Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0902/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
VENDA
SUSPENSÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
II - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
III - É inadmissível a suspensão da venda no caso da execução fiscal não prosseguir em outros bens, uma vez que a expressão final do n.º 2 do artigo 244.º do CPPT «podendo a execução prosseguir em outros bens» deve ser interpretada não como uma mera faculdade subsequente à decisão da suspensão da venda, mas sim como um requisito dessa suspensão.
Nº Convencional:JSTA00067789
Nº do Documento:SA2201209190902
Data de Entrada:08/24/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2012/06/12 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART244.
CONST76 ART268 N3.
LGT98 ART77 N1.
CPA91 ART125.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01123/08 DE 2009/02/11
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG64.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A……, NIPC ……, com sede na ……, n.° …, no Porto, nos presentes autos de execução fiscal n.° 3387200701065785 e apensos, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 276.° e seguintes do CPPT, apresentar reclamação do despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto - 4, datado de 7 de Setembro de 2009, pelo qual lhe foi indeferido o seu pedido de suspensão da venda executiva.
Por sentença de 12 de Junho de 2012, o TAF do Porto, julgou a reclamação judicial procedente na consideração de que o despacho reclamado está insuficientemente fundamentado por não concretizar as razões de facto eu determinaram a sua decisão de indeferimento do pedido de suspensão da venda executiva.
Reagiu a Fazenda Pública ora recorrente, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

A. Recorre-se da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, determinando a anulação do despacho reclamado por vício de falta de fundamentação do despacho reclamado no que concerne ao indeferimento do pedido de suspensão da venda nos termos do n.° 2 do art. 244° do CPPT, por considerar que “constata-se que o despacho sub judicio não concretiza as razões de facto que determinam a sua decisão de indeferimento do pedido de suspensão da venda executiva” e que “não se vislumbram no sobredito despacho as razões de facto determinantes da decisão, nomeadamente se, in concretu, existem ou não outros bens que possam ser vendidos, por forma a assegurar a cobrança dos créditos tributários”.
B. Ressalvado o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com a sentença exarada, porquanto a decisão de não suspensão do processo executivo não está dependente da especial exigência de fundamentação pressuposta pelo Tribunal como pilar da sua argumentação e porquanto a decisão se mostra devidamente fundamentada.
C. Especificando, entende-se que apenas a decisão de suspensão do processo executivo, nos termos do disposto no art. 244° do CPPT, se encontra adstrita a especiais exigências de fundamentação, de forma a impor ao OEF a “ponderação” que a decisão de suspensão reclama.
D. Sendo da exclusiva competência do OEF a decisão de suspensão da venda marcada, aquele não pode sem mais determinar a suspensão da execução, apenas pode suspender a execução depois de aferir do preenchimento dos pressupostos enunciados no n° 2 do ad. 244°, ou seja, o valor manifestamente superior dos créditos reclamados pelos demais credores com garantia relativamente ao valor da dívida exequenda e acrescido e a existência de outros bens sobre os quais possa a execução prosseguir para satisfação dos créditos tributários.
E. Justifica-se esta exigência, na medida em que, findo o prazo do pagamento voluntário, o devedor acha-se em situação de incumprimento, sendo que, esse incumprimento legitima a cobrança coerciva, através do processo de execução fiscal e, assim, a AT não está apenas legitimada a proceder à cobrança coerciva, mas obrigada a fazê-lo, não tendo, nesta matéria, qualquer margem para critérios de oportunidade, sendo a sua actuação estritamente vinculada à lei.
F. A lei é clara nessa absoluta vinculação da AT, estabelecendo quer a indisponibilidade do crédito tributário, quer a proibição da moratória, nos termos do disposto no n.° 2 do art.° 30° da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual o crédito tributário é indisponível só podendo ser criadas condições para a sua redução ou extinção com respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária e n.° 3 do art.° 36° do citado diploma legal, segundo o qual a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. Pelo que, no art. 244°, n° 2 do CPPT, se exige “decisão fundamentada” do órgão de execução, com o objectivo de impor a “ponderação” e a possibilidade de controlo da verificação dos pressupostos fixados pelo legislador, ante a faculdade conferida àquele de suspender a execução.
G. A douta decisão recorrida, do exarado no ad. 244°, n° 2, extrai que o OEF apenas poderia decidir pela não suspensão da venda marcada depois de aferir do preenchimento pressupostos ali exarados, sendo ilegal por falta de fundamentação a decisão tomada, ou seja, conclui-se que os requisitos de fundamentação estipulados para a decisão de suspensão o são também para exarar decisão de indeferimento do pedido de suspensão com base no disposto naquele artigo, efectuado pela reclamante, o que não aceitamos na medida em que tal decisão de suspensão se encontra estipulada como uma faculdade e não como uma obrigação.
H. Com efeito, a utilização do termo “pode” e a concessão do “poder de decisão” ao OEF apontam no sentido de se estar em face de um poder discricionário atribuído não em razão da qualidade de entidade que dirige o PEF, mas em razão da “qualidade de representante da exequente”, que acumula aquelas funções, sendo, assim, um poder que o OEF como representante do titular dos créditos tributários “exercerá conforme a perspectiva que tenha sobre a melhor forma de atingir o objecto que a execução fiscal visa que é o de assegurar a rápida cobrança dos mesmos créditos”.
