Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0695/07.4BEPRT 0450/18
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REVISTA
IMPOSTO ESPECIAL DE CONSUMO
IMPOSTO SOBRE O ÁLCOOL
BEBIDAS ALCOÓLICAS
PROVA
EXPORTAÇÃO
DOCUMENTO DE TRANSPORTE
Sumário:I - A legalidade da liquidação efetuada a coberto do n.º 9 do artigo 35.º do CIEC, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, pode ser impugnada demonstrando que os produtos não saíram do regime de suspensão;
II - Se a cabal demonstração deste facto através dos documentos adequados se revelar muito difícil ou praticamente impossível, deve o expedidor das mercadorias ser admitido a apresentar outras provas;
III - E se da prova produzida resultar dúvida fundada sobre a saída dos produtos do regime de suspensão, deve o ato tributário ser anulado;
IV - O juízo administrativo sobre a prova correspondente apresentada no procedimento gracioso é sindicável pelos tribunais.
Nº Convencional:JSTA000P28758
Nº do Documento:SA2202201120695/07
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:Z.........., VINHOS, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



1. Z…………., Lda., contribuinte fiscal n.º ……….., sociedade comercial com sede na Travessa ………………….., freguesia de ……………, concelho de Vila Nova de Gaia, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, recurso excecional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que concedeu provimento ao recurso que a Fazenda Publica interpôs da sentença que julgou procedente a impugnação judicial por si deduzida contra ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas que incidiu sobre operações de exportação de produtos de Vinho do Porto ocorridas em 14.01.2003, e que, revogando essa sentença, julgou totalmente improcedente a impugnação judicial.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I. Âmbito do Recurso

I - Vem o presente recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que decidiu revogar a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e julgar improcedente a impugnação judicial.

II - A sentença havia decidido pela procedência da impugnação judicial apresentada, anulando a decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o número de processo 2.9/14-11/2006, proferida em 06.03.2007, pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (doravante, DGAIEC) que manteve a liquidação oficiosa do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (doravante, abreviadamente IEC) e que incidiu sobre as operações de exportação tituladas pelos Documentos Administrativos de Acompanhamento (doravante, abreviadamente DAA ou no seu plural DAA's) nºs 123366, 123367 e 123368, todos datados de 14.01.2003, referentes, respectivamente, a uma exportação de 1.376 cxs., de 1.301 cxs. (parte) e 4 cxs. (resto) de diversos produtos de Vinho do Porto todos da marca X……… para fora da Comunidade, mais concretamente, o foram efectivamente com destino ao Estado de Canyon, Califórnia, Estados Unidos da América (doravante abreviadamente, EUA).

III - Com a procedência da impugnação, foi doutamente decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto anular-se as liquidações oficiosas do referido imposto notificadas pelo ofício nº 4002 com a referência do processo FX/06/CB/031, porquanto o regime de suspensão de Imposto IEC se mostra apurado, pelo que não poderia a DGAIEC (actual Autoridade Tributária Aduaneira) liquidar os referidos Impostos, sendo tais actos ilegais.

II. A Admissibilidade do presente Recurso

IV - O recurso de revista a que alude o nº 1 do art.º 15º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

V - E considera a aqui Recorrente e Impugnante que no caso sub judice estão preenchidos os dois requisitos previstos no artigo 150.º do CPTA, embora a lei não exija que sejam cumulativos, como a seguir se demonstrará, ou seja, a presente questão assume uma elevada relevância jurídica social e, sobretudo, a admissão do presente Recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

II.A) Sobre a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito

VI - «Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo a admissibilidade no contencioso tributário do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150º do CPTA, não se afigurando que tal admissão implique violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais» - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07-01-2015, rec. 0285/14, in www.dgsi.pt.

VII - A revista tanto pode ter como fundamento a violação de lei substantiva como de lei processual (art.º 150º, 2, do CPTA).

VIII - Refere o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-11-2013 (2ª Secção - Rec. nº 01355/13 em www.dgsi.pt), conforme se encontra citado no articulado 9º, que a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal há-de resultar para uma melhor aplicação do direito "por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema." (sublinhado nosso).

IX - Que é precisamente o caso em apreço com o acórdão sub censura! De facto, o Acórdão do Tribunal a quo enferma de ERROS e, adicionalmente, de uma OMISSÃO GRAVE E RELEVANTE DE PRONÚNCIA SOBRE FACTOS QUE ESTÃO PROVADOS NOS AUTOS que, para além de terem tratado a matéria de forma errada e juridicamente insustentável, conduziu a uma decisão ostensivamente errada e juridicamente insustentável.

X - Com efeito, conclui a página 60 e 61 do Acórdão sob censura que "Do que vem dito, podemos constatar que a Recorrida não trouxe para o procedimento quaisquer elementos probatórios que permitissem à AT concluir diferentemente pela relevância da saída dos produtos do território do Estado Membro de destino e entrada e recepção dos mesmos pelo país destinatário." Conclui e decide, por isso, "Assim a Sentença incorreu em erro de julgamento das matérias de facto e de direito ...".

XI - Ora, é precisamente o contrário e é esta a questão central deste Recurso! A AQUI IMPUGNANTE JUNTOU AOS AUTOS DOIS DOCUMENTOS DAS AUTORIDADES ALFANDEGÁRIAS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA na sua petição inicial, constituídos pelo Documento Aduaneiro "Entry/lmmediate Delivery" nº 322-3821465-7 (Documento nº 7 da Petição Inicial) e o Documento Aduaneiro "Entry/lmmediate Delivery" nº 322-3821565-4 (Documento nº 8 da Petição Inicial) que comprovam de forma inequívoca que as mercadorias foram exportadas de Portugal, saíram da Comunidade por Roterdão e foram efectivamente recebidas no país terceiro (EUA), sendo estes factos e documentos dados como provados na Douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (ponto 17, alíneas m) e n) - página 23 da Sentença).

XII - E o Acórdão sob censura no ponto 3. FUNDAMENTOS. 3.1 FACTOS (página 19 a 45 do Acórdão), assim como na Fundamentação da sua decisão (páginas 54 e seguintes) OMITE, não fazendo qualquer referência a estes Documentos Aduaneiros dos EUA que comprovam a efectiva recepção neste país das mercadorias referentes aos DAA's nº 123366, nº 123367 e nº 123368.

XIII - Pelo que esta NÃO PRONÚNCIA E ERRO DE OMISSÃO DE NÃO RELEVAR OS DOCUMENTOS ALFANDEGÁRIOS DOS EUA (não os identificando também nos FACTOS PROVADOS) que o Acórdão do Tribunal a quo enferma, para além de ter levado a tratar matéria sub judice de forma errada e juridicamente insustentável, conduziu a uma decisão ostensivamente errada e juridicamente insustentável, dado que efectivamente a Impugnante e aqui Recorrente juntou elementos probatórios inequívocos e relevantes que comprovam a efectiva recepção das mercadorias no país terceiro de destino, os EUA.

XIV - Acresce que este MANIFESTO LAPSO DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE OS DOCUMENTOS ADUANEIROS DOS EUA por parte deste Acórdão sob censura poderá, certamente, gerar a possibilidade da sua repetição num número de casos futuros similares e, consequentemente, há a clara necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, tais como os que correm termos no Douto Tribunal Central Administrativo Norte e acima identificados no articulado 16º.

XV - Assim como ainda existem para serem decididos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto cerca de 30 casos só das empresas do Grupo Z………., na qual se inclui a aqui Impugnante e Recorrente, sobre esta matéria do apuramento de DAA'S,

XVI - Pelo que há a clara necessidade de evitar as repercussões negativas do erro manifesto que enferma o presente Acórdão sob censura deste processo nos demais processos, pelo que a necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória.

XVII - Conforme refere o acórdão do STA de 10/07/2013 (rec. 0241/13, em www.dgsi.pt) citado no articulado 19º, «a admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo». No caso deste requisito, diremos que esta matéria certamente interessará aos numerosos outros processos (recursos) acima identificados e onde a mesma questão se coloca reiteradamente.

II.B) A questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social

XVIII - A relevância jurídica fundamental deve ser detetada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e quando estiverem em causa questões de direito substantivo ou de direito processual que apresentem especial ou elevada complexidade;

XIX - O mesmo se dirá quanto à relevância social fundamental que se verificará quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detecte um interesse comunitário significativo na resolução da questão.

