Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03507/10.8BEPRT 01040/17
Data do Acordão:09/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:DIRECÇÃO GERAL DE VETERINÁRIA
DOMICÍLIO NECESSÁRIO
AJUDAS DE CUSTO
Sumário:I - O domicílio necessário dos trabalhadores da Direcção-Geral de Veterinária [DGV], cujo trabalho deve ser desempenhado em locais e estabelecimentos abrangidos pela competência da DGV numa ou mais áreas geográficas de determinada Direcção de Serviço Veterinário, é a localidade em que esta última está sediada, por ser aí o centro da sua actividade funcional;
II - Será, nos termos do artigo 7º do DL 106/98, de 24.04, a partir da periferia de tal localidade que são contadas as distâncias das deslocações «por motivo de serviço público», quer diárias quer por dias sucessivos, e tanto para aferição da relevância das deslocações para efeito de abono de ajudas de custo, como para a determinação do montante desse mesmo abono.
Nº Convencional:JSTA000P23606
Nº do Documento:SA12018092003507/10
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:SIND DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE (STFPSN)
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL (MAFDR)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE [STFPSN] - em representação dos seus associados, identificados nos autos - interpõe «recurso de revista» do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], a 26.05.2017, pelo qual foi concedido parcial provimento ao recurso de apelação principal interposto pelo réu MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS [actualmente, MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL-MAFDR], negado provimento ao seu recurso subordinado, revogada a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], e julgada a acção parcialmente procedente.

2. Conclui assim as suas alegações de revista:

1. O acórdão recorrido padece de grave erro de direito, nos termos do artigo 615º, nº1, alínea b), CPC, «ex vi» artigos 1º e 140º CPTA, desde logo, por violação frontal da interpretação e aplicação da lei, mormente os artigos 29º e 30º da LTFP, aprovada pela Lei nº35/2014, de 20 de Junho;

2. A questão central que se discute nos presentes autos gravita em torno da possibilidade dos postos de trabalho pertencerem a empresas privadas e aí os RA poderem ser colocados, tal como erroneamente o decide o acórdão ora sindicado;

3. O acórdão incorre em errada interpretação dos preceitos citados, ao determinar que nada obsta à colocação de um trabalhador em empresa privada, designadamente aquela em que de acordo com as suas funções deve inspeccionar, contrariando assim a sentença proferida em 1ª instância;

4. Porém, se assim se entender, confrontámo-nos com sérios atropelos a princípios de direito que terão de ser salvaguardados, sob pena de violação dos princípios da certeza e segurança jurídica, da legalidade, proporcionalidade e imparcialidade, tal como vindo de evidenciar;

5. Não podemos, obviamente, concordar pelas razões já expendidas, que o acórdão em causa decida o que decide sem se basear na lei, que por sinal define o contrário – ver artigos 29º e 30º da LTFP;

6. Na verdade, dos preceitos citados decorre que os opositores a concurso, como foi o caso dos RA, candidatam-se a determinados lugares dos mapas de pessoal que se encontrem vagos e que estão claramente definidos na lei. E,

7. Nem se pense que diverso pode ser o entendimento, pois que o nº1 do artigo 30º o impede de forma clara,

8. O que significa que jamais será equacionável que um trabalhador em funções públicas possa ter o seu domicílio necessário em serviço onde, por lei - leia-se aqui artigos 29º e 30º da LTFP - não possa ser colocado. E,

9. Não estando o RA colocados nessa situação, não pode deixar-se aberta a possibilidade de nela poderem vir a estar incursos por errónea aplicação do direito do acórdão recorrido;

10. Parafraseando novamente ROSENDO DIAS JOSÉ «a necessidade de melhor aplicação do direito surge não só quando se possa detectar injustiça flagrante no caso concreto, mas também sempre que se encontrem usos ou formas de interpretar a lei ou de a aplicar que conduzam a indefinição dos direitos ou a deficiências de tutela efectiva e também no caso de se estar perante um erro grave de interpretação e aplicação do direito em prejuízo de cidadãos individualizados ou da prossecução do interesse público». E,

11. No caso sub judice estamos face a «erro grave de aplicação do direito» em prejuízo de cidadãos individualizados e da prossecução do interesse público;

12. Assim sendo, não pode colher o acórdão recorrido por claramente consubstanciar-se erro de direito e errada aplicação do direito, antes devendo manter-se o julgado anulatório da sentença proferida em 1ª instância.

