Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0429/12.1BEPNF
Data do Acordão:11/07/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PASSAGEM DE NÍVEL
SUPRESSÃO DE PASSAGEM DE NÍVEL
CONDENAÇÃO
OBJECTO
PEDIDO
Sumário:I - Ainda que a sede do julgado esteja na parte dispositiva da sentença, para se apurar o verdadeiro conteúdo desta há que tomar em consideração a motivação utilizada, da qual poderá emergir uma restrição ou uma ampliação do dispositivo.
II - Padece da nulidade vertida na al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por consubstanciar uma condenação em objecto qualitativamente diferente do pedido, o acórdão que impõe à R. a obrigação de viabilizar aos AA. o atravessamento da via férrea através de uma passagem pedonal, superior ou inferior, quando estes haviam pedido, tanto a título principal como subsidiário, a reabertura de uma determinada passagem de nível que havia sido suprimida.
III - Estando provado que a referida passagem de nível estava classificada como pública e que à data em que fora encerrada servia unicamente o prédio dos AA., o n.º 3 do art.º 4.º do Regulamento de Passagens de Nível, aprovado pelo DL n.º 568/99, de 23/12, impunha a sua supressão, podendo ela apenas se manter como particular desde que estivessem preenchidas as condições deste preceito.
Nº Convencional:JSTA000P25130
Nº do Documento:SA1201911070429/12
Data de Entrada:07/08/2019
Recorrente:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.
Recorrido 1:A...... E ESPOSA E MUNICÍPIO DE BAIÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



RELATÓRIO


A…….., e mulher, B………, devidamente identificadas nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel, acção administrativa comum, contra “Infraestruturas de Portugal, S. A.” [originalmente, REFER – Rede Ferroviária Nacional, EP] e o Município de Baião, onde formularam os seguintes pedidos: “a) Serem as Rés condenadas a reabrir a Passagem de Nível ao …………, reclassificando-a para uso exclusivo dos proprietários dos prédios dos Autores, repondo o acesso de veículos automóveis à parte urbana do prédio dos Autores identificada como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2; b) Caso assim não se entenda, serem as Rés condenadas a repor o acesso de veículos automóveis à parte urbana do prédio dos Autores, nomeadamente fazendo obras de alargamento e pavimentação do troço do caminho que liga o Lugar ………… ao prédio dos Autores e a reabrirem a PN ao ………., por forma a permitir o acesso pedonal privativo entre o polígono 3 e o polígono 2 do prédio dos Autores”..

O TAF julgou a acção parcialmente procedente, decidindo:
a) Condenar a ré Infraestruturas de Portugal, S. A., a repor o acesso pedonal entre a parte do prédio dos autores identificada como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2;
b) Absolver a ré Infraestruturas de Portugal, S. A., quanto ao demais peticionado;
c) Absolver o réu Município de Baião de todos os pedidos que contra si vinham formulados.

A “Infraestruturas de Portugal” apelou para o TCA Norte, o qual, por acórdão datado de 25 de Janeiro de 2019, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Deste acórdão, a “Infraestruturas de Portugal” interpôs recurso de revista para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

1. Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.E., designada abreviadamente por REFER, E.P.E., à qual sucedeu a Infraestruturas de Portugal, S.A., pelo Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 104, de 29 de maio de 2015, era uma entidade pública empresarial com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que estava sujeita à tutela dos ministros responsáveis pela área das finanças e pelo setor dos transportes, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 141/2008, de 22 de julho.
2. Nos termos do n.º 2 do mesmo art:º 2.º, a REFER, E.P.E. tinha por objeto principal a prestação do serviço público de gestão da infraestrutura integrante da rede ferroviária nacional.
3. Por força do disposto no n.º 1 do art.º 3.º do citado diploma, constituía também atribuição da REFER, E.P.E. a construção, instalação e renovação das infraestruturas ferroviárias.
4. De acordo com o estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º dos Estatutos da REFER, E.P.E., anexos ao já referido Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 141/2008, de 22 de julho, a REFER, E.P.E. podia praticar todos os actos de gestão necessários ou convenientes à prossecução do seu objeto.
5. Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de dezembro, a REFER E.P.E. e as autarquias locais que tivessem a seu cargo vias rodoviárias que incluíssem passagens de nível (PN) deveriam elaborar programas plurianuais de supressão das mesmas, através da construção de passagens desniveladas e ou caminhos de ligação.
6. De facto, conforme refere o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de dezembro, as "passagens de nível, como uma das componentes mais perturbadoras do sistema de exploração ferroviária, são também pontos de conflito geradores de permanente insegurança".
7. E, nos "últimos anos tem-se assistido a uma redução do número de acidentes ali verificados", situação que se pode relacionar diretamente "com o incremento do esforço de supressão de passagens de nível" (cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de dezembro).
8. "I - A Refer é responsável pelas consequências de acidente ocorrido em passagem de nível sem guarda entre um comboio e um veículo quando não dota as passagens de nível de visibilidade imposta pelo DL n.º 156/81 de 9/6 e 104/97". (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.03.2007, no Proc. n.º 0625955,
Relator Desembargador Pereira da Silva, disponível em www.dgsi.pt).
"I - É do conhecimento comum a perigosidade de atravessamento das linhas férreas, tanto que o aviso colocado nas passagens de nível sem guarda, como a situada no local do acidente, do "pare, escute e olhe" se tornou um dado da cultura do quotidiano, a exigir que a travessia deva ser acompanhada de especiais cautelas" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.09.2016, Proc. n.º 492/10.0TBBAO.P1.S1, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt ).
9. "VI - A gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional e dos respectivos sistemas de regulação e segurança, pelos meios e riscos que envolve, deve ser considerada perigosa para efeitos de aplicação do regime do n.º 2 do art. 493.º do CC". (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.09.2016, Proc. n.º 492/10.0TBBAO.P1.S1, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt ).
10. Assim, foi celebrado em 19 de julho de 2008 um protocolo entre a REFER E.P.E. e o Município do Baião para a supressão, entre outras, da PN ao …………., da Linha do Douro, situada no Concelho de Baião, que não tinha guarda nem visibilidade regulamentar.
11. Nos termos da alínea K) do n.º 2 da Cláusula 2.ª do Protocolo celebrado em 19 de julho de 2008 entre a REFER E.P.E. e o Município de Baião, competia a este "Providenciar percursos alternativos para os casos em que o desenvolvimento de cada uma das obras inviabilize o atravessamento de qualquer PN objeto do presente protocolo".
12. Apesar de estar classificada como pública, a referida PN apenas servia os autores, com terrenos em ambos os lados da via-férrea, sendo que os caminhos de acesso apenas permitiam o acesso pedonal, conforme ficou provado na audiência de julgamento.
13. Deste modo, foi construído pelo Município de Baião o acesso ao Lugar …………, que já tinha ligação à PN ………, conforme consta na alínea b, do n.º 2, da cláusula 2.ª do Protocolo celebrado entre aquela autarquia e a REFER E.PE., servindo a mencionada PN como alternativa de atravessamento da via-férrea, conforme se encontra estabelecido no n.º 2, do artigo 4.º do Regulamento de Passagens de Nível (RPN), anexo ao Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de dezembro.