I. Segundo o mui douto Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (que dedica à matéria em causa nestes autos as nota 5 e 7 ao art. 244° da sua obra CPPT Anotado e comentado, Áreas Editora, Lisboa, 2011, Volume IV, cuja argumentação acompanhamos), será “curial” que o OEF decida a suspensão da venda dos bens sobre que incidem os créditos reclamados quando for de presumir que eles não poderão ser utilizados ou serão desnecessários para o pagamento dos créditos tributários, sendo que aquela expressão deve ser interpretada com o significado do que é adequado, conveniente ou sensato e não como constituindo uma obrigação ou imposição.
J. Esta perspectiva não nos parece autorizar a conclusão transposta para a sentença de que sem apreciar as razões de facto que determinariam a suspensão da venda, a decisão subjacente deveria ser anulada, uma vez que esta conclusão tem subjacente a interpretação do n.° 2 do art. 244° como contendo um dever, obrigação ou imposição de fundamentação da decisão de não suspensão que a lei determina ao OEF, quando na verdade, a não suspensão decidida concretiza a prossecução normal dos autos, que constitui a real obrigação do OEF,
K. Sendo a suspensão da venda um desvio do itinerário procedimental que conduzirá à cobrança do tributo, desvio esse que só será admissível quando o interesse do próprio exequente o imponha, justificando-se só em caso de suspensão o preenchimento dos respectivos requisitos.
L. Aliás, é muito questionável a legitimidade do executado, aqui reclamante, para tomar a iniciativa de suspender a venda com este fundamento, atento o interesse público de cobrança que está subjacente à norma em discussão.
M. Por outro lado, a exigência de fundamentação dos actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.° do CPA) é formulada no art. 268°, n.° 3, da CRP, que estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
N. Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado, de forma genérica, no art. 77.° da LGT, nos termos do qual “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e a “fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
O. Com a devida vénia, o Supremo Tribunal Administrativo, tem vindo a entender que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
P. Fora de situações especiais em que são exigidos acrescidos de fundamentação (como é o caso da decisão de suspender o PEF com base no art. 244°, n° 2), o acto considera-se suficientemente fundamentado quando é atingido formalmente esse propósito, dando a conhecer os elementos que a lei exige que sejam indicados e, sendo atingido tal objectivo, qualquer irregularidade ou omissão deverá considerar-se sanada, aferindo-se tal efeito face ao acto efectivamente praticado, perante o qual terá que ser cotejada a sua adequação.
Q. A fundamentação formal visa possibilitar um conhecimento concreto das razões que determinaram a AT a actuar como actuou, permitindo conhecer o seu itinerário cognoscitivo e valorativo, enquanto a fundamentação material ou substancial caracteriza-se pela enunciação de motivos aptos e legítimos a suportar a decisão de fundo, visando encontrar a base substancial que a legitima, por forma a demonstrar que se verificam os pressupostos legais dos quais depende a sua actuação.
R. Ora, a AT emanou decisão fundamentada no sentido de esclarecer a requerente da impossibilidade de suspensão da venda, com base no art. 244°, n° 2 do CPPT, porque como resulta da informação que sustenta o despacho reclamado, a presidir à decisão de suspensão está o interesse público.
S. Decorre dessa informação que no caso de os créditos não tributários consumirem o produto da venda, não há justificação para que credores que não o credor tributário beneficiem dos mecanismos de cobrança subjacentes ao CPPT, desde que existam outros bens, cuja venda seja viável e sobre os quais os restantes credores não tenham reclamado créditos.
T. A referida informação faz depender da existência de bens, que não se verifica (como decorre da própria conclusão da informação), o deferimento do solicitado e o despacho reclamado pronuncia-se, ao considerar, após concordância com a informação, que “o valor das acções do A’…… será nulo ou de reduzido valor, face ao passivo do mesmo.”
U. Concluímos portanto que o despacho recorrido se mostra plenamente fundamentado do ponto de vista formal a pondera concretamente as razões de facto que conduzem ao indeferimento.
V. Questão diversa é se, se considera que foram enunciados motivos aptos e legítimos a suportar a decisão de fundo, visando encontrar a base substancial que a legitima, de forma a demonstrar os pressupostos legais dos quais depende a sua actuação, que constitui já a fundamentação substancial, porém, este último aspecto implica a análise da validade da decisão, o que não pode deixar de ser feito num prisma de que a mesma é efectivamente uma decisão da competência do OEF, um poder que o OEF como “representante do titular dos créditos tributários” exercerá “conforme a perspectiva que tenha sobre a melhor forma de atingir o objecto que a execução fiscal visa que é o de assegurar a rápida cobrança” dos mesmos créditos.
W. Assim, e apesar de considerarmos que ao OEF não era exigível que fundamentasse as razões para a não suspensão da execução fiscal, atenta a natureza indisponível do crédito tributário e a falta de legitimidade da reclamante para suscitar a suspensão da venda, verificamos que os dois requisitos foram concretamente apreciados.