Termina pedindo a «admissão da revista», e o seu «provimento», com as legais consequências.

3. O recorrido MAFDR contra-alegou, concluindo assim:

1. Sem prejuízo de outro e diverso entendimento de V. Exas. afigura-se-nos não se verificar nenhuma das circunstâncias que, nos temos do nº1 do artigo 150º do CPTA, permitem o recurso de revista;

2. De facto, a questão submetida a julgamento não se reveste de especial complexidade ou dificuldade, no que concerne ao direito aplicável, o DL nº106/98, de 24.04;

3. Nem o recorrente demonstra necessidade da revista para, em termos orientadores, resolver outros casos com relevância social;

4. Também se não entrevê que a intervenção deste Tribunal seja necessária em ordem a uma melhor aplicação do direito [conclusão 10], tendo em consideração que o tribunal recorrido decidiu de forma lógica e coerente interpretando e aplicando aos factos existentes as disposições legais, ao tempo, em vigor;

5. Não pode proceder a conclusão 1 do recorrente dado que a legislação aí invocada não era a aplicável ao caso;

6. Na verdade, ao tempo, regia a matéria sub judicio o DL nº106/98, de 24.04, e foi este que balizou a decisão recorrida;

7. Por isso, também se têm como improcedentes as conclusões 2 a 10 e em particular as 3 a 8, que decorrem da suposta violação de legislação inexistente no momento da prolação do ato impugnado;

8. Não vale também a conclusão 2, pois que ao invés do aí afirmado, a questão da «pertença» do posto de trabalho nunca esteve em discussão;

9. Na verdade, o problema tem a ver, apenas, com a determinação da localidade a que se consideram adstritos os representados do Sindicato para efeitos de atribuição de ajudas e não com o posto de trabalho - inspector ou auxiliar de inspecção - correspondente às funções que exercem;

10. Este, como é óbvio, continua a ser um posto de trabalho na Direcção-Geral de Veterinária e Alimentação, na zona geográfica abrangida pela Direcção de Serviços Veterinários do Norte. Se ele se situa, de facto, numa ou noutra localidade é questão diversa e que depende de matéria a apurar nos autos ou seja, com matéria de facto;

11. Pelo que também por isso e tendo em consideração o disposto no artigo 150º nº4 do CPTA, se não deve admitir esta revista;

12. Atenta a fundamentação desenvolvida supra [I e II] têm-se, pois, por improcedentes todas e cada uma das conclusões.

Termina pedindo a «não admissão» da revista, ou caso assim não se entenda o seu «não provimento», mantendo-se o acórdão recorrido.

4. O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [Formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA].

5. O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA].

6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

Das instâncias vêem-nos provados os seguintes factos:

1. No dia 16.12.2009 o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte e a Direcção-Geral de Veterinária reuniram tendo sido deliberado o seguinte: «[…] A DGV insiste que é seu entendimento que não deve fixar os funcionários a uma DIV ou NIV. Entende que o Matadouro é o centro de actividade, admitindo a alteração de domicílio necessário quando deslocado para outro Matadouro. A DGV entende que não pode nem deve alterar o entendimento que vem sendo seguido pelo ministério. Face à divergência de posições não foi possível neste ponto chegar a entendimento.

[…] A DGV assume que pelas tabelas de ajudas de custo do corrente ano, se constata efectivamente, de uma forma genérica, não existiu pagamento de ajudas de custo na DSVRNorte. Assume ainda que o pagamento da mesma deve ter lugar sempre que existam deslocações do domicílio necessário como por si definido e desde que cumpridos os requisitos dos artigos 6º e 8º do DL nº106/98. Os funcionários devem assim meter os boletins itinerários. Face ao quadro fáctico presente a DGV entende que devem os funcionários apresentar todas as ajudas deste ano económico, fazendo a destrinça com a respectiva salvaguarda, quanto ao domicílio necessário.

