Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01379/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADORES
Sumário:Não é de admitir a revista quando as instâncias decidiram, de forma concordante, que os guardas prisionais que cumprissem o período de serviço nas Regiões Autónomas não gozavam, como o Recorrente sustenta, do direito de serem transferidos para um estabelecimento prisional situado a menos de 100 km da sua residência habitual e isto por manifesta inexistência de lei que pudesse fundamentar a essa pretensão.
Nº Convencional:JSTA000P22702
Nº do Documento:SA12017121301379
Data de Entrada:12/04/2017
Recorrente:A......
Recorrido 1:DIRECÇÃO - GERAL DE REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……… intentou, no TAF de Ponta Delgada, contra o Ministério da Justiça, acção administrativa especial pedindo (1) a declaração de nulidade do despacho, de 28/08/2015, do Sr. Director Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que o colocou no Estabelecimento Prisional (EP) de Sintra e (2) a sua colocação em EP que respeitasse não só os critérios legais como a sua situação pessoal.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente e o TCA, para onde o Autor, apelou negou provimento ao recurso.
É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor impugnou, no TAF de Ponta Delgada, o acto que o colocou no EP de Sintra mas aquele julgou a acção improcedente.
Com efeito, considerando que o Autor, apesar de imputar àquele acto vícios de violação de lei e de forma - falta de fundamentação e violação do direito de audiência - haveria apenas que analisar o mérito da pretensão formulada e não os vícios formais por também ter formulado um pedido de condenação à prática do acto devido, consubstanciado “na sua colocação em Estabelecimento Prisional que atenda aos critérios e à situação supra referida do mesmo, nomeadamente o E.P. Porto”. E, por ser assim, considerou:
“Nos termos do disposto no Regulamento de Distribuição e Transferência do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional …. nomeadamente do art. 27°, n° 1.°, “Os elementos do Corpo da Guarda Prisional que por motivo da sua nomeação, transferência ou promoção, em lugares dos quadros, tenham de deslocar-se para estabelecimentos sitos nas Regiões Autónomas não se manterão nestes por período superior a trinta meses.”
E nos termos do art. 30°, n.º 1, “Para efeitos de afectação resultante do termo do período a que se reporta o art. 27.º e sem prejuízo da manutenção dos seus pedidos de registo anteriormente efectuados, cada elemento gradua todos os estabelecimentos prisionais e serviços do País em ordem decrescente de preferência.” E do n.º 2 “O director-geral afecta os elementos regressados de acordo com a conveniência de serviço e com a graduação referida no número anterior.”
Constata-se que não é relevante para o efeito pretendido e contrariamente ao alegado pelo Autor, a prestação de serviço pelo período de 30 meses em Estabelecimento Prisional sito nas Regiões Autónomas.
Tal não lhe confere o direito de que se arroga titular, designadamente a ser colocado após os referidos 30 meses, em Estabelecimento Prisional sito a menos de 100 km da área da sua residência.
Com efeito, resulta claro do Regulamento de Transferência que os critérios a considerar pela Administração para a afectação dos Guardas Prisionais, após a prestação de serviço por 30 meses em Estabelecimento Prisional sito nas Regiões Autónomas, são a conveniência de serviço e a graduação apresentada pelo Guarda Prisional por ordem decrescente de preferência relativa a todos os Estabelecimentos Prisionais e serviços do País, sendo que esta última mantém os pedidos de registo anteriormente efectuados.
….
Por outro lado, não resulta ainda dos autos que se encontrem verificados os pressupostos de facto que determinassem a sua colocação em conformidade com o pedido de transferência efectuado pelo Autor em 02/05/2014.
Assim, resta concluir que a presente acção tem necessariamente que improceder.”