14. Quando a referida PN ………., sem guarda e sem visibilidade regulamentar, foi encerrada, a ligação passou a ser efetuada ao caminho alternativo construído por baixo da ponte ferroviária ………., conforme consta no memorando da reunião realizada em 05.02.2007.
15. Na verdade, como conclui no último parágrafo do seu ofício ref.ª 1735/2009 remetido ao autor em 17.02.2009, a Câmara Municipal de Baião admite ter preferido, e bem, a solução que foi protocolada e por si executada, por entender ser a melhor solução, e mais segura.
16. É importante lembrar que não havia acesso rodoviário através da PN, sendo a utilização pedonal não só esporádica como exígua, conforme registos de contagem de tráfego, efetuados em 2005 em obediência ao prescrito no artigo 13.º do RPN.
17. E, tendo em conta a existência de um caminho alternativo, o atravessamento da linha a pé, além de desnecessário, é ilegal e muito perigoso.
18. Dado que a supressão da PN foi oficializada em janeiro de 2009 junto do então Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT), a reposição da mesma configuraria o estabelecimento de uma nova PN, o que é expressamente proibido pelo n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de dezembro, que refere que o "atravessamento de linhas férreas por novas vias de comunicação é sempre realizado de forma desnivelada, sendo proibido o estabelecimento de novas passagens de nível".
19. De facto, o caminho alternativo efetuado pelo Município de Baião permite não só efetuar com segurança o percurso de automóvel, que antes não era possível, como ficou provado, porque a PN era apenas pedonal, como também percorrer tal distância a pé.
20. A criação de um caminho pedonal específico, que serviria apenas os Autores, que o utilizariam esporadicamente, não é necessário nem aceitável e não se enquadra na legislação específica sobre a matéria, tendo em conta que já se encontra efetuado um caminho alternativo que embora seja mais longo, é mais seguro.
21. Na verdade, a questão não é distinta no que diz respeito ao acesso pedonal, pois o Município, ao criar, nos termos do Protocolo celebrado com a REFER E.P.E., um caminho alternativo, cuidou que fosse possível aos autores aceder, em segurança, de um prédio ao outro, seja de automóvel, seja a pé. E a distância de cerca de 1,6 km não é impeditiva desse acesso.
22. Assim, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro, determina que a supressão de PN deve ser efetuada "através da construção de passagens desniveladas e ou caminhos de ligação", não impondo, nem prevendo, caminhos diferentes para meios de locomoção distintos.
23. Na realidade, à luz do regime legal em vigor, o legislador limitou-se a determinar a supressão de passagens de nível, através da criação de alternativas seguras ao atravessamento da via-férrea.
24. E foi o que a REFER E.P.E. e o Município de Baião fizeram ao garantir um caminho alternativo de acesso a veículos que, naturalmente, também pode ser percorrido a pé.
25. Além disso, a necessidade de passar de um prédio para o outro é esporádica e pouco frequente, não tendo o Tribunal dado como provado que os "autores todos os dias têm necessidade de atravessar a linha do caminho-de-ferro."
26. Assim sendo, foram acauteladas "as especificidades próprias da PN" e foram cumpridas escrupulosamente as determinações legais sobre a matéria em questão.
27. Nos termos da alínea K) do n.º 2 da Cláusula 2.ª do Protocolo celebrado em 19 de julho de 2008 entre a REFER E.P.E. e o Município de Baião, qualquer percurso alternativo seria da responsabilidade do referido Município.
28. De facto, conforme determina a referida alínea K) do n.º 2 da Cláusula 2.ª do mencionado Protocolo, competia a este "Providenciar percursos alternativos para os casos em que o desenvolvimento de cada uma das obras inviabilize o atravessamento de qualquer PN objeto do presente protocolo".
29. Mas, o caminho criado pelo Município de Baião não é só uma alternativa para quem circula num veículo, o referido caminho é também uma alternativa para quem circula a pé.
30. Como refere o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 12, como "se encontra provado, mediante protocolo estabelecido entre a então REFER e o Município de Baião foi determinada a supressão da PN em discussão nestes autos, o que veio a concretizar-se em 16.01.2009".
31. Ora, segundo refere, e bem, o douto Acórdão, na página 13, "se não se questiona, do ponto de vista legal, a supressão da passagem de nível, e apenas se procura justificar a sua reabertura com fundamento na necessidade própria dos autores, não é lícito determinar essa "reabertura" da PN, sob pena de assim se desvirtuar a intenção do legislador, permitindo que entrasse pela janela o que se quis manter fora da porta".
32. Mas, continua o douto Acórdão, na página 13, "além de pedir a reabertura da PN, os autores também pretendem que os réus sejam condenados na reposição do acesso pedonal e de veículos entre a parte do prédio dos autores identificada como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2".
33. E, segundo refere o douto Acórdão, nas páginas 13 e 14, não sendo possível, nos termos expostos, a reabertura da PN, solicita-se então a reposição do acesso pedonal e de veículos.
34. Conforme menciona o douto Acórdão, e bem, na página 14, "em relação ao acesso de veículos entre os polígonos que compõem o prédio dos autores, é de referir que os réus criaram alternativas, na medida em que, mesmo não sendo possível transitar de automóvel de um polígono para o outro, é sempre possível aceder a cada um deles, mediante o caminho alternativo criado. Além de que nem sequer se provou que a PN permitisse esse acesso, somente a tratores agrícolas, pelo que não se trataria de uma mera reposição".
35. O douto Acórdão considera na página 14, que a Ré "sem dúvida que criou um "caminho alternativo" de modo a permitir um acesso a um polígono e a outro, e para acesso à habitação dos autores, com recurso a um veículo, e neste caso a distância do caminho não é significativa, e o direito dos autores fica plenamente assegurado. Para quem circula num veículo, o caminho é efetivamente uma alternativa".
36. Todavia, na página 15, o douto Acórdão acrescenta que as "entidades envolvidas cuidaram de garantir alternativa ao acesso de veículos; mas já não cuidaram de garantir, como se lhes impunha, a passagem pedonal no prédio dos autores, possibilidade que já existia antes da supressão - como provado - e que o legislador não prevê, nem permite, excluir".
37. Por essa razão, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 15, determina "que deve ser reposto o acesso pedonal aos autores, que lhes permita transitar entre um e outro polígono. O concreto modo de o fazer, com as necessárias condições de segurança, apenas à ré Infraestruturas de Portugal, S. A., cumpre determinar, por ser a entidade gestora do domínio público ferroviário, não se imiscuindo nessa sede o tribunal (nem tão-pouco os autores pedem uma forma concreta de restabelecimento do acesso pedonal) (…)”
38. Mas, a verdade é que o Tribunal referiu diversas vezes a execução de uma passagem pedonal desnivelada (superior ou inferior), que não estava em discussão nos autos, e os Autores são claros nos seus pedidos, quando referem que pretendem a reabertura da PN.