XX - A questão a apreciar no recurso, da possibilidade de provar por qualquer meio (ou por determinada prova) da recepção da mercadoria sujeita a IEC mas em regime de suspensão noutro país, reveste relevância jurídica e social fundamental, por, designadamente, ser susceptível de colocar-se repetidamente, numa matéria importante, como é a venda de Vinho do Porto e demais licores e destilados para fora do país. Para concretizar tais factos, junta-se uma declaração da Associação de Empresas de Vinho do Porto (AEEVP) que atesta que a não devolução do Modelo 3 do DAA é um problema sentido pela grande maioria das empresas do sector do Vinho do Porto e do Douro e que motivou, por parte dessa Associação reuniões com as entidades oficiais e que tem conhecimento «que, presentemente, existem inúmeros casos a correr termos nos Diversos Tribunais Administrativos e Fiscais sobre a legalidade destas liquidações e interpostos por diversas empresas deste sector, sendo um tema de relevância jurídica e económica para este sector de actividade» (Doc. Nº 1);

XXI - Assim como esta correspondência entre o Exmo. Sr. Director da Direcção-Geral das Alfândegas - Divisão do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas e a Associação das Empresas de Vinho do Porto sobre toda a relevância desta matéria e das provas alternativas admissíveis para o apuramento da suspensão de Imposto em IEC (Doc. Nº 2);

XXII - A junção destes documentos, apenas em sede de recurso de revista, só agora se justifica para atestar este requisito específico (relevância jurídica e social da matéria em apreciação), sendo esta questão irrelevante até este momento processual. Assim e pelo exposto, considera a aqui Impugnante que deverá ser admitida a junção nesta fase (art.º 423°, 3, in fine e art.º 425.° do Código de Processo Civil).

XXIII - Sendo Portugal um país exportador de Vinhos do Porto e licores (aqui apenas no sentido de vendas fora do país, independentemente se com destino à União Europeia ou para além desta) e sabendo-se que há vários países que não devolvem o Modelo do DAA (como ficou demonstrado), tal questão é relevante para determinar uma interpretação uniforme nesta matéria.

XXIV - Assim, mostram-se preenchidos os requisitos exigidos pelo art.º 150º do CPTA para a admissão do recurso de revista.

III. Sobre a DECISÃO e seus FUNDAMENTOS do Acórdão sub censura

XXV - A questão central em causa nos presentes autos prende-se com quais os documentos necessários e adequados para demonstrar que determinados produtos (Vinho do Porto tituladas pelos DAA's nºs 123366, 123367 e 123368, todos datados de 14.01.2003, foram efectivamente objecto de exportação para fora da Comunidade com destino ao Estado de Califórnia, nos Estados Unidos da América, e foram aí recepcionados e apurado o regime de suspensão de imposto de IEC relativamente a estes DAA's.

XXVI - E sobre esta questão central, que está delimitado no objecto de recurso do Acórdão sub censura - Questões a apreciar (página 19), OCORRE UM ERRO MANIFESTO DE OMISSÃO E NÃO PRONÚNCIA de que enferma o Acórdão sub censura, omitindo e não fazendo qualquer referência aos documentos aduaneiros do país terceiro de destino (EUA) comprovativos da recepção das mercadorias, documentos existentes nos autos e que, se apreciados, levariam certamente a uma decisão completamente oposta à que foi proferida.

XXVII - Foram dados como factos assentes e provados 24 pontos na Sentença (páginas 5 a 24) e nos quais a partir do ponto 17 dos FACTOS PROVADOS estão elencados todos os documentos juntos aos autos pela Impugnante e assim reconhecidos nas páginas 18 a 24 da Sentença. Deste conjunto de documentos dos FACTOS PROVADOS estão identificados DOIS DOCUMENTOS RELEVANTES que não constam do Acórdão sub censura:

Alínea m) - Documento de entrada (Entry/lmmediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos - Gabinete de Alfândegas e Protecção de Fronteiras dos Estados Unidos, nº de entrada 322-3821465-7, destinatário B…………, Inc., navio …..CU ……….., IT/BL/SWB nº …………CUOPO030100445 (precisamente um dos documentos de transporte destes DAA's), quantidade manifesto 1446, país de origem PT, e que se mostra assinado e datado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada;

Alínea n) - Documento de entrada (Entry/Immediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos - Gabinete de Alfândegas e Protecção de Fronteiras dos Estados Unidos, nº de entrada 322-3821564-4, destinatário B…………, Inc., navio ……..CU ……….., IT/BL/SWB nº …………CUOPO030100423 (precisamente o outro dos documentos de transporte destes DAA's), quantidade manifesto 1375, país de origem PT- e que se mostra assinado e datado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada - cfr. docs. de fls. 34 e ss. dos autos (sublinhado da Impugnante);

XXVIII - Ora o Douto Acórdão aqui objecto de Recurso lavra de UM DUPLO E MANIFESTO ERRO com notória influência na aplicação das normas de direito adequadas e, consequentemente, que leva a uma decisão manifestamente errada e contrária. Desta forma:

XXIX - EM PRIMEIRO LUGAR, das páginas 36 a 44 (ponto 17 a 22) do Acórdão sub censura são elencados os mesmos documentos que se juntaram a estes autos e acima reproduzidos da Sentença mas, incompreensivelmente, elenca MAL E ERRADAMENTE PARTE DESTES DOCUMENTOS:

a) Ponto i (página 41) - refere o documento de conta-corrente relativo ao cliente da Impugnante errado, sem ter nada a ver com o caso em concreto;

b) Ponto j (página 41) - refere o aviso de lançamento errado e sem nada ter a ver com a conta-corrente onde consta o pagamento das 3 facturas 30100026 A, 30100027 A e 30100028 A deste caso em concreto;

c) Ponto k (página 42) - refere um "Bill of Landing" (documento de transporte) nº PTP97545 completamente errado e sem nada a ter a ver com os documentos de transporte deste caso em concreto com todas as referências erradas e sem conexão a este caso sub judice (o correcto seria o documento de transporte "Sea Waybill nº …….CUOPO030100445");

d) Ponto I (página 42) - refere o documento de transporte da ………… "Sea Waybill nº ………..CUPO030900334 totalmente errado e sem ter a ver com o caso em concreto (o correcto é o Sea Waybill ……..CUOPO030100423);

e) Facto 18 - Faz referência a uma Declaração junta pela Impugnante emitida pela V…………International, Ltd., totalmente errada e sem nada ter a ver com os 3 DAA's aqui em causa (veja-se o ponto 18 da Sentença, páginas 23 e 24).

XXX - EM SEGUNDO LUGAR, OMITE O ACÓRDÃO NOS FACTOS PROVADOS PRECISAMENTE OS DOIS DOCUMENTOS ALFANDEGÁRIOS DOS EUA COMPROVATIVOS DA EXPORTAÇÃO E ENTRADA DAS MERCADORIAS DESTES DAA'S nºs 123366, 123367 e 123368 NOS EUA, DOCUMENTOS CONSTANTES DA ALÍNEA M) E N) DO PONTO 17 DOS FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA.

XXXI - Consequentemente, o Acórdão sob censura profere, a partir das páginas 45 e seguintes, uma série de conclusões QUE NÃO ESTÃO CORRECTAS E ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADAS, tendo por pressuposto uma matéria de facto que não está correcta, o que leva a uma decisão diametralmente oposta à verdade dos factos dados como provados e documentos apresentados, pelo que manifestamente contrária aos ditames da legislação em vigor.