X. Como consta da informação transcrita na alínea S) do probatório, o primeiro pressuposto verifica-se, o que constitui por si só manifestação de que as razões de facto foram concretamente consideradas.
Y. Em contradição com o doutamente decidido, a razão de facto determinante da decisão de indeferimento - impossibilidade de a execução prosseguir noutros bens - resulta quer da informação prestada, quer da decisão reclamada, como mencionado na conclusão U: os bens propostos pela reclamante (as acções A’……) foram reputados de valor nulo ou reduzido, atento o passivo da entidade, facto público e notório que impossibilita a execução.
Z. Assim, entende-se que a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar a decisão de não deferir a suspensão da venda nos termos do art. 244°, n° 2 do CPPT, violando o seu conteúdo ao julgar o despacho ilegal por falta de fundamentação, uma vez que aquele normativo apenas quando se decida pela suspensão do processo executivo exige a decisão fundamentada e a aferição em causa, e dado que a fundamentação, apesar do decidido, existe.

Nestes termos,
deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

1. Pode afirmar-se que o acto está fundamentado sempre que o seu destinatário fica devidamente esclarecido acerca das razões que o motivaram, o que pressupõe a necessidade do mesmo expor com suficiência e clareza as razões de facto e de direito que conduziram á sua prática, revelando o seu iter-cognoscitivo e valorativo, por forma a que o interessado, se o quiser, o possa impugnar com o indispensável esclarecimento - por exemplo, Ac. de 12.2.09, rec. n° 910/08 deste STA e que é jurisprudência uniforme. Veja-se, neste sentido, José Carlos Vieira de Almeida - O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, págs. 232 e segs.
2. Nos termos do art 125°, n° 1 do C.P.A. - “ A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do acto.
E, no caso concreto em análise, o acto impugnado encontra-se, devidamente fundamentado por remissão, através de uma inequívoca declaração expressa de concordância com a informação que o precedeu, cujo teor explicita, clara, suficiente e congruentemente, o itinerário cognoscivo e valorativo determinante da sua prática, dando a conhecer ao seu destinatário ou destinatários as razões de facto e de direito da sua génese e do seu conteúdo - cfr., também por exemplo, os Acs. deste STA, de 10.11.98 , rec. 32702 - Pleno; de 18.3.99, rec. 34687 - Pleno; de 30.1.03 , rec. 2026/02-Pleno; de 5.11.03, rec. 1053/03 e jurisprudência nele citada e ainda de 6.2.07, rec. 904/05.
3. A ora recorrida ficou bem ciente do porquê da não suspensão do processo executivo e em nada ficou prejudicada nos seus direitos de defesa ou de oposição.
4. Como assim e de acordo com os demais argumentos expendidos pela representante da Fazenda Pública nas suas doutas alegações de fls. 981/92, somos de parecer que o recurso merece provimento.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

A) Contra a reclamante foram instaurados o processo de execução fiscal n.° 3387200701065785 e o apenso n.° 3387200801006193, para cobrança de dívidas provenientes de IVA, do montante de 143.826,49 €, referente a Agosto de 2007 e do montante de 130.805,40, relativo a Outubro de 2007, respectivamente, perfazendo o montante global de 274.631,89 € e acrescido legal.
- cfr fls. 31 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Em 07/01/2008, a reclamante apresentou no Serviço de Finanças do Porto - 4 um requerimento, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
(…)
19.º
É, pois, com base em tais pressupostos legais e fundamentos económicos que a ora requerente se declara incapaz de prestar qualquer garantia, não só por manifesta falta de meios económicos, mas também pelo prejuízo irreparável que a prestação de uma qualquer garantia bancária ou seguro caução acarretariam.
Por tudo isto,
20.º
Desde já se requer a suspensão da presente execução com isenção da prestação de garantia - cfr Artigos 169.° e 199°, n.° 3 do C.P.P.T.
Caso assim não se entenda se sem prescindir do supra alegado:
21.°
A ora executada, socorrendo-se de solução idêntica àquela que já apresentada por outras agremiações desportivas com o mesmo objecto social desta e tendo em conta o actual ratio da Lei art. 195.°, n.°1 do CPPT, para garantia do pontual e integral cumprimento do acordo ora requerido constituirá primeiro penhor sobre os títulos nominativos de que é legitima titular e representativos dão capital social da A’……, e que asseguram o pagamento da totalidade da dívida. A saber, 880.000 (oitocentos e oitenta mil acções) acções ordinárias, nominativas de pagamento da divida exequenda em prestações e de dispensa de prestação de garantia, oferecendo-se, na eventualidade de ser indeferida a dispensa de garantia, para constituir penhor sobre 880.000 acções nominativas que detém sobre o A’……”. - cfr fls. 5/7 dos autos.
C) Em 16/07/2008, o Senhor Director de Finanças Adjunto do Porto, proferiu despacho com o seguinte teor: “Concordo com o parecer infra, pelo que (...) defiro o pedido de pagamento em doze prestações de acordo com a legislação aplicável.
Quanto à dispensa de garantia, sendo públicas e notárias as dificuldades de natureza financeira, não foi provado que a penhora de parte do vasto património de que é titular, afecte o seu funcionamento, pelo que não dispenso a garantia, podendo aceitar-se como tal, a penhora em bens do activo.” - cfr fls. 14/17 dos autos.
