Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01246/18.0BEPRT
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL DE JOGOS
INCONSTITUCIONALIDADE
ILEGALIDADE
Sumário:I - O Imposto Especial de Jogo (I.E.J.) constitui um tributo especial incidente sobre a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro de imóveis afectos à respectiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa actividade, qualquer outra tributação, nomeadamente, em sede de I.R.C. (cfr.artº.7, do C.I.R.C.). Este tributo encontra-se regulado pelo dec.lei 422/89, de 2/12 (diploma que já sofreu diversas alterações, sendo a mais recente efectuada pelo dec.lei 98/2018, de 27/11), consagrando um regime de liquidação e cobrança muito particular, já que o mesmo reveste natureza contratual, sendo doutrinariamente configurado como regime de avença, no qual a matéria colectável pode ser determinada por acordo entre o contribuinte e a Fazenda Pública.
II - O I.E.J. concretiza, segundo a doutrina, o que se pode designar por "regime fiscal substitutivo", no qual se verifica a substituição do regime geral de tributação do rendimento, aplicável à generalidade dos contribuintes, por um regime especial, o constante do mencionado dec.lei 422/89, de 2/12.
III - A "contrapartida anual" prevista no dec.lei 275/2001, de 17/10, reconduz-se a uma prestação de natureza patrimonial reconduzindo-se à "contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo, a concessão numa zona territorial pré-determinada".
IV - O dec.lei 422/89, de 2/12, tal como o dec.lei 275/2001, de 17/10, não enfermam de inconstitucionalidade orgânica e/ou material.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25536
Nº do Documento:SA22020020501246/18
Data de Entrada:10/17/2019
Recorrente:A..........,SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL,I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A…………., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, exarada a fls.246 a 250-verso do processo, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando o acto de liquidação de Imposto Especial de Jogo, referente ao mês de Janeiro de 2018 e no montante total de € 1.269.524,84.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.200 a 219 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presente impugnação tem por objecto uma liquidação do Imposto de Jogo;
2-A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao...Imposto de Jogo;
3-O imposto de jogo não possui base contratual - como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal;
4-Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato;
5-A recorrente contesta a legalidade de uma liquidação do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto-Lei 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade;
6-A recorrente contesta, também, a legalidade de uma liquidação do Imposto de Jogo por não estar devidamente fundamentada e por violar o disposto na Lei do Jogo;
7-Tendo em conta a clássica definição de tributo - “prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento”, é indiscutível que o imposto de jogo, cuja liquidação se impugnou, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto;
8-A existência de um contrato de concessão não altera a natureza do tributo em questão, não havendo aqui, como assinalada na doutrina, qualquer “lei contrato”, ou qualquer “tributo contratual”;
9-A liquidação de Imposto de Jogo aqui impugnada, é ilegal por ter como fundamento legal o Decreto-Lei 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores da autorização;
10-A liquidação impugnada é, também, ilegal, porque o referido Decreto-Lei 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade;
11-Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para a tributação sobre as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real do imposto;
12-Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir-se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto;
13-A impugnada liquidação é, também ilegal, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
14-É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro;
15-O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o art° 104, n° 2 da Constituição;
16-E ao invés do defendido na douta sentença recorrida, as características próprias do Imposto de Jogo, não permite afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
17-A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente;
18-A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade, sendo certo que, essa diferenciação entre os diversos contribuintes não resulta dos contratos de concessão, mas sim da Lei do Jogo;
19-A liquidação impugnada é ilegal por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreta máquina, do capital em giro inicial;
20-A liquidação impugnada é também ilegal por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
21-A liquidação impugnada é, ainda, ilegal, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do art° 87° da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização;
22-Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis.