XXXII - E ESTA MANIFESTA FALTA DE IDENTIFICAÇÃO E OMISSÃO DE PRONÚNCIA aos DOIS documentos oficiais dos EUA que atestam que as mercadorias constantes dos DAA'S nºs 123366, 123367 e 123368 foram efectivamente exportadas e recebidas neste país terceiro tem, manifesta influência na fundamentação da sua decisão (páginas 59 e 60 do Acórdão sub censura). Conclui o Acórdão sub censura que "Do que vem dito, podemos constatar que a Recorrida não trouxe para o procedimento quaisquer elementos probatórios que permitissem à AT concluir diferentemente pela relevância da saída dos produtos do território do Estado Membro de destino e entrada e recepção dos mesmos pelo país destinatário. Assim, a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito que determina a sua revogação e consequente manutenção do ato de liquidação do IEC's de 2003.". ORA ENFERMA O ACÓRDÃO AQUI DE UM MANIFESTO LAPSO E OMISSÃO DE FACTOS PROVADOS QUE SÃO RELEVANTES;

XXXIII - NÃO INCLUINDO o Acórdão sub censura nos seus factos dados como provados os documentos aduaneiros compostos por:

A) Documento aduaneiro "Entry/lmmediate Delivery" nº 3221821465-7, tratando-se do documento de importação aduaneiro oficial dos EUA, devidamente certificado pelas autoridades aduaneiras dos Estados Unidos da América no seu campo 27, referente ao DAA com o nº 123366 contendo, de forma clara, este documento a identificação do contentor e navio que é mencionado e objecto da respectiva DAU (sendo a DAU o documento alfandegário fundamental para as operações de exportação para fora da comunidade) e ainda encontrando-se estes elementos mencionados no documento de transporte junto aos autos, o destinatário, a mercadoria e país de origem, estando assinado no campo referente à Alfândega em entrada autorizada (junto na Impugnação Judicial como Doc. Nº 7) - ponto m. dos FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA;

B) Documento aduaneiro "Entry/lmmediate Delivery" nº 322-3821565-4 tratando-se do documento de Importação aduaneiro oficial dos EUA, devidamente certificado pelas autoridades aduaneiras dos Estados Unidos da América no seu campo 27, referente ao DAA nº 123367 e DAA nº 123368 contendo, de forma clara este documento a identificação do contentor e navio que é mencionado e objecto da respectiva DAU (sendo a DAU o documento alfandegário fundamental para as operações de exportação para fora da comunidade) e ainda encontrando-se estes elementos mencionados no documento de transporte junto aos autos, o destinatário, a mercadoria e país de origem, estando assinado no campo referente à Alfândega em entrada autorizada (junto na Impugnação Judicial como Doc. Nº 8) - ponto nº dos FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA;

INCORRE ESTE ACÓRDÃO EM MANIFESTO ERRO DE JULGAMENTO E DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO que, para além de terem tratado a matéria de forma errada e juridicamente insustentável, conduziu a uma decisão ostensivamente errada e juridicamente insustentável. Profere-se, assim, CONCLUSÕES COMPLETAMENTE ERRADAS AO NÍVEL DA MATÉRIA DE FACTO E COM UMA ERRADA APLICAÇÃO NOS SEUS FUNDAMENTOS DE DIREITO, conforme as páginas 54 a 58 do Acórdão sub censura e acima citadas no articulado 46°.

XXXIV - Atente-se a DECISÃO E FUNDAMENTAÇÃO diametralmente oposta e correcta da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto com base e fundamentada na apreciação destes dois documentos aduaneiros dos EUA que a aqui impugnante juntou aos autos, conforme consta nas páginas 39 e 40 da Sentença e acima citado no articulado 47°, aqui citando-se só a conclusão:

"De todo o modo, pelos documentos de entrada (Entry/lmmediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos - Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, nºs de entrada 322-3821465-7 e 322-3821565-4, verifica-se que correspondem, respectivamente aos "Sea Waybill" nº ………..CUOPO030100445 e ………..CUOPO030100423, com as mesmas quantidades de mercadoria destes "Sea Waybill" e destinatário U…………, Inc., país de origem PT, e que se mostra assinado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada.

Ou seja, a existência destes documentos de entrada e a assinatura no campo reservado ao Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos confirma que a mercadoria constante daqueles documentos de transporte "Sea Waybill" nº …….CUOPO030100445 e ………CUOPO030100423, chegou àquele país (EUA) e, sendo assim, saiu do território da Comunidade.

Ou seja, a Impugnante, através de outros meios de prova, demonstrou aquilo que se poderia demonstrar pela entrega dos exemplares 3 dos DAA's se certificados pela estância aduaneira de saída em conformidade com o artº. 35º, nº 7 do CIEC, encontrando-se deste modo apurado o regime de suspensão relativamente a estes DAA's.".

XXXV - E bem andou a Sentença do TAF do Porto assim como os casos absolutamente similares dos Acórdãos do mesmo Tribunal Central Administrativo Norte nos casos dos processos nºs 2494/06.1BEPRT e 2492/06.5BEPRT que apreciaram e decidiram confirmar a Sentença uma vez que se pronunciaram e relevaram, como o só poderiam ter feito, os documentos aduaneiros do país terceiro de destino (a mesma situação nos EUA) que a Z…………, Lda., juntou naqueles processos.

XXXVI - O artigo 35º, nº 6, do CIEC refere que, na falta de entrega do exemplar visado (exemplar 3) do DAA confirmando a expedição dos produtos para um território da comunidade ao expedidor do exemplar 3 do DAA visado, presume-se que os produtos terão sido introduzidos no consumo. E como muito bem refere a douta Sentença e o próprio Acórdão sub Censura nas suas páginas 55 e seguintes, esta presunção é ilidível, desde logo por aplicação do artigo 73º da Lei Geral Tributária (LGT) e pela própria ratio da lei. E com todos os documentos juntos nos autos, com especial incidência para os documentos aduaneiros de recepção e desembaraço nos EUA, foi tal presunção amplamente ilidida pela aqui impugnante,

XXXVII - O próprio Acórdão recorrido sub censura conclui então, em citação, que essa prova terá que passar «pela apresentação de documentação reportada às operações de desembaraço aduaneiro nos países terceiros de destino da mercadoria, a cargo da estância aduaneira sob cujo controlo estiver a mercadoria exportada, ou, que tenha por incumbência verificar a exactidão dos dados declarados pelo importador/comprador em relação à mercadoria entrada» (Página 58 do Acórdão).

XXXVIII - E não podem restar dúvidas de que tal está devidamente provado e assente, pois a aqui impugnante juntou aos autos os Documentos aduaneiros "Entry/Immediate Delivery" nº 322-3821465-7 e nº 322-3821565-4, tratando-se de documentos de importação aduaneiros oficiais dos EUA, devidamente certificado pelas autoridades aduaneiras dos Estados Unidos da América no seu campo 27;

XXXIX - VIOLA O ACÓRDÃO SUB CENSURA A ADEQUADA E CORRECTA APRECIAÇÃO DA PROVA EXISTENTE NOS AUTOS, contradizendo a sua decisão a sua própria formulação quanto aos fundamentos de Direito, expressa nas páginas 57 e 58 do Acórdão;

XL - ATENTE-SE o que CRISTALINAMENTE o Ministério Público emanou no seu Parecer e que consta das páginas 17 e 18 do Acórdão e acima citado no articulado 66, ao referir taxativamente, em resumo:

"o Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso … Através dos documentos de entrada (Entry/Immediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos - Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, nºs de entrada 312-3821465-7 e 322-3821565-4, constata-se que correspondem respectivamente aos "Sea Waybill" n° ……….CUOPO030100445 e ……..CUOPO030100423, com as mesmas quantidades de mercadoria destes "Sea Waybill" e destinatário U……….., Inc., país de origem PT, e que se mostra assinado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada. Deste modo, a existência destes documentos de entrada e a assinatura no campo reservado ao Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, confirma que a mercadoria constante daqueles documentos de transporte "Sea Waybill" n° …….CUOPO030100445 e …..CUOPO030100423, chegou àquele país (EUA) e, sendo assim saiu do território da Comunidade. Deste modo, mostra-se comprovado o regime da suspensão de imposto, pelo que a FP não poderia liquidar o IEC relativamente aos DAA's em causa."

XLI - VIOLA o Acórdão sub censura os princípios que regem o processo tributário, desde logo o da descoberta da verdade material (artigo 13º, nº 2, do CPPT) e do inquisitório, que exigem que em sede judicial se procure encontrar a situação real.

XLII - VIOLA o Acórdão o artigo 115º do CPPT, em conformidade com o também previsto no artigo 75º da Lei Geral Tributária, que admite expressamente a adopção dos meios gerais de prova, e bem assim como a livre apreciação da prova previsto no artigo 655º do Código Processo Civil.

XLIII - VIOLA ESTE ACÓRDÃO SUB CENSURA o regime fiscal previsto da Directiva Comunitária 92/83/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro de 1992.

XLIV - VIOLA ESTE ACÓRDÃO SUB CENSURA o artigo 7º, nº 1 e nº 2 do Código de IEC, sob o regime de suspensão que afasta a exigibilidade do pagamento de imposto,

XLV - VIOLA ESTE ACÓRDÃO o artigo 33º nº 11 e 12º do Código de IEC, assim como o artigo 35º do mesmo Código;

XLVI - VIOLA ESTE ACÓRDÃO o princípio da livre admissibilidade dos meios de prova expresso nos artigos 50º e 115º, nº 1, do CPPT, em conformidade com o também previsto no artigo 75º da Lei Geral Tributária, assim como da livre e adequada apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 655º do CPC.

