Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0334/09
Data do Acordão:09/09/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
SINAIS EXTERIORES DE RIQUEZA
MÉTODOS INDIRECTOS
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CASO JULGADO
Sumário:I – Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigos 125.º n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC) se o conhecimento do mérito da impugnação ficou prejudicado pela decisão do tribunal “a quo” no sentido da existência de erro na forma de processo, insusceptível de convolação sob pena de violação do caso julgado (artigo 660.º, n.º 2, primeira parte, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT).
II – Não é inconstitucional a interpretação segundo a qual a impugnação judicial de liquidação adicional de IRS não pode ter por fundamento a decisão de avaliação da matéria tributável por “sinais exteriores de riqueza”, pois que a lei prevê a impugnabilidade directa e autónoma desta decisão através de recurso com efeito suspensivo e onde a prova testemunhal se deve ter como aceite quando necessária à demonstração dos factos.
Nº Convencional:JSTA00065924
Nº do Documento:SA2200909090334
Data de Entrada:03/23/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA DE 2008/07/31 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
DIR CONST - SISTEM FINANC FISC.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART2 E ART125 N1 ART54 ART146-B ART101.
CPC96 ART660 N2 ART288 N1 ART494 B ART493 N2.
LGT98 ART84 N4 N7.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC590/07 DE 2007/11/07.; AC TC 642/2006 DE 2006/11/28.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 31 de Julho de 2008, que, julgando verificado erro na forma de processo insusceptível de convolação, anulou todo o processado e absolveu a Fazenda Pública da instância no processo de impugnação por si deduzido contra a liquidação de IRS do ano de 2003, no valor de €33,090,73, para o que apresentou as conclusões seguintes:
1. O Tribunal “a quo” deveria ter-se pronunciado sobre a impugnação judicial apresentada, pois,
2. O Director Geral dos Impostos ao quantificar o rendimento na sua globalidade feriu no seu despacho o estabelecido nos seguintes artigos da LGT:
a. Artigo 4.º - Pressupostos dos tributos, n.º 1,
b. Artigo 5.º - Fins da tributação, n.º 2,
c. Artigo 55.º - Princípios do procedimento tributário,
d. Artigo 58.º - Princípio do inquisitório, e
3. E ainda, no tocante à CRP o artigo 266.º - Princípios Fundamentais da Administração Pública
4. O recorrente fez ao longo da impugnação prova cabal de que “… correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte … ou o acréscimo de património ou …”.
5. Só não o fez no tocante à verba de 27.000 €, para a qual requereu a prova testemunhal, só possível em sede de Impugnação Judicial;
6. O recurso do n.º 7 do 89.º da LGT não configura uma plena e correcta impugnação judicial, como a prevista nos art.ºs 99.º e seguintes do CPPT;
7. O recurso referido não se encontra sujeito a qualquer formalidade especial, contrariamente à Impugnação judicial, cujas formalidades a cumprir, entre outras, encontram-se previstas no art. 108 do CPPT;
8. Não necessita de ser subscrito por um profissional do foro, um advogado, ou seja, prescinde dos conhecimentos técnicos imprescindíveis a uma apresentação duma impugnação judicial perante um Tribunal Tributário;
9. Tem de ser interposto no curtíssimo prazo de 10 dias, contrariamente ao prazo previsto para a impugnação judicial, estipulado no art. 102.º do CPPT, que determina um prazo de 90 dias;
10. E principalmente, pela gravosa limitação dos meios de prova, à prova meramente documental, excluindo expressamente a prova rainha do direito português, a prova testemunhal;
11.A prova testemunhal é sempre admissível em todos os casos sendo inconstitucional o disposto no art. 146-B do CPPT, na parte em que dispõe: “(…), que devem revestir natureza exclusivamente documental”, dado que viola o disposto nos art.ºs 112.º, 13.º, 18.º e 20.º da CRP;
12.A limitação ao direito de defesa dos contribuintes previsto neste procedimento tributário do art. 89.º-A da LGT, que limita a prova documental, vai expressamente contra os direitos, liberdades e garantias e os princípios gerais de direito, por redução abusiva da defesa dos particulares, sendo por isso inconstitucional, o que desde já se invoca, por derrogação directa dos dispositivos contidos na CRP
13. Já foi declarado inconstitucional a norma constante da parte final do n.º 3 do art. 146.º-B do Código de Processo e do Procedimento Tributário, que limita a prova à prova documental.
Face ao exposto, nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer a V.ªs Ex.ªs se dignem mandar revogar a sentença, sendo a mesma declarada nula, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1 do art. 125.º do CPPT e 668.º do CPC (neste sentido vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.ºs. 01032/07, de 16-04.2008 e 0711/07, de 24-01-2008), assim se fazendo a costumada JUSTIÇA
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento, face ao pedido formulado de revogação da sentença, devendo a decisão impugnada ser revogada e substituída por acórdão declaratório da improcedência da impugnação judicial.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questões a decidir
Importa verificar, em primeiro lugar, da alegada omissão de pronúncia da sentença recorrida, por não ter apreciado em sede de impugnação do pedido do impugnante.
