Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01110/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I – Segundo o disposto no art. 125º, nº 1, do CPPT, em consonância, aliás, com o disposto no art. 668º, nº 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando ocorra «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer», tendo em conta que nos termos do art. 660º, nº 2, do CPC impende sobre o juiz a obrigação de conhecer de todas as questões que sejam suscitadas pelas partes bem como daquelas que sejam do conhecimento oficioso.
II – A questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, designadamente quanto à gerência de facto ou à culpa na insuficiência de bens da devedora originária, não é do conhecimento oficioso, e, por conseguinte, teria de ser suscitada pela oponente em sede de petição inicial. E, não o tendo sido, era vedado ao tribunal conhecer de tal questão.
III – Não tendo a Recorrente apontado qualquer erro de julgamento quanto à concreta questão que foi colocada e apreciada nos autos, o recurso terá de improceder.
Nº Convencional:JSTA000P16617
Nº do Documento:SA22013112701110
Data de Entrada:06/20/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………….., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, exarada a fls. 152 e segs. dos autos, que julgou parcialmente improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº 1309200601038737 e apensos, instaurada contra a sociedade B………………., Ldª, por dívidas de IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006, e coimas fiscais, no montante global de € 33.061.00, e que contra ela reverteu.
1.1. Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito do processo nº 501/08.2BELRA, a qual julgou parcialmente procedente a Oposição à execução fiscal apresentada pela ora Recorrente.

B. Com efeito, entendeu o Tribunal a quo julgar a oposição apenas procedente na parte em que são revertidas as dívidas por coimas, no mais improcedendo a oposição.

C. Contudo, pugnou a ali Oponente ora Recorrente, pela falta de fundamentação do despacho de reversão e, bem assim, pela não verificação dos pressupostos de reversão, nomeadamente, pelo facto de haver suficiência de bens e pela ausência de culpa.

D. Ora, salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que a Douta Sentença de que ora se recorre, enferma de omissão de pronúncia e erro de julgamento, ao ter assim decidido.

E. Razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal e ser substituída por outra que conheça dos factos apurados e faça uma correcta interpretação do direito aplicável.

F. Com efeito, entende a ora Recorrente que, salvo o devido respeito, na Douta Sentença se verifica uma omissão de pronúncia, uma violação de normas jurídicas e erro de subsunção dos factos ao direito, o que impunha outra decisão do Meritíssimo Juiz a quo.

G. Em primeiro lugar, deve desde logo ser referido que, na sua petição de oposição, a recorrente invocou a falta de fundamentação do despacho de reversão.

H. Ora, este fundamento foi apreciado pelo STA, que determinou que “(...) o acto de reversão está fundamentado quanto ao juízo de insuficiência dos bens da devedora executada para pagar a dívida exequenda.”

I. Contudo, nada refere aquele tribunal — e bem, pois que não havia sido levado à sua apreciação, na medida em que não estava incluído no âmbito do recurso — quanto à falta de fundamentação do despacho quanto à verificação dos demais pressupostos da reversão.

J. Na verdade, a Recorrente invocou, na sua petição de oposição, que a falta de fundamentação do despacho de reversão, nomeadamente, no que se refere a um dos pressupostos para a reversão: a insuficiência de bens.

K. Mais alegando que, do mesmo não consta a descrição dos factos e a apresentação de meios de prova que demonstrem que, durante os períodos em causa, a aqui Recorrente foi gerente de facto da devedora originária.

L. Nem consta qualquer facto que demonstre a eventual culpa da Recorrente na insuficiência de bens da sociedade devedora executada principal.

M. E sobre estas questões, nem uma única palavra expendeu a sentença recorrida.

N. Pelo que padece a mesma de nulidade, por omissão de pronúncia.

O. De facto, na petição de oposição, a Recorrente suscitou a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, por deste não resultar nem menção nem prova do exercício efectivo do cargo de gerente de facto, nem da imputação de qualquer culpa pela alegada insuficiência de património.

