA. No entanto, este preceito remete para os casos em que, nos termos do CPC, é admitida apelação autónoma, a qual vem prevista no art. 644º, nº 2, alíneas a) a i) do CPC (preceito que não é evidente ser aplicável ao caso).
Ora, tal como se decidiu no acórdão de 05.04.2019, “Não é, assim, evidente a tese sustentada pelo TCA Norte quanto à impossibilidade de pôr em causa a decisão interlocutória que julgou não haver factos controvertidos, sendo que por se tratar da questão central da tramitação processual tem claramente virtualidade de vir a colocar-se no futuro.
Por outro lado, a questão tem claros reflexos na análise das demais questões suscitadas neste processo, uma vez que o seu desfecho poderá vir a tornar necessária a produção de prova que foi dispensada.
Assim com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito justifica-se admitir a revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.