Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0621/15
Data do Acordão:03/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
OFICIAL DE JUSTIÇA
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:Não padece de ilegalidade o acto de classificação de um oficial de justiça que, com base numa análise objectiva da matéria de facto provada, considerou que aquele funcionário de justiça teve um desempenho merecedor da classificação de Medíocre, sendo certo que o próprio oficial de justiça reconheceu que teve um fraco desempenho.
Nº Convencional:JSTA000P23071
Nº do Documento:SA1201803150621
Data de Entrada:05/18/2015
Recorrente:A.......
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……….., devidamente identificado nos autos, intentou junto deste STA acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), pugnando pela procedência da acção e a consequente revogação do Acórdão do Plenário deste Conselho, de 10.02.15, “com a atribuição ao A. da classificação de Suficiente, com todas as consequências legais” (cfr. fl. 28 dos autos).
Conforme se pode constatar, o A. pretende, por um lado, que seja impugnado o Acórdão do CSMP, de 10.02.15, que, tendo negado provimento ao recurso hierárquico que interpôs da deliberação do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), confirmou a decisão recorrida que lhe atribuiu a classificação de ‘Medíocre’, classificação esta relativa ao serviço por ele prestado no Tribunal de ....... no período compreendido entre 29.12.11 a 12.11.13.
Por outro lado, embora não o autonomize de forma explícita, pretende que, em virtude da revogação do acórdão do CSMP, lhe seja atribuída a classificação de ‘Suficiente’ (cfr. fl. 28).

1.1. Na p.i., o A. alega, para o efeito, e em síntese, que o acto impugnado:

(i) Foi expressão de uma actuação em abuso de direito;
(ii) Viola o princípio da legalidade;
iii) Viola o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos;
iv) Viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade;
v) Viola o princípio da boa fé.