XLVII - AO DAR COMO PROVADOS FACTOS ERRADOS E NÃO SE PRONUNCIANDO NOS MESMOS FACTOS PROVADOS SOBRE OS DOCUMENTOS ADUANEIROS DE RECEPÇÃO DAS MERCADORIAS NOS EUA o Acórdão faz errada apreciação da prova e sua fundamentação jurídica, violando o artigo 653º e 668º do CPC.

XLVIII - VIOLA O ACÓRDÃO o disposto no artigo 73º da LGT dado que a falta de entrega do exemplar visado (exemplar 3) do DAA confirmando a saída dos produtos do território da comunidade ao expedidor do exemplar 3 do DAA visado, presume-se que os produtos terão sido introduzidos no consumo, sendo esta presunção ilidível o que claramente o concretizou a aqui Impugnante nos presentes autos.

XLIX - VIOLA O ACÓRDÃO SUB CENSURA o estabelecido pelos princípios por que regem o processo tributário de descoberta da verdade material e do inquisitório conforme o disposto no artigo 13º do CPPT, assim como o princípio da justiça material a que deve obedecer a tributação, conforme o estipulado no artigo 5º, nº 2, da LGT.

L - Resulta claro por todos os documentos constantes dos autos que as mercadorias foram objecto de exportação, pelo que a operação isenta na tributação de imposto IEC, a manutenção de uma liquidação oficiosa de imposto decidido pelo ACÓRDÃO SUB CENSURA VIOLA E SUBVERTE todos os princípios basilares de Justiça e legalidade a que deve uma liquidação oficiosa estar alicerçada, inexistindo fundamento para a sua aplicação.

LI - Em suma, o acórdão recorrido ao considerar que não se mostra demonstrada a exportação das mercadorias para os EUA e sua recepção nesse país, SEM SE PRONUNCIAR SOBRE OS DOIS DOCUMENTOS DE DESEMBARAÇO ADUANEIRO DOS EUA JUNTOS AOS AUTOS, VIOLA o disposto no art.º 35º e 42º, 2, do Código dos IEC vigente na altura da ocorrência dos factos em causa, bem como o art.º 115º do CPPT e art.º 75º da LGT

LII - Por tudo o acima exposto e em súmula, pugna a aqui Impugnante em absoluto pela manutenção da douta Sentença ao considerar, através de outros meios de prova, que ficou amplamente demonstrada a efectividade das transacções e que as mercadorias constantes dos DAA's nº 123366, nº 123367 e nº 123368 foram exportadas e nos Estados Unidos da América, devidamente, recebidas, pelo se encontra, sem margem para dúvidas, apurado o regime de suspensão de imposto relativamente a estes DAA's. Consequentemente, as liquidações oficiosas de imposto IEC que foram impugnadas padecem do manifesto vício da violação da lei devendo, consequentemente, ser objecto de anulação como, doutamente, assim foi decido na Sentença destes autos.

Pediu fosse concedido provimento ao recurso, fosse revogado o acórdão recorrido e fosse confirmada a sentença de primeira instância, anulando-se as liquidações impugnadas.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A revista foi admitida por acórdão desta Secção, proferido pela formação a que alude o artigo 150.º, n.º 6, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O Ex.mo Magistrado do M.º P.º teve vista dos autos e lavrou douto parecer, que aqui se transcreve parcialmente:

A presente revista excecional foi admitida por acórdão de 29/05/2019.

Como bem se refere no acórdão do STA que admitiu a revista, o acórdão recorrido sofre de uma grave e notória anomalia, pois que a transcrição da factualidade fixada na sentença de 1.ª instância omite toda a factualidade vertida nas alíneas m) e n) do ponto 17.º e, bem assim a vertida nos pontos 23.º e 24.º do probatório, quando é certo que essa factualidade não foi questionada nem foi objeto de reapreciação pela 2.ª instância.

E, por isso mesmo, o acórdão recorrido está ostensivamente errado, já que analisou e decidiu a questão à luz de um quadro factual erradamente transcrito.

Ora, com é lógico, essa referida factualidade tem de se considerar consolidada, por não ter sido impugnada, não podendo deixar de ser relevada pelo STA, tendo em vista a apreciação do presente recurso excecional

A questão de direito a reapreciar pelo STA consiste, assim, em saber se a prova apresentada pela recorrente e a que atrás se fez referência, é suficiente para a prova da receção da mercadoria, de forma regular, no país de destino, e, consequentemente, do apuramento do regime de circulação em suspensão do imposto (IABA).

Ora, como bem sustentam a decisão de 1.ª instância, o MP junto do TCAN, no seu parecer de fls. 255 do processo físico, e a recorrente nas suas alegações, a lei não exigia prova vinculada para ilidir a presunção de que os produtos terão sido introduzidos no consumo decorrente da não entrega do exemplar n.º 3 do DAA visado pela instância aduaneira competente.

Na verdade, o apuramento do regime de suspensão podia ser feito através do exemplar 3 do DAA ou qualquer outro meio de prova adequado (artigos 15.º/4 da Directiva 92/12/CEE, de 25 de Fevereiro-ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR ALBERTO XAVIER, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, volume II, Almedina, página 678).

É, assim, de admitir qualquer meio adequado de prova, no procedimento e no processo, nos termos do disposto nos artigos 50.º e 115.º/1 do CPPT.

Como se refere no parecer do MP junto do TCAN e que, com a devida vénia, se transcreve, em parte” Através dos documentos de entrada (Entry Immediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos-Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, n.ºs de entrada 322-3821465-7 e 322-38221565-4 constata-se que correspondem, respetivamente, aos «Sea Waybill» n.º …….CUOPO030100445 e ………..CUOPO0300100423, com as mesmas quantidades de mercadoria destes «Sea Waybill” e destinatário U………., Inc., país de origem PT, e que se mostra assinado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada.

Deste modo, a existência destes documentos de entrada e a assinatura no campo reservado ao Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos confirma que a mercadoria constante daqueles documentos de transporte «Sea Waybill» n.º ………CUOPO030100445 e …….CUOPO301100423, chegou àquele país (EUA) e, sendo assim, saiu do território da Comunidade.

E, sublinhe-se que o próprio cliente declarou-documento que não foi impugnado pela Fazenda Pública- que os produtos incluídos nos DAA 123366, 123367 e 123368 (referências ER 0201010286, ER 020101288 e ER 020101289), correspondentes às faturas 030100028A, 030100026A e 030100027A, e os documentos de entrada (Entry Immediate Delivery) do Departamento de Segurança de Fronteiras dos Estados Unidos n.ºs de entrada 322-3821465-7 e 322-3821565-4, foram exportados e, devidamente, recebidos nos Estados Unidos da América.

Assim, da conjugação destes elementos verifica-se que as mercadorias saíram do território da Comunidade, tendo chegado ao seu destino nos Estados Unidos da América.

Deste modo, mostra-se comprovado o regime da suspensão de imposto, pelo que a FP não poderia liquidar o IEC relativamente aos DAA,s em causa”.

3.CONCLUSÃO.

Deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se o acórdão recorrido, mantendo-se o decidido em 1.ª instância, ou seja, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e das sindicadas liquidações oficiosas.».

Com a concordância dos adjuntos, o relator dispensou os vistos.

Pelo que cumpre decidir.

2. No acórdão dos autos que admitiu a revista concluiu-se que o julgamento da matéria de facto realizado em primeira instância se encontra consolidado por não ter sido oportunamente impugnado. E que, nestas circunstâncias, a invocação de «um manifesto lapso ou erro palmar» na transcrição da factualidade apurada não representa a imputação de erro de julgamento da matéria de facto. E que, assim sendo, a matéria não está excluída de controlo em sede de revista excecional.

Tendo sido esta a primeira razão porque a revista foi admitida.

Assim, sendo, emerge como questão prévia a decidir a de saber se se existe «um manifesto lapso ou erro palmar» na transcrição, pelo acórdão recorrido, da factualidade apurada em primeira instância.

A Recorrente aponta o erro à parte do acórdão recorrido que consigna a factualidade dada como assente em primeira instância e, em particular, à que transcreve os pontos 17.º e 18.º dos factos ali dados como provados.