[…] Trabalho extraordinário. Decisão: Tem de ser pagos. […] A DGV entende que o trabalho extraordinário tem que ser pago, devendo ser efectuado o respectivo registo relativo ao presente ano económico. Neste sentido, assume, só o do presente ano económico deve ser relacionado e requerido.

[…] A DGV entende que tal trabalho tem que ser pago, já que de facto tem conhecimento que há matadouros que começam a matança de madrugada muito cedo e que a inspecção terá que estar no matadouro desde o início das operações de abate. No entanto, quando exista o acordo do trabalhador o trabalho nocturno poderá ser compensado apenas com a redução das 35 horas semanais de trabalho. A DGV refere que pode e deve ser pago o trabalho nocturno prestado no presente ano económico, tal como se definiu para o trabalho extraordinário» - ver folhas 26 a 29 do suporte físico do processo cujo teor se considera integralmente reproduzido;

2. A……….., B…………., C…………, D……….., E…………., F………… foram nomeados, tendo transitado para o regime do contrato de trabalho em funções públicas em 01.01.2009 - ver folhas 64 e 65, 152 a 156, 217 e 218, 244 e 245, 248 a 250, 403 a 406, 1814 a 1821, 1831 e 1832, 1834 a 1837 do suporte físico do processo;

3. Em 26.02.2010 a Direcção-Geral de Veterinária celebrou contratos de trabalho por tempo indeterminado com os seguintes trabalhadores: G…………, H…………, I…………, J…………., K…………., L…………, M……………, N………….., O………….. e P…………… - ver folhas 80 a 83, 89 a 92, 111 a 114, 147 a 150, 220 a 223 e 230 a 233, 308 a 311, 378 a 381, 428 a 432, 508 a 511 do suporte físico do processo;

4. Nos contratos de trabalho mencionados no ponto anterior foi estipulado o seguinte: «o trabalhador desenvolverá a sua actividade profissional nos locais e estabelecimentos onde o Primeiro Outorgante exerce as suas competências na área geográfica da Divisão de Intervenção Veterinária do Porto e da Divisão de Intervenção Veterinária de Braga, da Direcção de Serviços Veterinários da Região do Norte, sem prejuízo do regime de mobilidade geral aplicável às relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado, encontrando-se em qualquer circunstância adstrito às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional» - ver cláusula terceira dos contratos de trabalho por tempo indeterminado constantes a 80 a 83, 89 a 92, 111 a 114, 147 a 150, 220 a 223 e 230 a 233, 308 a 311, 378 a 381, 428 a 432, 508 a 511 do suporte físico do processo;

5. Também se estabeleceu que «o segundo outorgante fica sujeito ao período normal de trabalho diário e semanal de 7 e 35 horas, respectivamente, sendo o horário de trabalho definido pelo Primeiro Outorgante, dentro dos condicionalismos legais» - ver números 1 e 2 da cláusula 4ª dos contratos de trabalho por tempo indeterminado constantes a 80 a 83, 89 a 92, 111 a 114, 147 a 150, 220 a 223 e 230 a 233, 308 a 311, 378 a 381, 428 a 432, 508 a 511 do suporte físico do processo;

6. No nº2 da cláusula 5ª determina-se que «à remuneração base acresce[m] o[s] suplemento[s] remuneratório[s] referentes a trabalho extraordinário, trabalho em dias de descanso semanal e complementar, trabalho nocturno e ajudas de custo previsto[s] no RCTFP, no DL nº106/98, de 24.04, e no DL nº192/95, de 28.07, e devido[s] nos termos do artigo 73º da Lei nº12-A/2008, de 27.02» - ver nº2 da cláusula 5ª dos contratos de trabalho por tempo indeterminado constantes a 80 a 83, 89 a 92, 111 a 114, 147 a 150, 220 a 223 e 230 a 233, 308 a 311, 378 a 381, 428 a 432, 508 a 511 do suporte físico do processo;