39. Além disso, ficou provado que embora a PN estivesse classificada como pública, servia unicamente os Autores (Facto 15) e o Tribunal não deu como provado que os autores todos os dias têm necessidade de atravessar a linha do caminho-de-ferro (D).
40. O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte refere na página 16 que é "patente que, para além das reservas conexas com o impedimento legal em proceder à reabertura da PN, que o Tribunal a quo reconheceu, em momento algum a Recorrente invoca que a reposição da passagem pedonal se mostra tecnicamente impossível, mormente por recurso, por exemplo, a uma pequena passagem pedonal desnivelada (Superior ou inferior)".
41. Ora, tal situação nunca foi posta nesses termos, nem na petição inicial nem durante o decurso do processo, pelo que nunca esteve em discussão a execução de "uma pequena passagem pedonal desnivelada (Superior ou inferior)".
42. O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 16, justifica a sua decisão referindo que se "é certo que os cidadãos podem ser obrigados a sofrer restrições aos seus direitos na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do bem comum, as restrições a impor deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, de modo a conciliar as exigências do interesse público com as garantias dos particulares constitucionalmente consagradas".
43. E as restrições foram limitadas ao mínimo indispensável, pois foi criado um acesso mais seguro, embora mais longo, que pode ser percorrido tanto de automóvel como de trator ou até a pé.
44. E, acrescenta o douto Acórdão, na página 16, "o meio adequado e proporcional para a remoção da lesão do direito dos proprietários a circularem entre duas parcelas do seu terreno pedonalmente, para exercerem a sua atividade, consiste precisamente na viabilização do acesso pedonal entre os referidos polígonos".
45. O douto Acórdão refere, ainda, na página 17, que "sendo tecnicamente viável a criação do referido acesso, no respeito pelo legalmente estabelecido no que concerne às PN, resulta clara a prevalência do direito dos aqui Recorridos a impor tal acessibilidade pedonal".
46. É importante esclarecer que nunca foi referido se o referido acesso era tecnicamente viável ou não, pois tal assunto nunca foi abordado ao longo do processo.
47. Na verdade, em engenharia tudo é possível.
48. Todavia, os custos são demasiado elevados pois com a catenária da linha eletrificada, a passagem desnivelada tem que ser muito elevada, com expropriação de terrenos e com lançamento dos concursos públicos para a execução do projeto e da empreitada.
49. E, não podemos esquecer, tal acesso seria apenas para o interesse particular dos Autores, que não atravessam a via-férrea todos os dias.
50. Assim, tendo em consideração os custos - benefício, no caso em apreço, o princípio da proporcionalidade não seria seguido e o critério da economicidade não seria cumprido.
51. E explica também o douto Acórdão, na página 17, não está em causa a reabertura da PN, "mas antes e singelamente o garantir que os proprietários poderão manter o acesso pedonal em termos razoáveis de distância entre as suas duas parcelas, para tarefas tão simples como seja a de abrir e fechar a água da rega".
52. Na realidade, é necessário esclarecer que numa atividade perigosa nunca é "singelamente".
53. O douto Acórdão, na página 17, afirma que "não obstante a prevalência do direito dos Autores, aqui Recorridos, em manter a referida acessibilidade pedonal, a mesma não obstará a que se mantenha assegurada a circulação do trânsito ferroviário em condições de segurança enquanto prossecução do interesse público".
54. Ora, tal assunto, que não foi discutido no âmbito do processo, não é aceitável, pois só a gestora da infraestrutura ferroviária, no âmbito das suas atribuições, poderá esclarecer se a referida acessibilidade pedonal obstará a que se mantenha assegurada a circulação do trânsito ferroviário em condições de segurança enquanto prossecução do interesse público.
55. Segundo o douto Acórdão, na página 17, impõe-se "impedir que o direito de gozo pleno da propriedade por parte dos aqui Recorridos seja penalizada injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável e suportável, enquanto lesão do feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais".
56. De facto, seria intolerável se ficassem sem acesso mas, como já referimos, este é garantido.
57. O douto Acórdão, na página 17, menciona que no "confronto entre os dois direitos, resultou claro que o direito de circulação com celeridade e segurança na ferrovia, não poderá comprometer e obstar a que seja respeitado o direito ao gozo pleno da propriedade em termos de razoabilidade por parte dos proprietários atravessados pela linha, pois que a compressão do seu direito deverá limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (proporcionalidade - artigo 18º CRP)".
58. O confronto entre o direito dos passageiros dos caminhos-de-ferro e o direito dos Autores nunca esteve em discussão nos presentes autos.
59. O direito de circulação com celeridade e segurança de muitas pessoas que circulam nos comboios na linha do Norte pode ser comprometido para que os Autores atravessem a linha férrea de vez em quando, em vez de utilizarem o caminho alternativo, certamente mais longo, mas mais seguro.
60. De facto, o princípio da proporcionalidade não é respeitado, já que se põe risco e prejudicam muitas pessoas para que os Autores não tenham que fazer a pé o percurso mais longo.
61. O douto Acórdão, na página 17, considera que os "particulares não têm de estar condenados a ficar sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum, cabendo à sociedade, minimizar aqueles sacrifícios"
62. O douto Acórdão, na página 18, sublinha "que o Tribunal a quo não determinou a reabertura da PN antes tendo determinado a reposição do acesso pedonal entre parcelas, tendo tido o cuidado de afirmar que "O concreto modo de o fazer, com as necessárias condições de segurança, apenas à ré Infraestruturas de Portugal, SA, cumpre determinar, por ser a entidade gestora do domínio público ferroviário, não se imiscuindo nessa sede o tribunal (...)".
63. O douto Acórdão, na página 18, esclarece que "Caberá pois à Recorrente, em cumprimento do judicialmente determinado encontrar a via legal compatível com essa concretização, que poderá passar, nomeadamente, pelo desnivelamento superior ou inferior do acesso pedonal".
64. Neste caso, o douto Acórdão refere concretamente o "desnivelamento superior ou inferior do acesso pedonal" apesar de as duas entidades envolvidas terem estudado o assunto e terem decidido, por questões de segurança, fazer um caminho alternativo e não uma passagem desnivelada.
65. Na petição inicial, os Autores requerem o seguinte:
"a-) Serem as Rés condenadas a reabrir a Passagem de Nível ao ……….., reclassificando-a para uso exclusivo dos proprietários dos prédios dos Autores, repondo o acesso de veículos automóveis à parte urbana do prédio dos Autores e repondo o acesso pedonal e de veículos entre a parte do prédio dos Autores identificada como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2;
b-) Caso assim se não entenda, serem as Rés condenadas a repor o acesso de veículos automóveis à parte urbana do prédio dos Autores, nomeadamente fazendo obras de alargamento e pavimentação do troço do caminho que liga o Lugar de ………… ao prédio dos Autores e a reabrirem a PN ao ……….., por forma a permitir o acesso pedonal privativo entre o polígono 3 e o polígono 2 do prédio dos Autores". (sublinhado nosso).
