Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0417/09.5BELRA |
Data do Acordão: | 06/29/2022 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS IVA ÓNUS DE PROVA DESPESAS OBRAS CONTRATO DE CONCESSÃO |
Sumário: | I - São requisitos dos recursos por oposição de acórdãos previstos no art. 284º do CPPT: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas. II - A realidade posta em destaque pela Recorrente constitui matéria casuística e envolve juízos de facto, sendo que a diversa solução preconizada, desde logo, no acórdão recorrido e depois no Acórdão fundamento não tem por base entendimento diverso sobre as regras do ónus da prova nesta sede, mas unicamente a valorização que cada um dos tribunais fez dos elementos de facto invocados para decidir, como se disse, se a AT cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia (demonstração da verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação). III - Isto equivale a dizer que inexiste, qualquer contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, radicando os distintos sentidos das decisões em confronto em diferente valoração da realidade em apreço, ou seja, a oposição entre os arestos situa-se num plano simplesmente de facto, pelo que, não pode afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, em termos de poder servir de fundamento ao presente recurso por oposição de acórdãos, o que determina que o recurso seja julgado findo - art. 284º nº 5 do CPPT, na redacção anterior à Lei nº 118/2019, de 17-09. |
Nº Convencional: | JSTA000P29677 |
Nº do Documento: | SAP202206290417/09 |
Data de Entrada: | 03/02/2022 |
Recorrente: | A.........., LDA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ************************ Processo n.º 417/09.5BELRA (Recurso por Oposição de Acórdãos) Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO “A…….., Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 05-07-2018, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida em 1ª Instância e julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra os actos tributários de Liquidação oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativos a Abril e Setembro de 2004, Abril, Setembro, Outubro e Novembro de 2005 e Junho de 2006 e respectivo juros compensatórios, no montante de € 6.067,93, decorrentes de correcções à matéria colectável efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, com fundamento em Oposição de Acórdãos entre a aludida decisão e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Março de 2003, proferido no processo nº 06915/02, disponível em www.dgsi.pt.
Admitido o recurso pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284º nº 3 CPPT, o Ex.mo Desembargador Relator entendeu verificar-se a invocada oposição no que diz respeito ao segundo fundamento invocado - “Do ónus da prova - da sua (in)suficiência” - e ordenou a notificação das partes para alegaram nos termos do nº 5 do mesmo artigo.
O Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que terminou com as seguintes conclusões: “(…) 1. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, na parte que, concedendo provimento ao recurso interposto pela AT, revogaram a decisão proferida pelo TAF de Leiria, julgando improcedente a impugnação judicial instaurada pela aqui recorrente A………….. 2. Assim, o que está exclusivamente em causa, neste Recurso, é a decisão que julgou improcedente a impugnação judicial instaurada pela recorrente com o argumento/entendimento de que a AT recolheu e comprovou indícios que, devidamente conjugados, inculcam fortemente a ideia de que as operações tituladas nas faturas não se realizaram e que aquelas apenas tenham sido emitidas, total ou parcialmente, para efeitos de dedução indevida de IVA. 3. Entende a aqui recorrente que o Douto Acórdão aqui em crise e em apreciação, e no que concretamente respeita a este segmento do ónus da prova, está em contradição com o Acórdão fundamento que aqui se destaca - Ac. do TCA Sul - Contencioso Tributário, de 11.03.2003, proc. n.º 6915/02, Relator: Dulce Manuel Neto, in www.dgsi.pt (http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/0/87595efc0ad4658180256cee0039e5a4?OpenDocument) , do qual resulta - efetivamente - o oposto do entendimento que veio a ser adotado na decisão aqui em causa. 4. Socorrendo-nos da argumentação/fundamentação explanada no Douto Acórdão em crise, diremos que, como vem sendo jurisprudência uniforme e, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação constantes do art.º 82.º n.º 1 do CIVA, ou seja, assentando o juízo da Administração Tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as faturas em causa não correspondem à realidade, é a esta que incumbe demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas faturas foram simuladas. 