1.2. O R. contestou, concluindo pela improcedência da presente acção administrativa, por não se verificarem os vícios imputados ao acto impugnado, devendo o R., em consequência, ser absolvido dos pedidos (cfr. fls. 68 a 87).
2. Não tendo sido suscitadas questões prévias, foram as partes notificadas para produzir as suas alegações escritas ao abrigo do n.º 4 do artigo 91.º do CPTA.
3. Notificado nos termos legais, o A. não apresentou alegações.
4. Devidamente notificado, o CSMP, aqui R., apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões (fls. 94 a 100 dos autos):
“(…)
2. O Autor não apresentou alegações, pelo que o CSMP nada mais tem a acrescentar às razões que alegou na contestação, que aqui se dá por reproduzidas e das quais se extrai as seguintes
CONCLUSÕES
A. É irrelevante para efeitos de avaliação do desempenho funcional o facto de o Autor ter solicitado à DGAJ, "a nível de sugestão''' se não haveria a possibilidade de lhe conceder a "frequência de Curso Preparatório ou o que tenha como alternativa conveniente", e a DGAJ não ter satisfeito essa solicitação, por não existir qualquer curso estruturado para as carências individuais do Autor, regressado de uma ausência de 20 anos;
B. Quando o Autor reassumiu as suas funções, foi tido em conta que regressava de uma licença de longa duração, e as tarefas que lhe foram atribuídas eram tão simples que não obrigavam a formação específica nem exigiam um grau de conhecimentos que as tornasse fora do alcance das possibilidades do Autor, se tivesse um empenhamento e uma dedicação normal;
C. O Autor não revelou qualquer motivação para trabalhar numa secretaria judicial, chegava atrasado ao serviço, revelou-se lento e pouco empenhado na realização das tarefas que lhe foram solicitadas, sendo por via da sua atitude e não por via da falta de formação profissional que o Autor teve o desempenho deficiente e insatisfatório que determinou que lhe fosse atribuída a classificação negativa de Medíocre;
D. Sucede ainda que o período de inspeção a que se reporta a classificação de Medíocre já não corresponde ao regresso do Autor ao serviço, pois retomou o exercício de funções em 18 de outubro de 2006 e foi classificado pelo serviço prestado no período compreendido entre 29 de dezembro de 2011 e 12 de novembro 2013;
E. Ponderando sobre o efetivo desempenho do Autor e todas as circunstâncias que envolveram esse desempenho, bem como a sua atitude de desmotivação e desinteresse, mesmo considerando o facto de não lhe ter sido propiciada formação, a classificação de Medíocre que lhe foi atribuída pelo COJ e confirmada pelo CSMP é a única que se mostra adequada ao seu negativo desempenho funcional;
F. Não tem qualquer cabimento a alegação do Autor de que a DGAJ ao não lhe ministrar formação adequada agiu com abuso de direito, pois manifestamente não era exigível à DGAJ promover a realização de ações de formação dedicadas apenas ao Autor e às suas específicas carências, não coincidentes com as necessidades de formação do universo dos oficiais de justiça;
G. Por isso, nunca a atuação da DGAJ poderia ser qualificada como abuso de direito, conforme previsto na lei e entendido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo manifesta a total improcedência da alegação do Autor também nesta parte em que diz que a DGAJ atuou com abuso de direito e que a classificação de Medíocre que lhe foi atribuída foi uma decorrência dessa atuação abusiva da DGAJ;
H. Nenhuma razão assiste ao Autor quando, mais uma vez a pretexto de não lhe ter sido proporcionada formação profissional, cujo direito invoca ter derivado do artigo 90.º n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, alega que a DGAJ violou o princípio da legalidade previsto, à data, no artigo 3.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) de 1991, então vigente;
I. O direito à formação profissional dos trabalhadores da Administração Pública encontrava-se então previsto e regulado na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, na Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro e, principalmente, no Decreto-Lei n.º 50/98, de 11 de março, diploma este que define as regras e os princípios que regem a formação profissional na Administração Pública;
J. No Decreto-Lei n.º 50/98, de 11 de março define-se a estrutura da formação, de acordo com a qual a situação do Autor apenas podia integrar-se na modalidade de formação contínua de aperfeiçoamento, e nas normas de organização da formação em lado algum se consagra um direito à formação contínua individual;
K. Assim, a DGAJ ao deixar em aberto a possibilidade de o Autor participar em ações de formação que viessem a realizar-se, embora não tendo promovido a organização de ação ou ações de formação específicas unicamente para o Autor, nem por isso violou qualquer disposição legal;
L. De igual modo não assiste a razão ao Autor quando atribui à atuação da DGAJ a violação do princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, por não lhe ter facultado formação;
M. São questões orçamentais e logísticas que impedem a elaboração de planos regulares de informação e, por isso, acaba por ser o próprio interesse público que impõe essas restrições, pelo que também não ocorreu a violação do dever de prossecução do interesse público e do princípio da proteção dos interesses dos cidadãos, falecendo a alegação do Autor também nesta parte;
N. Descabida é também a alegação do Autor na parte em que pretende convencer que a DGAJ violou os princípios da igualdade e da proporcionalidade;
O. Com efeito, mais uma vez não assiste a razão ao Autor quando diz que foi tratado de forma desigual, porque não recebeu formação ao longo dos anos em que esteve ausente de licença de longa duração como a receberam os demais oficiais de justiça nesse período;
P. O princípio da igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na justa medida da diferença, pelo que pressupõe, em primeiro lugar, que estejam em presença determinadas situações substancialmente idênticas, e em segundo lugar que se assegure o tratamento dessas situações de forma congruente com as semelhanças que apresentam;
Q. Ora, no caso dos autos estão em causa duas situações relevantemente diferentes: de um lado, a situação dos oficiais de justiça que estiveram no efetivo exercício de funções; do outro lado, a situação do Autor que esteve ausente do serviço por razões do seu interesse pessoal;
R. Portanto, estando em causa duas relevantemente diferentes, os argumentos do Autor não colhem, sendo manifesta a improcedência da sua alegação também na parte em que diz que ocorreu a violação do princípio da igualdade consagrado nos artigos 13.º e 266.º da CRP e com expressão legal no artigo 5.º do CPA de 1991, então vigente, e atualmente no artigo 6º do CPA de 2015;
S. E consequentemente é também manifesta a improcedência da alegação do Autor de que ocorreu, concomitantemente, a violação do princípio da proporcionalidade, pois a classificação de Medíocre atribuída ao Autor é adequada e justa relativamente ao seu desempenho negativo que só à sua atitude pode ser imputado;
T. A DGAJ também não violou do princípio da boa-fé previsto no artigo 6.º-A do CPA de 1991, então vigente, e atualmente no artigo 10.º do CPA de 2015, pois o princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correta, leal e sem reservas, e foi justamente isso que a DGAJ fez;
U. Com efeito, o Autor diz que a DGAJ respondeu à solicitação do Autor "a nível de sugestão" sobre a possibilidade de lhe ser concedida formação, informando-o que naquele momento e no futuro próximo não existia a perspetiva de realização de qualquer curso de formação;
V. E em lado algum o Autor afirma, explícita ou implicitamente, que tal informação não correspondesse à verdade, ou que as coisas não se tivessem passado conforme lhe foi informado, o que desde logo afasta qualquer possibilidade de violação do princípio da boa-fé;
W. Importa ainda salientar, em contrário daquilo que o Autor parece pressupor, designadamente pela forma como formula o pedido, que não se compreende nos poderes do Tribunal a apreciação do seu desempenho profissional;
X. Com efeito, a classificação de serviço dos funcionários em geral, e neste caso dos oficiais de justiça, é uma atividade que se situa no âmbito da função administrativa, e no exercício dessa atividade a Administração dispõe de uma ampla margem de liberdade para, segundo os seus critérios de justiça retributiva e relativa valorar e classificar a prestação funcional de cada um;
Y. Esta atividade classificativa só é jurisdicionalmente sindicável se exibir erro manifesto ou se for ostensivamente admissível, e os poderes de cognição do Tribunal nessa matéria de classificação não se estendem à valoração do trabalho prestado e decisão sobre a classificação;
Z. Ora, no caso dos autos manifestamente não ocorrem tais erros, pois, como já se viu, a classificação de Medíocre atribuída ao Autor resultou de uma ponderação criteriosa dos aspetos positivos e negativos do seu desempenho funcional, pelo que nenhuma razão existe para censura do ato impugnado;
AA. E por tudo isso, também o pedido formulado pelo Autor se trata de um pedido infundado em si mesmo e ilegal, porquanto se pretende que o Tribunal revogue a decisão impugnada que atribuiu ao Autor a classificação de Medíocre, e a substitua por outra que lhe atribua a classificação de Suficiente;