66. Assim, os pedidos dos Autores são claramente para a reabertura da PN.
67. O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, na página 18, embora não decida pela reabertura da PN, determina que "Caberá pois à Recorrente, em cumprimento do judicialmente determinado encontrar a via legal compatível com essa concretização, que poderá passar, nomeadamente, pelo desnivelamento superior ou inferior do acesso pedonal".
68. "Haverá excesso de pronúncia para efeitos da al. e) do n.º 1, do art. 615.º do CPC/2013 apenas quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12-05-2016, Processo n.º 01441/15, disponível em www. dgsi.pt ).
69. "Com efeito, como dispõe o art. 609º, nº 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.ª Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsi.pt).
70. "Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo. É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6ª' Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsi.pt).
71. "O objecto diverso do pedido - determina a nulidade da sentença, nos termos do art 615º, nº 1, e), do CPC" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.ª Secção, de 14.05.2015, disponível em www, dgsi.pt).
72. "Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.ª Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsi.pt).
73. "Assim, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode mais tarde, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cfr. art. 265º, nº 2, do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão, nem este o pode fazer oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.ª Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsi.pt).
74. "Aliás, se o tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.ª Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsi.pt).
75. Deste modo, deverá ser decretada a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
76. Segundo determina o n.º 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
77. Conforme determina o n.º 2 da CRP, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
78. I - O conceito de interesse público (...) é um conceito jurídico indeterminado, pelo que a Administração, neste domínio, goza de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito desde que essa escolha se faça com observância dos princípios que enformam a actividade administrativa, designadamente o da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do interesse público.
II - Os Tribunais não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por envolverem apenas juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa, e, por isso, a sua sindicância judicial tem de quedar-se pela análise do cumprimento das normas e dos princípios jurídicos que vinculam a Administração e por verificar se a decisão assentou em erro patente ou critério inadequado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27-02-2008, no Processo n.º 0269/02, disponível em www.dgsi.pt).
79. Nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.
80. Segundo o n.º 2 do mesmo artigo, as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.
81. O princípio da proporcionalidade está plasmado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, que determina que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
82. Na verdade, deve sempre existir uma análise do ato administrativo, para verificar se a medida adotada é mesmo necessária no caso concreto e se não existe outra menos onerosa que assegure a eficiência do ato administrativo.
83. "O princípio da proporcionalidade (ou da racionalidade da decisão) tem uma tripla componente de adequação, necessidade e não excesso de meios" (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04-12-2012, no Processo n.º 0857/12, disponível em www.dgsi.pt.
84. Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º da CRP, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Segundo determina o n.º 2 do mesmo artigo, ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
85. O artigo 6.º do CPA determina que nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
86. XII - Por obediência ao princípio da proporcionalidade a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes do que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos.
XIII - Estamos aqui no domínio do princípio da intervenção mínima por forma a que se consiga compatibilizar o interesse público e os direitos dos particulares, de modo a que o principio da proporcionalidade jogue como um factor de equilíbrio garantia e controlo dos meios e medidas.
XIV - O princípio da igualdade é de conteúdo pluridimencional, postulando várias exigências, sendo que, no fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo". (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-06-2003, Processo n.º 01188/02, disponível em www.dgsi.pt).
87. Conforme determina o artigo 9.º do CPA, a Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.
88. II) - O dever de imparcialidade impõe que a Administração pondere, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares.
III) - E a imparcialidade é um limite essencial na fase e actividade instrutória, na recolha e valoração dos factos respeitantes às posições dos diversos interessados, exigindo-se que a Administração adopte uma postura isenta na busca e ponderação de todas elas.
IV) - É que o princípio da imparcialidade é um antecedente, um prius, em relação ao princípio da proporcionalidade: com este sancionam-se as condutas que sacrificam (ou beneficiam) desproporcionadamente certos dos interesses envolvidos face a outros; com aquele, as condutas tomadas sem (ou com) ponderação de interesses que (não) o deviam ser. (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01-06-2010, no Processo n.º 03982/10, disponível em www.dgsi.pt).
89. Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CPA, a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.
90. O critério da economicidade determina a análise pela Administração do custo/benefício do ato administrativo, na procura de um menor custo para o erário público e no interesse dos cidadãos contribuintes.
91. A decisão do Tribunal Central Administrativo Norte não assegura o cumprimento do interesse público, dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade e do critério da economicidade pois, além de não ser necessária no caso concreto, pois existe um caminho alternativo, é onerosa e coloca em risco a celeridade e a segurança ferroviária”.

Os recorridos não contra-alegaram.

Pela formação a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista, com a seguinte fundamentação:
“(…).
A acção procedeu parcialmente nas instâncias. Assim, o TAF condenou a recorrente a «repor o acesso pedonal» («in situ). E o TCA não só reiterou tal solução, como explicitou que o acesso devia ser desnivelado.
Na revista, e «ante omnia», a recorrente insurge-se contra a ordem de desnivelamento, dizendo que o aresto «sub specie» é, neste exacto ponto, nulo por «excesso de pronúncia». E, em geral, ela questiona a bondade jurídica da reabertura da passagem imposta pelas instâncias – esgrimindo várias razões, incluindo um «protocolo» que celebrou com o réu município.
Cremos que o assunto dos autos reclama uma melhor aplicação do direito.
Na medida em que os autores pediram – a título principal e subsidiariamente – a reabertura da passagem de nível, surpreende que o acórdão recorrido fale numa obrigação de desnivelamento; pois desnivelar equivale a suprimir as passagens desse tipo – e não a reabri-las. Surge, assim a suspeita de que o TCA decidiu «ultra vel extra petitum» - como, no fundo, vem dito na revista.
Ao basear-se em princípios jurídicos e no «protocolo» celebrado com o município – o qual, note-se, só pode ter efeitos «inter partes» - a recorrente não revela grande aptidão para afrontar o que os autores pediram e as instâncias concederam. Mas o modo como a petição colocou juridicamente o dissídio também parece hesitante e imperfeito – por de todo olvidar o regime da responsabilidade por actos lícitos.
E, olhada assim a problemática dos autos, justifica-se que o Supremo reavalie a situação. Pois, não obstante a singularidade do caso, parece que o desfecho encontrado pelas instâncias está longe da solução jurídica devida”.