5. É pois da AT o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar uma determinada operação que se encontre relevada na contabilidade do contribuinte, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso ordenamento jurídico), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente. 6. Nesse conspecto, e no que ao concreto caso respeita, a questão decidenda prende-se com a questão de saber se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que os valores constantes nas faturas contabilizadas pela Impugnante e ora recorrente e emitidas pela sociedade “B……., Unipessoal, Lda.” resultaram de simulação de preço e, se, para efeitos de conclusão positiva (tal como sucedeu no Douto Acórdão ora em crise) releva como suficiente somente as declarações do sócio gerente da sociedade B……, Unipessoal, Lda. cuja contabilidade não era fidedigna e cujo depoimento nunca se poderá deixar de considerar suspeito e interessado e cópias das frente e verso dos cheques indicados nas notas de pagamento das referidas faturas. Como tal, importará saber se os indícios recolhidos pela AT, no concreto caso, para além de sérios e objetivos no que tange à demonstração da simulação, são suficientes ou insuficientes para suportar a conclusão que veio, no Douto Acórdão em crise, a merecer acolhimento, legitimando a “inversão” do ónus da prova. 7. No Acórdão em crise, a decisão é fundamentada somente nos factos de o emitente das faturas (ou legal representante da emitente) ter reconhecido a putativa simulação – precisamente quem apresentava contabilidade não verdadeira e quem possuía manifesto interesse na situação e, no facto de um dos meios de pagamento (cheque) ter sido levantado ao balcão por funcionária da emitente do mesmo (o que por si só não demonstra que o pagamento não tenha sido efetuado à emitente das faturas em numerário) e o outro endossado/levantado com referência, no verso, a Bilhete de Identidade que não corresponde ao do sócio gerente da sociedade emitente das faturas (situação à qual a impugnante é totalmente alheia). 8. Contudo, da factualidade dada como provada nos autos aqui em apreço, resulta para além de tudo o mais, que a contabilidade da recorrente não apresentava qualquer indício de não ser verdadeira, tal somente - sem conceder - foi apurado na sequência da análise à contabilidade da sociedade emitente das faturas e das declarações prestadas pelo legal representante dessa mesma sociedade. 9. Entendimento diferente do que veio a merecer a maioria no Acórdão aqui em crise encontra-se refletido no voto vencido constante dessa mesma decisão. 10. Conforme se extrai do aludido voto de vencido bem como da análise do Douto Acórdão em crise, o entendimento adotado pelo Venerando Tribunal a quo assentou no facto de considerar demonstrados todo um conjunto de indícios (resultantes da conjugação entre eles) assentes num valor exíguo de faturação, o qual, por si só, face ao montante, afasta por completo qualquer ideia/intenção de simulação ou de dedução indevida de IVA (ou ainda de acréscimo de custos em sede de IRC) e, sobretudo, nas declarações de alguém que – assumida e comprovadamente - falseava documentação, portanto, praticava crimes, a quem - por com relativa segurança ser facilmente compreensível para o cidadão comum - interessava minimizar o impacto das suas falsidades, dizendo pois que a sua escrita era “verdadeira”. 11. Ora, do Acórdão fundamento que aqui se destaca - Ac. do TCA Sul - Contencioso Tributário, de 11.03.2003, proc. n.º 6915/02, Relator: Dulce Manuel Neto, in www.dgsi.pt - resulta precisamente o oposto do que veio decidido no Acórdão em crise, já que se entende que os indícios detetados pela AT terão de ser sérios e objetivos para legitimar a sua atuação e, mais importante, se reconhece que, para tal conclusão, não bastam meras conjeturas suportadas em entregas em dinheiro, ou cheques emitidos a terceiros e/ou descontados/levantados ao balcão e não depositados. 12. No entendimento da aqui recorrente sobressai como adequado o entendimento adotado no Acórdão fundamento, pois que não basta destacar um conjunto de factualidade, sem o respetivo enquadramento lógico-dedutivo - para que da mesma se possam retirar indícios sérios e objetivos por forma a legitimar a inversão do ónus da prova. 13. Termos em que, julgando-se o presente recurso por oposição de Acórdãos, deverá, merecer o mesmo provimento e, consequentemente, ser produzida decisão que reconheça a procedência da impugnação judicial interposta pela aqui recorrente. Nestes termos e nos melhores de Direitos, se faz ponto nestas alegações, confiando em que menos por elas e mais pelo douto Suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso merecer provimento e, nessa sequência ser produzida decisão que reconheça a procedência da impugnação judicial interposta pela aqui recorrente. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”