7. Em 08.03.2010 a Direcção-Geral de Veterinária celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com o Q……….., nos termos do qual foi estabelecido que «o trabalhador desenvolverá a sua actividade profissional nos locais e estabelecimentos onde o Primeiro Outorgante exerce as suas competências na área geográfica da Divisão de Intervenção Veterinária do Ribatejo, da Direcção de Serviços Veterinários da Região de Lisboa e Vale do Tejo, sem prejuízo do regime de mobilidade geral aplicável às relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado, encontrando-se em qualquer circunstância adstrito às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional», mantendo-se o disposto nas cláusulas que foram mencionadas em 5 e 6 - ver folhas 337 a 340 do suporte físico do processo;

8. Em 16.11.2010 a Direcção-Geral de Veterinária celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a R………….., nos termos do qual foi estabelecido que «o trabalhador desenvolve a sua actividade profissional na área geográfica da Direcção de Serviços Veterinários da Região do Norte, do Primeiro Outorgante, sem prejuízo do regime de mobilidade geral aplicável às relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado, encontrando-se em qualquer circunstância obrigado às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional», mantendo-se o disposto nas cláusulas quarta número 1 e quinta referidas em 5 e 6 - ver folhas 281 a 285 do suporte físico do processo;

9. Em 16.12.2010 a Direcção-Geral de Veterinária celebrou contratos de trabalho por tempo indeterminado com a C………… e o F…………., nos termos do qual foi estabelecido que «o trabalhador desenvolverá a sua actividade profissional na área geográfica da Direcção de Serviços Veterinários da Região do Norte, sem prejuízo do regime de mobilidade geral aplicável às relações jurídicas de emprego público constituídas por tempo indeterminado, encontrando-se em qualquer circunstância adstrito às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional», mantendo-se o disposto nas cláusulas quarta número 1 e quinta referidas em 5 e 6 - ver folhas 1822 a 1826, e 1838 a 1842 do suporte físico do processo;

10. Por despacho de 10.09.2010 a Directora Geral de Veterinária concluiu «que as despesas apresentadas relativas a ajudas de custo, horas extraordinárias, trabalho em dias de descanso semanal, complementar e feriado e ainda trabalho nocturno, não reúnem as condições autorizadas, nos termos da legislação vigente» - ver folhas 49 a 51 do suporte físico do processo cujo teor se considera integralmente reproduzido;

11. Em 07.10.2010 a Subdirectora Geral de Veterinária reiterou o disposto no despacho dito no ponto anterior - ver folha 55 do suporte físico do processo cujo teor se considera integralmente reproduzido.

III. De Direito

1. O STFPN, em representação dos seus associados, identificados no processo, pediu ao TAF do Porto a anulação da decisão administrativa que lhes indeferiu pedidos de pagamento de ajudas de custo, trabalho nocturno, e todo o trabalho extraordinário prestado em dias normais, feriados e dias de descanso semanal e complementar, e atribuição do descanso compensatório previsto no artigo 163º do RCTFP.

Para tanto, imputam à decisão administrativa impugnada - referida nos pontos 10 e 11 do provado - erro sobre os seus pressupostos de direito, pois que, em seu entender, nela se interpreta e aplica mal a lei.

A 1ª instância, por sentença de 06.09.2016, julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial [AAE] e, em conformidade, decidiu anular a decisão administrativa impugnada na parte em que indefere o pedido de pagamento de ajudas de custo, e condenar a entidade ré a pagar as mesmas, relativas ao ano de 2010, aos representados do sindicato autor referidos nos pontos 2 e 3 e 8 e 9 do provado, e as relativas ao ano de 2009 ao referido no ponto 7 do provado, tudo naquelas situações em que os mesmos se tenham deslocado para além da localidade sede da Divisão de Intervenção Veterinária. E absolveu a entidade ré do pedido quanto ao demais peticionado.

A 2ª instância, por acórdão de 26.05.2017, decidiu conceder parcial provimento ao recurso principal, interposto pela entidade ré, e negar provimento ao recurso subordinado, interposto pelo sindicato autor. Desta forma, revogou a sentença recorrida, embora mantendo o julgamento de parcial procedência da acção uma vez que, segundo diz, deve «o pedido de abono de ajudas de custo dos representados do autor ser calculado nos termos definidos em I, em sede de execução de sentença».