P. Nos termos dos artigos 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil e 125º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a decisão judicial é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar.

Q. A sentença recorrida identificou apenas como questões a decidir a prévia excussão do património da devedora originária e a reversão de coimas.

R. Remetendo, quanto à fundamentação do despacho de reversão, para o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido nos presentes autos.

S. Contudo, como acima se deixou aventado, naquele Acórdão apenas é apreciada a fundamentação do despacho de reversão quanto ao juízo de insuficiência dos bens da devedora executada para pagar a dívida exequenda.

T. Sendo a decisão manifestada naquele Acórdão clara quanto à matéria que apreciou.

U. Relegando as demais questões/fundamentos de oposição que se impunham apreciar para o tribunal a quo.

V. Pelo que o Mmº Juiz a quo olvidou por completo a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão no que respeitava aos demais pressupostos da reversão.

W. Assim, a sentença recorrida não curou da questão da falta de fundamentação do despacho de reversão no que respeita à alegação e demonstração — que se impunha — do exercício efectivo da gerência de facto e da culpa da Recorrente.

X. E, assim sendo, foi omitido o dever de apreciar essas identificadas questões.

Y. Destarte, a sentença recorrida labora em omissão de pronúncia, padecendo de nulidade, que expressamente se invoca, com todas as consequências legais.

Z. No entanto, e ainda que assim não se entendesse, sempre sem conceder, ainda assim incorreria a sentença recorrida em erro de julgamento, pois que, para que a reversão tivesse operado, era ainda necessário que a AT tivesse demonstrado o efectivo exercício da gerência de facto e culpa da Recorrente pela insuficiência do património da sociedade para satisfação das obrigações tributárias.

AA. Ora, nos termos previstos no artigo 77º da LGT, o despacho que determina a reversão da execução não está fundamentado quer em termos de facto como em termos de Direito.

BB. Com efeito, a AT não invoca os factos constitutivos da conclusão assumida que a Recorrente foi gerente de facto da sociedade durante o período a que respeitam os factos tributários constituídos, e não invoca igualmente os factos constitutivos da conclusão que a Recorrente tenha culpa na alegada insuficiência de património da sociedade.

CC. Do despacho em crise não consta a descrição dos factos e a apresentação de meios de prova que demonstrem que durante os períodos em causa a Recorrente foi gerente de facto da devedora originária, nem consta qualquer facto que demonstre a eventual culpa da Recorrida na insuficiência de bens da sociedade, logo, o despacho que determina a reversão não está fundamentado.

DD. Nestes termos, sem a exposição e prova de todos os factos constitutivos do direito da AT de proferir o despacho que determina a reversão da execução, nos termos do disposto nos artigos 23º e seguintes do LGT, o despacho referido não está fundamentado nos termos do disposto no artigo 77º da LGT, devendo por conseguinte ser anulado nos termos do disposto no artigo 135º do CPA aplicável ex vi artigo 2º do CPPT.

EE. Disposições legais enunciadas que a sentença, de que ora se recorre, violou.

FF. E nem se diga que a Recorrente teria que deitar mão do mecanismo previsto no artigo 37º do CPPT.

GG. Na verdade, a referida norma legal é aplicável apenas às situações em que o contribuinte não seja notificado da fundamentação do acto, não sendo aplicável às situações em que a fundamentação seja notificada, mas de forma claramente deficiente.

HH. Padece, ainda, de erro de julgamento, a sentença de que ora se recorre porquanto a AT não logrou provar o efectivo exercício da gerência pela Recorrente.

II. É sabido que a gerência pode ser nominal ou de direito — quando resulta da designação no contrato de sociedade ou de eleição posterior por deliberação dos sócios — ou efectiva ou de facto, traduzida na prática de actos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade.

JJ. Após ter sido esta questão largamente debatida, jurisprudência e doutrina sustentaram de forma unânime que não bastava o mero exercício da gerência em conformidade com os ditames legais.