D) Nessa sequência foi elaborado o plano prestacional n.° 256/2008.
E) O reclamante não pagou nenhuma das prestações do plano prestacional a que se alude em D). - cfr fls. 927 dos autos.
F) Do parecer a que se refere o despacho referido em C) consta, designadamente, o seguinte:
Pela Informação prestada pelo Serviço de Finanças e após consulta aos sistemas informáticos, nomeadamente o sistema das Execuções Fiscais (SEF) e Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis (CEAP) verifica-se que:
(...)
4. No Cadastro Electrónico de Activos penhoráveis (CEAP), constam os seguintes bens:
57 prédios;
4 viaturas;
Diversos valores de créditos;
Diversas contas bancárias;
5. O valor da garantia a prestar é de € 170.324,74.
Atentos os factos, nomeadamente considerando que:
(…)
Determina o n.° 2 conjugado com o n.° 1 do artigo 196 do CPPT que as dívidas exigíveis em processo executivo poderão ser pagas em prestações mensais e iguais, não sendo aplicável às dividas resultantes da falta de entrega, dentro dos respectivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros;
Ora, no caso do imposto sobre o Valor Acrescentado, imposto repercutido a terceiro, não seria possível atender à pretensão do requerente;
Contudo determina o n.° 4 do art. 52 da Lei Geral Tributária (LGT) que a Administração Tributária poderá isentar a prestação ou constituição de garantia se verificar a manifesta falta de meios económicos ou se a prestação causar prejuízo irreparável ao contribuinte;
Assim sou de parecer que poderá ser autorizado o pagamento em 12 (doze) prestações mensais nos termos do n.° 4 do art. 196 do CPPT, tendo em consideração as dificuldades financeiras alegadas e verificadas e as previsíveis consequências económicas para o devedor podendo ainda ser deferido parcialmente o pedido de isenção da prestação de garantia na parte que possa exceder o valor dos bens que vierem a ser penhorados ou os apresentados pelo executado, por força do disposto no art. 169. do CPPT, tendo em consideração as dificuldades financeiras alegadas e verificadas e as previsíveis consequências económicas para o devedor podendo ainda ser deferido parcialmente o pedido de isenção da prestação de garantia na parte que possa exceder o valor dos bens que vierem a ser penhorados ou os apresentados pelo executado, por força do disposto no artº 169º do CPPT (…)”.
G) A reclamante foi notificada na pessoa do seu mandatário do despacho a que se alude em C) em 26/11/2008.
H) Em 26/01/2009, foram registadas a favor da Fazenda Pública penhoras sobre os seguintes imóveis:
- fracções autónomas designadas pelas letras AH, Y, AE, M, AQ, AI, Z, T, AC, R, S e B do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.° 1482, da freguesia de Ramalde e inscrito no artigo 7767 da matriz urbana respectiva;
- fracções autónomas designadas pelas letras A, C e E do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.° 1469, da freguesia de Ramalde e inscrito no artigo 7572 da matriz urbana respectiva. - cfr fls. 121/378 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
l)Da Informação lavrada pelo Serviço de Finanças do Porto - 4, em 30/03/2009 consta, entre o mais, o seguinte:
Cumpre-me informar que nos autos se encontram penhorados os prédios urbanos inscritos na respectiva matriz predial de Ramalde, Porto, de acordo com o quadro infra:




cfr doc de fls 343 dos autos.
J) Em 29/05/2009 o Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto - 4 proferiu despacho, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
Proceda-se à venda dos bens penhorados, por meio de propostas em carta fechada, nos termos do artigo 248° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), designando, para esse efeito, os dias abaixo indicados do mês de Setembro de 2009, pelas dez (10) horas, neste Serviço de Finanças (...)
K) A reclamante foi notificada por carta registada com aviso de recepção do ofício n.° 3435, datado de 08/07/2009, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
Assunto: VENDA JUDICIAL
(...)
Fica V. Ex. a notificado, na qualidade de fiel depositário dos bens penhorados e de executado no processo de execução fiscal supra referido, que neste Serviço de Finanças se irá proceder à abertura das propostas em carta fechada para a venda judicial dos bens identificados no quadro infra. Indica-se também a data de cada venda e da abertura de propostas, o valor base da venda e o período durante o qual deverá mostrar cada um dos bens aos possíveis interessados.




- cfr doc de fls 424/425 dos autos.
L) Em 13/04/2009 foram registadas a favor da Fazenda Pública penhoras sobre as fracções autónomas designadas pelas letras BO, X, U, I, AT e AF do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.° 1482, da freguesia de Ramalde e inscrito no artigo 7767 da matriz urbana respectiva. - cfr fls. 459/482 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
M) Em 22/04/2009, foi registada a favor da Fazenda Pública a fracção autónoma pela letra K do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.° 1482, da freguesia de Ramalde e inscrito no artigo 7767 da matriz urbana respectiva. - cfr fls. 484/495 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
N) Em 05/05/2009 foram registadas a favor da Fazenda Pública as fracções autónomas designadas pelas letras AK, AP, AS e V do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.° 1482, da freguesia de Ramalde e inscrito no artigo 7767 da matriz urbana respectiva. - cfr fls. 495/523 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
O) Em 09/07/2009, o Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto - 4 proferiu despacho, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
Proceda-se à venda dos bens penhorados, por meio de propostas em carta fechada, nos termos do artigo 248.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), designando, para esse efeito, os dias abaixo indicados do mês de Outubro de 2009, pelas dez (10) horas, neste Serviço de Finanças (...)