Em sede de revista, o sindicato autor imputa ao acórdão recorrido «grave erro» de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, «mormente dos artigos 29º e 30º da Lei nº35/2014, de 20.06». Defende a manutenção do decidido em 1ª instância. Aduz ainda que, caso se mantenha o sentido adoptado no acórdão recorrido confrontámo-nos com sérios atropelos a princípios de direito - certeza e segurança jurídicas, legalidade, proporcionalidade e imparcialidade.

É verdade que, logo na sua 1ª conclusão, o ora recorrente refere o artigo 615º, nº1 alínea b), do CPC [ex vi artigos 1º e 140º do CPTA], em que se prevê a nulidade da sentença «por falta de especificação de fundamentos» justificativos da decisão. Porém, da leitura integral das suas «conclusões» e corpo das alegações, resulta que nunca consubstancia tal nulidade, pelo contrário, desenvolve sempre a sua tese no sentido claro de «erro de julgamento de direito» e não de «nulidade».

Além disso, salienta os artigos 29º e 30º da «Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas» - Lei 35/2014, de 20.06 - como tendo sido mal interpretados e aplicados pelo acórdão recorrido, sendo certo que nem este lhes faz qualquer referência, nem tais artigos têm a ver com a questão remanescente do litígio [o artigo 29º refere-se a «Mapas de pessoal» e o artigo 30º a ao «Preenchimento de postos de trabalho»].

Abordaremos, pois, o objecto da revista - erro de julgamento de direito - com o objectivo de apreciar e decidir da boa ou má aplicação do pertinente «regime jurídico» ao caso concreto dos representados pelo sindicato ora recorrente.

2. É pedida a revista, assim, apenas sobre a decisão proferida pela 2ª instância relativamente a ajudas de custo, nada mais, dado que o sindicato recorrente se conformou com o julgamento de improcedência do demais peticionado na AAE.

E, quanto a esta questão, constatamos que a 1ª instância julgou parcialmente procedente a AAE porque entendeu que o domicílio necessário dos trabalhadores representados pelo autor, para que possa ocorrer abono de ajudas de custo, era a respectiva Divisão de Intervenção Veterinária a que se encontram vinculados, pois é essa a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional. Daí que tenha condenado a entidade ré nos termos já referidos [ver 1º parágrafo do ponto 1 supra].

Por sua vez, a 2ª instância entendeu que o domicílio necessário na situação em causa depende de o trabalhador estar colocado num ou em vários matadouros. Se estiver colocado apenas num matadouro, aplicar-se-á o critério da «alínea b) do artigo 2º do DL nº106/98, de 24.04», isto é, terá domicílio necessário, para efeito de abono de ajudas de custo, «no lugar onde exerce funções»; se estiver colocado em vários matadouros, aplicar-se-á o critério da alínea c) do mesmo artigo, isto é, terá domicílio necessário, para o dito efeito, na localidade onde se situa «o centro da sua actividade funcional», que vem a ser «o matadouro onde exerce mais tempo as suas funções».

Daí que o pedido de pagamento de ajudas de custo, para os 18 representados do sindicato autor, não possa ter uma solução geral, antes tendo o apuramento do «domicílio necessário» de ser analisado caso a caso. O que explica que a 2ª instância tenha relegado o apuramento das ajudas de custo para «execução de sentença».

3. Vejamos a lei aplicável ao caso, que é o DL nº106/98, de 24.04, que fixa «o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional» [este regime jurídico foi alterado pelo DL 137/2010, de 28.12; pela Lei 64-B/2011, de 30.12; pela Lei 66-B/2012, de 31.12; pela Lei 82-B/2014, de 31.12; e pelo DL 33/2018, de 15.05].

Este diploma, que revogou o respectivo anterior regime jurídico - consagrado no DL nº519-M/79, de 28.12 - refere no seu preâmbulo, como uma das «modificações» que nele são introduzidas, «a adopção do conceito de domicílio necessário consagrado no artigo 87º do Código Civil», o que significa, desde logo, que a fixação do «domicílio necessário» não contende com o domicílio voluntário do funcionário ou agente «no lugar da sua residência».

Assim, o seu artigo 2º, salvaguardando o previsto em lei especial, considera ser domicílio necessário, para efeitos de abono de ajudas de custo: «a) A localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; b) A localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior; e c) A localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja lugar certo para o exercício de funções.»