KK. O artigo 24º nº 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são abrangidas, no âmbito subjectivo da responsabilidade tributária, todas as pessoas que exerçam funções de administração, mesmo que não sejam gestores de direito.

LL. Exige-se assim, cumulativamente, a verificação de uma gerência de direito com a de facto, ou bastando somente a gerência de facto, pois que o sobredito preceito legal refere como aspecto decisivo o exercício efectivo de funções de gerência ou administração.

MM. Acresce que, não existe qualquer presunção legal que permite concluir que quem é gerente de direito exerce a gerência de facto.

NN. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 11/03/2009, no proc. 0709/08.

OO. Mais, não foi considerado facto assente, nem a AT logrou demonstrar, como se lhe impunha, que a Recorrente teve culpa, quer pela falta de cumprimento das obrigações de pagamento, quer pela insuficiência do património da sociedade executada.

PP. Com efeito, não resulta do despacho de reversão quaisquer elementos factuais constitutivos de uma actuação culposa por parte da Recorrente, o que contraria a orientação jurisprudencial assumida no acórdão do STA, proferido em 28/02/2007, Proc. nº 01132/06, o qual decidiu no sentido de competir à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, devendo contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

QQ. Resulta do art. 24º nº 1 da LGT que a Administração Tributária tem de provar os pressupostos da culpa do gerente «por o património da sociedade, garantia geral dos credores e nomeadamente do Estado, se ter tornado insuficiente para a satisfação das obrigações tributárias».

RR. E tal prova, a que a AT se encontra obrigada, nos precisos termos da norma atrás invocada como fundamento legal para o chamamento da recorrente à execução, não foi feita.

SS. Acresce ainda que a Recorrente não teve culpa que o património da sociedade se tenha tornado insuficiente, para a satisfação dos créditos fiscais, segundo o disposto no artigo 24º da LGT,

TT. Nem lhe poderá ser imputada, a título de culpa, qualquer conduta que tenha sido directamente causal da insuficiência do património da sociedade executada para a satisfação dos débitos fiscais

UU. O que determina, necessariamente, a inexistência de responsabilidade pelas dívidas que lhe são exigidas a título de responsabilidade subsidiária.

VV. Cabendo o ónus de prova à AT e não à Recorrida.

WW. Ora, não tendo a AT feito essa prova, não podem as dívidas ser da responsabilidade da Recorrente, quer por ausência de prova, quer por ausência de culpa.

XX. Impunha-se, pois, que a AT se pretendia obter a reversão contra a Recorrente enquanto responsável subsidiária tivesse levado ao processo, e fazendo a respectiva prova, do elemento, de que a sua conduta havia sido culposa na excussão do património social.

YY. E tal prova também não foi feita.

ZZ. Pelo que também foi por a sentença violou o artigo 24º da LGT.

AAA. Ao ter decidido como decidiu, a sentença recorrida, para além do regime material deste instituto da reversão fiscal, violou o regime do ónus da prova quanto aos pressupostos da reversão fiscal, pois cabia à AT, e não à Recorrente, averiguar e demonstrar a verificação in casu desses pressupostos, o que não logrou fazer.

BBB. Matéria que a sentença recorrida nem atendeu, não tendo respeitado a regra de que o ónus da prova quanto aos factos de que depende este tipo de responsabilidade subsidiária é da AT e não do revertido, pelo que, também, aqui, um manifesto erro de julgamento, pois basta uma análise ao processado para se concluir que a AT nunca procurou averiguar nem demonstrou os pressupostos da reversão que determinou (designadamente quanto aos requisitos do art. 24º, nº 1, da LGT), incumprindo assim o entendimento da própria AT como acima se referiu.

CCC. O que não resultou do despacho que determinou esta reversão: «insuficiência de bens da devedora originária nos termos dos artigos 22º nº 4, 23º e 24º da LGT; 153º nº 2 e 160º do CPPT, conforme despacho de reversão junto; e ainda artigo 8º do RGIT».

