Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0130/20.2BECBR
Data do Acordão:11/19/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:PERDA DE MANDATO
VEREADOR
CÂMARA MUNICIPAL
Sumário:I - Os candidatos não imediatamente eleitos de uma lista concorrente a uma câmara municipal têm, de acordo com a sua ordenação, uma expectativa legítima de vir a exercer o mandato de vereador sempre que ocorra uma das causas de substituição previstas na lei, pelo que são membros suplentes daquele órgão.
II – Os membros suplentes de uma câmara municipal estão sujeitos ao regime de inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos estabelecido pelo Estatuto dos Eleitos Locais e demais legislação aplicável, na medida em que exercem ou podem vir a exercer um mandato autárquico.
Nº Convencional:JSTA000P26794
Nº do Documento:SA1202011190130/20
Data de Entrada:11/10/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO



I. Relatório

1. A…………….. - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 29 de maio de 2020, que revogou a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, de 17 de março de 2020, que julgou improcedente a ação para declaração de perda de mandato proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (MP).
Nas suas alegações, o Recorrente formulou, com relevo para esta decisão, as seguintes conclusões:

«(...)

III. (...) deve ser alterado o Douto Acórdão Recorrido no sentido de entender que o Recorrente não é eleito local, nos termos dos art. 1º n.º 1 da Lei n.º 27/96, art. 1º da Lei Orgânica 1/2001, art. 75º n.º 1 da Lei n.º 169/99 e art. 7º n.º 1 da Lei n.º 52/2019,

IV. Na medida que tais normas apenas se aplicam aos titulares efectivos dos órgãos autárquicos,

V. Traduzindo-se mesmo o entendimento vertido no Douto Acórdão Recorrido numa interpretação normativa ferida de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 239º e 252º da CRP.

VI. Bem como não se verifica qualquer inelegibilidade a posteriori do Recorrente,

VII. Na medida que o Recorrente não praticou no âmbito das poucas substituições ocorridas qualquer violação do disposto no art. 8º 1º al. b) da Lei n.º 27/96 ou/e do art. 7º n.º 2 al. c) da Lei Orgânica n.º 1/2001,

VIII. Não tendo ocorrido no período de tais substituições a celebração ou execução de contratos pelo Recorrente ou pela sociedade comercial da qual é sócio-gerente com o Município de …….....,

IX. Assim, o Douto Tribunal Recorrido realizou uma errónea interpretação da matéria de direito aplicável ao caso, pois deveria ter concluído pela improcedência do pedido do Douto MP Recorrente e manter a Douta Sentença do TAF de Coimbra,

X. Devendo no âmbito da presente revista ser concluído pela improcedência da acção de declaração da perda de mandato do Recorrente nos precisos termos da Douta Sentença do TAF de Coimbra.

XI. O Recorrente é isento do pagamento da taxa de justiça, nos termos do art. 4º n.º 1 al. d) do RCP».


2. O Recorrido contra-alegou o seguinte:

« (...)

4- (...) todos os candidatos incluídos na lista eleitoral, a partir do momento em que começam a exercer funções, são eleitos locais e estão sujeitos ao regime legal de perda de mandato.

5- Mesmo que só em regime de substituição o eleito local substituto em exercício pode perder o mandato nos mesmos termos em que o perde o substituído.

6- O substituto só não terá susceptibilidade de perder o mandato se nunca o chegar a exercer. Porque, por uma razão simples, se nunca teve exercício de vereador, não pode perder aquilo que nunca teve. Só se pode perder o que se tem.

7- Com o que o recurso não deve ser admitido, mas, se admitido, deve o mesmo ser julgado improcedente.»

3. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em formação de apreciação preliminar, de 15 de outubro de 2020, por se entender que «muito embora a pronúncia do tribunal a quo se mostre sustentada em fundamentação razoável, e credível, certo é que o litígio se posiciona num âmbito jurídico e social de monta, e que este Supremo Tribunal ainda não se pronunciou sobre a questão tal como ela aqui vem configurada, a qual é bastante susceptível de repetições no futuro.»

4. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 36.º do CPTA, e artigo 15.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, na redação do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.


