Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01015/11
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA
REMESSA DO PROCESSO À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
Sumário: A obrigação da Administração Tributária de executar os julgados surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial e não com a remessa, a requerimento do contribuinte, do processo para o serviço competente para a execução, sem prejuízo de ao mesmo ser concedida, no prazo de oito dias, a faculdade de requerer a remessa dos autos ao serviço de finanças competente no prazo de oito dias após o trânsito da decisão ( artº 146º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Nº Convencional:JSTA000P14112
Nº do Documento:SA22012050901015
Data de Entrada:11/15/2011
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………, Lda, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal, do despacho do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que indeferiu o pedido de remessa do processo ao órgão da Administração Tributária, para proceder à execução espontânea da sentença de fls.311/327, a qual julgou procedente impugnação judicial deduzida pela recorrente contra indeferimento tácito de reclamação graciosa apresentada contra autoliquidação de IVA (Maio 2004), no montante de € 11 856,63 respeitante a ofertas de pequeno valor a clientes, por sentença com trânsito em julgado com o seguinte dispositivo:
-anulação da autoliquidação de imposto impugnada
-condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data em que vier a ser emitida nota de crédito (sentença)

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Assiste razão à Recorrente, pelo que:
II. Os termos em que o Tribunal a quo julgou a pretensão da Recorrente são ilegais.
III. Estabelece o n.º 2 do art.º 146. ° do CPPT que “O prazo de execução espontânea de sentenças e acórdãos dos tribunais tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão.”
IV. Do cotejo entre as normas contidas no n.º 2 do art.º 146.° do CPPT e no art.º 100.° da LGT, proveio a divergência doutrinal e jurisprudencial a que alude o Douto Despacho Recorrido, respeitante à determinação do momento a partir do qual deve contar-se o prazo para que a Administração Tributária execute espontaneamente a sentença anulatória de uma liquidação.
V. Para dirimir a presente quaestio, opõem-se duas teses: uma segundo a qual o prazo para a Administração Tributária executar espontaneamente a sentença contar-se-ia a partir do seu trânsito em julgado; e uma outra que entende que (i) o prazo para que a Administração Tributária execute espontaneamente a sentença anulatória de uma liquidação só se iniciaria com a remessa do processo para o Serviço de Finanças competente para a sua execução; (ii) uma vez que a remessa do processo ao Serviço de Finanças competente pode ser requerida pelo interessado, no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão, esta não poderia ocorrer oficiosamente; (iii) Decorrido estes último prazo, o interessado perderia o direito a requerer a execução do julgado.
VI. O Tribunal a quo, alicerçando-se na primeira teoria enunciada, indeferiu o requerido pela Recorrente, concluindo não ser “necessário o envio do processo à Administração Tributária” para que esta execute espontaneamente a decisão.
VII. A Recorrente concorda com a obrigatoriedade de execução espontânea da sentença por parte do competente Serviço de Finanças.
VIII. Solução que, no entendimento da Recorrente não poderia ser outra, face ao estatuído no art.º 100.° da LGT e no art.º 170.° do CPTA.
IX. Não é pretensão da Recorrente discutir a (in)constitucionalidade da norma contida no n.º 2 do art.º 146.° do CPPT, tanto no que concerne à possibilidade de esta fazer depender (ou não) de Requerimento de interessado a obrigação de a Administração Tributária executar o acto, como à eventual criação (ou não) de uma dilação para a constituição da obrigação de a Administração Tributária dar execução ao julgado.
X. O que aqui está em causa é determinar se poderia a Recorrente requerer a remessa do processo ao competente Serviço de Finanças de Lisboa e se esta pretensão poderia e deveria ter sido deferida pelo Tribunal a quo.
XI. A referida remessa deverá ocorrer por ao presente caso ser aplicável o disposto no n.º 2 do artº 146º do CPPT, uma vez que nos encontramos perante uma situação em que procedem as razões justificativas de tal regime.
XII. Estabelece ainda o n.º 2 do art.º 33.° do CPPT que “O disposto no número anterior [arquivo dos processos administrativos e judiciais concluídos] não prejudica a obrigação de remessa dos processos concluídos ao órgão da administração tributária competente para a execução da sentença ou acórdão, nos termos previstos neste Código.” (comentário nosso).
XIII. O Douto Despacho Recorrido, ao indeferir a remessa do processo ao competente órgão da Administração Tributária, e viola o disposto no n.º 2 do art.º 146.° e no n.º 2 do art.º 33°, ambos do CPPT, ao fazer uma incorrecta interpretação e aplicação dos mesmos.
XIV. Nunca se refere a doutrina e a jurisprudência, seguidas pelo Tribunal a quo, impossibilidade de o interessado apresentar o referido Requerimento de remessa, na senda do estatuído no n.º 2 do art.º 146.° do CPPT, ou que, uma vez apresentado, deverá o mesmo ser indeferido, tal como sucedeu no presente caso.
XV. Esta refere sempre e apenas que não há necessidade de apresentação do referido Requerimento.
XVI. Independentemente ou para além do estabelecido no n.º 2 do art.º 146.° do CPPT, sempre deverá o Tribunal a quo remeter o processo ao competente Serviço de Finanças Lisboa, em cumprimento do estabelecido no n.º 2 do art.º 33° do CPPT.
XVII. O Douto Despacho Recorrido viola, assim, as disposições legais aplicáveis ao caso sub judice, não fazendo correcta aplicação do Direito ao presente caso, pelo que merece reforma, devendo o mesmo ser substituído por outro que ordene a remessa do processo ao competente Serviço de Finanças de Lisboa.»