A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência, no Pleno da Secção, para julgamento. 2. FUNDAMENTOS 2.1. DE FACTO Neste domínio, consta do Acórdão recorrido o seguinte: “… 1. Em 10-11-2008, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, concluíram ação inspetiva, respeitante aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, em sede de IVA e IRC, à impugnante "A…….., Lda.", com o NIPC ……., em cujo relatório consta, designadamente, o seguinte: “II. Objectivos, âmbito e extensão da ação inspetiva II. 1. Credencial e período em que decorreu a ação Procedimento de Inspeção externa Ordem de Serviço n.º OI200801206 de 17/07/2008 Iniciada em 23/09/2008 Concluída 06/10/2008 Procedimento de Inspeção interna Ordem de Serviço n.º OI200801208 de 17/07/2008 Iniciada em 15/09/2008 Concluída 06/10/2008 Procedimento de Inspeção interna Ordem de Serviço n.º OI200801209 de 17/07/2008 Iniciada em 12/09/2008 Concluída 06/10/2008 Foi instaurado processo de inquérito n.º …. II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal OI200801206: Código Actividade - 12221014 Período a Fiscalizar: 2004 Âmbito: IRC e IVA OI200801208 e OI200801209: Código Actividade - 12121014 Período a Fiscalizar: 2005 e 2006. Âmbito: IRC e IVA Na sequência da inspeção realizada à contabilidade da firma B……. Unip, Lda. em que foram detectados indícios de fraude fiscal por emissão de facturas com simulação de preço, foi emitido o despacho n.º DI200701652 para recolha de elementos junto da firma A……., Lda., relacionados com o referido fornecedor. Da análise efectuada aos elementos recolhidos, conclui-se que existem fortes indícios de utilização de facturas emitidas pelo referido fornecedor, cujos valores não correspondem aos reais, pela firma A……., Lda. 11.3. Outras situações a) Caracterização da empresa A empresa iniciou a sua actividade em 01/07/1978, estando enquadrada no CAE 025734 - Fabricação de Moldes Metálicos. b) Enquadramento fiscal A empresa encontra-se enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação e para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal. III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável No exercício de 2004 a firma A……. registou na sua contabilidade as facturas n.º 132, 161 e 164, no exercício de 2005 as facturas 195, 198, 225, 232 e 246, e no exercício de 2006 a factura n.º 291, emitidas pela firma B…….., Unip. Lda., ascendendo o total dos serviços facturados a 31.856,93 €, tendo sido deduzido IVA no montante total de 6.353.75 €. A firma B….. Lda. registou na sua contabilidade as referidas facturas, ascendendo o total dos serviços prestados a 1.436,93 € e o IVA liquidado a 285,95 €. As diferenças dos valores contabilizados pela A……. e por B….. Unip. Lda., relativas às facturas referidas anteriormente, ascendem a 30.420.00 € no valor dos serviços e 6.067,80 no valor do IVA. Os documentos recolhidos junto da A…..… são do conhecimento e/ou estão na posse do contribuinte pelo que não se juntam como anexo do Projecto de Relatório. Contudo fazem parte da informação preliminar relativa ao processo de Inquérito n.º ….., constituindo o anexo n.º 23. Junta-se como anexo n.º 1 do Relatório, extracto da conta 21 – …… de 2004 e da conta 72.11 de 2005 e 2006 (nestes exercícios as facturas foram registadas por contrapartida de caixa), extraídos da contabilidade da firma B……, Lda. No quadro seguinte identificam-se os elementos dos originais das referidas facturas contabilizadas na empresa A…..: Quadro I [Imagem] As divergências entre os originais/duplicados das facturas registadas na contabilidade da A…… e os respectivos triplicados contabilizados no emitente, B…... Unip, Lda., apuram-se no quadro seguinte: Quadro II [Imagem] Análise dos meios de pagamento
Mais se consigna que «há fortes indícios que as facturas supra mencionadas consubstanciam prestações de serviços não reais, devido aos seguintes factos: os valores declarados pela Soc. J………, Ldª, para efeitos de IVA, relativos aos períodos 90.09T e 91.09T não comportam os valores facturados à K……..; os meios de pagamento detectados na contabilidade da K…………… são insuficientes para a liquidação das facturas; de acordo com o relatório elaborado pelo colega L………… há fortes indícios que as citadas facturas não têm subjacente uma real prestação de serviços.