II. Matéria de facto

5. As instâncias consideraram como provados os seguintes factos relevantes para a decisão, tendo em atenção a prova documental produzida e as alegações das partes:

«1) O R. foi candidato às eleições para a Câmara Municipal de ………. realizadas no dia 01/10/2017, para o mandato de 2017-2021, integrando o ………. na lista da “Coligação Democrática Unitária”, a qual incluía o “Partido Comunista Português” (PCP) e o “Partido Ecologista Os Verdes” (PEV) (cfr. doc. de fls. 8, no verso, e 9 do suporte físico do processo).

2) De acordo com os resultados alcançados nas eleições do dia 01/10/2017, a “Coligação Democrática Unitária” apenas elegeu um vereador para a Câmara Municipal de …………., num total de sete vereadores eleitos (cfr. doc. de fls. 92 do suporte físico do processo).

3) No dia 16/10/2017, tendo em vista a instalação da nova Câmara Municipal de ………, para o mandato de 2017-2021, na sequência do ato eleitoral de 01/10/2017, nos termos do art.º 60.º da Lei n.º 169/99, de 18/09, a candidata posicionada em primeiro lugar na lista da “Coligação Democrática Unitária”, B…………………., foi investida nas funções de Vereadora da referida Câmara Municipal, juntamente com os demais seis vereadores eleitos e provenientes dos restantes partidos e listas (cfr. doc. de fls. 7 e 8 do suporte físico do processo).

4) O R. e C………………., filho da Vereadora B………………., são ambos sócios-gerentes da empresa “C…………., Lda.”, sociedade com sede em ………… e que tem por objeto a prossecução de atividades de engenharia, arquitetura e técnicas afins (cfr. doc. de fls. 49 do suporte físico do processo).

5) Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de ………… de 23/05/2018, foi decidido recorrer à figura do ajuste direto como procedimento prévio à adjudicação do serviço denominado “Desenvolvimento Económico e Defesa do Meio Ambiente / Apoio à Atividade Económica / Reabilitação do Edifício “Antiga GNR ……….” para Instalação de Centro de Inovação Social / Aquisição de Serviços de Arquitetura e Especialidades”, tendo a “D………., Lda.” apresentado proposta no valor de € 19.600,00 (cfr. doc. de fls. 62, no verso, e 63 do suporte físico do processo).

6) No dia 07/06/2018 a Vereadora B…………….. comunicou, via e-mail, ao Presidente da Câmara Municipal de ………… a sua ausência, por motivos profissionais, na reunião camarária agendada para o dia 11/06/2018, fazendo-se substituir, ao abrigo da legislação em vigor, pelo elemento seguinte da lista da “Coligação Democrática Unitária”, o ora R. (cfr. doc. de fls. 11 do suporte físico do processo).

8) No dia 11/06/2018 realizou-se a 11.ª reunião ordinária da Câmara Municipal de …………., na qual esteve presente o ora R., em substituição da Vereadora B……………….. tendo aí sido, além do mais, deliberado por unanimidade, no ponto 20, relativo ao “Desenvolvimento Económico e Defesa do Meio Ambiente / Apoio à Atividade Económica / Reabilitação do Edifício “Antiga GNR …………..” para Instalação de Centro de Inovação Social / Aquisição de Serviços de Arquitetura e Especialidades – Adjudicação”, “aprovar a audiência prévia, a minuta do contrato, a adjudicação do presente fornecimento à empresa D……………, Lda., a autorização para a realização da despesa de 19.600,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal e a designação para gestor do contrato o Arq. E………….., conforme decorre da informação técnica dos serviços” (cfr. doc. de fls. 12 a 41 do suporte físico do processo).

8) Da ata da reunião camarária de 11/06/2018 consta, ainda, na parte relativa à deliberação que antecede, o seguinte: “O Senhor Vereador Eng. A…………….. ausentou-se não tendo participado na votação” (cfr. doc. de fls. 12 a 41 do suporte físico do processo).