P) Em 27/07/2009, o reclamante foi notificado, por carta registada com aviso de recepção, do ofício n.° 3721, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
Assunto: VENDA JUDICIAL
(...)
Fica V. Ex.ª notificado, na qualidade de fiel depositário dos bens penhorados e de executado no processo de execução fiscal supra referido, que neste Serviço de Finanças se irá proceder à abertura das propostas em carta fechada para a venda judicial dos bens identificados no quadro infra. Indica-se também a data de cada venda e da abertura de propostas, o valor base da venda e o período durante o qual deverá mostrar cada um dos bens aos possíveis interessados.



- cfr doc de fls 597/598 dos autos.
Q) Em 04/09/2009, foi apresentado pela reclamante o requerimento de fls. 728/735 dos autos, cujo teor se transcreve parcialmente:
(..) O Sr. Director não se pronunciou, porém, sobre a garantia oferecida subsidiariamente pela executada, a saber, o penhor sobre 880.000 acções nominativas da A’…....
Não foi fixado o montante da garantia a prestar nem, tão pouco, notificado o Clube para vir aos autos, no prazo legal de quinze dias, oferecer garantia alternativa.
Nem foram tidos em consideração, sequer a título de nomeação de bens à penhora, os títulos oferecidos pela executada.
Sendo certo que, mesmo antes de notificada a executada do despacho proferido pelo Sr. Director de Finanças do Porto, haviam já sido ordenadas as penhoras nos bens imóveis a cuja venda judicial se pretende, agora, proceder.
Em expressa violação do estatuído nos artigos 169°, n.° 2, 199°, n.° 2 215°, 1 e 3 e 219.°, todos do CPPT.
O que resulta na nulidade daquele despacho, por omissão de pronúncia, bem como das penhoras efectuadas, por preterição de formalismos processuais indispensáveis.
ACRESCE QUE,
Do confronto entre o valor da divida exequenda (353.374,45 €) e a soma dos valores das fracções penhoradas (884.532,00 €), resulta por demais óbvio o excesso de penhora, em violação do disposto no artigo 217° do CPPT.
Em consequência, tomou a executada conhecimento, por consulta aos autos, de que foram reclamados, pelos credores hipotecários, designadamente, a Caixa Económica Montepio Geral e o Banco Português de Negócios, créditos superiores a 3.000.000,00 € (três milhões de euros), sendo que a dívida exequenda em pouco ultrapassará, nesta data, 353.000,00€
A que acrescem as reclamações dos promitentes-compradores das aludidas fracções e os embargos de terceiro recebidos, com fundamento no direito de retenção que sobre elas gozam.
Motivos que, atento o valor dos bens penhorados, devem determinar seja ordenada a suspensão da venda, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 244.° CPPT, cuja ratio reside na protecção dos interesses de terceiros interessados e da própria executada, nos casos em que da venda não seja possível, previsivelmente, vir a resultar a satisfação de créditos da Fazenda (...)
- cfr fls. 728/736 dos autos.
R) Em 07/09/2009, o Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto - 4 proferiu despacho com o seguinte teor:
Em concordância com a informação, indefiro o pedido, porquanto foram ultrapassados todos os prazos de reclamação dos actos proferidos no processo, acrescendo referir que o valor das acções do A’…… será nulo ou de reduzido valor, face ao passivo do mesmo”. - despacho reclamado - cfr fIs. 743 dos autos.
S) Na Informação anexa ao despacho a que se alude na alínea que antecede, consta, entre o mais, o seguinte:
Tendo em conta o alegado pelo aqui exponente resulta evidente que o mesmo começa por alegar a nulidade do despacho proferido pelo Chefe deste Serviço de Finanças, que designa dia e hora para a venda judicial e termina peticionando pela nulidade do Despacho do Director de Finanças do Porto que recaiu sobre o pedido de pagamento de prestações e a sua isenção de garantia. Do arguido é manifesta a divergência entre o pedido e a causa de pedir, mas mesmo que assim não fosse, não era este o meio próprio para ver atendidas as pretensões do aqui requerente.
No caso da nulidade do despacho de venda proferido pelo Chefe deste órgão de execução fiscal, bem como do despacho do Sr. Director de Finanças o meio próprio seria sempre o estatuído no art.° 276.º do CPPT, reclamações das decisões do órgão de execução fiscal, feitas para o Tribunal Tributário de 1.ª instância - actual Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Essa reclamação teria de ser apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, a qual ocorreu em 03/07/2009 (autos folhas 417 verso).