Adiantando-se ainda que «há fortes indícios que as facturas supra mencionadas consubstanciam prestações de serviços não reais, devido aos seguintes factos: os meios de pagamento detectados na K………… são de valor igual ao IVA das facturas; nos períodos 91.09T e 91.12T o sujeito passivo M…………, Ldª tem LOS que são exactamente os períodos das facturas emitidas à K…………. com valor mais elevado; não existe na contabilidade da firma M………………… Ldª documento comprovativo do depósito bancário relativo ao valor dos recibos. Pelo que de acordo com o estabelecido no nº 3 do artigo 19º do CIVA, o IVA constante das referidas facturas não é dedutível pelo utilizador (...)». «» 2.2. DE DIREITO 2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos O presente processo iniciou-se em 2009 pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro. Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, alínea b) do ETAF, 284º do CPPT e 152º do CPTA depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido numerosas vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adaptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - Identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - Que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta [Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente]. A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» [v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente]. Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
A partir daqui, importa começar por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a questão decidenda prende-se com a questão de saber se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que os valores constantes nas facturas contabilizadas pela Impugnante e ora recorrente e emitidas pela sociedade “B…………., Unipessoal, Lda.” resultaram de simulação de preço e, se, para efeitos de conclusão positiva (tal como sucedeu no Douto Acórdão ora em crise) releva como suficiente somente as declarações do sócio gerente da sociedade B…………., Unipessoal, Lda. cuja contabilidade não era fidedigna e cujo depoimento nunca se poderá deixar de considerar suspeito e interessado e cópias das frente e verso dos cheques indicados nas notas de pagamento das referidas facturas. Como tal, importará saber se os indícios recolhidos pela AT, no concreto caso, para além de sérios e objectivos no que tange à demonstração da simulação, são suficientes ou insuficientes para suportar a conclusão que veio, no Douto Acórdão em crise, a merecer acolhimento, legitimando a “inversão” do ónus da prova, sendo que, no Acórdão em crise, a decisão é fundamentada somente nos factos de o emitente das facturas (ou legal representante da emitente) ter reconhecido a putativa simulação - precisamente quem apresentava contabilidade não verdadeira e quem possuía manifesto interesse na situação e, no facto de um dos meios de pagamento (cheque) ter sido levantado ao balcão por funcionária da emitente do mesmo (o que por si só não demonstra que o pagamento não tenha sido efetuado à emitente das facturas em numerário) e o outro endossado/levantado com referência, no verso, a Bilhete de Identidade que não corresponde ao do sócio gerente da sociedade emitente das faturas (situação à qual a impugnante é totalmente alheia). Contudo, da factualidade dada como provada nos autos aqui em apreço, resulta para além de tudo o mais, que a contabilidade da recorrente não apresentava qualquer indício de não ser verdadeira, tal somente - sem conceder - foi apurado na sequência da análise à contabilidade da sociedade emitente das facturas e das declarações prestadas pelo legal representante dessa mesma sociedade, verificando-se que entendimento diferente do que veio a merecer a maioria no Acórdão aqui em crise encontra-se reflectido no voto vencido constante dessa mesma decisão e conforme se extrai do aludido voto de vencido bem como da análise do Douto Acórdão em crise, o entendimento adoptado pelo Venerando Tribunal a quo assentou no facto de considerar demonstrados todo um conjunto de indícios (resultantes da conjugação entre eles) assentes num valor exíguo de facturação, o qual, por si só, face ao montante, afasta por completo qualquer ideia/intenção de simulação ou de dedução indevida de IVA (ou ainda de acréscimo de custos em sede de IRC) e, sobretudo, nas declarações de alguém que - assumida e comprovadamente - falseava documentação, portanto, praticava crimes, a quem - por com relativa segurança ser facilmente compreensível para o cidadão comum - interessava minimizar o impacto das suas falsidades, dizendo pois que a sua escrita era “verdadeira”. Ora, do Acórdão fundamento que aqui se destaca - Ac. do TCA Sul - Contencioso Tributário, de 11.03.2003, proc. n.º 6915/02, Relator: Dulce Manuel Neto, in www.dgsi.pt - resulta precisamente o oposto do que veio decidido no Acórdão em crise, já que se entende que os indícios detectados pela AT terão de ser sérios e objectivos para legitimar a sua actuação e, mais importante, se reconhece que, para tal conclusão, não bastam meras conjecturas suportadas em entregas em dinheiro, ou cheques emitidos a terceiros e/ou descontados/levantados ao balcão e não depositados e no entendimento da aqui recorrente sobressai como adequado o entendimento adoptado no Acórdão fundamento, pois que não basta destacar um conjunto de factualidade, sem o respectivo enquadramento lógico-dedutivo - para que da mesma se possam retirar indícios sérios e objectivos por forma a legitimar a inversão do ónus da prova.