9) No dia 03/08/2018 o Município de ……………., representado pelo respetivo Presidente da Câmara Municipal e na qualidade de primeiro outorgante, celebrou com a empresa “D……….., Lda.”, representada pelo sócio-gerente C…………………….. e na qualidade de segundo outorgante, um contrato tendo em vista o fornecimento, pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante, da prestação de serviços no âmbito do processo de “Desenvolvimento Económico e Defesa do Meio Ambiente / Apoio à Atividade Económica / Reabilitação do Edifício “Antiga GNR ………….” para Instalação de Centro de Inovação Social / Aquisição de Serviços de Arquitetura e Especialidades”, pelo preço total de € 19.600,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (cfr. doc. de fls. 43 a 48 do suporte físico do processo).

10) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 18/02/2020 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).»


III. Matéria de direito

6. A questão que se discute neste recurso é a de saber se um vereador substituto numa câmara municipal é um eleito local, nos termos e para os efeitos da aplicação do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho, na redação que lhe é dada atualmente pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março (EEL), e se está, em consequência, sujeito aos direitos e deveres que decorrem daquele estatuto, nomeadamente em matéria de impedimentos e incompatibilidades.
Mais concretamente, a questão de direito em discussão é a de saber se um candidato a vereador não eleito tem um mandato, e se é juridicamente possível declarar a sua perda, não obstante o mesmo não se encontrar em efetividade de funções na câmara municipal, mas apenas em posição de substituição daqueles que exercem os mandatos atribuídos à respetiva lista.
O TAF de Coimbra respondeu negativamente a essa questão, considerando que «o R. não é Vereador da Câmara Municipal de …………., no atual mandato de 2017-2021, pela lista da “Coligação Democrática Unitária”», pelo que não é membro daquele órgão e não dispõe, por isso, de um mandato passível de ser perdido. O TCAN, pelo contrário, respondeu positivamente, considerando que «o Réu enquanto exerce o cargo de vereador, em substituição, é titular de um mandato, que pode ser declarado perdido, nos termos da Lei n.º 27/96, de 01/08».
Vejamos então.

7. Nos termos do número 2 do artigo 1.º do EEL «consideram-se eleitos locais, para efeitos da presente lei, os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias.»
A câmara municipal é o órgão executivo colegial do município – cfr. artigos 252.º da CRP e 56.º/1 da Lei das Autarquias Locais (LAL), aprovada pela Lei n.º 169/99, de 18.9, na redação da Lei n.º 71/2018, de 31.12 -, sendo constituída por um presidente e um número variável de vereadores, em função do número de cidadãos eleitores residentes no respetivo território - cfr. artigo 57.º da LAL. No caso do Município de …………, concretamente, por um presidente e seis vereadores.

8. A câmara municipal é também um órgão representativo, pelo que os seus membros são designados por eleição, «por sufrágio universal, direto, secreto e periódico e por listas plurinominais apresentadas em relação a cada órgão (...)» - cfr. artigo 11.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14.8, na redação que lhe dada pela Lei 3/2018, de 17.8, em vigor à data dos factos provados nos autos.
As listas que se apresentam a sufrágio – sejam elas propostas por partidos políticos e suas coligações ou por grupos de cidadãos eleitores – são completas, devendo por isso «conter a indicação dos candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respetivo órgão e de suplentes, nos termos do n.º 9 do artigo 23.º» - cfr. artigo 12.º/1 da LEOAL.
Além de completas, as listas concorrentes são fechadas, na medida em que o eleitor não tem a possibilidade de indicar as suas preferências, sendo a ordenação dos candidatos determinada «pela sequência constante da respetiva declaração de candidatura» - cfr. artigo 12.º/3 da LEAOL.

