Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01307/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
RELEVÂNCIA JURÍDICA OU SOCIAL
Sumário:I – A modificação de um contrato, operada pelo tribunal «a quo» nos termos do art. 437º do Código Civil, integra matéria jurídica complexa, tendencialmente merecedora de reapreciação pelo STA.
II – E, para além da natureza da questão, o recebimento da revista justifica-se pela quantia elevada que o Estado foi condenado a pagar e pelas possíveis repercussões públicas do assunto.
Nº Convencional:JSTA000P22645
Nº do Documento:SA12017113001307
Data de Entrada:11/20/2017
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A......., S.A. E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:

O MºPº veio, em representação do Estado, interpor a presente revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando em parte uma anterior sentença do TAC de Lisboa, condenou o ora recorrente a pagar às autoras no processo dos autos – A…………., SA, B……….., SA, C……….., SA, e D……….., SA – a quantia de 4.068.905,70 €, actualizada e acrescida de juros moratórios.

O recorrente diz que o recebimento da revista se justifica em virtude da relevância do assunto e para se corrigir o acórdão recorrido – que teria resolvido mal questões jurídicas complexas.
A recorrida, ao invés, defende a inadmissibilidade da revista por inobservância do art. 144º, n.º 2, do CPTA, por ela respeitar a matéria de facto, por o caso ser «sui generis» e por se mostrar correcta a solução do TCA. Subsidiariamente, preconiza a atribuição de efeito devolutivo ao recurso.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
As aqui recorridas interpuseram a acção dos autos a fim de obter – primacialmente, pela via de uma alteração das circunstâncias, justificativa da modificação de um contrato celebrado entre elas e o Estado – a condenação do réu a pagar-lhes a importância de 4.068.905,70 €, quantia essa actualizável e sujeita a juros moratórios. E, na óptica das autoras, essa mudança de circunstâncias consistiria no facto de uma «lex nova» ter acarretado a prescrição de dívidas fiscais delas, cuja anterior exigibilidade as impelira a celebrar tal contrato.
As instâncias reconheceram essa alteração de circunstâncias – ligadas à prescrição de dívidas fiscais pela emergência de uma «lex nova» – e a correlativa necessidade de se modificar o contrato. E apenas divergiram relativamente ao «quantum» a satisfazer pelo Estado, pois o TAC computou-o em metade da importância «supra» referida, enquanto o TCA atribuiu às autoras o direito a recebê-la na globalidade.
No essencial, a presente revista recusa a possibilidade de se inscrever o caso na previsão do art. 437º do Código Civil – pelo que o Estado pugna pela sua completa absolvição do pedido. E isto mostra que as recorridas claudicam ao dizer que o recurso é inadmissível porque somente se inclinaria a uma revisão do julgamento «de factis».
Ora, a problemática ligada àquele art. 437º – que, aliás, parece alheia à argumentação do TCA em torno do chamado «fait du prince» – costuma ser muito dificultosa, até por brigar com o princípio «pacta sunt servanda»; e, «in casu», é-o sobretudo porque o contrato havido entre as partes (a que elas chamaram Acordo Global) foi culminado por um outro pacto (o Acordo de Fecho), já posterior às prescrições das dívidas fiscais, ocorridas «ex vi legis». E tudo isso aponta logo para a reapreciação do aresto «sub specie».
Ao que decisivamente acresce o elevado valor pecuniário em causa, que indicia a importância do assunto. Bem como o relevo social da questão, porquanto o actual litígio prolonga uma controvérsia de décadas que tem recebido alguma atenção mediática.
A revista é, pois, de receber. E resta referir duas coisas: que o MºPº cumpriu o disposto no art. 144º, n.º 2, do CPTA – sendo incompreensível que as recorridas afirmem o contrário; e que a fixação do efeito do recurso constitui matéria estranha à competência desta formação, por incumbir ao relator a designar após o recebimento da revista (art. 27º, n.º 1, al. j), do CPTA).

Nestes termos, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.