BB. Em suma: o impugnado acórdão do CSMP, ao confirmar a classificação de Medíocre que o COJ tinha atribuído ao Autor, decidiu em conformidade com o direito e não padece dos vícios que o Autor lhe atribui, nem de quaisquer outros que afetem a sua validade e eficácia, pelo que deverá ser mantido na ordem jurídica, na total improcedência da alegação do Autor”.
5. Colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:
Consideramos assente, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:
A) O A. A………… é Técnico Auxiliar de Justiça.
B) O A. exerceu funções como Oficial de Justiça no Tribunal da ………..e no Tribunal de ………… entre os anos de 1981 e 1986. No Certificado do Registo Disciplinar inserido nos Autos de Inspecção Ordinária à Secretaria dos Juízos de Aveiro, Integrada na Comarca do Baixo Vouga, da autoria do Conselho dos Oficiais de Justiça – COJ (cfr. o II.º vol. do Processo Instrutor, que aqui se dá por integralmente reproduzido), consta o seguinte:
“(…) certifica que do Registo Disciplinar de A………….. consta o seguinte:
21-FEV-1984 Suficiente na categoria de Oficial Judicial, Tribunal Judicial ºJuízo de 04-08-1981 a 14-10-1983.
15-ABR-1985 Bom na categoria de Escriturário Judicial, Tribunal Judicial ºJuízo de 20-12-1983 a 17-01-1985, .........
19-NOV.2008 172...... Por deliberação do COJ tem processo disciplinar pendente.
11-Mar-2010 172..... Por acórdão do COJ, foi-lhe aplicado a pena de 180 Euros de multa”.
C) O A. esteve aproximadamente 20 anos com licença sem vencimento ilimitada (pacífico nos autos).
D) Por despacho de 28.09.06, o A. foi nomeado para o Tribunal de ………, com a categoria de Escrivão Auxiliar, tendo em 18.10.06 aceitado a colocação e tomado posse (cfr. a Nota Biográfica Individual constante dos Autos de Inspecção ordinária à Secretaria dos Juízos de Aveiro, Integrada na Comarca do Baixo Vouga, da autoria do COJ, que está inserida no II.º Vol. do Processo Instrutor, que aqui se dá por integralmemte reproduzida).
E) Da Ficha Biográfica Individual que consta dos Autos de Inspecção referidos em B) e D) (ficha biográfica que aqui se dá por integralmente reproduzida), o A. descreve as funções que exerce do seguinte modo: “Colocado no Arquivo, na qualidade de Auxiliar, desempenhando tarefas tais como: procura e colocação de processos em maços, fotocópias para a elaboração de certidões, bem como cumprimento de qualquer outro serviço que lhe fosse ordenado pelo Sr. Secretário Judicial, tendo sido uma destas tarefas o retirar de todos os processos que na altura estavam no sótão do ex-Governo Civil, retirando-os de forma e ordenando-os, bem como dar-lhes ordem informática em termos de datas extremas; tb. Retirada nos mesmos termos para o Tribunal de ............”.
F) Da Informação que consta dos Autos de Inspecção referidos em B), D) e E) pode ler-se, no essencial, o seguinte:
“NOME DO INSPECCIONADO: A…………
CATEGORIA: Escrivão Auxiliar
FUNÇÕES DESEMPENHADAS (descrição pormenorizada):
- Foi colocado no arquivo a prestar auxílio à Assistente Técnica, que trata do arquivo desta secretaria.
FORMA COMO FORAM DESEMPENHADAS AS FUNÇÕES (…):
a) - IDONEIDADE CÍVICA: -
Enquanto permaneceu nesta secretaria teve comportamentos que nunca conseguiu corrigir, sendo o excessivo uso do seu telemóvel o caso mais evidente e com maior impacto no ambiente de trabalho. Para além da constante interrupção no normal desenrolar das tarefas, causava incómodos a quem com ele partilhava o mesmo espaço ou as suas imediações.
b) - A QUALIDADE DO TRABALHO E A PRODUTIVIDADE:
- Pode-se dizer que a qualidade e a produtividade ficaram bastante abaixo das julgadas suficientes.
c) - PREPARAÇÃO TÉCNICA E INTELECTUAL: -
- Não possui conhecimentos técnicos para desempenhar funções numa secção de processos nem se mostrou disponível para encetar uma aprendizagem nesse sentido.
d) - ESPÍRITO DE INICIATIVA E COLABORAÇÃO:
- Mostrava-se disponível para colaborar mas quando chegava a altura de prestar essa colaboração ela era bastante deficitária, por ser morosa e pouco empenhada.
e) - A SIMPLIFICAÇÃO DOS ACTOS PROCESSUAIS:
Não se aplica no caso em concreto pois o serviço que fazia não exigia o cumprimento deste item.
f) - BRIO PROFISSIONAL:
- Sendo o brio profissional uma súmula de comportamentos, o funcionário em questão demonstrou, por tudo aquilo que aqui fica registado, não possuir esse brio.
g) - URBANIDADE:
- Poder-se-á referir que a relação tida com os vários intervenientes desta secretaria se pautou por relações normais.
h) - A PONTUALIDADE E ASSIDUIDADE:
- Nem sempre era pontual, tendo sido chamado várias vezes à atenção para o cumprimento dos horários.
No decurso da sua permanência, constatamos que o mesmo tinha, nesta secretaria, processo crime em que era arguido e execuções pendentes. Constatamos, igualmente, que o mesmo foi julgado na Secretaria dos Juízos de Ílhavo, como arguido, no âmbito dos processos com o nº 221/12.3P ..........., pela prática, em 07.02.2012, de um crime de Violação de Imposições, Proibições ou Interdições, decorrente de um processo de condução de veículo em estado de embriaguez, que correu termos também nesta secretaria e o nº 691/12.0P.........., pela prática, em 23.04.2012, de um crime de Dano, tendo sido condenado em ambos.
Pela atitude demonstrada no período de tempo que esteve ao serviço desta secretaria, direi que é um funcionário aqui dispensável”.
G) Por requerimento dirigido à Directora-Geral da Direcção-Geral de Administração da Justiça (DGAJ), cuja data não vem mencionada, o A., após expor sucintamente o desenrolar da sua vida profissional, veio, “com todo o respeito solicitar-lhe a nível de sugestão se não haveria por parte da Entidade da qual V. Exª é com toda a Dignidade e Mérito Directora, a possibilidade de me conceder a frequência do Curso Preparatório ou o que tenha como alternativa conveniente” (cfr. doc. n.º 1, de fls. 54 a 55 dos autos, cujo teor damos por integralmente reproduzido).
H) O A. recorreu aos serviços do Dr. …………., médico psiquiatra, da ………. Clínica ………., que lhe passou uma declaração médica, datada de 22.11.13, a qual, na parte em que é perceptível, atesta que A……… tem sintomas de ansiedade, pânicos e agorofobia, e prescreveu-lhe a medicação adequada a esses sintomas (Olanzapina, Clomipramina e Alprazolam) – cfr. docs. n.os 2, [3)] e 4, de fls. 56 a 58 dos autos, cujo teor damos por integralmente reproduzido).
I) O A. foi submetido a uma Junta Médica da ADSE, a qual atestou, por despacho de 12.11.13, que, “tendo como fundamento a observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e o(s) relatório (s) existente (s) no processo, deliberou por unanimidade pela alínea:
b) Impossibilidade de regresso ao serviço. Nova Junta Médica do Artigo 11.º do Decreto regulamentar Nº 41/90, de 29 de Novembro.
Foi marcada nova junta médica para o dia 26-11-2013 às 15.30h com o número de ordem 18” (cfr. doc. n.º 5, de fl. 59 dos autos, cujo teor damos por integralmente reproduzido).
J) Aquando da realização da Inspecção Ordinária à Secretaria dos Juízos de Aveiro, em Janeiro de 2014, o A. não se encontrava ao serviço por se encontrar de baixa médica (pacífico nos autos).
L) Por acórdão do COJ, de 15.05.14, que também se pronunciou sobre a resposta do A. ao Relatório dos Serviços (na parte que lhe dizia respeito), foi deliberado atribuir ao A. a classificação de ‘Medíocre’, “aderindo ao relatório do Exmo. Inspetor”. A dita classificação foi precedida de síntese conclusiva em que se afirma que, “Assim e por uma questão de justiça relativa, face ao desempenho verificado, não nos parece haver elementos capazes de serem determinantes para que seja o inspeccionado classificado de forma diferente da classificação inicialmente proposta, pois entendemos que o mesmo não possui aptidão para o exercício do cargo, correspondendo-lhe assim a classificação de ‘Medíocre’” (cfr. o Acórdão do COJ constante de fls. 411 e ss. do V.º Vol. do Processo Intrutor, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
M) Por requerimento recebido na Secretaria do COJ em 11.12.14, o A. apresentou recurso hierárquico do Acórdão do COJ que lhe atribuiu a classificação de ‘Medíocre’, peticionando, a final, pela procedência do recurso com a consequente revogação do acórdão em questão e a alteração da classificação profissional (cfr. requerimento de fls. 575 a 598 do V.º Vol. do Processo Instrutor). Este requerimento foi objecto do Parecer do Vice-Presidente do COJ, de 16.12.14 “(Por delegação/subdelegação (DR II Série nº 55 de 19.03.2014)”, com o seguinte teor: “Observando o disposto no art.º 172.º do C.P.A., o Conselho dos Oficiais de Justiça entende que o recurso não merece provimento, pelas razões constantes da deliberação em recurso, às quais nada há a acrescentar. Remeta-se ao CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ficando traslado das partes principais” (cfr. Parecer de fls. 599, integrado no V.º Vol. do Processo Instrutor).
N) Por acórdão de 10.02.15 do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (relativo ao Proc. n.º 2/2015-FJ) foi deliberado “negar provimento ao recurso hierárquico interposto por A…………. e, em consequência, confirmar a decisão proferida pelo C.O.J. de lhe atribuir a classificação de MEDÍOCRE pelo serviço prestado no período compreendido entre 29/12/2011 e 12/11/2013” (cfr. o Acórdão de fls. 606 a 611 do V.º Vol. do Processo Instrutor). Este acórdão foi notificado ao A. e ao seu mandatário em 12.02.15 (cfr. fls. 612 e 613 do V.º Vol. do Processo Instrutor).
O) A presente AAE deu entrada neste Supremo Tribunal em 18.05.15.
P) À data da propositura da presente acção o A. encontrava-se de baixa médica (pacífico nos autos).