9. A composição da câmara é, assim, indissociável do sistema eleitoral dos respetivos titulares, na medida em que os mandatos atribuídos a cada uma das listas concorrentes, de acordo com o critério de eleição estabelecido no 13.º da LEOAL, «são conferidos aos candidatos pela ordem de precedência indicada na declaração de candidatura» - cfr. artigo 14.º/1 da LEOAL.
É certo que aqueles mandatos são conferidos individualmente, não pertencendo propriamente à lista, não obstante a fórmula utilizada na alínea c) do citado artigo 13.º da LEOAL. O mandato representativo local é livre, não estando o seu titular vinculado às orientações dos partidos políticos ou grupos de cidadãos que os apresentaram, não sendo, por isso, a desvinculação da lista uma das causas que determinam a perda do mesmo mandato (apenas está vedado ao seu titular a inscrição em partido diverso daquele que o apresentou a sufrágio, mas não a sua desfiliação, em termos análogos ao que sucede com os titulares de um mandato parlamentar na Assembleia da República ou nas Assembleias Legislativas Regionais) – cfr. artigo 8.º/1/c) do Regime Jurídico da Tutela Administrativa (RJTA), aprovado pela Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, na redação do Decreto-Lei 214-G/2015, de 2.10).
Mas é igualmente certo que a lista não se dissolve com a eleição, e que os candidatos não imediatamente eleitos que a compõem desempenham uma função no órgão, na medida em que se posicionam, de acordo com a respetiva ordem, como membros suplentes daqueles que se encontram em efetividade de funções.

10. O artigo 79.º da LAL estabelece as regras aplicáveis ao preenchimento das vagas ocorridas nos órgãos autárquicos, nos casos de morte, renúncia ou perda de mandato de um dos seus membros efetivos, regras essas que são igualmente aplicáveis nos casos da sua substituição temporária, nos termos dos n.ºs 6 do artigo 77.º e do artigo 78.º da mesma lei.
A substituição temporária ocorre quando um membro efetivo suspende o seu mandato, nos termos e com as condições estabelecidas no citado artigo 77.º, ou quando o mesmo se encontre pontualmente impedido de exercer as suas funções, e de comparecer às reuniões de câmara, como previsto no seguinte artigo 78.º.
De acordo com essas regras, «as vagas ocorridas nos órgãos autárquicos são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga» - cfr. artigo 79.º/1 da LAL.
Significa isto, desde logo, que, independentemente de ser definitiva ou temporária, a substituição é automática, ocorrendo sempre que verifique uma das causas previstas nos artigos anteriores – morte, renúncia, perda ou suspensão do mandato, ou impedimento temporário comunicado pelo próprio ao presidente do órgão -, sem dependência de qualquer prévia deliberação ou decisão, administrativa ou judicial.

11. Deste modo, todos os candidatos não imediatamente eleitos da lista têm, na medida em que a mesma tenha obtido um ou mais mandatos, e de acordo com a respetiva ordenação, uma expectativa legítima de vir a exercer um mandato sempre que ocorra uma das referidas causas de substituição. São, por isso, membros suplentes do órgão, quer se tenham originariamente apresentado a sufrágio como candidatos a vereadores efetivos, quer se tenham apresentado como candidatos a vereadores suplentes.
Conforme refere Jorge Miranda, «os candidatos a órgãos colegiais cujos lugares nas listas correspondem a mandatos obtidos pelas candidaturas (quer dizer, situados nos primeiros lugares das listas) têm (...) direitos subjetivos de ocuparem os respetivos cargos. Os outros candidatos, incluindo os suplentes, têm meras expectativas jurídicas (na medida em que podem vir a substituir, por quaisquer eventos, os primeiros candidatos eleitos) » – cfr. Manuel de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra, 2007, p. 262.
Aqueles candidatos não podem, no entanto, deixar de ser considerados como eleitos locais, ainda que não sejam membros efetivos do órgão e não exerçam o mandato de vereador enquanto aquela substituição não ocorrer, até porque os votos foram obtidos por toda a lista, e não individualmente por qualquer dos seus candidatos.
Na verdade, todos os candidatos são eleitos na mesma lista, ainda que tenham diferentes posições jurídicas, consoante os resultados eleitorais e o seu ordenamento na mesma: enquanto uns obtém imediatamente um mandato de vereador, que exercem enquanto se verificarem as condições legais para se manterem em efetividade de funções, e assim queiram manter-se, os demais apenas têm uma expectativa de vir a obtê-lo ou, pelo menos, a exercê-lo temporariamente, caso no decurso do mesmo se verifiquem os pressupostos legais para a substituição dos primeiros.
Dito por outras palavras, os primeiros são eleitos para serem membros efetivos do órgão, enquanto os últimos são eleitos para serem seus membros suplentes. Ambos recebem, pois, um mandato dos eleitores para serem membros do órgão, no sentido mais lato que se pode atribuir a estes termos, embora esse mandato lhes confira funções distintas no quadro do funcionamento do órgão.