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A entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr. fls.223 a 243 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-O imposto especial de jogo não é um imposto geral sobre o rendimento, é um imposto especial com características de extrafiscalidade, que tem uma história, que só pode ser verdadeiramente compreendido quando analisado de forma integral e sistematicamente, continuando a ser válidas as razões que estiveram na sua criação e que é aplicável a um leque restrito de contribuintes, sete concessionárias de zonas de jogo;
2-O contrato de concessão em causa nestes autos foi celebrado em 29 de dezembro de 1988, quando estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48 912, de 18 de março de 1969, que continha o regime legal de exploração de jogos de fortuna ou azar, incluindo o regime tributário que enformava o contrato. O Governo em 1989, ao aprovar o novo regime que disciplina a exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos (Decreto-Lei 422/89) fê-lo acautelando a defesa dos direitos constituídos e das legítimas expetativas das atuais concessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar. Por esta razão a recorrente e demais concessionárias não se opuseram ao referido diploma nem o contestaram e inclusivamente declararam 11 anos mais tarde, em 2001, aquando da revisão dos contratos, aceitar expressamente todas as obrigações que do mesmo constam;
3-A recorrente ignora as especificidades na regulação pelo Estado da exploração dos jogos de fortuna ou azar, que estão bem patentes na legislação que trouxe esses jogos para o campo da legalidade e, em especial, no regime fiscal introduzido e que se mantém fiel à sua estrutura desde o primeiro momento (1927) em que o Estado decidiu regular uma atividade contra a qual nada podiam já as disposições repressivas;
4-A especialidade do imposto e as suas características de extrafiscalidade, implicam uma cautela por parte do intérprete e aplicador da lei, uma vez que não lhe são aplicáveis, integralmente, os princípios da “Constituição fiscal”, como são os da igualdade tributária e da capacidade contributiva;
5-O imposto especial de jogo é um imposto substitutivo de qualquer outra tributação, geral ou local, relativo à atividade específica de exploração dos jogos de fortuna ou azar, ao qual não podem ser aplicadas, sem mais, as regras de um imposto geral sobre o rendimento;
6-Esta técnica de tributação excecional ao contrário da tributação instituída para a generalidade das empresas, não assenta sobre o lucro apurado, o rendimento real ou líquido da exploração, o que se justifica pela especialidade da atividade de jogo. Ao contrário da atividade da generalidade das empresas que é incentivada pelo Estado, sobre a atividade do jogo incide um forte juízo de censura moral não pretendendo o Estado incentivar a mesma. A regulação do jogo impôs-se como uma inevitabilidade para o Estado que não quis ser parte interessada nos lucros da atividade, recusando lucrar com o infortúnio e a desgraça alheia;
7-Inexiste qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, uma vez que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP, prevê que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, encontrando-se perfeitamente explicadas as razões pelas quais o Estado optou por tributar as concessionárias pelo valor do capital em giro inicial e pelas receitas brutas, sendo que a recorrente não alega factos que coloquem em causa a sua capacidade contributiva;
8-Não há qualquer violação do princípio da igualdade quando o legislador aplica taxas mais baixas nas áreas menos desenvolvidas turisticamente e mais altas nas que apresentem um maior desenvolvimento, desde logo porque cada concessionária se situa, em exclusivo, numa dessas áreas, tendo, por isso, o Estado de criar e desenvolver de forma diferente as diferente áreas turísticas, o que faz todo o sentido também face à consignação de receita constante do n.º 3 do artigo 84.º da lei do jogo;
9-Não existe qualquer ilegalidade na fixação do capital em giro inicial para as máquinas, sendo que a recorrente nunca colocou em causa o seu método de fixação e valor;
10-O capital em giro inicial mensal, que corresponde a uma decomposição do capital em giro inicial anual, é fixado com base nos registos contabilísticos das máquinas que a recorrente tem à exploração e que, por isso, refletem as características e as circunstâncias da sua exploração;
11-A especialidade e especificidade do imposto de jogo e o facto de o mesmo ser aplicável apenas a sete concessionárias levou a que o legislador previsse a sua liquidação nos termos especiais previstos na lei do jogo, tendo a recorrente (i) prévio conhecimento da base de incidência do imposto (ii) conhecimento das respetivas taxas de imposto (iii) conhecimento das bancas e das máquinas que colocou à exploração naquele mês e (iv) acesso ao sistema informático onde inseriu os valores da sua receita e de onde também resulta o cálculo aritmético para encontrar o imposto que é devido;
12-A circunstância de a aqui recorrente sempre ter concorrido para a formação das notas de liquidação do imposto e ter prévio acesso a toda a informação, permite-lhe conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela administração para a determinação da liquidação. Conhecendo a recorrente as razões factuais e jurídicas, a sua garantia de defesa não foi colocada em causa, pelo que inexiste falta de fundamentação;
13-Inexiste qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material do Decreto-Lei 422/89. A recorrente omite na sua alegação de recurso que o Governo, quando reviu a legislação relativa à atividade do jogo, honrou os compromissos contratuais assumidos pelo Estado Português aquando da celebração dos contratos, não inovando, isto é, limitando-se a retomar e a reproduzir o que já constava de textos legais anteriores;