O abono das ajudas de custo exige que os funcionários e agentes - ditos no artigo 1º do diploma em referência - se tenham deslocado do seu domicílio necessário por motivo de serviço público [artigo 1º], e que a deslocação tenha sido realizada para além de 5 Km [sendo diária], ou de 20 Km [sendo por dias sucessivos], da periferia da localidade onde o funcionário ou agente tem o seu domicílio necessário [artigo 6º, na versão aqui aplicável, que é a anterior à Lei nº66-B/2012 de 31.12].

Note-se que aquele conceito de domicílio necessário e estes pressupostos para a atribuição do abono de ajudas de custo correspondem substancialmente aos que já eram previstos e exigidos nos artigos 2º e 6º do regime jurídico anterior. Se bem que, ali, o «domicílio necessário» era titulado de «residência oficial».

4. No âmbito deste anterior regime jurídico, este Supremo Tribunal confrontou-se, na década de 90 do século passado, com a necessidade de decidir qual era a «residência oficial», e o «domicílio necessário», de um funcionário municipal cuja actividade podia ser exercida em todo o território do município, tendo-se decidido pela «sede do respectivo município, por ser o centro da sua actividade profissional, onde está colocado com carácter de permanência», e onde «faz a marcação de entrada e saída e recebe as ordens e as instruções de serviço para executar trabalhos» - AC STA de 04.11.93, Rº31777; AC STA de 21.12.93, Rº32453; AC STA de 21.12.93, Rº32572; AC STA de 03.11.94, Rº34571; AC STA de 30.03.95, Rº36120; AC STA de 30.03.95, Rº36642; e AC STA de 04.05.95, Rº34518-Z.

No âmbito do actual regime jurídico, ainda não existe jurisprudência do mesmo tribunal acerca da questão que aqui nos ocupa.

5. Ao tempo da situação factual aqui em causa, o DL nº209/2006, de 27.10 - Lei Orgânica do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas [MADRP] - integrava «no seu âmbito», enquanto serviço central da administração directa do Estado, a DGV - DIRECÇÃO-GERAL DE VETERINÁRIA - como serviço investido, além do mais, nas funções de autoridade sanitária veterinária nacional [ver artigos 4º, nº1 alínea g), e 14º, nº1, do dito diploma; note-se que este DL foi revogado e substituído pelo DL 7/2012, de 17.01, que passa a integrar, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território a agora chamada Direcção-Geral da Alimentação e Veterinária].

A então DGV, dotada de autonomia administrativa, dispunha de cinco unidades orgânicas desconcentradas, de âmbito regional, com a designação de Direcções de Serviços Veterinários da região Norte, da região Centro, da região de Lisboa e Vale do Tejo, da região do Alentejo e da região do Algarve, incumbidas de assegurar, além do mais, o controlo e a certificação sanitária [artigos 1º e 2º do Decreto Regulamentar nº11/2007, de 27.02, revogado e substituído pelo Decreto Regulamentar nº31/2012 de 13.03].

Os representados do sindicato autor, conforme resulta dos contratos celebrados entre eles e a DGV [ver pontos 2 a 9 do provado], tinham a sua actividade profissional adstrita, uns, à «Direcção de Serviços Veterinários do Norte» [ver pontos 4, 8 e 9 do provado], e outro à «Direcção de Serviços Veterinários de Lisboa e Vale do Tejo» [ver ponto 7 do provado].

Aqueles, exerceriam a sua actividade profissional, nos locais e estabelecimentos onde a DGV exerce as suas competências na área geográfica do Porto e Braga [Divisão de Intervenção Veterinária do Porto, e Divisão de Intervenção Veterinária de Braga]. Este exerceria a sua actividade profissional nos locais e estabelecimentos onde a DGV exerce as suas competências na área geográfica da Divisão de Intervenção Veterinária do Ribatejo.

Ou seja, todos são funcionários da DGV, uns adstritos à Direcção de Serviços do Norte e outro à de Lisboa e Vale do Tejo, sendo que aqueles «fazem» os locais e estabelecimentos da área do Porto e Braga, e este, os da área do Ribatejo.