DDD. Não se fazendo aí qualquer referência nem se aduzindo qualquer facto de que depende a pretendida reversão, o que é inadmissível e viola o regime legal e o regime geral dos actos administrativos, designadamente os arts. 123º e 124º do CPA e do art. 268º, nº 3, da Constituição; assim, uma fundamentação de facto inexistente face a um regime legal que exige a verificação de determinados factos para se poder determinar uma reversão fiscal (cfr. art. 24º, nº 1, a) ou b) da LGT).

EEE. Assim, porque este despacho não se fundamenta nem demonstra os pressupostos legais (previsão normativa) de que depende a produção do efeito jurídico pretendido (a reversão), trata-se de um acto inválido que não pode determinar esse efeito (nesse sentido, expressamente, o art. 77º da LGT).

FFF. Esta conclusão leva por isso à Recorrente à invocada falta de fundamentação do despacho, argumento esse que não logrou colher qualquer procedência na sentença recorrida, pois que, na verdade, nem sequer mereceu apreciação.

GGG. Pelo que violou a sentença os artigos 153º do CPPT, 134º do CPA, 23º, 24º e 77º da LGT, 32º nº 2 e nº 10 da CRP.

HHH. Devendo, por tal motivo, ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da Recorrente,

III. Isto uma vez que o tribunal de recurso se encontra munido de todos os elementos necessários para conhecer, desde já, em substituição.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê provimento à pretensão da recorrente, tudo o mais com as consequências legais.

1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.3. Por despacho proferido a fls. 205, o Mm.º Juíz do tribunal “a quo” sustentou que, em face das decisões proferidas na sentença de fls. 65 e segs., e no acórdão do STA, de fls. 122 e segs., não ocorre, a seu ver, nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso quanto à omissão de pronúncia, argumentando o seguinte:

«Invoca a recorrente que importa decidir se ao não ter reconhecido a falta de fundamentação do despacho de reversão quanto ao exercício da gerência de facto e à culpa na insuficiência de bens ocorreu omissão de pronúncia ou erro de julgamento, respectivamente nos termos dos arts. 668.º n.º 1 d) do C.P.C. e 125.º n.º 1 do C.P.P.T., e dos arts. 153.º do C.P.P.T., 134.º do C.P.A., 23.º, 24.º e 77.º da L.G.T., 32.º n.ºs 2 e 10 da C.R.P.

Na oposição tinha invocado que o despacho de reversão não tinha obedecido ao requisito da “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal” sem prejuízo do benefício da excussão prévia”, segundo o que resulta previsto no art. 23.º n.º 2 da L.G.T., bem como ainda que no mesmo havia “falta de fundamentação”, o que imputava quanto aos factos concretos de que a mesma tinha de depender.

Na sentença recorrida a questão foi globalmente apreciada em termos de nada mais haver a apreciar em face do que tinha sido decidido pelo STA.

Contudo, no acórdão proferido nos autos constata-se ter sido reproduzido ainda outro trecho relativo aos termos do despacho de reversão, o que não foi levado em conta na sentença recorrida.

Ter-se-á, assim, incorrido na invocada omissão de pronúncia.

Seja como for, e quanto aos aspectos ora questionados, sempre se adiantará que, em face de ter sido já referido que a oponente teve a seu cargo a gerência, esta fórmula não será explícita quanto ao efectivo exercício da gerência de facto que há muito se entende ser necessária existir mesmo quanto aos gerentes de direito, havendo outras como “exerceu efectivamente o cargo” ou “foi gerente de facto e de direito” que melhor correspondem a tal requisito e sendo entendimento dominante que não será necessário constar os factos de que se extraiu essa referência.

Por outro lado, e quanto ao demais, sobre que rege o seguinte art. 24º da LGT, prevêem-se duas situações:

- a) “dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste” - e prevê-se então ser ónus da A.T. provar a “culpa” daquela “insuficiência”;

- b) “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo” - e prevê-se então apenas ser um ónus da A.T. provar que a “falta de pagamento” é àqueles imputável.