12. Do exposto resulta claro que o TCAN andou bem quando julgou que «o Réu é eleito local na medida em que pode ser chamado a exercer o cargo de vereador em substituição», e que, «enquanto exerce o cargo (...) em substituição, é titular de um mandato, que pode ser declarado perdido».
Seria, aliás, absurdo que os vereadores substitutos, como o Recorrente, não estivessem sujeitos ao regime de inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos estabelecido pelo Estatuto dos Eleitos Locais e demais legislação aplicável, na medida em que exercem ou podem vir a exercer um mandato autárquico.
E não se alegue, contra este entendimento, que «o Recorrente não praticou no âmbito das poucas substituições ocorridas qualquer violação do disposto no art. 8º 1º al. b) da Lei n.º 27/96 ou/e do art. 7º n.º 2 al. c) da Lei Orgânica n.º 1/2001», porque o critério de sujeição não é, nem pode ser, o do exercício efetivo do mandato.
O caso dos autos é paradigmático a esse respeito, porque respeita à verificação de uma inelegibilidade superveniente, ou seja, a uma situação de facto que, a ter ocorrido antes da data das eleições, teria impedido o Recorrente de fazer parte da lista, qualquer que fosse o lugar que nela ocupasse, e das expectativas de eleição que pudesse ter. Ou seja, de um fundamento que, pura e simplesmente, o impediria de fazer parte da lista como candidato a vereador, tanto efetivo como suplente.
Ora, se o Recorrente não poderia sequer ter concorrido, caso aquela situação se verificasse originariamente, por maioria de razão também não se pode manter numa posição que lhe dá acesso ao exercício efetivo do mandato para o qual é inelegível. Quer esse exercício seja atual, ou não.

13. Do exposto também resulta claro que os artigos 8.º, n.º 1, al. b) do RJTA e 7.º, n.º 2, al. c) da LEOAL, que estabelecem aquela inelegibilidade superveniente, não violam os artigos 239.º e 252º da CRP, que não restringem a aplicação do Estatuto dos Eleitos Locais apenas aos titulares efetivos dos órgãos autárquicos.

14. Sendo aquele estatuto e demais legislação relativa a inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos dos membros dos órgãos das autarquias locais aplicáveis aos vereadores substitutos, não restam dúvidas de que, por força da celebração do contrato de prestação de serviços de arquitetura entre o município de …………. e a empresa D………….., Lda., de que o Recorrente é sócio gerente, este ficou colocado numa situação que o torna inelegível, e que determina a perda do seu mandato, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do nº 1 do artigo 8º do RJTA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 7º da LEOAL.
Como ficou estipulado no acórdão recorrido, a perda do seu mandato implica que, doravante, deixe de fazer parte da lista apresentada pela Coligação Democrática Unitária às últimas eleições para a Câmara Municipal de ……., e fique, em consequência, impedido de voltar a assumir o lugar de vereador em regime de substituição, temporária ou definitivamente.

15. Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que improcedem os fundamentos do presente recurso, pois o acórdão recorrido não fez errada interpretação dos artigos 1.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, al. b) do RJTA, 1.º e 7.º, n.º 2, al. c) da LEOAL, 75.º, n.º 1, da LAL e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 52/2019, de 31.7.



IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, que declarou a perda de mandato do Recorrente.

Custas pelo Recorrente neste Tribunal e nas instâncias, por não se lhe aplicar a isenção prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, na medida em que intervém na ação pessoalmente, na defesa de direitos políticos que se arroga ter para exercer um mandato autárquico, e não como Eleito Local, na defesa da sua atuação enquanto Vereador da Câmara Municipal de …………… e por causa do exercício dessa função. Notifique-se.

Lisboa, 19 de novembro de 2020. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.