14-Por último, também não existe qualquer violação do princípio da legalidade tributária por o capital em giro inicial das máquinas automáticas ser fixado por ato administrativo, pois tal não implica qualquer ofensa dos princípios constitucionais ou violação dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
15-Não compete ao Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos fixar ou definir as grandezas brutas, mas apenas determiná-las, uma vez que se encontra vinculado na fixação do capital em giro inicial das máquinas em termos em tudo idênticos aos que se verificam relativamente aos jogos bancados, ou seja, no respeito pelos valores contabilísticos de receita apurada indicados pela concessionária, que mantém, nos termos da lei e à semelhança dos jogos bancados, o controlo sobre as máquinas que coloca ou não à exploração, assim dominando e controlando a receita e o imposto a pagar.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.258 e 259 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.263 e 264 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.246-verso a 247-verso do processo físico):
A-A Impugnante foi notificada em 06-02-2018 da seguinte liquidação de “imposto especial de jogo” do mês de Janeiro de 2018, por parte do Instituto de Turismo de Portugal, IP, cfr. teor de fls. 253 a 277 dos autos:









B-Para o mês de Janeiro de 2018, o Instituto do Turismo, IP, através da “NOTIFICAÇÃO N° 02/2018”, de 04-01-2018, notificou a impugnante que o capital em giro inicial para vigorar em todas as máquinas automáticas do ………………… durante o mês de Janeiro de 2018, era de 785,00 €, sendo o capital de giro anual no valor de 787,00 € (cfr. fls. 278 a 303 dos autos);
C-A Impugnante pagou a liquidação impugnada (cfr. teor de fls. 38 a 42 dos autos do p.f.);
D-A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal em 15-05-2018 (cfr. teor de fls. 79 dos autos do p.f.).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Factos não aprovados. Inexistem, com relevância para a decisão a proferir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A factualidade supra referida foi apurada com base nos documentos juntos aos autos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve o acto de liquidação de "Imposto Especial de Jogo" relativo ao mês de Janeiro de 2018 (cfr.al.A) do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a liquidação impugnada de Imposto de Jogo, porque baseada no regime previsto no dec.lei 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), viola os princípios constitucionais da legalidade (na sua vertente de reserva de lei), da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade. Que a mesma liquidação não se encontra devidamente fundamentada, quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”. Que o mesmo acto de apuramento viola o regime consagrado na Lei do Jogo, dado que o “capital em giro inicial” foi fixado mensalmente, quando a mesma Lei do Jogo estabelece uma fixação anual e, por outro lado, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b), da alínea c), do artº.87, da Lei do Jogo, fixou o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização (cfr.conclusões 1 a 22 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo e do modo como foram legal e contratualmente definidas as respectivas contrapartidas, o que se constata é que, embora a exploração do jogo não se reconduza a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da "concessão") dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Em Portugal, os jogos de fortuna ou azar constituem um monopólio do Estado. A sua prática é circunscrita, essencialmente, aos casinos e sujeita a forte regulação, sendo explorada em regime de concessão e adjudicada a empresas seleccionadas mediante concurso público (cfr.artºs.9 e 10, do dec.lei 422/89, de 2/12).
O Imposto Especial de Jogo (I.E.J.) constitui um tributo especial incidente sobre a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro de imóveis afectos à respectiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa actividade, qualquer outra tributação, nomeadamente, em sede de I.R.C. (cfr.artº.7, do C.I.R.C.). Este tributo encontra-se regulado pelo dec.lei 422/89, de 2/12 (diploma que já sofreu diversas alterações, sendo a mais recente efectuada pelo dec.lei 98/2018, de 27/11), consagrando um regime de liquidação e cobrança muito particular, já que o mesmo reveste natureza contratual, sendo doutrinariamente configurado como regime de avença, no qual a matéria colectável pode ser determinada por acordo entre o contribuinte e a Fazenda Pública (cfr. José Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Reflexões acerca da sua admissibilidade, Coimbra Editora, 1994, 105 e seg.; Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.93 e seg.).
O I.E.J. concretiza, segundo a doutrina, o que se pode designar por "regime fiscal substitutivo", no qual se verifica a substituição do regime geral de tributação do rendimento, aplicável à generalidade dos contribuintes, por um regime especial, o constante do mencionado dec.lei 422/89, de 2/12 (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 7ª. Edição, 2012, pág.588 e seg.; Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 8ª. Edição, 1996, pág.629 e seg.; Sérgio Vasques, Os Impostos do Pecado, O Álcool, o Tabaco, O Jogo e o Fisco, Almedina, 1999, pág.87 e seg.).
No dec.lei 422/89, de 2/12 ("Lei do Jogo" que consagra o regime jurídico da exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos) existe um capítulo (VII) denominado de “Regime Fiscal” em que se aborda os aspectos mais técnicos da incidência, liquidação e cobrança do I.E.J. (cfr.artºs.84 a 94).
O artº.84, da Lei do Jogo, começa por estatuir que as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento do imposto especial pela actividade do jogo não sendo exigível outra tributação pela referida actividade ou outras actividades que estejam obrigadas contratualmente.