No entanto, não haverá impedimento a que a reversão, sendo fundada no previsto no art. 24.º sem indicação de alínea, tal obsta à aplicação do regime de responsabilidade que veio a ser previsto em ambas as alíneas quando no período do exercício do cargo que ocorreu o facto constitutivo, bem como o prazo legal de pagamento e de entrega do devido.

Neste caso, não haverá qualquer outro ónus de alegação e prova a cargo da A.T., sendo de presumir a culpa na insuficiência, a qual poderá apenas ser objecto de contraprova por parte do revertido sendo que a tal basta o despacho de reversão».


1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida deu-se por assente a seguinte factualidade:

1. Por despacho de 4 de Fevereiro de 2008, foi ordenada a reversão da execução contra a oponente, por dívidas fiscais da titularidade da devedora originária B………………….., Lda, referentes ao processo de execução fiscal nº 1309200601038737 e aps., no montante de € 33.061.00 (fls. 10 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

a. - Por dívidas de IVA de 2004, 2005 e 2007, bem como coimas fiscais. (fls. 22 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)

2. O despacho de fls. 13 tem o seguinte conteúdo: «A executada, como património, apenas possui o veículo de marca CITROEN, ligeiro de mercadorias do ano de 1999, com a matrícula ….-….-….., sobre o qual incide já registo de penhora e hipoteca a favor da Fazenda Nacional, e os bens móveis constantes do auto de penhora junto ao processo 13090200401016369 e Aps. (...). Pelo que, afigura-se estarmos perante uma situação de fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária susceptíveis de satisfazer a dívida exequenda e acrescido (...)
Assim, atendendo a que os bens penhoráveis se mostram insuficientes para garantir os créditos da Fazenda Nacional, é meu entender proferir despacho no sentido de que a reversão reverta contra os supracitados gerentes subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da executada (...) Todavia, após efectuada a reversão o processo ficará suspenso isso em relação aos revertidos, desde o termo do prazo da oposição até completa excussão do património da devedora originária. (fls. 13 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido)

3. Previamente, foi a oponente notificada para exercer o direito de audição, com o seguinte teor «Face às diligências de fls. 9, determino a preparação do processo para efeitos de reversão (...) face ao disposto nos normativos do nº 4 do Art. 23º e do Art. 60º da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação dos interessados para efeitos do exercício do direito de audição...» (fls. 5 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

a. - A oponente nada disse.

4. A oponente foi citada para a execução revertida em 18/2/2008 (fls. 12 cujo conteúdo se dá por reproduzido).



3. Perante o teor das conclusões da alegação de recurso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as de saber se a sentença recorrida padece da nulidade por omissão de pronúncia que encontra previsão na alínea d) do nº 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC) e no nº 1 do art. 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e se enferma de erro de julgamento em matéria de direito, tanto por não ter tomado em consideração os pressupostos do instituto da reversão quanto ao exercício da gerência e à culpa na insuficiência de bens da devedora originária, como no que toca à aplicação das regras do ónus da prova, atento o que dispõem os arts. 153º do CPPT, 134º do CPA, 23º, 24º e 77º da LGT, e 32º, nºs. 2 e 10 da CRP.