Que dizer? Desde logo, importa salientar que a Recorrente coloca uma questão que tem natureza casuística e depende, além do mais, das ilações de facto que o Julgador retirou dos elementos constantes dos autos para o efeito de concluir que os indícios apontados pela administração tributária são suficientes (ou não) para legitimar a liquidação impugnada com fundamento na falsidade das facturas em causa, sendo que as ilações ou conclusões extraídas pelo julgador da matéria de facto integram-se ainda no domínio da actividade da fixação da matéria de facto, o que respeita ao caso concreto e ao princípio da livre apreciação da prova. Isto para dizer que o ac. recorrido e o ac. fundamento pronunciaram-se sobre a suficiência dos indícios apresentados pela AT no sentido de legitimarem, ou não, a liquidação impugnada, numa situação em que estava em causa a legalidade da dedução do IVA mencionado no âmbito das facturas a que aludem os respectivos autos. Assim, resulta claro que os acórdãos em confronto lançaram mão da mesma regra de direito quanto à repartição do ónus da prova aplicável a esta situação - art. 74º da LGT -, sendo que nos dois arestos foi considerado que competia à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação e que, feita esta prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
Desde logo, o Acórdão recorrido, assumindo que o Tribunal a quo não julgou bem, ponderou que: “… em matéria de pressupostos de correcção e repartição de ónus da prova na situação que enfrentamos: pretendendo a Administração Tributária desconsiderar facturas que reputa de falsas nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, compete-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, recolhendo e aduzindo indícios sérios de que a operação constante da facturação a desconsiderar não corresponde à realidade (artigo 74.º da LGT). Só após ser realizada a prova de verificação desses indícios pela Administração é que passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar que, pese embora a existência daqueles indícios, a operação titulada pelas facturas que se desconsideraram foi efectivamente realizada. … Como dissemos já, na tese da Administração Tributária, esta demonstrou que existem fundados indícios para evidenciar que "o preço dos serviços subjacentes à facturação posta em causa era simulado". E daí parte para a conclusão que assim "finda a presunção da veracidade da declaração do contribuinte, bem como a veracidade da operação subjacente à facturação, passando a recair sabre este o ónus de demonstrar que ao conjunto de facturas em causa correspondeu o preço efectivamente facturado". E com razão. Efectivamente, como resulta claramente do relatório de inspecção - elaborado no final de um procedimento inspectivo à Impugnante despoletado por uma inspecção realizada à contabilidade da firma B……………, Unip, Lda. em que foram detectados indícios de fraude fiscal por emissão de facturas com simulação de preço relacionados, designadamente, com o referido fornecedor - e que constitui a fundamentação impugnadas, a Administração Tributária apurou que: - No exercício de 2004 a firma A…………. registou na sua contabilidade as facturas n.º 132, 161 e 164, no exercício de 2005 as facturas 195, 198, 225, 232 e 246, e no exercício de 2006 a factura n.º 291, emitidas pela firma B……………, Unip. Lda., ascendendo o total dos serviços facturados a 31.856,93 €, tendo sido deduzido IVA no montante total de 6.353.75 €; - A firma B……………. Lda. registou na sua contabilidade as referidas facturas, ascendendo o total dos serviços prestados a 1.436,93 € e o IVA liquidado a 285,95 €; - As diferenças dos valores contabilizados pela A…………….. e por B……………. Unip. Lda., relativas às facturas referidas anteriormente, ascendem a 30.420.00 € no valor dos serviços e 6.067,80 no valor do IVA. - As notas de pagamento das referidas facturas indicam que o pagamento foi efectuado através de cheques, tendo sido solicitadas as cópias de frente e verso dos cheques para confirmação do beneficiário dos mesmos conclui-se que o cheque n.º 6900451 s/ ……… no valor de 5.277.65 €, supostamente utilizado para pagamento das facturas n.º 195 e 198, está emitido à ordem de C………….. e foi levantado pela própria, sendo esta funcionária da firma D………………….., empresa do grupo a que a A………. também pertence. - Nos restantes cheques, consta no verso a assinatura de B………….. e a conta a creditar 25480005190 s/ ……., da qual este é titular, sendo que o facto de os cheques estarem assinados no verso indicia que uma parte do valor terá sido levantado e outra parte terá sido depositada quando é indicada a conta a creditar. - No que respeita ao recebimento efectivo dos valores constantes nos cheques referidos, o sr. B…….. afirmou que levantava os cheques mas que parte do valor era restituída ao cliente, recebendo apenas os montantes constantes nos triplicados das facturas (segundo declarações escritas e assinadas pelo sócio gerente da firma B……….. Unip. Lda., os valores das facturas emitidas à firma A…………. (originais e duplicados), estão sobrevalorizados, sendo os valores reais os constantes nos triplicados registados na sua contabilidade.). - Outros elementos analisados: solicitados ao sujeito passivo outros elementos que pudessem comprovar os trabalhos realizados, tendo sido exibidos mapas de controlo de custos por obra, para as obras em que a firma B………….. Unip. Lda. efectuou trabalhos, tendo-se concluído que os resultados de quase todas essas obras eram negativos e que as requisições apresentadas