Decisão que o TCA manteve.
Com efeito, depois de concedido provimento ao recurso no tocante ao julgamento da matéria de facto e, por essa razão, ter aditado vários factos à factualidade fixada no Tribunal de 1.ª instância entendeu que, no tocante à questão de mérito, a sua pretensão fracassava pela seguinte ordem de razões:
“2.2.3.1. Falta de fundamentação

Considera o recorrente que o despacho do Director Geral dos Serviços Prisionais de 28/08/2015 enferma de falta de fundamentação, já que, em face do seu teor, "não consegue descortinar o porquê de ter sido colocado no E.P. de Sintra, que foi a sua 37ª preferência, e não por exemplo numa das suas 10 primeiras preferências".
Não lhe assiste, porém, razão.
Na análise do vício de falta de fundamentação não podemos deixar de ter presente que estamos perante um acto que determina a transferência de diversos guardas prisionais, entre os quais o ora recorrente, dos estabelecimentos prisionais onde se encontravam colocados para outros estabelecimentos prisionais. ….
Ora, …. a transferência do recorrente do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada para o Estabelecimento Prisional de Sintra foi feita nos termos do disposto no artigo 30º, n.ºs 1 e 2, do referido Regulamento, tendo em conta as preferências manifestadas pelo mesmo. Com efeito, o Estabelecimento Prisional de Sintra foi um dos estabelecimentos escolhidos pelo recorrente no requerimento que apresentou com vista à sua transferência (cfr. ponto 4) do probatório).
É, assim, perfeitamente perceptível o fundamento legal em que se estribou o acto impugnado. E o recorrente não o ignora. Contudo, discorda da sua transferência para o Estabelecimento Prisional de Sintra pois entende que aquele enferma do vício de violação de lei por infracção dos princípios que norteiam a actividade administrativa. Só que isso já nada tem a ver com a fundamentação do acto, mas antes com um vício de fundo.

2.2.3.2. Violação dos princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da igualdade.
Alega a este propósito o recorrente que na aplicação do regime previsto nos artigos 27º a 30º do Regulamento de Distribuição e Transferência do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional sempre Direcção dos Serviços Prisionais colocou os guardas prisionais em estabelecimento situado a menos de 100 km da área da sua residência, decorridos que fossem 30 meses de permanência num estabelecimento prisional das Regiões Autónomas. Essa prática criou em si expectativas e motivou-o a pedir a sua colocação num desses estabelecimentos prisionais.
….
Contudo, daqui não resulta, ao contrário do que pretende o recorrente, que o acto impugnado, na medida em que não o transfere para um estabelecimento prisional situado a menos de 100 km da sua residência, viola os princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da igualdade e que lhe assista o direito a ser colocado num estabelecimento prisional que obedeça a esse requisito.
O Regulamento de Distribuição e Transferência do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional - com fundamento no qual foi proferido o despacho impugnado, como vimos atrás - estabelece nos artigos 27º a 30º um regime especial no que concerne ao movimento para as Regiões Autónomas.
….
São estas, e só estas, as regras a que deve obedecer a transferência dos guardas prisionais que se encontram a prestar serviço nas Regiões Autónomas.
Assim e desde logo, o regulamento estipula um período máximo durante o qual os mesmos devem permanecer no estabelecimento prisional da Região Autónoma, o qual é de 30 meses.
Findo esse período, o guarda prisional que pretenda ser movimentado para outro estabelecimento deve “graduar ", por ordem decrescente de preferência "todos os estabelecimentos prisionais e serviços do País", sendo com base nessa opção que será efectuada a sua colocação.
Resulta de forma clara e inequívoca do regime estabelecido no Regulamento de Distribuição e Transferência do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional que não é aí atribuído ao guarda prisional que se encontra a prestar serviço nas Regiões Autónomas o direito a ser transferido para um estabelecimento prisional situado a menos de 100 km da sua residência, findo que seja o período de 30 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 27º. Aliás, na medida em que o mesmo é obrigado a graduar todos os estabelecimentos e serviços do País para efeitos de afectação em resultado do termo daquele período, é claro que ele pode ser transferido para qualquer um, independentemente da distância à sua residência.
Em suma, e como bem se refere na sentença recorrida, “é manifesto que inexiste na lei aplicável qualquer normativo que possa fundamentar a pretensão do autor, ou seja, uma afectação que tenha em conta o período de serviço no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, relativamente aos demais elementos do Corpo da Guarda Prisional colocados em Estabelecimentos Prisionais do continente português".
….
E porque assim é, não tem aqui aplicação os princípios invocados em seu favor pelo recorrente, a qual tem como pressuposto uma actuação da Administração conforme ao direito e às normas jurídicas que regulam a situação. ……
Importa, por fim, referir que aquando do pedido de transferência apresentado pelo ora recorrente e mesmo aquando da prolação do acto impugnado, ainda não havia decorrido o prazo de 30 meses referido no n.º 1 do artigo 27º do Regulamento de Distribuição e Transferência do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional - o qual apenas se completou no dia 20/11/2015, … - pelo que sempre faleceriam as premissas de que ele parte para sustentar o direito que se arroga.”