2. De direito:
2.1. Através da presente acção, o A. pretende, desde logo, impugnar o Acórdão do CSMP, de 10.02.15, o qual, como visto, lhe atribuiu a classificação de ‘Medíocre’, classificação esta relativa ao serviço por ele prestado no Tribunal de ......... no período compreendido entre 29.12.11 a 12.11.13. Para o efeito, imputa-lhe uma série de vícios. Vejamos.

2.2. Começando, então, a nossa apreciação pela questão da pretensa actuação em abuso de direito, é conveniente atentar nos argumentos do A..

(i) Da alegada actuação com ‘abuso de direito’

Quanto a este específico fundamento de ilegalidade, o A. afirma, em síntese, que a “DGAJ, que na sua posição de entidade empregadora pública, vinculada àquelas que são as obrigações legais de promover a formação e actualização profissional dos seus funcionários, decorrentes da Lei 59/2008 de 11 de Setembro, nega ao A. a possibilidade de obter formação adequada à actualização dos seus conhecimentos, tendo-o admitido novamente no exercício de funções, quando sabia que o mesmo não teria certamente os conhecimentos actualizados necessários ao desempenho de tais funções”. “À DGAJ, ainda que se admita o direito de definir as datas dos cursos de formação a ministrar aos funcionários judiciais, não lhe pode assistir o direito absoluto ou a prerrogativa injustificável de negar ao A. o acesso a formação adequada à sua formação e actualização de conhecimentos profissionais, pois a assim se entender não se percebe o porquê de admitir novamente ao exercício de funções alguém que esteve afastado 20 anos”. “Ao exercer o seu direito/prerrogativa de definir as datas e momentos em que é ministrada formação aos funcionários judiciais, negando ao A. o direito inalienável a formação profissional, a conduta da DGAJ, não pode deixar de configurar-se como susceptível de preencher o instituto jurídico de Abuso de Direito, tal como este se encontra previsto no art.º 334º do CC”. “Porquanto o exercício do direito de estabelecer o quando ministrar formação aos funcionários, quando sabia e tinha perfeito conhecimento da situação do A. à data em que iniciou funções, negando ao mesmo o acesso a formação adequada, viola os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito. (…)”. “Ora, a conduta omissiva da DGAJ, em não ministrar formação adequada ao A., por forma a que este pudesse exercer devidamente as suas funções com o mínimo de produtividade e de acordo com os objectivos do serviço, não pode deixar de configurar a existência de um Abuso de Direito, nos termos do previsto no art.º 334º do CC” (cfr. artigos 54.º, 57.º, 58.º, 59.º e 60.º da p.i.).
O R., admitindo que não satisfez a solicitação do A., contra-argumenta, em síntese, que “Não tem qualquer cabimento a alegação do Autor de que a DGAJ ao não lhe ministrar formação adequada agiu com abuso de direito, pois manifestamente não era exigível à DGAJ promover a realização de ações de formação dedicadas apenas ao Autor e às suas específicas carências, não coincidentes com as necessidades de formação do universo dos oficiais de justiça”. “Por isso, nunca a actuação da DGAJ poderia ser qualificada como abuso de direito, conforme previsto na lei e entendido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo manifesta a total improcedência da alegação do Autor também nesta parte em que diz que a DGAJ atuou com abuso de direito e que a classificação de Medíocre que lhe foi atribuída foi uma decorrência dessa atuação abusiva da DGAJ” (cfr. conclusões F. e G. das contra-alegações)