3.1. Da nulidade da sentença
A Recorrente sustenta que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, com o argumento de que nela não foi apreciada a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão nos aspectos que se referem ao exercício da gerência e à culpa da oponente na insuficiência de bens da devedora originária para pagamento da dívida.
Segundo o disposto no art. 125º, nº 1, do CPPT, em consonância, aliás, com o disposto no art. 668º, nº 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando ocorra «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença.
Significa isto que, nos termos do art. 660º, nº 2, do CPC, impende sobre o juiz a obrigação de conhecer de todas as questões que sejam suscitadas pelas partes, nos termos definidos no art. 264º do CPC, bem como daquelas que sejam do conhecimento oficioso.
Daí que incumba às partes expor os factos e as razões de direito que fundamentam as pretensões que deduzem em juízo.
A oposição à execução fiscal, inicia-se com a entrega de uma petição, e é nesta peça processual que o oponente desenha e define os contornos do pleito, expondo as questões de facto e de direito que fundamentam o pedido, colocando, em suma, as questões que pretende ver dirimidas e que, com excepção daqueloutras que sejam de conhecimento oficioso, balizam a pronúncia do tribunal.
Ora, como se evidencia na petição inicial, a fls. 27 e segs., no caso vertente, depois de afirmar que, «4. Não se encontram verificados os pressupostos de que depende a reversão da execução contra os seus gerentes» e que «5. O despacho que ordenou a reversão não se encontra minimamente fundamentado», a oponente passa a explicitar as razões deste seu entendimento, dizendo que, «6. Nos termos do art. 23º nº 2 da LGT a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários», «7. Sendo assim certo que o despacho não se encontra minimamente fundamentado», concluindo que «14. Para que a reversão da execução movida contra a sociedade originária devedora pudesse ter revertido contra a ora Oponente era necessário que tivesse sido verificada uma fundada insuficiência de bens penhoráveis desta.».

Depois, sob o bem destacado título «FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO», a oponente identifica o vício que assaca a esse despacho, dizendo que «24. Conforme acima foi referido, do despacho que ordenou a reversão não constam quaisquer fundamentos para a declaração de reversão, limitando-se a referir que foi constatada a insuficiência de bens», e após discorrer sobre o dever de fundamentação dos actos administrativos, conclui o seguinte:
«53. Uma fundamentação no caso em apreço terá obrigatoriamente, para poder ser válida, de responder às seguintes questões que não responde.
54. Quais elementos insertos nos autos?
55. Que bens se encontram na titularidade da sociedade originária devedora?
56. Qual a natureza dos mesmos?
57. Se os mesmos estão onerados?
58. Qual o seu valor?
59. Qual o critério valorativo que a DGCI seguiu para apurar o valor dos bens da sociedade originária devedora?
60. Porque é que os referidos bens são insuficientes?
61. Existem ou não outros bens?
62. Que diligências em concreto fez a DGCI para apurar a inexistência de bens que fundamentam essa reversão?
63. Apenas e só refere a “insuficiência de bens da devedora originária nos termos dos artigos 22.º n.º 4, 23.º e 24.º da LGT; 153.º n.º 2 e 160.º do CPPT, conforme despacho de reversão junto; e ainda artigo 8.º do RGIT” !!!
64. Não se compreende em absoluto tal menção.
65. Pelo que o acto de reversão carece de qualquer fundamentação, devendo, por tal motivo, ser anulado.».

É, assim, fora de dúvida que, no que aqui interessa – atento que a particular questão das coimas não é objecto deste recurso, tendo em conta que quanto a isso obteve ganho de causa -, a oponente se insurge contra a reversão invocando apenas a sua ilegalidade por não estar demonstrada a insuficiência de bens da devedora originária, e intenta a anulação do despacho de reversão invocando a sua falta de fundamentação unicamente quanto ao pressuposto da insuficiência dos bens da executada para pagamento da dívida.
Como, de resto, também se conclui no acórdão proferido nestes autos pelo STA, a fls. 122 e segs., em sede de recurso que incidiu sobre a questão da fundamentação do despacho de reversão, e onde se escreveu que, «O elemento menos compreendido, o único que vem referenciado na oposição, respeita à individualização do conceito indeterminado «insuficiência» do património da devedora originária.».
Com efeito, em parte alguma da petição de oposição vem alegada a falta de fundamentação desse despacho quanto à gerência de facto ou à culpa na insuficiência de bens da devedora originária, ou são, sequer, questionados estes factos.
Ora, a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, designadamente quanto àqueles pressupostos deste instituto, não é do conhecimento oficioso, e, por conseguinte, teria de ser suscitada pela oponente em sede de petição inicial. E, não o tendo sido, era vedado ao tribunal conhecer de tal questão.
Deste modo, e uma vez que a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal não se pronuncie sobre questão de que devesse conhecer, não pode proceder a arguida nulidade.