O Exmº Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos do artº 146.º, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Os autores são donos e legítimos possuidores do prédio denominado “Quinta ………..”, sito no Lugar ………, freguesia …….. (………), inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 925.º e 68.º, e na matriz predial urbana sob o art.º 658.º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o n.º 839 – ……….. – cf. documentos de fls. 10 a 24 do suporte físico dos autos;
2. Este prédio é atravessado pelo caminho-de-ferro, integrante da Linha do Douro;
3. Dividindo-o em dois polígonos;
4. Um que se situa a nascente do caminho-de-ferro da Linha do Douro [que doravante se designará por polígono 2];
5. E outro que se situa a poente do mesmo caminho-de-ferro [que doravante se designará por polígono 3];
6. Neste polígono 3 localiza-se a parte urbana do prédio dos autores, correspondente a uma casa de habitação, e incluindo uma parcela de terreno para cultivo;
7. E o polígono 2 corresponde à parte rústica do prédio, constituído por campos de cultivo e árvores de fruto;
8. O dito prédio é ainda atravessado por um caminho que, desde a estrada municipal situada a Norte, no polígono 2, permitia o acesso à passagem de nível [doravante apenas PN] que ali existia ao ………., atravessando-a nesse ponto;
9. Para se deslocar do polígono 2 para o polígono 3, e vice-versa, os autores atravessavam o respetivo caminho-de-ferro;
10. E para acederem da estrada municipal a Norte, à parte urbana do prédio, os autores percorriam o caminho referido no ponto 8, de carro, até à dita PN existente ao ..………..;
11. Sendo que, quer os autores, quer os seus antecessores donos, atravessavam o caminho-de-ferro utilizando a referida PN ali existente ao ……..;
12. O que faziam para se deslocarem do polígono 3 ao polígono 2 para cultivar os campos, e regressar;
13. Bem como para irem ao polígono 2 abrir e fechar a água da poça que se encontra no mesmo;
14. Já que a água para consumo da casa e rega da parcela de terreno de cultivo existentes no designado polígono 3 é proveniente de uma poça situada no polígono 2;
15. A PN estava classificada como pública, mas, na data referida em 18., servia unicamente o dono do prédio referido em 1., permitindo apenas a passagem pedonal e de tratores agrícolas;
16. Mas já não o acesso rodoviário de veículos automóveis de outro tipo;
17. A 19.07.2008, entre o Município de Baião e a então Rede Ferroviária Nacional – REFER EP, foi firmado documento escrito intitulado “Linha do Douro – Supressão e Reclassificação de Passagens de Nível no Concelho de Baião”, no qual se podia ler o seguinte:
“(…)
Cláusula 1.ª
Objeto
Constitui objeto do presente Protocolo a realização das ações de supressão e reclassificação das Passagens de Nível:
(…)
3 – PN ao ………… (5.ª); supressão através de construção de restabelecimento viário sob a Ponte ………..
(…)
Cláusula 2.ª
Obrigações
(…)
2 – No âmbito do presente Protocolo, o Município obriga-se:
(…)
b) Promover o lançamento do concurso, a construção e fiscalização da obra objeto do nº 3 da Cláusula 1ª.
(…)
e) Promover a aquisição dos terrenos que, não sendo propriedade do domínio público ferroviário ou municipal, se revelem necessários à prossecução da obra objeto do nº 3, 8 e 9 da Cláusula 1ª.
(…)”;
Cf. documento de fls. 26 a 34 do suporte físico dos autos;
18. Na sequência deste protocolo, a PN viria a ser encerrada em 16.01.2009, tendo a então REFER comunicado tal encerramento ao IMTT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P., por ofício de referência 736066/2009/DGPC, datado de 30.01.2009 – cf. documento de fls. 76 do suporte físico dos autos;
19. Assim, o acesso poente à PN em questão foi vedado mediante a colocação de uma rede metálica;
20. E o acesso nascente pela construção de um muro em betão armado;
21. O Município procedeu ao arranjo do caminho de acesso à habitação dos autores, referido no ponto 23, permitindo o acesso automóvel;
22. Com o encerramento da PN, os autores têm de percorrer uma distância entre 1,5 km e 1,6 km de modo a poder aceder do polígono 2 ao polígono 3, ou vice-versa;
23. Tendo essa ligação passado a fazer-se pelo caminho alternativo construído por baixo da ponte ferroviária ……….;
24. Ou então, apenas podem atravessar a linha “a salto”;
25. Por missiva de referência 743210-007/PN, datada de 25.02.2009, a REFER comunicou ao anterior dono do prédio dos autores, C………, que a PN havia sido encerrada, “sendo assegurado a existência de caminhos alternativos até à PN …………” – cf. documento de fls. 39 do suporte físico dos autos;
26. Sendo que o Município de Baião também remeteu missiva àquele C……., de referência 1735/2009, datada de 17.02.2009, do seguinte teor:
“(…)
Relativamente ao assunto acima referenciado e no seguimento do V/ ofício, informo V. Excia. que nesta data foi enviado ofício à REFER com o seguinte teor:
Relativamente ao assunto acima referenciado e tendo em conta o ofício endereçado a esta Câmara Municipal pelos proprietários da Quinta ………, sita em Lugar ………., Freguesia …………., deste Concelho, da qual se junta cópia em anexo e tendo em consideração o memorando dessa Entidade de 12 de Fevereiro de 2007 sobre todas as passagens de nível em que se refere que esta ao KM ……. – Sem guarda e sem visibilidade Regulamentar, “serve apenas um proprietário com terrenos em ambos os lados da via-férrea, sendo que os caminhos de acesso apenas permitem o acesso pedonal”.
Assim, proponho a V. Excia., a sua reclassificação para uso exclusivo do proprietário dos terrenos ou em alternativa a sua supressão com beneficiação/construção de um caminho pelo lado direito da via-férrea para acesso à habitação.
(…)
Foi opinião desta Câmara Municipal, ser preferível a garantia de acesso conforme a alternativa sugerida, tendo-o executado no âmbito protocolado, de molde a garantir acesso a uma viatura ligeira de pequeno/médio porte, por se entender ser a melhor (e mais segura) solução para os proprietários e para a habitabilidade da moradia existente. A alegação da falta de acesso pedonal entre a moradia e os terrenos do outro lado da linha poderá ter algum fundamento devendo o acesso pedonal privativo ser mantido tendo-nos pronunciado sempre no sentido da supressão da travessia automóvel da linha.
(…)”;
Cf. documento de fls. 41/42 do suporte físico dos autos".

II. O DIREITO.

Os AA., após terem formulado, na petição inicial, os pedidos, principal e subsidiário que ficaram descritos, vieram, em articulado posterior, solicitar a ampliação do pedido, nos termos seguintes:
“Caso os pedidos anteriores sejam julgados improcedentes, deve a Ré REFER ser condenada a construir uma passagem de nível desnivelada por forma a repor o acesso pedonal e de veículos entre a parte do prédio dos Autores identificado como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2”.
Por despacho transitado em julgado, esta ampliação não foi admitida, por se ter considerado que se estava perante um pedido completamente autónomo do primitivo, não sendo, por isso, uma mera consequência ou desenvolvimento deste (cf. fls. 102/103 dos autos).
A sentença começou por se pronunciar sobre o pedido de reabertura da PN, mediante a sua reclassificação para uso exclusivo do prédio dos AA., com a consequente reposição do acesso de veículos por essa via à parte urbana do prédio, entendendo que ele não podia proceder por não ter sido imputada qualquer ilegalidade à supressão da PN e por o art.º 1.º, n.º 1, do DL n.º 568//99, de 23/12, obstar a tal reabertura.
Considerando que o pedido principal também abrangia a reposição do acesso pedonal e de veículos entre os aludidos polígonos 2 e 3, a sentença, seguidamente, referiu o seguinte:
“(…).