No tocante ao alegado pelo exponente relativamente ao n.° 2 do art.° 244.º do CPPT, importa tecer algumas considerações:
Relativamente ao aduzido pelo aqui requerente e atendendo ao estatuído no art.° 244.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), o n.° 2 do citado art° nos diz que “a venda pode ser suspensa mediante decisão fundamentada do órgão da execução fiscal a realização da venda caso o valor dos créditos reclamados pelos credores referidos nos arts 240.º e 242.° for manifestamente superior ao da divida exequenda e acrescido...”
Este n.° 2 prevê a possibilidade de suspensão da venda no caso de os créditos não reclamados pela Administração Tributária serem em montante manifestamente superior ao da divida exequenda, o que é o caso.
A explicação deste regime, parece estar, por um lado, na função do processo de execução fiscal, que é um processo executivo especial de natureza mais célere que o comum justificada pelas razões de interesse público e, por outro lado, na razão de ser da convocação dos credores que não tenham direito à utilização autónoma do processo de execução fiscal para cobrança dos seus créditos, que é a de permitir-lhes fazer valer os seus direitos de garantia real sobre os bens penhorados, que se extinguem com a venda, nos termos do artigo 824°, n.° 2 do Código Civil.
Assim, nos casos em que, face da reclamação de créditos não tributários, for de prever que a execução fiscal passará a assumir primacial ou exclusivamente a função de satisfazer os créditos não tributários, é compreensível que seja afastada a utilização do processo de execução fiscal para cobrança desses créditos, desde que a execução possa prosseguir com a venda de outros bens, sobre os quais não tenham sido reclamados créditos não tributários, como se prevê na parte final do n.° 2 do art. 244.° CPPT.
Perante o exposto só se pode compreender que seja suspensa a venda, pela razão referida, se a execução puder prosseguir noutros bens. Na verdade, se não houver outros bens que possam ser vendidos, não haverá outra possibilidade de procurar cobrar os créditos fiscais e satisfazer os fins do interesse público ligados à cobrança de tributos, pelo que é preferível que a venda seja efectuada. Por isso a expressão final do n.° 2 deste artigo deve ser interpretada não como uma mera faculdade subsequente à decisão da suspensão da venda, mas sim como requisito dessa suspensão. Isto é, “podendo a execução prosseguir noutros bens” é possível decidir a suspensão; se ela não puder prosseguir noutros bens, não poderá ser suspensa.
Mediante o factualismo vertido sou de parecer, salvo melhor entendimento de V. Ex.ª que o respectivo pedido será de indeferir, mas V. Ex.ª assim melhor decidirá.” - cfr doc de fls 740/742 dos autos.
T) Em 07/09/2009, o reclamante foi notificado na pessoa do seu mandatário do despacho referido na alínea I). - cfr doc de fls 748 dos autos.
U) Em 04/09/2009, a sociedade comercial Banco Português de Negócios, S.A., na qualidade de credor reclamante no PEF n.° 3387200701065785, do montante global de 3.019.232,44 €, veio requerer a suspensão da realização da venda da fracção AH relativamente à qual se encontra designado o dia 7 de Setembro de 2009 para a abertura de propostas em carta fechada. - cfr fls. 737/739 dos autos.
V) Sobre o requerimento referido na alínea precedente recaiu despacho de indeferimento, com o seguinte teor: “Em concordância com a informação, indefiro o pedido, porquanto o requerente teve tempo suficiente para vistoriar o prédio.” - cfr fls. 744/747 dos autos.
W) A presente reclamação judicial foi apresentada no Serviço de Finanças do Porto - 4 em 08/09/2009. - cfr fls. 829/840 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3 – DO DIREITO
É sabido que incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo da Lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, conforme o preceituado pelo artigo 660° n.° 2° do Código do Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 2° alínea e) do CPPT.
Na primeira instância foram suscitadas duas questões:
Uma a da nulidade do despacho do Senhor Director de Finanças do Porto e do processado subsequente; Outra a da falta de fundamentação do despacho reclamado (despacho de 07/09/2009 da autoria do Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto-4- vide alíneas R) e S) do probatório.
A decisão de 1ª Instância considerou que o despacho do Senhor Director de Finanças de 16/07/2008 referido em c) dos factos provados não era nulo e que não tendo sido reclamado atempadamente se consolidou na ordem jurídica
E, nesta parte a sentença não foi questionada pelas partes.
Porém tendo a mesma decisão considerado ocorrer vício de forma, por falta de fundamentação no que respeita ao despacho de 07/09/2009 da autoria do Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto foi nesta parte sindicada pela Fazenda Pública através do presente recurso.
Assim a única questão a decidir prende-se apenas com a análise do despacho reclamado, impondo-se a pronúncia deste Tribunal sobre se o mesmo se mostra fundamentado no que concerne ao indeferimento do pedido de suspensão da venda nos termos do nº 2 do artº 244º do CPPT.

A meritíssima juíza do TAF Do Porto, julgou procedente a reclamação, no entendimento, já dito, de que o despacho reclamado não se encontrava fundamentado. Para tanto expendeu o seguinte (destaque apenas dos trechos mais significativos):
“IV. DO DIREITO
Questão a decidir: Da nulidade do despacho do Senhor Director de Finanças do Porto e do processado subsequente; Da falta de fundamentação do despacho reclamado.