Improcedendo a alegada omissão de pronúncia, haverá que julgar se merece censura o decidido, quanto ao erro na forma de processo, determinante da absolvição da instância da Fazenda Pública.
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) Foi efectuada ao impugnante a liquidação de IRS do ano de 2003, no montante de € 33.090,73.
B) A liquidação mencionada na alínea anterior resultou da fixação do rendimento tributável do impugnante em sede de IRS do ano de 2003, nos termos do art.º 89.º-A da LGT.
C) Correu termos no presente tribunal o processo n.º 667/06.6 BEALM, julgado improcedente por sentença transitada em julgado em 06/09/2006, relativamente à decisão de fixação dos rendimentos tributáveis do ano de 2003, nos termos do art. 89.º-A da LGT.
6 – Apreciando.
6.1 Da alegada omissão de pronúncia da sentença recorrida
Na conclusão final das suas alegações de recurso (a fls. 109 dos autos e supra transcrita) o recorrente pede a este Tribunal que a mesma seja declarada nula, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e 668.º do CPC, porque, alegadamente, o Tribunal “a quo” deveria ter-se pronunciado sobre a impugnação judicial apresentada (cfr. a conclusão n.º 1 das alegações de recurso), o que não fez pois julgou verificar-se erro na forma de processo, insusceptível de convolação, sob pena de violação do caso julgado, pelo que anulou todo o processado e absolveu o réu da instância, nos termos do artigo 288.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil aplicável ex vi do art.º 2.º alínea e) do Código de procedimento e de processo Tributário (cfr. a sentença recorrida, a fls. 90 e 91 dos autos).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer a fls. 116 e 117 dos autos, defende que não ocorre a nulidade invocada, pois que na economia do discurso jurídico da sentença a questão da apreciação da impugnação judicial ficou prejudicada pela consideração de que o sujeito passivo tinha incorrido em erro na forma de processo, ao deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação (art. 660.º n.º 2 CPC/art. 2.º al. e) CPPT).
Vejamos.
Dispõe a parte final do n.º 1 do art. 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que constitui causa de nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (…)”, considerando-se como tais, por aplicação supletiva do n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
No caso dos autos, a Meritíssima juíza “a quo” considerou verificar-se erro na forma de processo, insusceptível de convolação sob pena de violação do caso julgado, atendendo a que a decisão de fixação do rendimento tributável com base na manifestação de fortuna (ano 2003) foi já objecto de recurso (…), com sentença transitada em julgado, que julgou improcedente a acção, e que, estando ultrapassada a fase liminar, haveria, não que indeferir a petição inicial, mas anular-se todo o processado, e absolver-se o réu da instância, nos termos do artigo 288.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil (cfr. sentença recorrida, a fls. 90 e 91 dos autos).
Ora, dispõe o n.º 1 do artigo 288.º do CPC (aplicável ex vi do art.º 2.º alínea e) do CPPT), que, nos casos previstos nas suas alíneas, designadamente quando anule todo o processado (cfr. a alínea b) do n.º 1), o juiz deve abster-se de conhecer o pedido, pois que a nulidade de todo o processo (como, aliás, o caso julgado) constitui excepção dilatória (cfr. a alínea b) do artigo 494.º do CPC) e estas obstam, precisamente, a que o tribunal conheça do mérito da causa (cfr. o n.º 2 do artigo 493.º do CPC).
Assim julgando, a sentença recorrida não deixou de conhecer nenhuma questão a cujo conhecimento estivesse adstrita, antes o não conhecimento da impugnação foi consequência necessária da decisão que tomou quanto à existência de erro na forma de processo insusceptível de ser convolado (cfr. a parte final do n.º 2 do artigo 660.º do CPC).
Improcede, deste modo, a pretensão do recorrente quanto a ver declarada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
6.2 Da inimpugnabilidade da liquidação com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável por recurso a sinais exteriores de riqueza nos termos do artigo 89.º-A n.º 4 da LGT
Alega o recorrente que o tribunal “a quo” devia ter-se pronunciado sobre a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2003, com fundamento na errónea quantificação do sinal exterior de riqueza, pois que embora a decisão do rendimento tributável com base na manifestação de fortuna tenha sido objecto de recurso, com decisão transitada em julgado, que julgou improcedente a acção, o facto deste recurso não se encontrar sujeito a qualquer formalidade especial nem ter de ser subscrito por advogado, o facto de ter de ser interposto no curtíssimo prazo de 10 dias e principalmente pela gravosa limitação dos meios de prova à prova meramente documental, excluindo expressamente a prova rainha do direito português, a prova testemunhal, que se alega ser fundamental para demonstração do valor de 27.000 €, obrigaria o tribunal a dela conhecer (cfr. os números 1, 12 a 15, 26 e 27 das suas alegações de recurso a fls. 103 a 109 dos autos e respectivas conclusões números 1,6, 7, 8, 9 e 10 supra transcritas).