pela Impugnante a solicitar a execução de serviços à firma B…………… Unip. Lda. estavam todas datadas de datas próximas das facturas ou em alguns casos possuíam data posterior às facturas que respeitavam alegadamente aos trabalhos nelas realizados, o mesmo se passando com propostas de orçamentos para trabalhos a realizar que tinham apostas datas posteriores à da alegada realização da obra; - os valores hora de trabalhos realizadas estavam muita sobrevalorizados relativamente aos preços praticadas à data; - A descrição dos trabalhos a executar, mencionada no orçamento, é semelhante à das facturas, sendo insuficiente para poder avaliar a dimensão do trabalho executado, não identificando em cada Estrutura quais as peças executadas pela firma de B………….. Unip. Lda.; - A firma B………. Unip. Lda. trabalha com máquinas convencionais, já bastante antigas, não tendo mais funcionários além do próprio gerente nem evidenciando subcontratação na sua contabilidade; - A descrição e quantificação dos trabalhos prestados e descritos nas facturas é insuficiente, não cumprindo com todos os requisitos previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, facto que por si só impossibilita a dedução do imposto mencionado no documento. É com base nestes elementos recolhidos que a Administração vem a concluir que não foi feita prova do pagamento do total dos valores constantes dos originais das facturas contabilizados na firma A………., ao seu emitente B………... Unip. Lda." e que da análise “dos restantes elementos recolhidos junto da A…………. e pelas diligências realizadas junto da firma B………….. Unip. Lda. que esta última não poderia ter realizado a maioria dos trabalhos descritos nas facturas dado que não possui estrutura empresarial adequada e suficiente (instalações, máquinas, trabalhadores, matérias primas e subsidiárias e outros gastos gerais de fabrico) para prestar a totalidade dos serviços constantes na contabilidade da A……….. Em suma, a Administração vem a concluir pela “existência de diversos indícios de que os valores das facturas contabilizadas pela empresa A………… estão sobrevalorizados aceitando-se como custo e IVA dedutível os mencionados nos triplicados das respectivas facturas, registadas pelo emitente" e, consequentemente, não deve ser aceite - como não aceitou - a dedução de IVA no valor da diferença encontrada no quadro 2 nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA. Foram estes elementos, qualificados pela Administração Tributária como indícios fortes e credíveis de existência de facturação falsa, que o Tribunal a quo julgou insuficientes e não comprovativos dessa qualificação. Como já o dissemos, discordamos. Aliás, com o respeito que nos merece os que advogam teses contrárias, neste conspecto - manifestamente minoritária na nossa doutrina e oposta à sufragada pelo pleno do nosso Supremo Tribunal - importa ter muito presente que não se impõe nesta sede que a Administração Tributária efectue uma prova directa da simulação: «Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art.º 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. art. 240º do C. Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.». (Vide, sumário do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16-3-2016, processo n.º 587/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt) Ou seja, nestas situações, como em outras, há que recorrer à prova indirecta, a "factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova", (ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.) sendo indícios aqueles factos que "permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência". (JOSÉ LUÍS SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311.) Foi nessa impossibilidade de se extrair dos factos recolhidos - e já transcritos - a ilação, a conclusão de que as facturas eram falsas porque tradutoras de acordos simulatórios que assentou a decisão, por, em resumo nosso, três ordens de razões: (i) O facto dos cheques emitidos para pagamento de uma transacção serem levantados por um terceiro ao negócio não significa, sem qualquer outra justificação, que existe facturação falsa e o facto de o emitente das facturas ter confessado que levantava os cheques e ficava com uma parte e devolvia outra parte ao emitente também não inculca necessariamente a prova de que houve facturação falsa, tanto mais que o emitente teria um interesse próprio nessas declarações. Quanto a esta parte da decisão importa salientar, desde logo, que concordamos com o Tribunal a quo quanto ao facto de o levantamento do cheque por terceiro - mesmo no caso invulgar e limite de esse terceiro ser uma funcionária da empresa - não constituir só por si indício suficientemente forte de existência de facturação falsa. Porém, o que o Tribunal desconsiderou, é que não foi apenas nesse facto que a Administração Tributária assentou a sua decisão, isto é, que a conclusão de que é elevada a probabilidade de estarmos perante facturação falsa - e é apenas na elevada probabilidade que temos de nos concentrar e não na prova acabada por tal não constituir ónus da AT - não se encontra sustentada apenas naquele facto-índice. Por outro lado, no que respeita às declarações do emitente de facturas no sentido de que as mesmas não correspondem, total ou parcialmente, à realidade, não vemos porque não devam assumir relevo no contexto em que o foram, isto é, associadas aos demais factos índices recolhidos, por estar precisamente em causa a recolha de indicies relativos à existência de operações económicas simuladas e em que esse emitente confessadamente participou. Aliás, como a jurisprudência vem salientando, no que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura", podendo a Administração Tributária, nesta tarefa, lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. (ii) O facto de inexistirem elementos apostos nas facturas capazes de permitir uma identificação dos trabalhos, de na sua emissão não terem sido observadas as exigências legais e a alegada falta de desconformidade entre o valor hora corrente de mercado encontrado pela AT e o valor hora relevado na facturação também não merece especial ponderação para efeitos de indícios capazes de abalar a presunção de veracidade da contabilidade, quer porque se aqueles elementos faltavam, e o Tribunal confirmou que faltavam, impunha-se que a Administração Tributária tivesse realizado diligências para apurar que trabalhos essas facturas pretendia titular quer porque o procedimento adoptado pela AT para apurar a desconformidade de valores/hora para os trabalhos indicados não merecia credibilidade. Ora, salvo o devido respeito, a referida imposição investigatória à AT no sentido de que, confrontada com uma factura que não permite aferir dos trabalhos que alegadamente titula, ultrapassa, ostensivamente, não só o ónus da Administração Tributária nesta matéria, como contende com as imposições legais de natureza imperativa relativas às exigências de forma previstas no artigo 35., do CIVA, como, se bem vemos, com as ilações que devem ser extraídas da falta de observância dos requisitos formais das facturas para efeitos da sua relevância fiscal/dedução de IVA. Acresce que, como está bem de ver, bastando para tanto uma leitura critica do relatório cujos aspectos fundamentais deixamos transcritos, os elementos ou indícios em que se suporta a decisão da AT vão bem mais além do que aqueles a que o Tribunal dedicou a sua atenção particular, como, conjugadamente considerados, são bem mais do que suficientes para sustentar de forma séria e credível o preenchimento dos pressupostos do direito da AT a ver desconsiderado o valor da facturação e, consequentemente, a dedução de IVA pretendida. Na verdade, não foi apenas no insólito de uma funcionária da Impugnante proceder ao levantamento dos valores titulados nos cheques emitidos pela Impugnante para pagar serviços do emitente das facturas, nem nas declarações/confissão do emitente, nem na desconformidade do valor alegadamente real e ficcionado dos trabalhos que a AT suportou a conclusão de existência de indícios sérios de existência de facturação falsa. Diga-se, nem apenas nestes nem apenas de per se considerados. Foi também no facto de a documentação apresentada pelo sujeito passivo para prova da realização material dos trabalhos ser, formalmente, incongruente com a realidade da vida negocial: ninguém elabora ou pede um orçamento depois da obra feita ou dos erviços prestados; ninguém emite facturas com data anterior ao serviço prestado; não é normal, segundo os dados da experiência e da normalidade da vida empresarial sadia que para um mesmo serviço ou obra sejam emitidas três facturas, com dados distintos e, sobretudo, valores diferentes. Em suma, todos os dados ou indícios recolhidos, devidamente conjugados, inculcam fortemente a ideia de que as operações tituladas nas facturas se não realizaram e que aquelas apenas tenham sido emitidas, total ou parcialmente, para efeitos de dedução indevida de IVA. Há, pois, para nós indubitavelmente, erro de julgamento na sentença recorrida ao concluir pela falta de fundamentação substancial das liquidações impugnadas uma vez que, como se vê dos factos apurados, esses indícios não só foram recolhidos como comprovados pela AT. E, nessa medida, impunha-se, como supra delimitado, que a Impugnante, ora Recorrida, tivesse demonstrado que não obstante os indícios recolhidos, tais trabalhos efectivamente se concretizaram, o que, como igualmente resulta dos factos apurados, não logrou fazer. É, assim, de revogar a sentença recorrida e, em conformidade, de julgar improcedente a impugnação judicial, mantendo na ordem jurídica as liquidações impugnadas. …”.
Nesta linha de análise foi considerado o exposto em relação ao emitente e foi feito o enquadramento da situação em relação à ora Recorrente, apontando-se que não foi apenas no insólito de uma funcionária da Impugnante proceder ao levantamento dos valores titulados nos cheques emitidos pela Impugnante para pagar serviços do emitente das facturas, nem nas declarações/confissão do emitente, nem na desconformidade do valor alegadamente real e ficcionado dos trabalhos que a AT suportou a conclusão de existência de indícios sérios de existência de facturação falsa, aludindo-se ainda ao facto de a documentação apresentada pelo sujeito passivo para prova da realização material dos trabalhos ser, formalmente, incongruente com a realidade da vida negocial: ninguém elabora ou pede um orçamento depois da obra feita ou dos erviços prestados; ninguém emite facturas com data anterior ao serviço prestado; não é normal, segundo os dados da experiencia e da normalidade da vida empresarial sadia que para um mesmo serviço ou obra sejam emitidas três facturas, com dados distintos e, sobretudo, valores diferentes, para se concluir que todos os dados ou indícios recolhidos, devidamente conjugados, inculcam fortemente a ideia de que as operações tituladas nas facturas se não realizaram e que aquelas apenas tenham sido emitidas, total ou parcialmente, para efeitos de dedução indevida de IVA.