(…)
DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO RECLAMADO NO QUE CONCERNE AO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DA VENDA NOS TERMOS DO N.° 2 DO ARTIGO 244,° DO CPPT
Invoca ainda o reclamante que o sobredito despacho é ilegal por inobservância do disposto no artigo 244.°, n.° 2 do CPPT.
Sustenta que o acto reclamado padece de falta de fundamentação da decisão de não suspensão da venda, nem se pronunciou sobre a existência de outros bens, capazes de satisfazer o crédito exequendo.
Vejamos.
O artigo 244.° do CPPT preceitua o seguinte:
1 - A venda realizar-se-á após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Pode ser suspensa mediante decisão fundamentada do órgão de execução fiscal a realização da venda caso o valor dos créditos reclamados pelos credores referidos nos artigos 240.° e 242° for manifestamente superior ao da divida exequenda e acrescido, podendo a execução prosseguir em outros bens.
3 - No caso previsto no número anterior, a venda só se realizará após o trânsito em julgado da decisão de verificação e graduação de créditos, caso desta resulte o valor dos créditos reclamados aí ser inferior ao montante da divida exequenda e acrescido.” (sublinhado nosso).
O n.° 2 do citado preceito legal consagra a possibilidade de suspensão da venda desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: i) que o valor dos créditos não tributários reclamados seja manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido; ii) que a execução fiscal possa prosseguir com a venda de outros bens.
Como salienta Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 2006, págs 515/516 “a decisão de suspensão é fundamentada, exigência esta que tem em vista primacialmente impor ao órgão de execução fiscal a ponderação que a decisão reclama.
Na verdade, a utilização do termo “pode” e a concessão do poder de decisão ao órgão da execução fiscal, apontam no sentido de se estar em face de um poder discricionário que lhe é atribuído pela sua qualidade de entidade que dirige o processo de execução fiscal, mas sim na de representante da exequente, que acumula com aquelas funções. Assim, será um poder que o órgão da execução fiscal, como representante do titular dos créditos tributários exercerá conforme melhor entender, na perspectiva da satisfação dos interesses que cabe prosseguir, isto é, conforme a perspectiva que tenha sobre a melhor forma de atingir o objecto que a execução fiscal visa que é o de assegurar uma tão rápida quanto possível cobrança dos créditos tributários.
Assim, embora os interessados que se sintam lesados pela decisão possam impugná-la, através da reclamação prevista nos arts. 276.° a 278.° deste Código, como a generalidade dos actos administrativos praticados no exercício de um poder discricionário, a impugnação não poderá abranger o que é o cerne do poder discricionário, que é a opção do exequente pela solução que entender preferível para os seus interesses.
Por isso, a decisão poderá ser impugnada apenas em relação a vícios formais e a erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que assentar, ou eventual violação dos princípios constitucionais e legais que limitam a globalidade da actividade administrativa tributária (ars 266.°, n.° 2 da CRP e 55.° da LGT)”.
O reclamante imputa ao acto em crise o vício de falta de fundamentação, sustentando que o despacho que indeferiu a suspensão da venda executiva não se encontra fundamentado do ponto de vista factual, nem se pronunciou sobre a existência de outros bens.
Vejamos.
Em consonância com o disposto no artigo 268.°, n.° 3 da CRP, que impõe a fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o artigo 77º, n.° 1 da LGT preceitua:
A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária.
Segundo a Jurisprudência consolidada e sucessivamente reiterada dos tribunais superiores a fundamentação é um conceito que varia de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto.
Porém, a fundamentação só será suficiente na medida em que permita a um destinatário normal reconstituir o itinerário cognoscitivo - valorativo percorrido pelo autor do acto para proferir a decisão, ou seja, quando aquele possa conhecer as razões de facto e de direito que o autor do acto tomou em consideração para decidir daquela forma e não doutra, de modo a poder lançar mão dos correspondentes meios administrativos ou contenciosos de impugnação (vide, entre muitos outros, o Acórdão do STA de 05/05/2010, proferido no processo n.° 0181/09).
No tocante aos requisitos da fundamentação o artigo 125.° do CPA determina que “a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto”, equivalendo “à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. (...)
Deste modo, a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente, clara e congruente.
A fundamentação é suficiente se, as razões nele expressas são aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal reconstitua o iter cognoscitivo - valorativo da decisão; é clara quando tais razões permitem compreender qual foi o referido iter cognoscitivo - valorativo do acto; e por fim, é congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões.
Ora, transpondo estes considerandos para o caso concreto, constata-se que o despacho sub judicio não concretiza as razões de facto que determinaram a sua decisão de indeferimento do pedido de suspensão da venda executiva.
De facto, do exame do referido despacho resulta que o mesmo se encontra devidamente fundamentado quanto às razões de direito subjacentes à decisão de indeferimento do pedido de suspensão da venda executiva.
No entanto, não se vislumbram no sobredito despacho as razões de facto determinantes da decisão, nomeadamente, se, in concretu, existem ou não outros bens que possam ser vendidos, por forma a assegurar a cobrança dos créditos tributários (cfr alíneas R) e S) do probatório).