Desta estatuição retiram-se duas conclusões importantes:
1-Fica definido que actividades acessórias/secundárias desenvolvidas no âmbito do contrato de concessão como animação cultural e outras ficam também sujeitas ao I.E.J.;
2-Atribui-se isenção de outros impostos de carácter central e local, bem como dos inerentes custos de licenciamento das actividades desenvolvidas às concessionárias. Já outras actividades desenvolvidas pelas sociedades concessionárias fora do âmbito do jogo e, face às quais, não haja qualquer cláusula obrigacional no contrato de concessão para o seu desenvolvimento ficam sujeitas ao regime tributário geral, ou seja, ao I.R.C. (cfr.artº.84, nº.4, da Lei do Jogo; artº.7, do C.I.R.C.).
Mais se dirá que o I.E.J. tem tido um papel importante no desenvolvimento do turismo no nosso país uma vez que parte substancial da sua receita (imposto de receita consignada) é aplicada no sector (77,5 %). A canalização das receitas provenientes desta actividade são definidas no artº.84, nº.3, do dec.lei 422/89, de 2/12.
Por último, a abertura ao público de cada banca ou máquina de jogo implica, desde logo, o pagamento mensal do I.E.J. por parte da concessionária. Apesar da liquidação e cobrança do referido imposto ser mensal é efectuada a correspondente liquidação definitiva anual, nos termos estabelecidos no artº.85 e seguintes da Lei do Jogo, conjugados com o clausulado nos respectivos contratos de concessão concretamente celebrados.
Após esta breve introdução, incidente sobre a definição do Imposto Especial de Jogo (I.E.J.) e seu regime jurídico, no âmbito do exame do presente recurso, haverá que saber se a contrapartida a que estão obrigadas as empresas concessionárias de exploração das actividades de jogos de fortuna e azar, em regime de exclusivo territorial, tem a natureza jurídica de tributo, "maxime" de imposto, e se o acto de liquidação da contrapartida concretamente impugnado padece de ilegalidade derivada da inconstitucionalidade das normas que a instituíram, o que pressupõe saber se, como alega o recorrente, o dec.lei 422/89, de 2/12, tal como o dec.lei 275/2001, de 17/10 (diploma que autorizou a prorrogação dos prazos dos contratos de concessão das zonas de jogo do …………., …………………….), enfermam de inconstitucionalidade orgânica e se as normas que instituem o pagamento da referida contrapartida violam os princípios fundamentais da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da legalidade tributária e da igualdade. Ainda, se o acto impugnado padece do vício de falta de fundamentação (quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do "capital em giro inicial"). Por último, se viola o regime previsto na mesma Lei do Jogo, tanto na vertente da sua cadência mensal (que não somente anual), como no aspecto da fixação do "capital em giro inicial", não levar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização.
As questões que são suscitadas no âmbito do presente recurso foram já objecto de análise e decisão na Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., no acórdão de 5 Dezembro de 2018 (rec.2224/13.1BEPRT), proferido em julgamento ampliado do recurso (cfr.artº.148, do C.P.T.A.; artºs.686 e 687, do C.P.Civil), e o seu teor posteriormente reiterado na jurisprudência que se lhe seguiu, designadamente, nos acórdãos de 23 de Janeiro de 2019 (rec.1037/14.8BEPRT e 1681/14.3BESNT), de 13 de Março de 2019 (rec. 1046/17.5BEPRT), de 3 de Julho de 2019 (rec.2220/15.4BESNT) e de 30 de Outubro de 2019 (rec. 132/13.5BESNT).
Tendo em consideração:
i) o carácter unânime da decisão prolatada em 5 de Dezembro de 2018 por este Tribunal;
ii) a reiteração do seu teor nas decisões subsequentes do S.T.A. que têm sido proferidas sobre a mesma questão, algumas supra identificadas;
iii) o pouco tempo que ainda decorreu desde que este entendimento jurisprudencial foi firmado, impõe o princípio da segurança jurídica que o teor daquela decisão inicial (em julgamento ampliado) seja igualmente seguido no recurso aqui em exame.
Com estes pressupostos, contemplando o teor do acórdão de 5 de Dezembro de 2018 (rec.2224/13.1BEPRT) e do acórdão de 23 de Janeiro de 2019 (rec.1037/14.8BEPRT), deve aplicar-se o disposto no artº.663, nº.5, do C.P.Civil (cfr.artº.94, nº.5, do C.P.T.A.), assim se estruturando a restante fundamentação do presente aresto através de remissão para os arestos precedentes e os fundamentos aí expendidos. Por outro lado,
considerando que, quer o texto do acórdão de 5 de Dezembro de 2018, quer o texto do acórdão de 23 de Janeiro de 2019, ambos da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., se encontram disponíveis, na íntegra, "on-line", na base de dados da D.G.S.I., dispensa-se a junção das respectivas cópias.
Face à motivação jurisprudencial para a qual se remete, impõe-se negar provimento ao recurso.
Por último, acompanha-se, igualmente, a jurisprudência anterior quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas, mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020. – Joaquim Condesso (relator) – Paulo Antunes – Aragão Seia.