Não sendo possível, nos termos expostos, a reabertura da PN, solicita-se então a reposição do acesso pedonal e de veículos.
Esta pretensão tem, segundo cremos, razão de ser apenas em parte. E a resposta à mesma continua a estar contida no art.º 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23.12.
De acordo com o teor do corpo deste n.º 1, aliás transcrito anteriormente, a supressão das PN devia ser feita “através da construção de passagens desniveladas e ou caminhos de ligação”. Portanto, não se previa a pura e simples supressão da PN, mas sim a sua supressão mediante a criação de alternativas, que podiam consistir na construção de passagens desniveladas e/ou de caminhos de ligação.
Pois bem, em relação ao acesso de veículos entre os polígonos que compõem o prédio dos autores, é de referir que os réus criaram alternativas, na medida em que, mesmo não sendo possível transitar de automóvel de um polígono para o outro, é sempre possível aceder a cada um deles, mediante o caminho alternativo criado. Além de que nem sequer se provou que a PN permitisse esse acesso, somente a tratores agrícolas, pelo que não se trataria de uma mera reposição.
Mas a questão é distinta no que diz respeito ao acesso pedonal. É que, neste caso, a ré Infraestruturas de Portugal, S. A., então designada REFER, não cuidou de permitir que fosse possível aos autores transitar de um lado do prédio para o outro.
Neste caso, não é viável dizer-se que o caminho alternativo satisfaça a supracitada obrigação legal [da supressão se fazer pela criação de PN desniveladas ou de caminhos alternativos], na medida em que os autores seriam obrigados a percorrer, a pé, cerca de 1,6 km.
Ora, não tendo ficado provado que a PN permitia o acesso automóvel, somente se passando na mesma a pé ou de trator agrícola, deve dizer-se que a ré deixou a sua tarefa inacabada.
Assim, sem dúvida que criou um “caminho alternativo” de modo a permitir um acesso a um polígono e a outro, e para acesso à habitação dos autores, com recurso a um veículo, e neste caso a distância do caminho não é significativa, e o direito dos autores fica plenamente assegurado. Para quem circula num veículo, o caminho é efetivamente uma alternativa.
Porém, à luz do que se estatuía na lei, a ré devia ter ponderado e garantido que os autores poderiam transitar a pé entre os polígonos que compõem o seu prédio, ao invés de se limitar a suprimir a PN, apenas garantindo o acesso adequado por veículos.
A verdade é que não foram sequer acauteladas as especificidades próprias da PN, designadamente a circunstância de o caminho-de-ferro dividir o prédio dos autores. E julgamos que é nítida a necessidade de os autores transitaram a pé entre os seus prédios, seja pela necessidade de cultivo, seja sobretudo pela circunstância de a água para consumo e para rega do polígono 3 ser proveniente do polígono 2.
Em síntese, à luz do regime legal exposto, o legislador não se limitou a ordenar a supressão de passagens de nível, tendo estabelecido como dever das entidades envolvidas a criação de alternativas seguras ao atravessamento da linha, consoante o caso concreto. Aliás, diga-se ainda que a lei não diz que a entidade responsável deve garantir o desnivelamento ou a criação de caminhos alternativos; na verdade, prevê-se que as alternativas se façam com recurso ao desnivelamento e ou à criação de caminhos alternativos. As entidades envolvidas cuidaram de garantir alternativa ao acesso de veículos; mas já não cuidaram de garantir, como se lhes impunha, a passagem pedonal no prédio dos autores, possibilidade que já existia antes da supressão – como provado – e que o legislador não prevê, nem permite, excluir.
Pelo que deve ser reposto o acesso pedonal aos autores, que lhes permita transitar entre um e outro polígono. O concreto modo de o fazer, com as necessárias condições de segurança, apenas à ré Infraestruturas de Portugal, S. A., cumpre determinar, por ser a entidade gestora do domínio público ferroviário, não se imiscuindo nessa sede o tribunal (nem tão-pouco os autores pedem uma forma concreta de restabelecimento do acesso pedonal) (...)”.
Finalmente, quanto ao pedido subsidiário, a sentença entendeu que, pelas razões que já haviam sido mencionadas, não podia proceder, por impossibilidade legal, a pretensão de reabertura da PN para permitir o “acesso pedonal privativo” e, quanto à reposição do acesso de veículos automóveis à parte urbana do prédio dos AA., a improcedência resultava de não ter sido feita prova da inexistência ou impossibilidade desse acesso.
O acórdão recorrido, para negar provimento ao recurso interposto pela ora recorrente e confirmar a aludida sentença, referiu o seguinte:
“(…).
Recorda-se que, correspondentemente, e em síntese, decidiu o Tribunal a quo apenas,“Condenar a ré Infraestruturas de Portugal, S. A., a repor o acesso pedonal entre a parte do prédio dos autores identificada como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2”.
De tudo quanto vinha peticionado o tribunal a quo limitou-se pois e singelamente a determinar que fosse mantido o acesso pedonal dos proprietários entre as parcelas do seu terreno divididas pela linha férrea (Polígonos 2 e 3), em momento algum se determinando, ao contrário do afirmado pela Recorrente, a reabertura da Passagem de nível (PN) previamente existente e entretanto encerrada.
(…).
É patente que, para além das reservas conexas com o impedimento legal em proceder à reabertura da PN, que o Tribunal a quo reconheceu, em momento algum a Recorrente invoca que a reposição da passagem pedonal se mostra tecnicamente impossível, mormente por recurso, por exemplo, a uma pequena passagem pedonal desnivelada (Superior ou inferior).
Se é certo que os cidadãos podem ser obrigados a sofrer restrições aos seus direitos na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do bem comum, as restrições a impor deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, de modo a conciliar as exigências do interesse público com as garantias dos particulares constitucionalmente consagradas.
E o meio adequado e proporcional para a remoção da lesão do direito dos proprietários a circularem entre duas parcelas do seu terreno pedonalmente, para exercerem a sua atividade, consiste precisamente na viabilização do acesso pedonal entre os referidos polígonos.
Com efeito, sendo tecnicamente viável a criação do referido acesso, no respeito pelo legalmente estabelecido no que concerne às PN, resulta clara a prevalência do direito dos aqui Recorridos a impor tal acessibilidade pedonal.
Não está em causa a reabertura da PN, mas antes e singelamente o garantir que os proprietários poderão manter o acesso pedonal em termos razoáveis de distância entre as suas duas parcelas, para tarefas tão simples como seja a de abrir e fechar a água da rega.
É patente que, não obstante a prevalência do direito dos Autores, aqui Recorridos, em manter a referida acessibilidade pedonal, a mesma não obstará a que se mantenha assegurada a circulação do trânsito ferroviário em condições de segurança enquanto prossecução do interesse público.
Impõe-se pois impedir que o direito de gozo pleno da propriedade por parte dos aqui Recorridos seja penalizada injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável e suportável, enquanto lesão do feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.