Por tudo o que vem dito, forçoso é concluir que o acto reclamado padece de vício de forma, por falta de fundamentação.
Pelo que procedem neste ponto as alegações do reclamante.
(…)

DECIDINDO NESTE STA:
Desde já adiantamos que consideramos que a possibilidade de suspensão da venda, prevista no artº 244º nº 2 do CPPT, exige a verificação cumulativa de dois requisitos: que o valor dos créditos não tributários reclamados seja manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido e que a execução fiscal possa prosseguir com a venda de outros bens livres e desimpedidos; sendo que, esta última exigência “não está dependente de qualquer ulterior confirmação ou verificação, podendo, desde logo, com carácter definitivo, verificar-se se existem ou não outros bens sobre os quais não tenham sido reclamados créditos não tributários”.( assim se decidiu no Ac. deste STA de 11/02/2009 tirado no recurso nº 01123/08).
Vejamos a lei:
O artigo 244.º do CPPT, à data dos factos, estabelecia o seguinte:
“1-A venda realizar-se-á após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Pode ser suspensa mediante decisão fundamentada do órgão da execução fiscal a realização da venda caso o valor dos créditos reclamados pelos credores referidos nos artigos 240.° e 242.° for manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido, podendo a execução prosseguir em outros bens.
3- No caso previsto no número anterior, a venda só se realizará após o trânsito em julgado da decisão de verificação e graduação de créditos, caso desta resulte o valor dos créditos reclamados aí referidos ser inferior ao montante da dívida exequenda e acrescido.”

Em anotação ao citado artigo 244.º, escreve Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição a fls.64 do 4º vol:
“Assim, nos casos em que, em face da reclamação de créditos não tributários, for de prever que a execução fiscal passará a assumir primacial ou exclusivamente (2) a função de satisfazer os créditos não tributários, é compreensível que seja afastada a utilização do processo de execução fiscal para cobrança desses créditos, desde que a execução possa prosseguir com venda de outros bens, sobre os quais não tenham sido reclamados créditos não tributários, como se prevê na parte art. 244°.
Mas, a ser esta a razão desta possibilidade de suspensão, esta só deverá ser decidida nas situações em que tal razão valer, que serão aquelas em que os créditos reclamados de natureza não tributária sejam de valor superior aos créditos de natureza tributária. Isto é, haverá que levar em conta não só o valor da dívida exequenda e acrescido, mas também o dos créditos reclamados de natureza tributária, pelo que, mesmo que o valor dos créditos não tributários seja manifestamente superior ao da dívida exequenda e acrescido, não será de suspender a venda se o valor dos créditos tributários globalmente considerados (dívida exequenda, acrescido e créditos tributários reclamados) não o for. (3)
Por outro lado, como se referiu, só se pode compreender que seja suspensa a venda, pela razão referida, se a execução puder prosseguir noutros bens. Na verdade, se não houver outros bens que possam ser vendidos, não haverá outra possibilidade de procurar cobrar os créditos fiscais e satisfazer os fins de interesse público ligados à cobrança de tributos, pelo que é preferível que a venda seja efectuada. Por isso, a expressão final do n.° 2 deste artigo «podendo a execução prosseguir noutros bens» deve ser interpretada não como uma mera faculdade subsequente à decisão de suspensão da venda, mas sim como um requisito dessa suspensão. Isto é, «podendo a execução prosseguir noutros bens», é possível decidir a suspensão; se ela não puder prosseguir noutros bens não poderá ser suspensa.”
Concordamos com tal argumentação.

Iremos fixar-nos então apenas no trecho que levou à anulação do despacho reclamado. O mesmo concretizou-se nos seguintes dizeres:constata-se que o despacho sub judicio não concretiza as razões de facto que determinaram a sua decisão de indeferimento do pedido de suspensão da venda executiva
Será exactamente assim?
Cremos que não, porquanto o despacho reclamado se encontra (como destaca no seu parecer o Mº Pº junto deste STA) “devidamente fundamentado por remissão, através de uma inequívoca declaração expressa de concordância com a informação que o precedeu, cujo teor explicita, clara, suficiente e congruentemente, o itinerário cognoscitivo e valorativo determinante da sua prática, dando a conhecer ao seu destinatário ou destinatários as razões de facto e de direito da sua génese e do seu conteúdo”. E mais, o próprio despacho consigna que “ o valor das acções do A’…… será nulo ou de reduzido valor, face ao passivo do mesmo” .
Entende-se, claramente, que a razão essencial da não suspensão da venda, foi a de a execução não poder, prosseguir noutros bens da executada/reclamante, com potencial para solver a dívida exequenda.
Assim, redutoramente diremos que no caso que nos ocupa a execução não tem viabilidade de prosseguir noutros bens, pelo que importa concluir que é inadmissível a suspensão da venda decidida no despacho reclamado e daí que o mesmo seja de manter, revogando-se a decisão recorrida.

DECISÃO:
Pelo exposto acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso revogando a decisão recorrida e mantendo na ordem jurídica o despacho reclamado.
Custas apenas em 1ª Instância a cargo da reclamante uma vez que não contra-alegou neste STA.
Lisboa, 19 de Setembro de 2012. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.