Em concreto, está em causa o conteúdo da transcrição das alíneas “i)”, “j)”, “k)” e “l)” e a omissão da transcrição das alíneas “m)” e “n)”, do referido ponto 17.º. Bem como o conteúdo da transcrição do também referido ponto 18.º.

E pode adiantar-se desde já que a Recorrente tem toda a razão, nesta parte.

Aliás, os erros de transcrição não se ficaram por ali: o acórdão recorrido também omitiu a transcrição dos pontos 23.º e 24.º do mesmo segmento da sentença; e na transcrição da fundamentação da resposta à matéria de facto não reproduziu devidamente a primeira linha que, no original, alude à «prova dos factos 19 a 24» (e não à «prova dos factos 20 a 23»).

Assim, e porque a correção destes erros não representa alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto (já que o tribunal recorrido nada decidiu a este respeito, tendo-se limitado a consignar o que foi decidido em primeira instância), resta ao tribunal de recurso consignar, ele próprio, os factos a considerar na decisão a proferir.

O que fará de seguida, transcrevendo, com as devidas correções, os pontos 17.º e seguintes (onde foram detetadas omissões ou incorreções) e remetendo, no mais, para os termos da decisão em primeira instância, ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código.

«(…) Mais se provou que:

17. Mostram-se juntos aos autos os seguintes documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

a. Exemplar 1 do Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA) – IVP 123366, do qual consta, entre o mais:
o Mercadoria: U……...Inc. 30 placas c/ 1376 caixas Vinho do Porto
o Quantidades: 8.826,00;
o Peso Bruto: 19.057,00;
o Peso Líquido: 9.011,00;
o Expedidor: X………. & CA, S.A.;
o Destinatário: …………., Rotterdam;
o Local de Entrega: exportação fora da comunidade Rotterdam – Holland;
o Transportador: …………;
o Pais de Destino: NL;
o Transporte: Navio …………, Contentor n.º ……..XU 443776/8;
o Número de referência: ER – 020101286 N. – 23;
o N.º de factura: 030100028A, data 14.1.2003;
o Data de expedição: 20/01/2003,
o Carimbado o número 001100, data 15.Jan.03 e a menção “Export” e com carimbo da Alfândega de Leixões;
b. Exemplar 1 do Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA) – IVP 123367, do qual consta, entre o mais:
o Mercadoria: U……..Inc. 20 placas c/ 1301 caixas (parte) Vinho do Porto;
o Quantidades: 7.269,00;
o Peso Bruto: 14.268,00;
o Peso Líquido: 7.422,00;
o Expedidor: X………& CA, S.A.;
o Destinatário: ………, Rotterdam;
o Local de Entrega: exportação fora da comunidade Rotterdam – Holland;
o Transportador: ………..;
o Pais de Destino: NL;
o Transporte: Navio …………., Contentor n.º …….XU 204527/0;
o Número de referência: ER – 020101288 N. – 24;
o N.º de factura: 030100026A, data [ilegível];
o Data de expedição: 20/01/2003,
o Carimbado o número 001106, data 15.Jan.03 e a menção “Export” e com carimbo da Alfândega de Leixões;
c. Exemplar 1 do Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA) – IVP 123368, do qual consta, entre o mais:
o Mercadoria: U……...Inc. 20 placas c/ 4 caixas (resto) Vinho do Porto;
o Quantidades: 36,00;
o Peso Bruto: 86,00;
o Peso Líquido: 37,00;
o Expedidor: X……… & CA, S.A.;
o Destinatário: ……………., Rotterdam;
o Local de Entrega: exportação fora da comunidade Rotterdam – Holland;
o Transportador: ………..;
o Pais de Destino: NL;
o Transporte: Navio ……….., Contentor n.º ……..XU 204527/0;
o Número de referência: ER – 020101289 N. – 25;
o N.º de factura: 030100027A, data [ilegível];
o Data de expedição: 20/01/2003,
o Carimbado o número 001106, data 15.Jan.03 e a menção “Export” e com carimbo da Alfândega de Leixões;
d. Exemplar 3 do Documento Administrativo Único (DAU) – declaração de exportação –, com o número 001100, do qual consta, entre o mais o seguinte:
o Expedidor: X……… & CA, S.A.;
o Navio ……….;
o Mercadoria: 30 placas c/ 1.376 caixas vinho do porto;
o Contentor n.º ……….XU 443776/8;
o Na casa 44: Factura 030100028A; IVP 053, 055, 054; DAA 123366 de 14.1.2003;
o País de destino: EUA;
o No ponto 29: Estância Aduaneira de Saída: Rotterdam NL;
o O ponto “Controlo pela Estância Aduaneira de Partida” mostra-se assinado e com data 15.1.2003;
o No verso carimbo da Alfândega de Leixões com data 20.1.2003, menção Exportado e assinado;
e. Exemplar 3 do Documento Administrativo Único (DAU) – declaração de exportação –, com o número 001106, do qual consta, entre o mais o seguinte:
o Expedidor X……….. & CA, S.A.;
o Navio …………….;
o Mercadoria: 20 placas c/ 1.305 caixas vinho do porto;
o Contentor n.º ………..XU 204527/0;
o Na casa 44: Factura 030100026A, 030100027A; IVP 233, 234, 319; DAA 123367/8;
o País de destino: EUA;
o No ponto 29: Estância Aduaneira de Saída: Rotterdam NL;
o O ponto “Controlo pela Estância Aduaneira de Partida” mostra-se com assinatura e datas ilegíveis;
o No verso carimbo da Alfândega de Leixões com data 20.1.2003, menção Exportado e assinado;
f. Factura n.º 30100026 A emitida pela X……….. & CA, S.A. a favor de V………. Intern., Ltd., com data de 14.1.2003, indicação de enviado por ………….. Porto – T……….., CA (USA), no valor total de GBP 36.504,00 (EUR 11.120.491,00), relativa à aquisição de:
0153381025 X………… Heritage Ruby Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 280,00;
0153380140 X………… White Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153380093 X………… Sir William 10 Y.O. Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153380243 X………… Warrior Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 140,00;
0153380243 X………… Warrior Porto Cs Ct – 24x0,375, quantidade 9,00;
0153380125 X………… Nimrod Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153381168 X………… 20 Years Old Porto “CA” Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153560228 X………… Otima 10 Y.O. Porto Cs Ct – 6x0,50, quantidade 740,00;
0153381182 X………… 1987 Colheita Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 28,00;
0155380273 X………… 1992/1996 L.B.V. Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 45,00;
0155900233 X………… 1980 Vintage Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 3,00;
[0828010971 placas 106x126cm Push Pull / GR – quantidade 18,00];
[0828010971 placas 106x126cm Push Pull / GR – quantidade 2,00];
o Peso Bruto: 14.268 kgs;
o Peso Líquido: 7.422 kgs;
o Litros: 7.269;
g. Factura n.º 30100027 A emitida pela X………… & CA, S.A. a favor de V……….. Intern., Ltd., com data de 14.1.2003, indicação de enviado por …………. Porto – T…………, CA (USA), com o valor de GBP 360,00 e carimbo com indicação sem valor comercial, relativa à aquisição de:
0155900290 X………… 1970 Vintage Porto Cs Md – 12x0,75, quantidade 4,00;
o Peso Bruto: 86 kgs;
o Peso Líquido: 37 kgs;
o Litros: 36;
h. Factura n.º 30100028A emitida pela X………… & CA, S.A. a favor de V………. Intern., Ltd., com data de 14.1.2003, indicação de enviado por …………… Porto – T……….., CA (USA), no valor total de GBP 69.619,20 (EUR 21.208.626,00), relativa à aquisição de:
0153381025 X………… Heritage Ruby Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 224,00;
0153380093 X………… Sir William 10 Y.O. Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153380125 X………… Nimrod Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153381168 X………… 20 Years Old Porto “CA” Cs Ct – 12x0,75, quantidade 14,00;
0153560228 X………… Otima 10 Y.O. Porto Cs Ct – 6x0,50, quantidade 518,00;
0155900190 X………… 2000 Vintage Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 334,00;
0155940190 X………… 2000 Vintage Porto Cs Ct – 12x0,375, quantidade 100,00;
0155900232 X………… 1977 Vintage Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 23,00;
0155380273 X………… 1992/1996 L.B.V. Porto Cs Ct – 12x0,75, quantidade 55,00;
[0828010971 placas 106x126cm Push Pull / GR – quantidade 10,00];
[0828010971 placas 106x126cm Push Pull / GR – quantidade 20,00];
o Peso Bruto: 19.057 kgs;
o Peso Líquido: 9.011kgs;
o Litros: 8.826;
i. Documento de conta-corrente relativo ao cliente V………….Intern., Ltd., do qual constam os números de factura referidos em f. e h. supra e respectivo valor, correspondendo o valor total das aquisições deste cliente em Janeiro de 2003 a GBP 659.137,10;
j. Aviso de Lançamento emitido pelo BPI e remetido à Z………… – Comércio e Serviços, S.A., do qual consta que em 19.4.2003 foi efectuado o lançamento na conta n.º 3-6002123/306/003 GBP do valor de GBP 659.137,10, sendo beneficiário a X………… CA e ordenante a V…………. International, Lta.;
k. Sea Waybill” (documento de transporte) da ……….. n.º ……….CUOPO030100445 do qual consta:
o Expedidor: X………… & Ca, Lda.
o Destinatário: U……….. C/O T……………., CA, USA;
o Navio: …………….; ……….;
o Porto de embarque: Leixões;
o Porto de desembarque: Oakland, CA;
o Contentor n.º ……….XU 4437768
o Mercadoria: 401 cxs 12/750 ml Vinho do Porto; 518 cxs 6/500 ml Vinho do Porto; 357 cxs 12/750 ml Vinho do Porto; 100 cxs 12/375 ml Vinho do Porto; 70 cxs 12/750 ml Vinho do Porto; 1446 cxs no total;
l. “Sea Waybill” (documento de transporte) da ………….. n.º ……….CUOPO030100243 do qual consta:
o Expedidor: X………… & Ca, Lda.
o Destinatário: U……… C/O T………….., CA, USA;
o Navio: …………….; ……..;
o Porto de embarque: Matosinhos;
o Porto de desembarque: Oakland, CA;
o Contentor n.º ………..XU 2045270
o Mercadoria: 549 cxs 12/750 ml Vinho do Porto; 9 cxs 24/375 ml Vinho do Porto; 750 cxs 6/500 ml Vinho do Porto; 7 cxs 12/750 ml Vinho do Porto; 70 cxs 12/750 ml Vinho do Porto; 1375 cxs no total;
m. Documento de entrada (Entry/Immediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos – Gabinete de Alfândegas e Protecção de Fronteiras dos Estados Unidos, n.º de entrada 322-3821465-7, destinatário U……….., Inc., navio ……..CU …………, IT/BL/SWB n.º ………..CUOPO030100445, quantidade manifesto 1446, país de origem PT, e que se mostra assinado e datado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada;
n. Documento de entrada (Entry/Immediate Delivery) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos – Gabinete de Alfândegas e Protecção de Fronteiras dos Estados Unidos, n.º de entrada 322-3821565-4, destinatário U…………, Inc., navio ……….CU …………., IT/BL/SWB n.º ………CUOPO030100423, quantidade manifesto 1375, país de origem PT, e que se mostra assinado e datado no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada;
- cfr. docs. de fls. 34 e ss. dos autos.