De acordo com as referidas normas legais, algo iluminadas pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, qual o «domicílio necessário» destes trabalhadores?

Certamente que terá de ser numa «localidade», pois é isso que determina a lei, e numa só localidade, caso o exercício de funções seja desenvolvido em várias. É isso que resulta não só do teor literal das 3 alíneas do artigo 2º, do diploma em causa - DL nº106/98 de 24.04 -, como da sua racionalidade subjacente, já que foi intenção do legislador flexibilizar, sim, a fixação do «domicílio necessário» dos funcionários e agentes de acordo com o local ou centro da sua actividade, mas não diluir o conceito pelos vários locais onde tal actividade possa ser exercida, retirando-se assim toda a racionalidade a essa fixação.

Não poderá ser «a localidade onde aceitaram o lugar ou cargo» [seja a sede da DGV ou a da respectiva Direcção de Serviços], pois não foi nessa «localidade» que ficaram a prestar serviço [ver alínea a) do artigo 2º do DL nº106/98, de 24.04]; nem poderá ser a «localidade onde exercem funções», pois que as exercem em vários locais e estabelecimentos de determinada área geográfica [alínea b) do artigo 2º do DL nº106/98, de 24.04].

Nem fará sentido eleger um desses «locais ou estabelecimentos» - Matadouros - só porque o respectivo trabalhador aí exerce durante mais tempo a sua actividade, dado que esse maior ou menor período de permanência obedece a um critério de necessidade e não de vinculação. Mas a verdade é que os trabalhadores em causa, cada um deles, ficou funcionalmente vinculado a uma determinada área geográfica, seja o «Porto, Braga, ou o Ribatejo», dentro da qual exercem a sua actividade profissional, nomeadamente de controlo e certificação sanitária, nos estabelecimentos abrangidos pela competência da DGV, aqui exercida através de unidades desconcentradas da mesma: as Direcções de Serviços Veterinários, que estão sediadas, obviamente, numa determinada «localidade».

Ora, uma vez que não há lugar certo, diga-se no caso, mais apropriadamente, que não há local ou estabelecimento certo, para os trabalhadores exercerem as suas funções, pois é isso que resulta dos seus contratos com a DGV, deverá ser essa «localidade», sede da respectiva Direcção de Serviços em que eles foram colocados, a constituir o seu «domicílio necessário» para o efeito de «abono de ajudas de custo». E isto por aplicação directa do critério fixado na alínea c) do artigo 2º, do regime jurídico em apreço - [DL nº106/98, de 24.04].

Resulta, portanto, que o «domicílio necessário» dos trabalhadores da DGV, cujo trabalho deve ser desempenhado em locais e estabelecimentos abrangidos pela competência da DGV numa ou mais áreas geográficas de determinada Direcção de Serviço Veterinário, é a localidade em que esta última está sediada, por ser aí o «centro da sua actividade funcional» [alínea c) do artigo 2º do DL nº106/98, de 24.04].

Será, nos termos do artigo 7º do DL 106/98, de 24.04, a partir da periferia de tal «localidade» que são contadas as distâncias das deslocações «por motivo de serviço público», quer diárias quer por dias sucessivos, e tanto para aferição da relevância das deslocações para efeito de abono de ajudas de custo, como para a determinação do montante desse mesmo abono.

6. A correcta interpretação e aplicação da lei conduz, deste modo, à decisão que foi proferida pela 1ª instância e não à decisão adoptada pelo acórdão recorrido.

Esclareça-se, por fim, que a alegada violação dos princípios jurídicos referidos no parágrafo quinto do anterior ponto 1, é invocada pelo recorrente no caso de ser mantido o sentido decisório adoptado no acórdão recorrido, o que, conforme ressuma do exposto, não acontece. O seu tratamento resultaria aqui, pois, num mero exercício académico sem repercussão útil na economia desta decisão. O que deve ser evitado [inutilia truncat – artigo 130º do CPC].

7. Deverá, por conseguinte, ser «concedido provimento» ao recurso de revista, ser «revogado» o acórdão recorrido e mantida a decisão de 1ª instância com a argumentação agora aditada ou esclarecida.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido mantendo o decidido na primeira instância.

Custas pela entidade recorrida.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.