Como se pode ver, o alegado ‘abuso de direito’ consubstanciar-se-ia, no caso concreto, na circunstância de a DGAJ ter readmitido o A. ao serviço após vinte anos afastado das suas funções e, de seguida, de não lhe ter facultado um curso de formação para que o mesmo se pudesse actualizar, dadas as alterações legislativas e técnicas que se operaram nesses vinte anos (ou, como sugestivamente afirma o A., por a DGAJ ter dado “com uma mão” e ter retirado “com a outra”). Sucede que, tendo em conta o objecto da presente acção, o A. está a reagir contra um acto do CSMP que confirmou o acto classificativo do COJ. Ou seja, o pretenso ‘abuso de direito’, para ser apreciado, teria de ser imputado ao CSMP, autor do acto que se impugna, e não à DGAJ. Assim sendo, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, improcede este fundamento da ilegalidade do acórdão do CSMP que atribuiu ao A. a classificação de ‘Medíocre’ baseado no alegado ‘abuso de direito’.

(ii) Da alegada violação do princípio da legalidade

O A. invoca, igualmente, a violação do princípio da legalidade por parte da DGAJ. Começa por invocar que “Constitui direito do A., enquanto trabalhador com uma relação de emprego público a obtenção de formação profissional ministrada pela sua entidade empregadora pública, nos termos do disposto nos art.ºs 72º/nº 2, da Lei 35/2014, de 20 de Junho e à data do pedido de formação profissional realizado pelo A. derivava do art.º 90º/n.ºs 1 e 3 da Lei 59/2008 de 11 de Setembro”. “Ora, a DGAJ, enquanto entidade pública e órgão da Administração Pública, encontra-se sujeita ao cumprimento do princípio da legalidade, previsto no art.º 3/nº 1, do CPA, e ao negar ao A. o direito a obter formação profissional, quando esse é um direito que lhe assiste, viola expressamente o princípio da legalidade a que se encontra adstrita nas suas relações com os particulares e com os seus subordinados (…)”. “Ao tomar a decisão administrativa de não ministrar ao A. formação profissional, a DGAJ violou a lei e a legalidade dos procedimentos administrativos a que está vinculada, violação essa que tem como sanção a invalidade da referida decisão violadora da lei, deixando o A. sem hipótese de obter formação e assim se visse impossibilitado de obter um melhor desempenho profissional, vindo a ser classificado de Medíocre pelo COJ e CSMP. “A violação dos princípios e regras procedimentais, ou seja, a violação da legalidade procedimental, pela decisão do procedimento (e por aquelas que ao longo dele se vão tomando) implica ilegalidade administrativa, implica a invalidade da própria decisão ilegal ou da decisão final em que ela se vai repercutir”. Vide: Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª Edição, Almedina, pág. 91 e 92 (cfr. artigos 63.º a 65.º da p.i.).

Contra-argumenta o R. que, não obstante reconhecer que os trabalhadores da Administração Pública têm um direito à formação profissional (que, no caso dos autos, seria uma formação contínua destinada a “promover a atualização e a valorização pessoal e profissional dos funcionários e agentes), “em lado algum se consagra um direito à formação contínua individual”. “Assim, a DGAJ ao deixar em aberto a possibilidade de o Autor participar em ações de formação que viessem a realizar-se, embora não tendo promovido a organização de ação ou ações de formação específicas para o Autor, nem por isso violou qualquer disposiçção legal”. “E como tal, a atuação da DGAJ não consubstancia nenhuma violação do princípio da legalidade, sendo totalmente improcedente a alegação do Autor também nesta parte” (cfr. artigos 61, 63, 64 e 65 da contestação e conclusões H. a K. das contra-alegações).

Uma vez mais, o A. imputa o vício à actuação da DGAJ e não directamente ao acto impugnado (relembremos, o acórdão do CSMP). É certo que procura estabelecer uma conexão entre ambos (a classificação de ‘Medíocre’ atribuída pelo COJ e confirmada pelo CSMP é a consequência da recusa da DGAJ em conceder-lhe a devida formação profissional) e que procura fundar juridicamente este fundamento do recurso, citando um trecho em que se afirma, para o que agora interessa, que a invalidade de um acto procedimental pode levar à invalidade do acto final do procedimento. Sucede que a actuação da DGAJ ao informá-lo de que não estava prevista nenhuma acção de formação nos tempos mais próximos – com esta resposta descartando implicitamente uma acção de formação à la carte – não constitui um acto integrado no procedimento classificatório a que foi submetido o A. Em suma, e uma vez mais sem necessidade de mais desenvolvimentos (que poderiam passar pela apreciação do alegado direito a uma formação profissional individualizada e a todo o tempo, bastando o interessado requerê-la), deve improceder este outro fundamento da ilegalidade do acórdão do CSMP em causa.

iii) Da alegada violação do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos

Argumenta o A. na p.i., em síntese, que “A conduta da DGAJ em não permitir ao A. obter formação adequada à sua requalificação profissional e consequentemente vir a ser classificado pelo COJ e CSMP com a nota de Medíocre, violam o princípio da prossecução do interesse público, na medida em que tendo permitido o regresso ao serviço de um funcionário que esteve 20 anos afastado sem lhe ministrar a formação adequada à sua requalificação e actualização profissionais, estão a desperdiçar recursos humanos e dinheiro do erário público a pagar um vencimento mensal, do qual não retiram a devida produtividade e vantagem para o serviço por falta de conhecimentos actualizados e adaptados à nova realidade processual dos Tribunais”. “Tal conduta da DGAJ, não pode deixar de considerar-se violadora do princípio da prossecução do interesse público, enquanto finalidade última que à Administração cabe prosseguir (…)”. “Descendo ao caso dos autos e admitindo que a DGAJ tenha no quadro das atribuições legais que lhe compete executar a prerrogativa de definir as datas em que ministra formação aos seus funcionários, não pode a mesma, sob pena de violação dos direitos do A., adiar sine dia o ministrar de formação adequada aos seus funcionários, impedindo no caso concreto que o A. obtivesse a necessária e adequada formação profissional que lhe possibilitasse a sua requalificação profissional, por forma a poder desempenhar com o mínimo de qualidade e celeridade processual as funções que lhe estavam adstritas atento o conteúdo funcional da sua categoria de Técnico de Justiça Auxiliar” (cfr. artigos 66º, 68º e 72.º da p.i.).

O R. contra-argumenta da seguinte forma: “E até o que pode dizer-se é que o Autor, se alguma preocupação tem com esses princípios, bem podia ter trabalhado mais e melhor, para atingir um nível de desempenho satisfatório, conforme estava ao seu alcance, porque justamente o seu desempenho funcional negativo constitui manifesto atropelo a esses princípios”. “E daí que por esse desempenho funcional negativo lhe tenha sido atribuída a classificação de Medíocre, a qual tem como consequência, tal como o Autor refere (artigo 77.º da petição inicial), a abertura de processo disciplinar por incapacidade para o exercício de funções”. “De qualquer modo, são questões orçamentais e logísticas que impedem a elaboração de planos regulares de formação, e contra isso de nada valem as doutas considerações doutrinárias que o Autor cita, que não se contestam, mas que não podem ser levadas à prática com as conhecidas carências de meios”. “Por isso, acaba por ser o próprio interesse público que impõe essas restrições, pelo que também não ocorreu a violação do dever de prossecução do interesse público e do princípio da proteção dos cidadãos, falecendo a alegação do Autor também nesta parte” (cfr. artigos 67, 68, 69 e 70 da contestação e conclusões L. e M. das contra-alegações).

De novo, a argumentação do A. – que se enquadra numa retórica jusfundamentalista muito em voga, em que se alegam direitos e se exige a sua tutela, esquecendo-se que as constituições e as leis não atribuem apenas direitos aos cidadãos mas também de deveres (v.g., do dever de contribuir com o nosso trabalho para o progresso do Estado) – visa a actuação da DGAJ, em nada saindo beliscada a actuação do CSMP e nada sendo imputado ao acórdão recorrido. Deste modo, também este fundamento da pretensa ilegalidade do acórdão do CSMP que classificou o A. deve improceder.

iv) Da alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade

Quanto a esta específica alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ela assenta no seguinte raciocínio: “Com a sua conduta, a DGAJ violou o princípio da igualdade previsto no art.º 5º do CPA, e art.º 13º da CRP tratando o A. de forma desigual relativamente aos demais funcionários judiciais a quem ao longo dos anos foi ministrando formação relativa às sucessivas alterações legislativas e de organização dos Tribunais”. “Tal conduta omissiva e arbitrária da DGAJ, conduziu a que aquando da sua avaliação por parte do COJ, esta entidade atribuísse ao A. a classificação de Medíocre, a qual tem como consequência a abertura de processo disciplinar por incapacidade para o desempenho das funções a que se encontrava adstrito”. “Ora, o A. não se conforma com tal postura da DGAJ, nem com os fundamentos exarados no Acórdão do CSMP, que ao negar-lhe o direito à formação o impediu de obter um desempenho profissional minimamente adequado aos objectivos do serviço em violação do princípio da igualdade, comparativamente com os seus colegas de profissão a quem a DGAJ desde sempre ministrou a formação adequada à sua evolução e actualização profissional, nos termos dos art.s 13º e 266º da CRP (…)”. “Concomitantemente com a violação do princípio da igualdade, a DGAJ com a sua conduta de negação ao A. do seu direito à formação relativamente aos demais funcionários, violou o princípio da proporcionalidade, na medida em que tal decisão não cumpriu os requisitos da adequação (…)” (cfr. artigos 75º, 77º, 78º e 79º da p.i.).

Contra-argumenta o R., em síntese, o seguinte: “O princípio da igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na justa medida da diferença, pelo que pressupõe, em primeiro lugar, que estejam em presença determinadas situações substancialmente idênticas, e em segundo lugar que se assegure o tratamento dessas situações de forma congruente com as semelhanças que apresentam”. “Ora, no caso dos autos estão em causa duas situações relevantemente diferentes: de um lado, a situação dos oficiais de justiça que estiveram no efetivo exercício de funções; do outro lado, a situação do Autor que esteve ausente do serviço por razões do seu interesse pessoal”. “Portanto, estando em causa duas relevantemente diferentes, os argumentos do Autor não colhem, sendo manifesta a improcedência da sua alegação também na parte em que diz que ocorreu a violação do princípio da igualdade consagrado nos artigos 13.º e 266.º da CRP e com expressão legal no artigo 5.º do CPA de 1991, então vigente, e atualmente no artigo 6.º do CPA de 2015”. “E consequentemente é também manifesta a improcedência da alegação do Autor de que ocorreu, concomitantemente, a violação do princípio da proporcionalidade, pois a classificação de Medíocre atribuída ao Autor é adequada e justa relativamente ao seu desempenho negativo que só à sua atitude pode ser imputado” (cfr. conclusões P. a S. das contra-alegações).