A sentença recorrida considerou não dever conhecer da impugnação por entender verificar-se erro na forma de processo, fundamentante da decisão de anulação do processo e de absolvição da Fazenda Pública da instância nos termos do artigo 288.º, n.º 1 alínea b) do CPC (cfr. sentença recorrida a fls. 91 dos autos).
Vejamos.
Ao contrário do decidido, não se afigura haver erro na forma de processo, pois que o acto sindicado é o acto de liquidação adicional de IRS referente a 2003 e a impugnação é deduzida nos termos do artigo 102.º e seguintes do CPPT (cfr. o intróito da petição de impugnação, a fls. 2 dos autos), ou seja, tendo como objecto acto de liquidação de imposto.
Dito isto, não se conclua, porém, que o mérito da impugnação devesse ter sido apreciado, pois que sendo o seu único fundamento a errónea quantificação do sinal exterior de riqueza (nos termos do n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT), fundamento este que fora já apreciado no recurso judicial nos termos do artigo 89.º-A n.º 7 da LGT, no qual fora proferida sentença transitada em julgado no sentido da improcedência do recurso (cfr. a alínea C) do probatório supra transcrito), não poderia o Tribunal “a quo” reeditar a discussão da questão pois que sobre ela havia já caso julgado, determinante da abstenção do conhecimento do pedido e da absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos conjugados dos artigos 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.º 2 e 494.º, alínea i) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
É certo que, como alega o recorrente, o recurso do n.º 7 do artigo 89.º da LGT não configura uma plena e correcta impugnação judicial (cfr. o n.º 11 das suas alegações de recurso, a fls. 104 dos autos), desde logo porque não tem por objecto o acto final do procedimento (o acto de liquidação do imposto) mas a própria decisão de fixação da matéria tributável, configurando-se antes como um “acto destacável” desse procedimento cuja impugnabilidade directa e autónoma está legalmente prevista (cfr. os números 7 e 8 do artigo 89.º-A da LGT e o artigo 146.º-B do CPPT), constituindo-se assim como uma excepção legal ao princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT, bem como à possibilidade de na impugnação judicial da liquidação subsequente àquela decisão voltar a ser invocado como fundamento a ilegalidade derivada da “errónea quantificação da matéria tributável” resultante de sinais exteriores de riqueza nos termos do artigo 89.º-A n.º 4 da LGT”, pois que a não ser assim haveria necessariamente o risco de julgados contraditórios, que o instituto do caso julgado visa prevenir em prol da certeza do Direito.
Tem razão o recorrente quando se insurge relativamente à limitação dos meios de prova admissíveis naquele recurso aos de “natureza exclusivamente documental” (cfr, a parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do CPPT), limitação esta que pode ser inconstitucional nos casos em que os factos demonstrativos da veracidade do declarado ou de que é outra a origem da “manifestação de fortuna” não podem ser demonstrados senão através de prova sem aquela natureza, como já decidiu quer o Tribunal Constitucional (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 646/2006, de 28 de Novembro) quer este Tribunal (cfr. o Acórdão de 7 de Novembro de 2007, rec. n.º 590/07). Havia, contudo, o recorrente de ter reagido naquele recurso, e não na impugnação que está na origem dos presentes autos, contra tal limitação de prova, não lhe sendo igualmente lícito pretender poder deduzir impugnação com base em fundamento já apreciado em meio próprio, em razão de limitação de prova existente no recurso.
Nem se diga, como alegado, que o recurso previsto do n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT mais se assemelha ao procedimento de revisão da matéria colectável previsto no artigo 91.º da LGT (cfr. o n.º 11 das alegações do recorrente, a fls. 104 dos autos), pois que este, ao contrário daquele, é um mero procedimento administrativo embora de carácter sui generis e o recurso previsto nos números 7 e 8 do artigo 89.º-A da LGT é um meio judicial, que convoca a intervenção e decisão de um Tribunal, que se impõem aos demais quando nele é proferida decisão transitada em julgado.
A não sujeição a formalidades especiais, o prazo curto para a sua interposição, a desnecessidade (que não a proibição) de constituição de advogado, as limitações à prova, mas também, claramente em favor do contribuinte, o seu efeito suspensivo independentemente da prestação de garantia (artigo 87.º-A n.º 7 da LGT) e o seu carácter urgente, são aspectos do regime daquele recurso que procuram um justo equilíbrio entre a tutela do contribuinte e a dos interesses da Administração fiscal, não sendo ofensivos dos direitos, liberdades e garantias, por redução abusiva da defesa dos particulares (cfr. a conclusão 12 das alegações de recurso, supra transcrita), salvo nos casos em que da limitação de prova resulte a impossibilidade de demonstração dos factos justificativos da “manifestação de fortuna”, que, contudo, deveria ter sido arguida no processo próprio e não neste, onde tal limitação inexiste.
Improcede, pelo exposto, a pretensão do recorrente.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 9 de Setembro de 2009. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pimenta do Vale – Miranda de Pacheco.