3.2. Do erro de julgamento
A presente oposição visou teve por fundamentos a falta de fundamentação do acto de reversão quanto à insuficiência dos bens da devedora originária, a ilegalidade desse acto por inverificação do pressuposto da insuficiência de bens da devedora originária face ao beneficio da excussão de que goza a revertida e, ainda, a ilegalidade da reversão no que toca às dívidas provenientes de coimas (por ausência de prova de culpa da oponente/revertida).
Visto que, em sede de recurso jurisdicional, o STA julgou (por acórdão transitado em julgado) improcedente o primeiro fundamento (falta de fundamentação) e ordenou a baixa dos autos para apreciação das demais questões colocadas, e que eram, então, a da legalidade da reversão face ao pressuposto da insuficiência dos bens da devedora originária e a da legalidade da reversão relativamente às dívidas de coimas, foram estas as questões apreciadas na sentença ora recorrida, onde se julgou improcedente a primeira e procedente a segunda.
Segundo o entendimento vertido na sentença recorrida quanto àquela primeira questão, «A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão (Art. 22/2 LGT).
Porém, caso no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei (Art. 22/3 LGT). (…)
Essa forte probabilidade existe, uma vez que penhorados os bens conhecidos, o seu valor foi reconhecido como manifestamente insuficiente para solver a dívida exequenda.
E proferido o despacho de reversão, ordenou-se a suspensão da execução em relação aos revertidos.
O despacho encontra-se em consonância com o disposto nos Art. 23º/3 LGT e 153º/2, b) CPPT, pelo que nenhuma ilegalidade».

Neste recurso, a Recorrente alega que a sentença padece de erro de julgamento na medida em que julgou correcta e legal a decisão de reverter contra si a dívida exequenda, sem ter em atenção que o despacho de reversão não se encontra fundamentado quanto aos pressupostos da reversão relativos ao exercício da gerência de facto e à culpa da revertida na insuficiência de bens da devedora originária, nem a Administração Tributária provou a verificação desses pressupostos como lhe incumbia, motivo por que, no seu entender, o tribunal a quo violou o regime substantivo da reversão e as regras do ónus da prova.
Todavia, os aspectos em que a Recorrente assenta o invocado erro de julgamento, radicando nos pressupostos da reversão quanto ao exercício da gerência e quanto à culpa na insuficiência do património da devedora, bem como falta de fundamentação do acto de reversão quanto a esses pressupostos, não foram, como vimos, invocados no que toca às dívidas tributárias que não provém de coimas aplicadas à sociedade executada, pelo que a sentença não emitiu qualquer pronúncia sobre a matéria. E sem essa pronúncia não pode, naturalmente, ter ocorrido qualquer erro de julgamento, pois nada foi apreciado e decidido sobre essas questões, que constituem questões novas, suscitadas no âmbito deste recurso.
Donde que, quanto a elas, também não se põe a questão da prova e, muito menos, do ónus da prova, já que tal só colocaria em face da necessidade de proferir decisão sobre questões controvertida.
De resto, nem se vê por que razão a consideração daqueles pressupostos poderia interferir na análise da questão que foi apreciada na sentença recorrida, ou, em que medida a falta da sua consideração eivou de erro de julgamento essa mesma decisão. Nem a Recorrente o explica.
Ora, não tendo a Recorrente apontado qualquer erro de julgamento quanto à concreta questão que foi colocada e apreciada nos autos, o recurso terá, também, nesta parte de improceder.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.


Lisboa, 27 de Novembro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da SilvaCasimiro Gonçalves.