3. A Recorrente não aceita essa decisão e, por isso, requer a admissão desta revista para que se reanalisassem as questões resumidas nas seguintes conclusões:
- “A decisão do Tribunal a quo reveste de importância fundamental dado que até à presente decisão a Direcção dos Serviços Prisionais procedia à transferência dos guardas prisionais colocados nas regiões autónomas para o continente português de modo diverso no contemplado na decisão/acórdão, impondo-se assim clarificar a situação de Direito.”
- O acto impugnado foi proferido “sem que o mesmo tivesse sido fundamentado e não tivesse tido em conta a sua prática reiterada de transferir os guardas prisionais findos os 30 meses de colocação nos EPs das Regiões Autónomas para um EP a menos de 100 Km da área da residência, não tendo aplicado esta prática/regra ao Recorrente.”
- “Urge ter presente que o recorrente requereu a sua movimentação para um EP das Regiões Autónomas, no pressuposto que findo o prazo de 30 meses seria colocado em EP no continente a menos de 100 Km da sua área de residência, conforme era prática da recorrida, (que a decisão do tribunal “a quo” ignorou) e tendo esta agora alegado que alterou esta prática em 2013, sem dar conhecimento aos guardas colocados em EP das Regiões Autónomas, violou manifestamente o princípio da confiança e da boa fé, salvo melhor entendimento.”

4. Como se acaba de ver, a questão que os autos colocam é a de saber se o acto impugnado - que não colocou o Autor no EP - é legal. O Recorrente sustenta ilegalidade dessa decisão fundando-se no pretérito entendimento da Entidade Demandada, que transferia os guardas prisionais que completassem 30 meses de serviço nas Regiões Autónomas para Estabelecimento Prisional situado a menos de 100 Km da sua residência. Critério que não respeitou no caso dos autos.
Todavia, as instâncias decidiram, de forma concordante, que os guardas prisionais que cumprissem o referido período de serviço nas Regiões Autónomas não gozavam, como o Recorrente sustenta, do direito de serem transferidos para um estabelecimento prisional situado a menos de 100 km da sua residência habitual e isto por manifesta inexistência de lei que pudesse fundamentar a essa pretensão. Deste modo, e porque assim, o Autor não gozava do direito reivindicado, ainda que fosse prática corrente tal acontecer, e isto porque não havia igualdade na ilegalidade.
Ora, esta decisão, no essencial, não parece merecer censura.
Desde logo, porque a mesma não só foi adoptada por ambos os Tribunais que tiveram de apreciar a apontada questão, com uma fundamentação muito semelhante, como tudo indica que fizeram correcto julgamento, já ponderaram adequadamente as normas em vigor e julgaram de acordo com a factualidade provada.
Por outro lado, a natureza do assunto carece de importância jurídica ou social justificativa da admissão do recurso, pelo que tudo aconselha a que o recurso não seja admitido.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.