18. Em 20.1.2011 a V…………. emitiu declaração da qual consta:

“Nós, V……….. International, LTd, contribuinte fiscal n.º ……….., com sede na ………., …….. ……….. Road, Guildford Surrey Gui 3LS, Reino Unido, na qualidade de Agente Comercial, para todos os devidos efeitos legais e judiciais, pela presente, solenemente, atestamos e declaramos que os produtos que se encontram incluídos no documento e ordem de embarque abaixo identificados foram exportados por nós e, devidamente, recebidas nos Estados Unidos da América e que todas as taxas foram nesse país pagas dentro do prazo período legal estabelecido. Nós, igualmente, certificamos que estes produtos foram comprados à sociedade Z…………., Lda (em nome da sociedade do Grupo Z………… X………. & Companhia, S.A.), com morada e sede na Travessa ………….., Vila Nova de Gaia, Portugal, com morada e sede na Rua ………….., Vila Nova de Gaia, Portugal.

Ordem de Embarque
Documento de Importação
Descrição
Factura Número
Porto de Destino
ER 020101286

ER 020101288

ER 020101289

Entry Delivery 322-3822465-7

Entry Delivery 322-3822465-7

X………… ’s Heritage

X………… Wite

X………… Sil William

X………… Warrior

X………… Nimrod

X………… 20 Y.O.

X………… 1970 Vintage

X………… Otima

X………… 2000 Vintage

X………… 1992/1996 LBV

030100026 A

030100027 A

030100028 A

T……….., CA, USA


De igual forma, declaramos que encontramo-nos disponíveis para dar os testemunhos e evidências escritas referentes a todos estes factos se tal for solicitado pelo Tribunal ou qualquer outra Autoridade da Jurisdição Portuguesa.”
- cfr. doc. de fls. 132 e ss. dos autos.

19. A Impugnante deparava-se com muitas dificuldades em obter os Documentos Administrativos de Acompanhamento devidamente certificados pela estância aduaneira de saída, uma vez que muitas das Alfândegas dos outros países se recusavam a enviar ou não devolviam o documento.

20. As situações que apresentavam maiores dificuldades com a obtenção do comprovativo de saída das mercadorias, em que a DAA raramente era devolvida, eram no Reino Unido, Roterdão (Holanda), Antuérpia e Suíça.

21. Perante uma situação de não apuramento a Impugnante diligenciava, designadamente junto dos clientes, transportador e despachante, no sentido de obter o comprovativo da chegada e entrega da mercadoria ao destino.

22. Muitos clientes estrangeiros da Impugnante recusavam obter e devolver os documentos comprovativos da chegada e entrega das mercadorias uma vez que tal lhes implicava suportar custos.

23. No caso dos Estados Unidos da América, os clientes ali sediados não podem obter a DAA devidamente certificada uma vez que a mesma fica retida no porto de saída do território da Comunidade.

24. O original do documento de entrada das mercadorias nos Estados Unidos fica na Alfândega, apenas sendo possível obter cópia do mesmo. [fim de transcrição]».

4. A questão fundamental a decidir é a de saber se o lapso em que incorreu o tribunal recorrido na transcrição do quadro factual dado como assente inquinou o julgamento da matéria de direito.

Ou seja, saber se a operação de subsunção do quadro factual fixado ao quadro legal aplicável foi inquinada pela desconsideração de factos dados como assentes e a relevar para a decisão a proferir.

A esta questão respondemos também afirmativamente. Vejamos porquê.

Na essência, estava em causa nos autos saber se a Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo violou a lei ao concluir pela falta de apuramento da saída, em regime de suspensão de impostos especiais sobre o consumo, de produtos (bebidas alcoólicas) oriundos do Porto de Leixões com destino aos Estados Unidos, via Roterdão.

Aquela entidade administrativa tinha entendido que o expedidor (ora Recorrente) não tinha procedido ao apuramento da saída em regime de suspensão porque a estância aduaneira de saída (no caso, a autoridade aduaneira holandesa) não tinha confirmado a saída dos produtos do território comunitário nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 7, do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de dezembro [doravante “CIEC”].

Ou seja, porque não tinha sido exibido o exemplar 3 do documento administrativo de acompanhamento (DAA), devidamente visado pela autoridade aduaneira holandesa (o visto no verso do documento, a que aludia o artigo 793.º das “DACAC” – Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro comunitário). E porque esta tinha confirmado à autoridade aduaneira portuguesa que os DAA’s não foram ali apresentados e que só podia confirmar a saída dos contentores (e não da mercadoria).

Adicionalmente, ficou também consignado na decisão administrativa impugnada que não foram apresentados documentos alternativos que comprovassem essa saída.

Pelo seu lado, o tribunal de primeira instância tinha entendido que, para efeitos de apuramento da circulação dos produtos em regime de suspensão, a falta de confirmação por parte da estância aduaneira de saída poderia ser colmatada pela apresentação documentos de entrada (“Entry/Immediate Delivery”) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos – Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, devidamente assinados no campo referente a uso da Alfândega em entrada autorizada.

Ou seja: que, na falta de controlo pela estância aduaneira de saída (no caso, a holandesa), poderiam relevar para este efeito os documentos comprovativos do controlo da entrada dos produtos na estância aduaneira do país do destino dos produtos exportados (no caso, a americana), confrontados e conjugados com os documentos visados pela estância aduaneira de partida (no caso, a portuguesa).