No confronto entre os dois direitos, resultou claro que o direito de circulação com celeridade e segurança na ferrovia, não poderá comprometer e obstar a que seja respeitado o direito ao gozo pleno da propriedade em termos de razoabilidade por parte dos proprietários atravessados pela linha, pois que a compressão do seu direito deverá limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (proporcionalidade - artigo 18º CRP).
Os particulares não têm de estar condenados a ficar sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum, cabendo à sociedade, minimizar aqueles sacrifícios.
Sublinha-se que o Tribunal a quo não determinou a reabertura da PN antes tendo determinado a reposição do acesso pedonal entre parcelas, tendo tido o cuidado de afirmar que “O concreto modo de o fazer, com as necessárias condições de segurança, apenas à ré Infraestruturas de Portugal, SA, cumpre determinar, por ser a entidade gestora do domínio público ferroviário, não se imiscuindo nessa sede o tribunal (...)”.
Caberá pois à Recorrente, em cumprimento do judicialmente determinado encontrar a via legal compatível com essa concretização, que poderá passar, nomeadamente, pelo desnivelamento superior ou inferior do acesso pedonal.
Em qualquer caso, e independentemente do referido, a Recorrente pretende imputar ao Município, se for caso disso, a responsabilidade por garantir a referida acessibilidade pedonal, nos termos do protocolado entra ambas as partes.
A este propósito referiu o Tribunal a quo que "por este motivo, o réu Município (...) não tem qualquer competência para interferir no domínio público ferroviário; e nem tão-pouco estamos perante um caso em que a linha se cruze com domínio ferroviário que esteja sob a sua competência ou jurisdição", em face do que o absolveu da instância.
É patente que a efetivação da determinada acessibilidade, mormente tendo subjacente o atravessamento da linha férrea, compete em 1ª linha à aqui Recorrente/Infraestruturas, detentora da linha férrea que gerou o referido constrangimento do acesso pedonal entre parcelas, sendo que a interpretação e cumprimento do protocolado entre ambas as partes deverá ser dirimido, se for caso disso, em primeira linha entre as mesmas.
Em face de tudo quanto se expendeu, não merece censura a decisão proferida no Tribunal a quo.”
Na presente revista, a recorrente começa por imputar a este acórdão uma nulidade que designa de “excesso de pronúncia”, mas que subsume na al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, com o fundamento que os AA. se haviam limitado a pedir a reabertura da PN e que o acórdão, não acolhendo esta pretensão, a condenou a repor o acesso pedonal entre os polígonos 2 e 3 do prédio dos AA., mediante uma passagem desnivelada.
Conforme notou o acórdão da formação que admitiu a revista, atrás parcialmente transcrito, apesar de os AA. se terem limitado a pedir a reabertura da passagem de nível, a decisão recorrida fala numa obrigação de desnivelamento que equivale a suprimir as passagens deste tipo e não a reabri-las, o que lança a “suspeita” da verificação dessa nulidade.
Vejamos então se ela ocorre.
O princípio do pedido, que constitui uma das principais manifestações do princípio do dispositivo, tem consagração no art.º 3.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes”.
Com o princípio do pedido também se tutela a posição do réu, permitindo-se que este se defenda em relação ao conteúdo concreto da pretensão formulada, desta forma se assegurando o princípio do contraditório (cf. citado art.º 3.º).
É ao autor que, na petição inicial, incumbe formular o pedido, referindo com precisão qual o efeito jurídico que pretende obter com a acção [cf. artºs. 78.º, n.º 2, al. g), do CPTA e 552.º, n.º 1, al. e), do CPC].
Porque, como dispõe o art.º 609.º, n.º 1, do CPC, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, o pedido tem uma função delimitadora da actuação do tribunal quando profere a sentença.
Assim, como se escreveu no Assento do STJ de 15/10/96 (in BMJ n.º 460, pág. 169), “ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação – total ou parcial – contra si reverte”.
Não podendo, como vimos, o juiz condenar em objecto diverso do pedido, é, em regra, perante o teor da parte dispositiva que se avalia o alcance do julgado e se apura se houve modificação da qualidade do pedido.
Porém, ainda que a sede do julgado esteja na parte dispositiva, “é de toda a sentença, e não apenas de uma parte dela, que há-de extrair-se o verdadeiro conteúdo e objecto do julgado; importa, por isso, tomar também em consideração os motivos, a parte justificativa da decisão, da qual poderá emergir, ou uma restrição, ou uma ampliação do dispositivo” (cf. J. Alberto dos Reis i “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, 1984, pág. 65).
No caso em apreço, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso e confirmou a sentença do TAF que, julgando a acção parcialmente procedente, condenara a R., “Infraestruturas de Portugal, SA”, a repor o acesso pedonal entre a parte do prédio dos AA. identificado como polígono 3 e a parte identificada como polígono 2.
Para tanto, entendeu que os AA. não tinham direito à reabertura da passagem de nível que fora suprimida, mas que a forma adequada e proporcional da remoção da lesão do seu direito a circular entre as duas parcelas do seu terreno consistia “na viabilização do acesso pedonal entre os referidos polígonos”, sendo à recorrente que cabia encontrar a via legal de concretização desse acesso que poderia passar, nomeadamente, pelo desnivelamento, superior ou inferior, do acesso pedonal.
Pronunciando-se sobre a nulidade de excesso de pronúncia invocada pela recorrente na presente revista, o TCA-Norte referiu:
“(…).
Como resulta do legalmente estatuído a impossibilidade de reabertura de passagens de nível entretanto encerradas, cuidou esta instância de que o viabilizado atravessamento dos proprietários entre ambas as suas parcelas se não pudesse consubstanciar numa violação à lei, sublinhando-se que o referido atravessamento se teria de fazer por passagem superior ou inferior, perante o referido impedimento legal à reabertura da passagem de nível.
A situação era pois de lapidar clareza:
Tendo sido entendido justo, adequado e proporcional viabilizar a circulação pedonal dos proprietários entre as suas parcelas de terreno, e não sendo possível a reabertura da passagem de nível, era de elementar evidência que essa circulação só se poderia efetivar através de passagem superior ou inferior, sem que tal pudesse constituir um excesso de pronúncia, sendo antes uma consequência básica do decidido.
(…)
Como se afirmou já a decisão desta instância não pode pois considerar-se como constituindo excesso de pronúncia, pois que se limitou a impor que o viabilizado atravessamento pedonal se fizesse no cumprimento do legalmente estabelecido, o que passará necessariamente por um atravessamento superior ou inferior”.
Assim, a interpretação da decisão recorrida, com recurso à sua motivação para reconstituir o pensamento do julgador e fixar o alcance preciso do seu conteúdo, permite concluir que, tal como entendeu o acórdão da formação de apreciação preliminar que admitiu a revista, nela se impôs à ora recorrente a obrigação de viabilizar aos AA. o atravessamento pedonal da via férrea, através de uma passagem desnivelada, superior ou inferior.
Portanto, embora, na sua parte dispositiva, o acórdão recorrido se tenha limitado a confirmar a sentença do TAF, resulta da sua motivação que o verdadeiro pensamento do julgado se consubstanciou na imposição da referida obrigação, a qual não resultava daquela sentença, sendo, por isso, justificado que só na presente revista tenha sido arguida a aludida nulidade.