Relativamente a esta alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, o A. questiona o suposto tratamento diferenciado a que foi sujeito pela DGAJ, que providenciou “aos demais funcionários judiciais a quem ao longo dos anos foi ministrando formação relativa às sucessivas alterações legislativas e de organização dos Tribunais”. Conforme argúi o A., foi por causa deste tratamento violador dos mencionados princípios, com o qual os acórdãos do COJ e do CSMP foram coniventes, que a notação de ‘Medíocre’ que foi atribuída. Esta argumentação não colhe.
Por um lado, e como sustenta, e bem, o R., o A. tenta comparar situações que não são comparáveis. No que se refere à suposta violação do princípio da igualdade, assevera o R. que “É evidente que, ao longo dos anos – e foram vinte –, nos momentos em que se entendeu mais necessário, foi proporcionada formação profissional aos oficiais de justiça e o Autor, se estivesse ao serviço, também teria tido acesso a essa formação profissional”; “E depois de o Autor regressar ao serviço, também de nenhuma desigualdade foi alvo, pois quando lhe foi dada a informação de que não estavam previstas ações de formação era para todos e não só para ele” (cfr. artigos 76 e 78 da contestação e conclusões N. a S). Vale isto por dizer que, mesmo concedendo que os funcionários judiciais no activo foram beneficiando de acções de formação profissional, não se fala em acções de formação individualizadas, a pedido particular de um determinado funcionário, que era, no fundo, o que pretendia o A. Finalmente, também não se vê muito bem como a falta da formação profissional pretendida pelo A. fosse melhorar o tipo de funções que exercia. E, em boa verdade, não se percebe por que razão ao longo de aproximadamente seis anos (entre 2006, data da reentrada ao serviço, e finais de 2011, data do início do período inspectivo) o A. não procurou pelos seus próprios meios, e aproveitando melhor a ajuda dos colegas (que admite abertamente ter tido), melhorar as suas habilitações profissionais.
Quanto ao princípio da proporcionalidade, o A. entende que houve desrespeito do subprincípio da adequação, sem que se perceba muito bem em que medida o mesmo foi desrespeitado. Em todo o caso, na linha da contra-argumentação do R., sempre se poderá dizer que “a classificação de Medíocre atribuída ao Autor é adequada e justa relativamente ao seu desempenho negativo (…)”, desempenho negativo este que o próprio A. reconhece (cfr. artigo 98.º da p.i. onde se o A. menciona o seu “fraco” desempenho).
Por todos estes motivos, não procede, também, este fundamento de ilegalidade que o A. imputa ao acto impugnado.

v) Da alegada violação do princípio da boa fé

Por último, o A. invoca a violação do princípio da boa fé. Abreviadamente, nos seguintes termos: “Admitindo a funções um funcionário que objectivamente a DGAJ não podia ignorar ter estado 20 anos afastado de tal exercício, pois foi esta quem lhe concedeu a Licença sem Vencimento de Longa Duração e posteriormente o admitiu novamente a serviço, e negar-lhe o direito de obter formação adequada à sua requalificação profissional, não pode deixar de considerar-se uma actuação contrária ao princípio da boa-fé, porquanto violadora de um dever legal da entidade empregadora e de um direito do empregado em funções públicas”. “Ora, é entendimento do A. que a DGAJ não teve para consigo um comportamento correcto, leal e respeitador dos padrões ético-jurídicos que se lhe impõe ter na relação com os seus funcionários”. “Ora, o douto Acórdão do CSMP, que se pronuncia pela atribuição ao A. da classificação de Medíocre, considera que o mesmo não foi um funcionário diligente, que não demonstrou ter brio profissional e dedicação à função durante o período inspectivo”. “E que atentas as funções que lhe foram posteriormente adstritas de organização e catalogação de processos no Arquivo, já na comarca de Aveiro, funções que não exigiam profundos e provectos conhecimentos jurídicos e de tramitação processual, o A. mesmo assim não cumpriu os objectivos mínimos a que estava obrigado por forma a obter uma classificação de serviço positiva”. “O A. não pode deixar de rejeitar veementemente tais imputações e menos considerações ao seu trabalho, à sua dedicação e ao brio profissionais postos no cumprimento das tarefas que lhe foram incumbidas de organização do arquivo, ainda que não expressamente previstas no conteúdo funcional da sua categoria profissional de Técnico de Justiça Auxiliar, no 2º escalão, conforme deriva do Mapa I, anexo ao EFJ”. “Durante o período inspectivo, e no cumprimento das funções que lhe foram adstritas, o A. emaçou, catalogou e procedeu à mudança de instalações de largas centenas de processos, muitos com décadas de permanência naquele local (sótão do extinto Governo Civil de Aveiro”. “Desempenhando tais funções com extrema dedicação, brio profissional e profissionalismo, em condições físicas de espaço exíguo (um sótão de um edifício antigo), com pó que saía dos montes dos processos que se encontravam arquivados, com processos cujas folhas, por força de décadas que ali permaneceram se rasgavam ou deterioravam ao mais pequeno toque”. “O que exigia do A. extremo cuidado no manusear dos referidos processos, para que não se destruíssem e se perdesse a informação nestes contida, cujo destino era o Arquivo Distrital de Aveiro”. “O A. não pode deixar de infirmar as referências negativas que lhe são feitas no Acórdão do CSMP, pois sempre cumpriu abnegadamente com as suas obrigações profissionais, apesar das doenças de foro psíquico que lhe foram diagnosticadas”. “No que concerne ao cumprimento dos horários de entrada e saída do serviço, o A. informou as chefias, que agora lhe apontam tal defeito, de que tinha a seu cargo a sua mãe já octagenária e que lhe tinha de proporcionar as refeições da manhã e do almoço, e poderia chegar um pouco atrasado ao serviço, mas que compensaria tais atrasos, permanecendo no serviço para além da hora de saída no final do dia, porém tais chefias, não se lembram…de terem dado a sua concordância a tal situação!”. “O A. trabalhou abnegadamente e com brio profissional cumprindo as funções que lhe foram atribuídas pelas chefias, num serviço que não tem visibilidade e que não é avaliado e considerado como o é o serviço de Secretaria, onde se tramitam processos, se presta assistência aos Srs. Magistrados em sala de audiências, etc…”. “Não aceita é que lhe façam ataques de carácter, o acusem de falta de brio profissional, de empenho e de vontade de cumprir com as suas obrigações profissionais”. “O A. pugnou por ter o melhor desempenho profissional possível, mas foi limitado nesse desempenho pelas entidades que tutelam hierárquica e disciplinarmente a sua actividade profissional, que contribuíram de forma indelével para o seu fraco desempenho profissional, pois não lhe permitiram a aquisição de conhecimentos actualizados, ao negarem-lhe o direito a formação profissional” (cfr. artigos 83.º, 84.º e 88.º a 98.º da p.i.).