Para assim concluir, o tribunal de primeira instância elaborou o seguinte raciocínio:

a) a liquidação que deriva de uma situação de não apuramento assenta a presunção de que os produtos em circulação terão sido introduzidos no consumo;

b) esta presunção é ilidível;

c) o expedidor pode ilidir esta presunção demonstrando que os produtos chegaram ao destino (já que a lei liberta o expedidor de responsabilidade fazendo a prova de que os produtos foram recebidos no destino);

d) para fazer esta demonstração o expedidor pode recorrer aos meios gerais de prova que sejam adequados a comprovar a recepção da mercadoria (e, consequentemente, a saída dos produtos em circulação do território da Comunidade);

e) os documentos de entrada, visados pela autoridade aduaneira do país do destino, não foram impugnados pela Fazenda Pública, pelo que comprovam que os produtos foram exportados e devidamente recebidos dos Estados Unidos da América;

f) pelo que foi demonstrado, através de outros meios de prova, aquilo que se poderia demonstrar pela entrega dos exemplares 3 dos DAA’s, se certificados pela estância aduaneira de saída;

g) e, assim sendo, o regime de suspensão foi apurado e a Administração Tributária não poderia liquidar o imposto.

A Fazenda Pública recorreu do assim decidido para o Tribunal Central Administrativo Norte dizendo, na essência, que o documento de entrada (“Entry/Immediate Delivery”) não é idóneo nem suficiente para comprovar a saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade.

Do exposto deriva que o que a Fazenda Pública pôs em causa no recurso foi a idoneidade dos documentos de entrada (“Entry/Immediate Delivery”) do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos – Gabinete de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos como meios de prova da saída dos produtos do território da comunidade.

Ora, o acórdão recorrido não concluiu que a Recorrente não apresentou prova idónea da saída dos produtos do território Comunitário por não reconhecer idoneidade para tal aos documentos de entrada (“Entry/Immediate Delivery”).

Porque na página 58 do acórdão reconheceu expressamente idoneidade probatória à «documentação reportada às operações de desembaraço aduaneiro nos países terceiros de destino da mercadoria».

O acórdão recorrido concluiu que a Recorrente não apresentou prova idónea da saída dos produtos do território Comunitário por uma outra razão: por ter entendido que «essa prova esteve ausente».

Ou seja: por não ter detetado a apresentação da tal «documentação reportada às operações de desembaraço aduaneiro nos países terceiros de destino da mercadoria».

Sendo que a única explicação para assim ter concluído é precisamente o facto de ter olvidado o teor das alíneas “m)” e “n)” do ponto 17 dos factos dados como provados na sentença, já que são estes os segmentos dos factos provados que fazem alusão aos documentos de entrada.

Por outro lado, estando demonstrado que, afinal, foram juntos aos autos documentos equivalentes para fazer a prova de saída da mercadoria do território da Comunidade, a conclusão a tirar na subsunção daquela factualidade a tal fundamentação jurídica seria diametralmente oposta. Na falta de outra argumentação jurídica que ressalvasse da conclusão de que tais documentos são idóneos, o Tribunal Central Administrativo Norte teria que confirmar a decisão ali recorrida.

Assim sendo, o acórdão recorrido não pode manter-se na ordem jurídica. Porque a conclusão a que chegou assenta num pressuposto que, manifestamente, não se verifica.

No recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, a Representação da Fazenda Pública levantou duas questões essenciais: [1.ª)] a questão de saber se os meios de prova apresentados pelo sujeito passivo são suficientes e idóneos (ponto “2” das alegações e conclusões “I” a “IX”); [2.ª)] A questão de saber se o sujeito passivo pode ser admitido a demonstrar a ilegalidade da liquidação juntando documentos que não juntou antes desta ter sido efetuada (ponto “3” das alegações e conclusões “X” e seguintes).

Tem precedência lógica o conhecimento da segunda questão, já que só faz sentido discutir se determinados meios de prova são idóneos depois de saber se a prova é admissível.

A Representação da Fazenda Pública entende que a prova não é admissível porque, decorrido o prazo de 3 meses a que alude o n.º 9 do artigo 35.º do CIEC a junção da documentação adequada será fundamento para um posterior reembolso ou dispensa do pagamento, mas não para considerar ilegal a liquidação.

E porque a definição dos meios de prova admissíveis para demonstrar a saída efetiva das mercadorias do território aduaneiro da comunidade depende de um juízo técnico da administração. Caindo, por isso, no campo da discricionariedade técnica e não sendo, assim, sindicável pelos tribunais.

Em bom rigor, o que aqui temos são dois problemas distintos: o problema de saber se a legalidade da liquidação efetuada com fundamento na falta de apuramento no regime suspensivo pode ser sindicada demonstrando a posteriori que as mercadorias chegaram ao destino e o de saber se o juízo administrativo sobre a prova apresentada para fazer essa demonstração é sindicável pelos tribunais.

Ao primeiro problema respondemos afirmativamente. Isto é: que a legalidade da liquidação efetuada a coberto do n.º 9 do artigo 35.º do CIEC, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, pode ser impugnada (graciosa ou contenciosamente) demostrando a posteriori que as mercadorias em circulação sob o regime suspensivo saíram do território comunitário.

Porque, na interpretação que fazemos do preceito, o pressuposto da liquidação efetuada a coberto no artigo 35.º, n.º 9, do CIEC não é a situação de não apuramento ou a sua manutenção dentro de certo prazo, mas a introdução no consumo dos produtos em circulação.

Ou seja: a lei manda liquidar o imposto em situações de não apuramento dentro de certo prazo porque releva estas situações como indicador de que os produtos foram introduzidos no consumo dentro do território da comunidade.

Assim, e ao contrário do que conclui a Fazenda Pública (ver a conclusão “XIX”), não é a falta de apuramento do regime de suspensão que é, por ali, imputada ao expedidor/exportador, mas a saída dos produtos desse regime.

A confirmar este entendimento está o facto de a lei não relacionar a exigibilidade do imposto com as situações de falta de apuramento, isto é, com o desconhecimento do destino dos produtos – ver o artigo 7.º do CIEC.

O objetivo do legislador ao introduzir este regime não foi o de onerar o expedidor com a falta de apuramento mas dispensar a Administração de demonstrar que os produtos sujeitos a imposto não chegaram ao destino.

De certa forma, o próprio artigo 36.º do Código confirma esta interpretação, visto que relaciona a responsabilidade pela circulação com o facto de os produtos não terem chegado ao destino e não propriamente com a situação de não apuramento.

Ou seja: a responsabilização do expedidor está relacionada com a circulação das mercadorias e não com a circulação dos documentos de acompanhamento e a sua recepção na origem.

Entendimento diverso resultaria num regime claramente desproporcionado aos objetivos a atingir, visto que relevariam, para este efeito, as formalidades que respondem à necessidade de controlo da utilização do regime de suspensão mesmo nas situações em que se viesse a confirmar que os produtos não saíram do regime da suspensão.

Assim sendo, o expedidor deve ser admitido a impugnar a liquidação efetuada a coberto do n.º 9 do artigo 35.º do CIEC demonstrando que os produtos não saíram do regime de suspensão e que, por consequente, não se verifica o pressuposto de facto em que assenta essa liquidação.

Resta assinalar, a este propósito, que a distinção que a Fazenda Pública faz entre o direito a impugnar a liquidação e o direito ao reembolso não tem cabimento no âmbito do CIEC, visto que a lei concede o direito ao reembolso em casos de erro na liquidação – artigo 12.º do CIEC.

Ao segundo problema respondemos também afirmativamente: isto é, que o juízo administrativo sobre a prova apresentada para fazer a demonstração de que as mercadorias não saíram do regime de suspensão e chegaram ao seu destino é sindicável pelos tribunais.

Ao contrário do que alega a Fazenda Pública, o juízo de mérito que a administração é chamada a fazer sobre a saída dos produtos de um regime suspensivo não é um juízo de conveniência ou oportunidade, mas de legalidade. Porque a atividade desenvolvida pela administração neste âmbito é integralmente vinculada à lei. E os juízos de legalidade da atuação administrativa são, obviamente, sindicáveis pelos tribunais.

Ao contrário do que também alega a Fazenda Pública, a valoração dos meios de prova de saída efetiva das mercadorias do território aduaneiro da comunidade não releva como uma atividade desenvolvida no âmbito da discricionariedade técnica da administração. Porque a questão de saber se as mercadorias saíram do território comunitário não apresenta, em si mesma, complexidade científica ou técnica que reclame conhecimentos técnicos especializados de que os órgãos jurisdicionais se encontrem desprovidos. E a avaliação do valor probatório de documentos é uma atividade que os tribunais são chamados a realizar no quadro das suas funções de julgar.