2. – Não foram apresentadas contra alegações.

3- O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso com o fundamento de que a interpretação da norma do artº 146º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário não pode ser impeditiva da faculdade de o interessado requerer a remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução, a qual é sustentada em segmento inequívoco da norma interpretada e disposição imperativa aplicável aos processos pendentes, estabelecendo a obrigação de remessa do processo (art.33° n°2 CPPT aditamento introduzido pelo DL nº 238/2006,20 Dezembro).

4. – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

4.1 É o seguinte o teor do despacho recorrido ( fls. 336):
«A impugnante vem requerer a remessa do processo ao órgão da Administração Tributária competente, nos termos do artº 146.°, n.º 2, do CPPT, para efeitos de execução espontânea da sentença.
Nos termos do art.° 100.°, da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão", determinando o art.° 102.°, do mesmo diploma, que se aplicam as normas do CPTA, ao nível das execuções de sentenças.
Por seu turno, o artº 175.°, do CPTA, define o prazo de três meses para cumprimento do dever de executar, por parte da Administração.
Considerando a prevalência da LGT sobre o CPPT (art. art.° 1.°, do CPPT), a execução espontânea das sentenças de impugnação é obrigatória a partir da respectiva notificação à Administração Tributária, nos termos referidos supra, não sendo necessário o envio do processo à Administração Tributária para tal efeito (].L. de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, VoI. I, 5ª Edição, pp. 1046 a 1049).
Face ao exposto, indefere-se o requerido».

4.2 A questão sob recurso consiste em saber se o despacho recorrido (a fls. 336) enferma de ilegalidade por ter indeferido a pretensão da recorrente em remeter o processo, transitada em julgado a sentença que julgou procedente a impugnação judicial, ao serviço de Finanças competente para a execução espontânea da sentença.

Como se vê de fls. 336 a decisão recorrida indeferiu a requerida remessa aos serviços de finanças com base no pressuposto de que a execução espontânea das sentenças de impugnação é obrigatória a partir da respectiva notificação à Administração Tributária, nos termos dos arts. 100º da Lei Geral Tributária e 175º do CPTA, não sendo necessário o envio do processo à Administração Tributária para tal efeito.

O que a recorrente sustenta é que, ainda assim, teria faculdade de requerer a remessa do processo ao competente Serviço de Finanças de Lisboa e que esta pretensão poderia e deveria ter sido deferida pelo Tribunal a quo, face à redacção do artº 146º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

A nosso ver assiste-lhe razão.
Com efeito estabelece o artº 146º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário que o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais tributários se conta a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão.
A Jurisprudência desta secção tem entendido que esta norma deve ser considerada apenas para os efeitos de contagem do prazo para requerer a execução do julgado pois que, constituindo lex scripta, os interessados não deverão ser prejudicados em matéria de prazos para a utilização dos seus meios de defesa por confiarem no que dispõe a lei tributária.
E também neste sentido refere Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, 6ª ed., vol. II, pag. 530, que « por força do principio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático, o contribuinte não poderá ser prejudicado, vendo caducado o seu direito, pelo facto de observar directamente o que resulta da lei.
Para os demais efeitos o Supremo Tribunal Administrativo tem considerado o n.º 2 do art. 146.º do CPPT inconstitucional por evidenciar uma dimensão materialmente violadora do n.º 2 do artigo 205.º da CRP (“As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades publicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outra autoridades”), posto que à face deste imperativo constitucional, uma vez transitadas, as decisões são de imediata execução obrigatória, não dependendo de qualquer requerimento do interessado. - cfr., neste sentido, os Acórdãos 17.06.2009, recurso 73/09, de 3.12. 2008 , rec. n.º 570A/08 (do Pleno) e de 19.03.2009, rec. n.º 983/08 todos in www.dgsi.pt.

Porém, como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a citada interpretação da norma do artº 146º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário não pode ser impeditiva da faculdade de o interessado requerer a remessa do processo ao órgão da administração tributária competente para a execução.
Com efeito avulta do texto da lei e também da referida jurisprudência, que aliás sufragamos, a interpretação de que o interessado, embora não tenha o dever, tem a faculdade de requerer a remessa dos autos - cf. Acórdão 73/09 citado.
Tanto mais que a utilização da expressão «poderá» exprime de forma clara o carácter facultativo da apresentação do requerimento, até para suprir suprimento de eventual inércia do tribunal no envio espontâneo do processo, e isto sem prejuízo do dever de remessa oficiosa.
A interpretação adequada da referida preceito é, pois, a de que o prazo para que a Administração Fiscal dê cumprimento espontâneo às decisões dos tribunais se inicia com o trânsito em julgado ( artº 100º da Lei Geral Tributária) e não com a remessa do processo, sem prejuízo de ao interessado ser concedida a faculdade de requerer a remessa dos autos ao serviço de finanças competente no prazo de oito dias após o trânsito da decisão.

A decisão recorrida que assim não entendeu deve, por isso, ser revogada, julgando-se procedente o recurso.

5. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogando o despacho recorrido e determinando de remessa do processo ao Serviço de Finanças competente para a execução espontânea da sentença.
Sem custas, dado que a Fazenda Pública não contra-alegou.
Lisboa, 9 de Maio de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes.