Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6915/02
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2003
Relator:Dulce Manuel Neto
Descritores:IVA
ÓNUS DE PROVA
ARTº 121º, Nº 1, CPT
Sumário:1. Cabendo à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IVA por falta de reconhecimento de deduções declaradas pelo contribuinte, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 82º nº 1 do CIVA, demonstrando:
- a existência de declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas;
- a pertinência desse juízo, que tem de se mostrar objectiva e materialmente fundamentado, através de elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação e prova de indícios sérios que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.
2. Se não conseguir fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, não por força do disposto no art. 121º do CPT, que não logra aplicação ao caso dado que não é a AT que está a afirmar a existência de factos tributários, mas porque tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus de prova que sobre si impendia, de não ter convencido o tribunal quanto à verificação dos pressupostos legais que lhe permitiam agir.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:


O Exmº Representante da Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto que julgou procedente a impugnação deduzida pela C...contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao ano de 1991 e respectivos juros compensatórios.
A rematar a sua alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1)- Em causa nos autos está a consideração como não dedutível do IVA constante de facturas emitidas por dois dos sub-empreiteiros da impugnante por ter sido entendido pela AT que as mesmas não consubstanciavam prestações de serviços reais;
2)- Julgou a douta decisão ora em recurso, a impugnação procedente por ter concluído pela subsistência de justificada dúvida quanto à existência de facto tributário;
3)- Diversamente do decidido, consideramos que da prova feita não pode concluir-se pela verificação de dúvida fundada sobre a existência do facto tributário, cujo ónus da prova cabia à impugnante, mostrando-se ao contrário, aquele facto perfeitamente demonstrado;
4)- Outro tanto, não pode dar-se por provado o pagamento de pelo menos parte de algumas das facturas postas em crise pela AT, nem tão pouco, por estabelecida a relação entre serviços que as sociedades emitentes das facturas possam ter prestado para a impugnante naquele ano, com aqueles serviços que em concreto foram facturados e postos em causa;
5)- A prova testemunhal (considerada na douta sentença relevante, no que tange à factualidade vertida nos pontos 5º e 7º) não é credível no sentido pretendido, e não basta para abalar a convicção firmada, baseada em indícios sérios explanados no relatório da inspecção (ínsito no processo de reclamação apenso), da falta de correspondência dos serviços facturados a operações reais, assente na prova documental produzida;
6)- Confirmada a existência de sérios indícios de que as ditas facturas não titulam operações reais, não pode ser deduzido o imposto nelas constantes (até porque, parte dele não foi sequer entregue) face ao disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA.
7)- A douta sentença recorrida violou o disposto no art. 19º nº 3 do CIVA e 121º do CPT.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmº Magistrado do M.P. emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por considerar que na sentença recorrida se fez correcta apreciação dos factos e boa interpretação e aplicação da lei, não merecendo qualquer censura.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte matéria de facto:
- 1)- A impugnante é uma empresa que se dedica a obras públicas CAE 900090 e exploração de duas pedreiras, estando enquadrada para efeitos de IVA no regime normal com periodicidade mensal.
- 2)- Na sequência de exame à escrita da impugnante foi elaborado o relatório junto a fls. 59 e seguintes do processo de reclamação apenso no qual se consigna que a “Sociedade Construções Ourique, Ldª” emitiu as seguintes facturas à impugnante com relação ao exercício de 1991:
Factura Data Valor IVA Total
177 26/09/91 28.000.000$00 4.760.000$00 32.760.000$00
184 22/11/91 15.000.000$00 2.550.000$00 17.550.000$00
185 29/11/91 15.000.000$00 2.550.000$00 17.550.000$00
Mais se consigna que «há fortes indícios que as facturas supra mencionadas consubstanciam prestações de serviços não reais, devido aos seguintes factos:
· os valores declarados pela Soc. Construções Ourique, Ldª, para efeitos de IVA, relativos aos períodos 90.09T e 91.09T não comportam os valores facturados à Civopal;
· os meios de pagamento detectados na contabilidade da Civopal são insuficientes para a liquidação das facturas;
· de acordo com o relatório elaborado pelo colega Manuel V. Moita há fortes indícios que as citadas facturas não têm subjacente uma real prestação de serviços.
Pelo que de acordo com o estabelecido no nº 3 do art. 19º do CIVA, o IVA constante das facturas acima mencionadas não é dedutível pelo utilizador (...)».
Relativamente à “Sociedade José Luciano da Costa Barbosa & Trindade, Ldª” refere-se no relatório que no exercício de 1991 a mesma emitiu as seguintes facturas à impugnante:
Factura Data Valor IVA
17 29/05/91 6.000.000$00 1.020.000$00
18 20/07/91 15.000.000$00 2.550.000$00
19 23/08/91 20.000.000$00 3.400.000$00
20 20/12/91 10.000.000$00 1.700.000$00
Adiantando-se ainda que «há fortes indícios que as facturas supra mencionadas consubstanciam prestações de serviços não reais, devido aos seguintes factos:
· os meios de pagamento detectados na Civopal são de valor igual ao IVA das facturas;
· nos períodos 91.09T e 91.12T o sujeito passivo José Luciano Costa Barbosa & Trindade, Ldª tem LOS que são exactamente os períodos das facturas emitidas à Civopal com valor mais elevado;
· não existe na contabilidade da firma José Luciano Costa Barbosa & Trindade, Ldª documento comprovativo do depósito bancário relativo ao valor dos recibos.
Pelo que de acordo com o estabelecido no nº 3 do artigo 19º do CIVA, o IVA constante das referidas facturas não é dedutível pelo utilizador (...)».
- 3)- Na sequência da fiscalização efectuada à impugnante, os Serviços de Administração do IVA da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos efectuaram liquidação adicional de IVA no montante de 19.682.441$00, incluindo os respectivos juros compensatórios, com respeito ao ano de 1991.
- 4)- A impugnante em 25 de Janeiro de 1996 deduziu reclamação graciosa cuja decisão de indeferimento na totalidade foi notificada à impugnante através de carta registada com aviso de recepção expedida em 9 de Fevereiro de 1999.
- 5)- A sociedade “Procivil-Consultores Técnicos de Engenharia, Ldª” adjudicou, em representação da “Euromarché-Portugal”, à impugnante a realização das obras de acesso ao hipermercado em Vila Nova de Gaia.
- 6)- A sociedade “José Luciano da Costa Barbosa & Trindade, Ldª” e a “Sociedade de Construções Ourique, Ldª”, durante o ano de 1991 prestaram serviços à impugnante, na qualidade de sub-empreiteiros, designadamente no âmbito da obra referida em 5º, fazendo passeios, guias e abrindo valas para canalizações.
- 7)- Os pagamentos que a impugnante fazia às sociedades referidas em 6º eram normalmente feitos à semana e normalmente efectuados em numerário, sendo que as facturas e os recibos eram emitidos e entregues no fim do mês respectivo.
A convicção do Tribunal relativamente a tal matéria resultou «quanto aos factos provados nos nºs 1º a 4º da exegese dos documentos juntos aos autos bem como no teor das informações oficiais. No que tange à factualidade vertida nos pontos 5º a 7º, relevaram os depoimentos das testemunhas inquiridas, em especial de Joaquim Pereira Gomes, que organiza a contabilidade do impugnante, o qual depôs de forma coerente e segura

* * *

A liquidação impugnada (IVA relativo ao exercício de 1991) assentou no juízo formulado pela Administração Tributária (AT) quanto à indevida dedução pela impugnante do IVA que lhe foi liquidado nas facturas emitidas pelas firmas “Sociedade de Construções Ourique, Ldª” e “José Luciano da Costa Barbosa & Trindade, Ldª”, face à alegada existência de elementos indiciadores de que essas facturas não consubstanciavam quaisquer operações reais, isto é, de que não teriam ocorrido os serviços nelas mencionados e que, portanto, seriam falsas ou simuladas para fins meramente fiscais, motivo por que a impugnante não podia deduzir, como deduziu, o IVA nelas mencionado.

Na impugnação que deduziu contra essa liquidação, a impugnante defende, além do mais, que as facturas em causa não são falsas, já que se reportam a serviços efectivamente prestados pelas firmas emitentes na sequência de sub-empreitadas com elas contratadas.

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação com a argumentação que se sintetiza do seguinte modo:
· é à AT que compete provar a existência de indícios sérios de que as operações tituladas pelas facturas não são verdadeiras e que, portanto, existiu um acordo simulatório entre o emitente e o destinatário da factura, com o intuito de defraudar a Fazenda Pública, e só depois de feita essa prova passa a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as facturas são realmente verdadeiras;
· perante a factualidade provada nos autos, conclui-se que os indícios apontados pela AT não são de tal modo consistentes que permitam concluir que as facturas em causa não titulam operações reais, subsistindo fundada dúvida no que tange à existência do facto tributário a impor a anulação da liquidação impugnada de harmonia com o disposto no art. 121º do CPT.

Em sede de recurso, a Fazenda Pública imputa à sentença recorrida erro de julgamento por errada valoração da prova produzida, uma vez que ela não seria credível para dar como assente os factos vertidos nos pontos 5º a 7º do probatório, nem seria suficiente para abalar os sérios indícios de que as facturas não titulam operações reais ou para julgar verificada a “dúvida fundada” a que alude o art. 121º do CPT, e consequente erro de julgamento por ter feito aplicação deste normativo à situação dos autos.

Para uma correcta apreciação das questões postas pela recorrente, cumpre analisar, em primeiro lugar, o regime jurídico relativo ao ónus de prova, para depois poder correctamente avaliar se ocorreram ou não os apontados erros de julgamento.

Como se sabe, a exigência de observância da forma legal prescrita no CIVA para conferir o direito à dedução do imposto (arts. 19º nº 2 e 35º nº 5) justifica-se dentro da lógica interna do regime de um imposto plurifásico, que incide sobre cada fase da transacção dos bens ou serviços, por ser necessário o cumprimento rigoroso das regras legais, de forma a facilitar o controlo da fiscalização e evitar a fuga à tributação. E é dentro dessa lógica de combate à evasão fiscal que o art. 19º nº 3 do CIVA estipula que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Por isso, o artigo 82º nº 1 do CIVA atribui à AT o poder-dever (vinculado) de proceder à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura uma dedução superior à devida, liquidando adicionalmente a diferença.

E porque a AT, no exercício dessa competência, actua no uso de poderes vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais que a determinaram a efectuar as respectivas correcções às declarações do sujeito passivo, cumprindo-lhe demonstrar a factualidade que a leva a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito -art.78º do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Com efeito, segundo o disposto naquele artigo 78º do CPT, quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte. O que significa que a presunção cessa quando a escrita ou contabilidade, embora organizada de acordo com a lei, enferme de erros, inexactidões, ou haja indícios fundados de que não reflecte a matéria tributável efectiva, cabendo nesta previsão o caso de a contabilidade omitir operações efectuadas ou incluir operações que não tiveram lugar.
Daí que a lei se baste com a exigência de indícios fundados, não impondo à AT, como se diz no acórdão do STA de 24/04/02, no Rec. nº 102/02 «a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”».

Por outro lado, como é realçado no acórdão do STA de 17/04/02, no Rec. nº 26635 (onde se analisa, de forma exaustiva, a questão do ónus probatório), quando o acto de liquidação adicional de IVA se fundamente no não reconhecimento de deduções declaradas pelo contribuinte, o cumprimento do ónus de prova atribuído à AF «basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua actuação e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarada uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo, ou seja, com a prova perante o tribunal da existência dos elementos que torna possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.
É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão – ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário – terá que ser resolvida contra ela», o que se encontra em «sintonia com o princípio da veracidade que está assumido no art.º 78º do CPT. (...)».
«Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados.
E sendo assim, para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados (...), mas terá formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico-jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta.
À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto, para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado.(...)» (sublinhado nosso).

Em suma, porque à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IVA por falta de reconhecimento de deduções declaradas pelo contribuinte, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 82º nº 1 do CIVA, demonstrando:
- a existência de declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas;
- a pertinência desse juízo, que tem de se mostrar objectiva e materialmente fundamentado, através de elementos fáctico-jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação e prova de indícios sérios que traduzam uma probabilidade elevada relativamente à veracidade dos factos afirmados pela AT, ou seja, que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.

Se não conseguir fazer essa prova, designadamente a da realidade dos elementos em que apoiou o seu juízo quanto à existência de deduções superiores às devidas ou a adequação entre esses elementos e o juízo que formulou, a questão relativa à legalidade do seu agir terá que ser resolvida contra ela, não por força do disposto no art. 121º do CPT, que não logra aplicação ao caso dado que não é a AT que está a afirmar a existência de factos tributários , mas porque tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus de prova que sobre si impendia, de não ter convencido o tribunal quanto à verificação dos pressupostos legais que lhe permitiam agir.
Na verdade, o regime previsto no art. 121º do CPT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT) só é aplicável quando seja a própria AT a afirmar, através da liquidação, a existência dos factos tributários, e não quando a liquidação deriva da não aceitação de factos tributários declarados pelo contribuinte.
Tal como resulta da orientação jurisprudencial sustentada no citado Ac. do STA de 17/04/02 e que secundamos, o regime da “fundada dúvida” instituído no art. 121º do CPT «não abrange os actos da administração que se traduzam no não reconhecimento das deduções declaradas pelos contribuintes quando a dúvida diga respeito não à legalidade da actuação da administração mas da existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda essa dedução de imposto. O ónus consagrado contra a administração no art.º 121º n.º 1 do CPT apenas existe quando seja ela a afirmar a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação e não quando esta cabe ao contribuinte».
«A situação será diferente quando o imposto liquidado adicionalmente ao contribuinte diga respeito não a deduções consideradas indevidas, mas a operações cuja existência o contribuinte não declarou e a administração, todavia, afirma como realmente acontecidas. Neste caso, já caberá à administração a prova da existência dos factos tributários, devendo ela sofrer as consequências jurídicas desse ónus de prova. É a esta dimensão da problemática do ónus da prova que se refere o art.º 121º do CPT».

Após aquela prova pela AT, passa a competir ao contribuinte o ónus de demonstrar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do direito à dedução do imposto nos termos do art. 19º do CIVA.

Posto isto, e visto que na sentença recorrida se julgou que perante a factualidade apurada se tinha de considerar que os indícios apontados pela AT não eram suficientemente consistentes para concluir que as facturas em causa não titulavam operações reais, vejamos se ocorreu ou não o erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, o que passa por saber se a AT fez prova, como lhe competia, dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação.

Tal como flui do relatório de exame à escrita da impugnante e consta do ponto 2º do probatório, a AT considerou que as 3 facturas emitidas pela “Sociedade de Construções Ourique, Ldª” consubstanciavam prestações de serviços não reais, porquanto:
· os valores declarados por esta sociedade para efeitos de IVA, relativos aos períodos 90.09T e 91.09T, não comportam os valores facturados à impugnante;
· os meios de pagamento detectados na contabilidade da impugnante são insuficientes para a liquidação das facturas;
· existiriam fortes indícios que as citadas facturas não tinham subjacente uma real prestação de serviços.
Ora, estes elementos indiciários parecem-nos insuficientes para chegar ao juízo a que a AT chegou quanto à existência de deduções superiores às devidas.
A circunstância de a emitente das facturas não ter declarado ao Estado o IVA correspondente não tem qualquer significado para este efeito, não traduzindo um facto adequado a extrair qualquer conclusão quanto à (in)existência dos serviços titulados por tais facturas.
Por outro lado, a insuficiência de meios de pagamento (cheques) detectados na contabilidade da impugnante para liquidação das facturas, não é suficiente para fazer convencer, com a necessária e elevada probabilidade, que as respectivas operações sejam simuladas. Aliás, foi constatada a existência de pagamentos através de cheque (veja-se o caso do cheque emitido pela impugnante sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, no valor de 35.064.900$00, a favor daquela sociedade) e o facto de existirem alguns pagamentos em dinheiro não pode, por si só, desacompanhado de outros elementos sérios e objectivos, servir para concluir que as operações tituladas nas facturas são fictícias.
Por fim, a afirmação de que “existem fortes indícios que as citadas facturas não tinham subjacente uma real prestação de serviços”, constitui, por si só, um facto conclusivo e, nessa medida, irrelevante, para o efeito pretendido.

Quanto à “Sociedade José Luciano da Costa Barbosa & Trindade, Ldª”, refere-se no relatório que as facturas que emitiu para a impugnante consubstanciavam prestações de serviços não reais em virtude de:
· os meios de pagamento detectados na impugnante serem de valor igual ao IVA das facturas;
· nos períodos 91.09T e 91.12T a firma emitente tem LOS, quando estes são os períodos das facturas emitidas à impugnante com valor mais elevado;
· não existe na contabilidade da firma emitente documento comprovativo do depósito bancário relativo ao valor dos recibos.
Tais elementos são, na nossa perspectiva, igualmente insuficientes para expressar uma probabilidade elevada de que as operações referidas nessas facturas sejam simuladas.
O facto de a sociedade emitente não ter apresentado declarações de IVA entre Set.-Dez./91 (existindo, por isso, LOS) quando nesse período facturou serviços com valores elevados à impugnante, e o facto de não existirem na contabilidade dessa firma documentos comprovativos do depósito bancário do valor dos recibos, são circunstâncias pelas quais a impugnante não pode responder e que são inadequadas a colher uma conclusão minimamente segura quanto à inexistência dos serviços.
O facto sobrante (pagamentos em dinheiro pela impugnante), não constitui motivo bastante para convencer de que as operações respectivas sejam simuladas.

De qualquer modo, resulta provado que a impugnante no período em causa recorreu a sub-empreiteiros para levar a cabo obras que tinha em mãos, contratando para o efeito os serviços destas duas sociedades, o que abala o juízo formulado pela AT segundo a qual todas as facturas emitidas por estas duas sociedades titulavam operações simuladas.
Com efeito, a impugnante juntou aos autos prova documental de que no ano de 1991 lhe fora adjudicada a realização de obras de acesso ao “Euromarché” em Vila Nova de Gaia, e de que as sociedades “Construções Ourique, Ldª” e “José Luciano da Costa Barbosa & Trindade, Ldª” lhe prestaram serviços, em regime de sub-empreitada, durante esse ano para a realização da referida obra - cfr. os respectivos contratos de sub-empreitada a fls. 43 e segs. e os documentos de fls. 42 e 47.
Essa prova documental, conjugada com a prova testemunhal produzida, permite dar como provada a materialidade vertida no pontos 5º e 6º do probatório.
Na verdade, as cinco testemunhas inquirida possuem, em termos de razão de ciência que indicam, um conhecimento directo dos factos sobre os quais depõem e atestam de forma unânime a prestação dos serviços por aquelas firmas. Tais depoimentos não podem, pois, deixar de ser valorados, sobretudo quando conjugados com os citados documentos, não assistindo, assim, razão à recorrente na alegação (cfr. conclusão 5ª) de que essa prova não é credível e de que não basta para abalar a convicção da AT quanto à falta correspondência dos serviços facturados a operações reais.
O mesmo se diga relativamente à matéria vertida no ponto 7º, atestada pela referida prova testemunhal.
Assim, e tal como ficou dito na sentença recorrida, «encontra-se demonstrado que no ano de 1991 à impugnante foi adjudicada a realização de obras de acesso ao “Euromarché” em Vila Nova de Gaia, sendo que as sociedades “Construções Ourique, Ldª” e “José Luciano da Costa Barbosa & Trindade, Ldª” prestaram serviços, em regime de subempreitada para aquela durante o ano de 1991.
Provado ficou igualmente que os pagamentos que a impugnante fazia às referidas subempreiteiras eram normalmente feitos à semana e normalmente efectuados em numerário, sendo que as facturas e os recibos eram emitidos e entregues no fim do mês respectivo.
Outrossim flui do relatório que se mostra junto a fls. 86 e seguintes que as facturas emitidas pela sociedade “Ourique, Ldª” e por ela contabilizadas se encontravam apoiadas em orçamento ou auto de medições, sendo certo que, como aí se adianta, o pagamento das facturas era efectuado pelo caixa e que em relação às facturas nºs 184 e 185 terão sido pagas por cheque, no valor de 35.064.900$00 emitido em 9 de Janeiro de 1992.
A sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura quanto à matéria de facto que julgou provada.

Do exposto resulta que o circunstancialismo fáctico aduzido pela AF na declaração fundamentadora do seu juízo quanto à existência de deduções superiores às devidas não se mostra apto a convencer sobre a adequação e correcção desse juízo, dada a insuficiência de indícios que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas em questão sejam simuladas, tanto mais que a impugnante conseguiu abalar esse juízo com a prova que produziu em tribunal.
Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, razão porque improcedem todas as conclusões do recurso.
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Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, embora com fundamentação algo distinta.
Sem custas, por a recorrente delas estar isenta.


Lisboa, 11 de Março de 2003