Assumindo – como se deve assumir – que o erro de facto nos pressupostos da liquidação é fonte de ilegalidade, os tribunais não se podem eximir ao seu exame, sob pena de estarem a violar a garantia constitucional do recurso contencioso com fundamento em ilegalidade – artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.

Pelo que o recurso interposto pela Fazenda Pública da decisão proferida em primeira instância nunca poderia proceder nesta parte.

6. Passemos à outra questão suscitada pela Representação da Fazenda Pública no recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância: a de saber se os meios de prova apresentados pelo sujeito passivo são suficientes e idóneos para demonstrar a saída das mercadorias do território da Comunidade.

A questão pode colocar-se em abstrato e em concreto.

Em abstrato, pode colocar-se a questão de saber se documentos daquele tipo são adequados a demonstrar os factos correspondentes.

Em concreto, pode colocar-se a questão de saber se, pelo seu conteúdo, os documentos efetivamente juntos comprovam esses mesmos factos.

Em abstrato, consta da decisão administrativa impugnada (apoiada numa circular interna) que podem ser aceites como prova alternativa desses factos «outros documentos que deveriam ter sido apresentados cumulativamente (factura e prova do pagamento, documento de transporte, certificado de descarga devidamente visado que ateste a descarga dos produtos e documento certificado pelas autoridades competentes do país terceiro com a identificação dos produtos ou documentos aduaneiro de sujeição» (ponto 22.4 do documento que se reproduz no ponto 16 dos factos dados como provados).

Na mesma decisão administrativa foi consignado que foram entregues nesse âmbito «facturas, prova de pagamento, Waybill (documentos de transporte) Entry/Immediate Delivery» (ponto 22.5 do mesmo documento).

Colocadas em sequência, devem serem interpretadas no sentido de que a Autoridade Administrativa nunca se opôs à admissibilidade desses documentos como meios de prova alternativos.

E isto vem ao caso porque a Representação da Fazenda Pública veio opor à admissibilidade destes documentos um conjunto de argumentos de que não encontramos respaldo na decisão administrativa impugnada.

Pois que, nas doutas alegações de recurso, reconhecendo embora idoneidade ao «documento – Summary Entry/ Immediate Delivery) – das alfândegas americanas com os dizeres coincidentes com o Sea Waybill e a restante documentação apresentada», veio contrapor que aquele documento não é adequado por se tratar de uma cópia do original, por nunca ter sido apresentado à alfândega antes da liquidação e por não se «saber se o documento é verdadeiro, se quem o assina representa a firma destinatária das mercadorias e se tem poderes para o efeito» (cit. pontos 2.3., 2.4. e 2.9.).

Ora, parece-nos incontroverso que, tratando-se de documentos apresentados em primeira mão às autoridades administrativas e constituindo estes elementos da instrução do respetivo procedimento, caberia às mesmas autoridades discretear sobre o respetivo valor probatório e admiti-los ou rejeita-los de acordo com as regras gerais dos procedimentos. Não sendo aqui aplicáveis as regras que o Representante da Fazenda Pública pudesse opor à apresentação dos mesmos documentos, ex novo, no processo judicial, nelas incluídas no artigo 115.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por outra via, admitir que o Representante da Fazenda Pública pudesse opor-se à admissibilidade de documentos que foram admitidos e concretamente apreciados no procedimento seria permitir que a legalidade do ato pudesse ser sancionada com fundamentação que dele não consta.

Sempre se dirá a este propósito o seguinte: ficou provado nos autos que a obtenção de documentos comprovativos de chegada e entrega das mercadorias era extraordinariamente difícil ou até impossível, no caso dos Estados Unidos da América. Porque o original do documento de entrada das mercadorias ficava retido na alfândega e só era possível obter cópia do mesmo (ponto 24.º dos factos provados).

Ora, a acrescida dificuldade da prova de determinados factos deve ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos seguras ou convincentes do que as que seriam exigíveis de tal dificuldade não existisse (neste sentido, entre outros, ver o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de dezembro de 2008, tirado no processo n.º 327/08).

Pelo que, estando demonstrado, por um lado, que a Recorrente se deparava com muitas dificuldades para obter o documento administrativo de acompanhamento (precisamente no caso em que a estância aduaneira de saída era a de Roterdão – ver também o facto 20.º) e, por outro lado, que não era possível obter o documento de entrada na estância aduaneira do destino (só sendo possível obter uma cópia), a falta de exibição do original não poderia constituir razão bastante para não admitir esses documentos como meio de prova.

Quanto ao conteúdo concreto do documento, consta da decisão administrativa impugnada que os referidos documentos de entrada «que apresenta uma diferença de um ano entre a data aposta pelo “broker” e a de autorização de entrega e diferença, não justificada documentalmente, nas quantidades, pelo que não constitui prova suficiente da saída do TAC» (ponto 22.5 do documento que se reproduz no ponto 16 dos factos dados como provados).

Nesta parte, a sentença contrapôs que a existência dos documentos de entrada com conteúdo correspondente aos “Sea Waybill” e com assinatura no campo reservado a uso da Alfândega «confirma que a mercadoria (…) chegou àquele país (EUA) e, sendo assim, saiu do território da comunidade».

Ora, deve observar-se desde já que a Fazenda Pública, embora tivesse insistido que esta afirmação não está fundada em prova bastante (ver o ponto 2.15. das doutas alegações) nada opôs em concreto a este julgamento do tribunal de primeira instância. A questão em que se enquistou verdadeiramente e que julgou de primordial importância para as alfândegas portuguesas foi a de saber se podem constituir provas bastantes declarações e documentos que não são o devido original nem cópia certificada. E sobre esta matéria em particular já acima nos pronunciamos.

Sempre se dirá que foi a própria Administração a assinalar, no procedimento de reclamação graciosa, as dificuldades que têm vindo a ser sentidas pelos operadores na obtenção dos documentos necessários ao apuramento do regime suspensivo. E a considerar que a resposta dada pelas autoridades aduaneiras dos Países Baixos aos pedidos de informação que lhe foram dirigidos não foi conclusiva.

E o que daqui retiramos é que a própria Administração considerou que havia dúvidas sobre a ocorrência do facto presumido.

A instrução do processo judicial veio reforçar esse juízo, porque foram reunidos indicadores muito significativos de que, também no caso dos autos, a falta de apresentação dos documentos administrativos de acompanhamento devidamente anotados estava relacionada com a recusa da estância aduaneira de saída em os fornecer.

E o que daqui extraímos é que as dúvidas da Administração sobre a ocorrência do facto presumido eram fundadas.

Ora, nos casos em que há dúvidas fundadas sobre o facto tributário que persistam após a instrução (non liquet) a lei manda anular o ato.

Isso, resulta, para o processo judicial, do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas deve entender-se que ali se consagra um princípio geral de repartição do ónus de prova objetivo aplicáveis às relações tributárias, tendo por base a ideia que que a aplicação de entendimento diverso (o de que caberia ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação) implicaria o reconhecimento da presunção da legalidade do ato administrativo de que a Administração não beneficia (ver, por todos, o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 3/12/2002, no recurso 47 574, publicado no apêndice do Diário da República, 2.ª série, de 26/02/2004, página 7314).

Assim, mesmo que a Fazenda Pública tivesse razão em afirmar que a prova de que a mercadoria chegou ao destino era inconclusiva, o resultado não poderia ser diverso.

Pelo que a sentença proferida em primeira instância sempre teria que ser confirmada.

7. Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:

I - A legalidade da liquidação efetuada a coberto do n.º 9 do artigo 35.º do CIEC, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, pode ser impugnada demonstrando que os produtos não saíram do regime de suspensão;

II - Se a cabal demonstração deste facto através dos documentos adequados se revelar muito difícil ou praticamente impossível, deve o expedidor das mercadorias ser admitido a apresentar outras provas;

III - E se da prova produzida resultar dúvida fundada sobre a saída dos produtos do regime de suspensão, deve o ato tributário ser anulado;

IV - O juízo administrativo sobre a prova correspondente apresentada no procedimento gracioso é sindicável pelos tribunais.

8. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar a decisão proferida em primeira instância.

Custas pela Fazenda Pública.

D.n.

Lisboa, 12 de janeiro de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.