Não havendo que analisar, pelo menos para já, se, com este alcance, o acórdão recorrido violou o caso julgado formal que se formara sobre o despacho que não admitiu a ampliação do pedido nos termos atrás transcritos (cf. art.º 620.º, do CPC) – questão de mérito, por a sua procedência ter como consequência a revogação do acórdão para obstar à existência de casos julgados contraditórios (cf. art.º 625.º, do CPC) –, importa averiguar se ele padece da nulidade vertida na al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC por consubstanciar uma condenação em objecto diverso do pedido que se traduz sempre também num excesso de pronúncia por se apreciar questão que não é suscitada pelas partes nem de conhecimento oficioso.
Cremos que a resposta a esta questão não pode deixar de ser afirmativa, dado que, como se escreveu no acórdão que admitiu a presente revista, “desnivelar equivale a suprimir as passagens deste tipo – e não a reabri-las”.
Aliás, os próprios AA., ao solicitarem a ampliação do pedido nos termos que ficaram referidos, tiveram noção que o acesso pedonal através do desnivelamento da passagem não se incluía no pedido de reabertura da PN.
Assim, tendo sido pedido, tanto a título principal como subsidiário, a reabertura da PN, a condenação da recorrente a repor o acesso pedonal, mediante a construção de uma passagem desnivelada, consubstancia uma condenação em objecto qualitativamente diferente do pedido.
Procede, pois, a invocada nulidade que tem como consequência a subsistência da condenação da ora recorrente nos precisos termos em que foi decretada pelo TAF.
Quanto ao mérito do recurso, é alegado pela recorrente a violação da al. k) do n.º 2 da cláusula 2.ª do Protocolo celebrado, em 19/7/2008, entre a “REFER” e o Município de Baião – de acordo com a qual era a este que cabia providenciar pela criação de percursos alternativos – bem como do critério da economicidade e dos princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade – dado que a passagem desnivelada teria de ser muito elevada, implicando a expropriação de terrenos e lançamento de concursos, quando o acesso apenas servia o interesse particular dos AA., os quais nem sequer atravessavam a linha férrea todos os dias – e que o DL n.º 568/99, de 23/12, não prevê a criação de caminhos alternativos diferentes para meios de locomoção diversos, sendo que, no caso, aquele que foi criado também constituía alternativa para a circulação a pé.
Vejamos.
No que concerne à violação do aludido Protocolo, não se pode verificar por ele apenas vincular as partes que o celebraram, sendo o seu incumprimento causa de mera responsabilidade civil contratual.
Quanto à violação do critério da economicidade e dos referidos princípios, também não pode ocorrer por ter sido arguida com o fundamento que o acórdão recorrido impusera uma obrigação de desnivelamento da passagem pedonal e, como vimos, com esse âmbito, ele padece de nulidade.
Aliás, ainda que assim se não entendesse, sempre a alegada violação teria de improceder por, não tendo sido imputada à sentença do TAF, o acórdão não se ter sobre ela pronunciado.
Finalmente, no que respeita à violação do DL n.º 568/99, importa começar por considerar que o art.º 2.º deste diploma, sob a epígrafe “Programas de supressão de PN”, estabelece, no seu n.º 1:
“1 – A empresa Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P., o Instituto de Estradas de Portugal (IEP) e as autarquias locais que tenham a seu cargo vias rodoviárias que incluam PN deverão elaborar programas plurianuais de supressão de PN através da construção de passagens desniveladas e ou caminhos de ligação, onde incluirão, designadamente, as PN que se encontrem nas condições seguintes:
a) Tenham registado dois ou mais acidentes nos últimos cinco anos;
b) Se situem em troços onde se possam estabelecer circulações ferroviárias a velocidades superiores a 140 km/hora;
c) Possuam momento de circulação superior a 24000, tal como definido no art.º 7.º do RPN;
d) Se situem em via rodoviária com um tráfego médio diário (TMDr) superior a 2000, determinado de acordo com a alínea b) do n.º 2 e com o n.º 3 do art.º 7.º do RPN;
e) Que atravessem mais de duas vias férreas;
f) Que se devam considerar de particular perigosidade, que pelas características das vias férreas ou rodoviárias onde se situam, quer pelo tipo de tráfego rodoviário ou de peões que as utilizam”.
Por sua vez, o art.º 4.º, do Regulamento de Passagens de Nível, aprovado pelo aludido DL n.º 568/99, dispõe, nos seus nºs. 1 a 3:
“1 – As PN públicas que possuam momento de circulação nulo, determinado de acordo com o artigo 7.º, e reconhecidamente não sejam utilizadas devem ser suprimidas pela entidade gestora da infra-estrutura ferroviária, após dar conhecimento da intenção de supressão às câmaras municipais respectivas com antecedência não inferior a 30 dias.
2 – Existindo ou sendo viável o estabelecimento de caminhos de ligação, as PN públicas situadas até 700m de outras PN ou de passagens desniveladas devem ser suprimidas pela entidade gestora da infra-estrutura ferroviária. Sempre que os trabalhos a realizar para o efeito ultrapassem os limites do domínio ferroviário, a intervenção deve ser efectuada em conformidade com parecer das respectivas câmaras municipais.
3 – As PN públicas que tenham passado a servir apenas um prédio devem ser suprimidas. Podem, no entanto, manter-se como particulares, desde que o usuário se conforme com as condições de utilização definidas pela entidade gestora da infra-estrutura ferroviária nos termos do capítulo III do presente Regulamento e caso não exista qualquer acesso alternativo”.
No caso em apreço, está provado que a PN em causa estava classificada como pública, mas que à data em foi encerrada (16/1/2009) servia unicamente o prédio dos AA.
Assim, face ao que ao que resultava do n.º 3 do art.º 4.º do citado Regulamento, impunha-se a sua supressão, podendo a PN apenas manter-se como particular se estivessem preenchidas as condições do mencionado preceito.
Nestes termos, ao contrário do que entenderam as instâncias, a supressão da passagem de nível em questão não obrigava a recorrente a criar uma passagem alternativa, apenas permitindo que, na ausência de qualquer acesso alternativo, ela se mantivesse como particular, desde que os AA. se conformassem com as condições de utilização que viessem a ser definidas na licença de atravessamento passada pela entidade gestora da infra-estrutura ferroviária (cf. art.º 24.º, do aludido Regulamento). Efectivamente, essa obrigação não resulta do art.º 2.º, n.º 1, do DL n.º 568/99 que se limita a impor a determinadas entidades a elaboração de programas plurianuais de supressão de PN, onde se preveja a construção de passagens desniveladas e ou caminhos de ligação.
Portanto, procedendo as conclusões da alegação da recorrente, deve merecer provimento a presente revista.


DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso nos termos referidos e em julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a recorrente dos pedidos.
Custas nas instâncias e neste STA pelos autores.

Lisboa, 7 de Novembro de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Ana Paula da Fonseca Lobo.