Na sua resposta relativamente a este ponto, o R. sustenta que “A DGAJ também não violou o princípio da boa-fé previsto no artigo 6.º-A do CPA de 1991, então vigente, e atualmente no artigo 10.º do CPA de 2015, pois o princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correta, leal e sem reservas, e foi justamente isso que a DGAJ fez”; “Com efeito, o Autor diz que a DGAJ respondeu à solicitação do Autor «a nível de sugestão» sobre a possibilidade de lhe ser concedida formação, informando-o que naquele momento e no futuro próximo não existia a perspetiva de realização de qualquer curso de formação”; “E em lado algum o Autor afirma, explícita ou implicitamente, que tal informação não correspondesse à verdade, ou que as coisas não se tivessem passado conforme lhe foi informado, o que desde logo afasta qualquer possibilidade de violação do princípio da boa-fé” (cfr. as conclusões T. a V. das contra-alegações).

O princípio da boa fé está actualmente consagrado no artigo 10.º do CPA (anterior art. 6.º-A), devendo ser respeitado quer pela Administração quer pelos administrados. Em termos genéricos, pode dizer-se que o dever de actuar de boa fé significa “que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outros pessoas” (vide M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, p. 108). No caso dos autos, temos um administrado que censura um comportamento da Administração, reputando-o de ilegal, sustentando que esta última violou o princípio da boa fé. Enquanto aplicado especificamente aos comportamentos e actos da Administração na sua relação com os administrados, o princípio em causa possui uma indesmentível ligação com a ideia de confiança e da sua protecção, no sentido de que a boa fé protege a confiança que os cidadãos devem depositar nas autoridades, in casu, nas autoridades administrativas; visto por uma outra perspectiva, devem os administrados poder confiar que a Administração não actua de forma desleal, incorrecta, contraditória, designadamente, que não actua de forma desconforme com aquilo que eram as expectativas que a mesma criou a determinado ou determinados administrado(s).

Feita esta breve descrição pelo princípio da boa fé, cabe dizer que também agora não procede este outro fundamento de ilegalidade invocado pelo A. Com efeito, e no que diz respeito aos termos em que é feita a apreciação do serviço prestado pelo A., eles compaginam-se bem com a forma como é descrita essa mesma prestação, designadamente por colegas e superiores hierárquicos do A. Este último insurge-se quanto à apreciação e classificação do serviço por si prestado, contrapondo o seu empenho, o seu brio profissional, a sua abnegação, mas a verdade é que nada nos diz quanto ao resultado desse empenho, brio e abnegação: não foram rasgadas folhas? emalou-se bem? foi célere a realizar as tarefas que lhe eram confiadas? A bem da verdade, o A. até reconhece que teve fraco desempenho profissional (vide o artigo 98.º da p.i.). Ora, uma vez que o tipo de formação pretendido não era exigível para melhorar o tipo de funções que ia exercendo, esse fraco desempenho há-de ser imputado apenas ao A. Quanto ao argumento de que a DGAJ o admitiu sabendo que não estava profissionalmente actualizado e que depois lhe negou a necessária formação profissional, não só vimos há pouco que não se pode afirmar que a DGAJ tenha negado de forma discriminatória ou irrazoável a formação profissional ao A., como, no que toca a saber se o A. estava ou não preparado para reassumir funções, a DGAJ até podia saber que o A. esteve vinte anos de licença, mas não podia adivinhar ou não tinha como saber que nesses vinte anos o A. se alheara da realidade que o circundava, que não tivera o interesse e a iniciativa para ir acompanhando os desenvolvimentos que ocorreram a nível legislativo e a nível técnico, sendo certo que hoje em dia o acesso à informação e à formação está bastante mais acessível do que outrora para os cidadãos. Bem vistas as coisas, ao longo desses vinte anos o A. não teve o interesse e nem a iniciativa para se manter actualizado, a mesma falta de interesse e de iniciativa que a inspecção detectou durante o período de tempo que apreciou e avaliou. Em suma, não é possível vislumbrar na actuação da DGAJ qualquer má fé, tal como não é possível vislumbrar qualquer má fé no acto impugnado – o qual, uma vez mais, foi menos fustigado pela argumentação do A. do que a actuação da DGAJ.

2.3. Restaria apreciar o segundo pedido do A., o qual, como se viu, pretende que, em virtude da revogação do acórdão do CSMP, por ilegal, lhe seja atribuída a classificação de ‘Suficiente’ (cfr. fl. 28). Ora, uma vez que não procede nenhum dos fundamentos de ilegalidade que o A. imputou ao Acórdão do CSMP de 10.02.15 que o classificou com ‘Medíocre’, fica prejudicado o conhecimento do segundo pedido em questão, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar totalmente improcedente a acção e em absolver o CSMP do pedido.
Custas pelo autor

Lisboa, 15 de Março de 2018. - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – António Bento São Pedro.