No entanto, e em concreto, foi entendido que o circunstancialismo fáctico aduzido pela AT na declaração fundamentadora do seu juízo quanto à existência de deduções superiores às devidas não se mostra apto a convencer sobre a adequação e correcção desse juízo, dada a insuficiência de indícios que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas em questão sejam simuladas, tanto mais que a impugnante conseguiu abalar esse juízo com a prova que produziu em tribunal. Nesta sequência, temos que, face aos elementos apontados num e noutro processo, partindo do mesmo enquadramento, os dois arestos divergem na conclusão assumida no que concerne ao facto de a AT ter ou não logrado fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, sendo que, como ficou enunciado, tudo se reconduz à análise da concreta matéria de facto disponível num e noutro processo com as ilações que cada Tribunal, no uso do seu poder de livre apreciação da prova, retirou das provas que analisou e valorou, ou seja, a análise da matéria descrita permite apreender que não existe qualquer divergência ao nível da aplicação das regras do ónus da prova, sendo que quanto ao mais, tudo passa pela apreciação de um conjunto de elementos ponderados em cada um dos arestos, sendo que, como se viu, enquanto o ac. recorrido decidiu neste processo que o mesmo contém indícios suficientes para refutar a veracidade presumida da contabilidade e declarações do contribuinte, no ac. fundamento foi decidido que os elementos disponíveis não permitem a conclusão de que a Administração fiscal carreou para os autos indícios objectivos e seguros de que determinadas facturas não titulam verdadeiras transacções, nem, portanto, que ilidiu a presunção de veracidade da contabilidade (pelo que, não tendo cumprido o ónus probatório que lhe competia, o mesmo não reverteu contra o contribuinte). Assim sendo, resulta claro que a divergente solução alcançada num e noutro acórdão resulta, exclusivamente da valoração da prova produzida em cada um dos processos e do cotejo dos elementos de facto apurados em cada uma das situações e consequente formulação de juízos sobre a sua suficiência ou insuficiência no domínio apontado, sem que haja qualquer confronto quanto à questão de direito. Mas mais. Na situação dos autos, cabe ainda notar que o Acórdão Fundamento acaba por ser instrumental no que diz respeito à alegação da Recorrente, dado que, e verdadeiramente, aquilo que a Recorrente pretende evidenciar perante este Supremo Tribunal é a bondade do voto de vencido, ou melhor, do projecto de acórdão inicialmente elaborado pelo titular do processo, que acabou por ficar vencido, notificado de forma sui generis à Recorrente, e que procedeu a uma valorização distinta dos indícios em apreço, alinhando com a sentença recorrida na afirmação de que as liquidações impugnadas padeciam de falta de fundamentação em função dos elementos vertidos no RIT no sentido de que a AT não cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia (demonstração da verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação). Tal significa, de forma ainda mais evidente, que a realidade posta em destaque pela Recorrente constitui matéria casuística e envolve juízos de facto, sendo que a diversa solução preconizada, desde logo, no acórdão recorrido e depois no Acórdão fundamento não tem por base entendimento diverso sobre as regras do ónus da prova nesta sede, mas unicamente a valorização que cada um dos tribunais fez dos elementos de facto invocados para decidir, como se disse, se a AT cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia (demonstração da verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação). Além disso, as questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto comprometem inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, o que significa que, numa leitura mais abrangente, qualquer erro de julgamento, a existir, não se reporta ao quadro legal descrito nos autos, mas ao facto de, no caso, a AT ter conseguido (ou não) desembaraçar-se do ónus que a lei lhe comete na sede em análise. Isto equivale a dizer que inexiste, qualquer contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, radicando os distintos sentidos das decisões em confronto em diferente valoração da realidade em apreço, ou seja, a oposição entre os arestos situa-se num plano simplesmente de facto, pelo que, não pode afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, em termos de poder servir de fundamento ao presente recurso por oposição de acórdãos. Em suma, a divergente solução alcançada num e noutro acórdão resulta, exclusivamente, da valoração da prova produzida em cada um dos processos sem que haja qualquer confronto quanto à questão de direito, de modo que, não estão reunidos os pressupostos que determinam que se conheça do mérito das pretensões neste recurso por oposição de julgados. Diga-se ainda que no que concerne à questão de direito suscitada nos autos que a análise vertida nos arestos em presença está conforme aquilo que é a jurisprudência consolidada do S.T.A. tal como se colhe do Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-03-2016, Proc. nº 0587/15, www.dgsi.pt e cuja doutrina foi assinalada no Ac. recorrido e que podemos também encontrar no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 27-02-2019, Proc. nº 01424/05.2BEVIS 0292/18, www.dgsi.pt. Como tal, não cumpre apreciar se o Acórdão recorrido fez ou não um correcto julgamento dos factos apresentados, uma vez que essa apreciação se situa já no âmbito do mérito do recurso e este, pelos motivos expostos, não passa o limiar da apreciação dos pressupostos processuais da sua admissibilidade, o que determina que o recurso seja julgado findo - art. 284º nº 5 do CPPT, na redacção anterior à Lei nº 118/2019, de 17-09. 3. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar findo o recurso. Custas pela Recorrente. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 29 de Junho de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro. |